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domingo, 22 de outubro de 2017

Hipoteses de Politica Externa: alternativas para um governo PT (outubro 2002) - Paulo Roberto de Almeida

Entre o primeiro e o segundo turno das eleições de outubro de 2002, quando já se dava por confirmada a vitória do candidato do PT, um jornalista conhecido da Gazeta Mercantil, então o mais importante jornal de economia do Brasil, contatou-me em Washington para pedir minha opinião sobre uma série de questões relativas à política externa do futuro governo. Concordei em expressar algumas ideias desde que fosse em caráter reservado, ou seja, não identificado. Ele mandou-me as questões, eu respondi, mas ignoro se foram ou não aproveitadas em alguma matéria daquele momento.
Como o texto nunca foi divulgado, e como o assunto agora não tem muita importância -- isso em termos práticos, pois continua a ser relevante pois vários dos temas continuam pendentes -- resolvi divulgar este trabalho, no momento em que faço uma revisão de todo o meu seguimento das relações entre partidos políticos e política externa. O tom geral é bastante otimista, talvez até demais. Uma das questões tocava no problema das esquerdas, ao que eu respondi da seguinte forma: “Não teremos um governo de “esquerda partidária” no Brasil, mas um governo identificado com forças progressistas. A ideologia política não deveria influenciar a ação governamental, ainda que algumas declarações de dirigentes políticos (não necessariamente na Chancelaria) possam induzir a essa identificação com “velhas amizades” nas ONGs progressistas.” Como se vê, enganei-me completamente: o que tivemos, justamente, foi uma política externa partidária, e até secretamente sectária (o que precisa obviamente ser provado).
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 22/10/2017 

 
Hipóteses de Política Externa – Novo Governo do PT

[Paulo Roberto de Almeida
NÃO CITAR SEM AUTORIZAÇÃO DO AUTOR

1) Mostrar o quadro daqui pra frente, os principais desafios. O que terá que ser enfrentado pelo PT no campo externo, a partir de novembro? Algum desafio sério?
O principal seria o eventual recrudescimento da turbulência econômica, fuga de capitais e coisas do gênero. Creio que a equipe econômica de transição, que será suficientemente confiável, tem condições de, em pleno entendimento com a equipe atual, debelar esses focos, ainda que algum rescaldo (maior desvalorização, etc) possa ocorrer.
No plano negociador externo, creio que as tomadas de posição quanto à Alca, Mercosul, relações com os EUA, serão igualmente responsáveis e profissionais, sem qualquer ameaça de derrapagens verbais ou conflitos retóricos. Não creio, pessoalmente, que grandes mudanças possam ocorrer em relação à postura já adotada pelo Itamaraty (e que corresponde à orientação de FHC) na maior parte dos temas da agenda externa. Poderá haver alguma ênfase verbal na defesa do “interesse nacional”, na busca de resultados equilibrados na Alca e nas demais negociações comerciais, mas nada que destoe excessivamente do que já vem sendo dito ou praticado atualmente.

2) Haveria uma mudança de postura ou continuidade com mudança de tom e ritmo?
Depende de quem seria o chanceler. Se for um profissional da Casa, dificilmente haveria grandes mudanças, mesmo com alguma concessão à retórica dos novos tempos. Se for um político ou personagem partidário, haveria inevitavelmente mudança de estilo e na forma de atuação, mas não acredito que possa haver alteração substancial dos métodos e formas de trabalho diplomático do Itamaraty.

3) A Alca, o TNP, negociações com UE e na OMC, aproximação com a Asia, a Africa , o projeto de integração sul-americana etc.
Tenderá o discurso a ser mais afirmado nas relações com o Sul e outros grandes países “periféricos” (onde o programa coloca além da Índia, a China e a Rússia, sic), mas creio que não se voltará atrás no TNP (o mais razoável seria deixar como está, pois qualquer mudança seria não só contraproducente, como inutilmente desgastante). Na Alca e na OMC, será a retórica desenvolvimentista, ou seja, nada de muito extraordinário em relação ao que já tivemos no passado e de certa forma ainda hoje.

4) Importante: o relacionamento com os EUA. O que podemos prever? Sabemos que a embaixadora Donna Hrinak está fazendo um trabalho bom, em Washington, para convencer diferentes atores que o Lula e o PT não são bichos-papões.
Sem dúvida, a Embaixadora desempenha um importante papel “apaziguador”, junto aliás com o RAB em Washington. São profissionais, que sabem lidar com as pequenas ou grandes dificuldades de uma relação assimétrica. As relações continuarão boas no plano político (sem o calor dos tempos FHC-Clinton, ambos da Terceira Via), e com as dificuldades conhecidas, e todas identificadas, no plano comercial, bilteral, hemisférico ou multilateral. Mas, não há porque pensar que essas dificuldades redundarão em maior tensão ou desgaste adicional. Brasil e EUA presidirão as negociações da Alca com bastante profissionalismo e sentido da importância do processo. Mas, como o processo todo é muito complexo, e dependente de soluções a serem alcançadas em Genebra, poderá haver algum atraso no calendário originalmente estabelecido para a Alca (término no final de 2004 ou começo de 2005).
Algumas inconsistências americanas terão de ser resolvidas daqui até lá, como por exemplo, a recusa em discutir determinados “temas sistêmicos” (como subsídios à agricultura) na Alca, remetendo-se acertos a Genebra, e sua insistência em discutir outros temas sistêmicos na Alca, como propriedade intelecual ou compras governamentais. Se o assunto é acesso a mercados, por exemplo, nada impediria os EUA de reduzirem as barreiras tarifárias e não tarifárias em agricultura, para nossos produtos competitivos, na Alca, e deixar o tema subsídios para a OMC. Mas se nem isso eles querem conceder, então pode ficar difícil. Creio que o Brasil pode insistir nisso.

5) Nova doutrina de segurança dos EUA, Plano Colômbia, tudo isso significa desafios novos para a diplomacia brasileira?
Não, nada de novo a rigor, ainda que a doutrina do “pre-emptive strike” seja relativamente inédita nas relações internacionais (mas a Carta da ONU reconhece o direito a auto-defesa). No caso da Colombia, o elemento importante é mais a atitude do novo governo Uribe do que propriamente a ação americana, que continua interessada na ajuda ao governo daquele país para conter o problema do narcotráfico.
Quanto ao problema da pacificação do país, o Brasil deve continuar manifestando sua boa disposição para ajudar diplomaticamente no diálogo interno entre os grupos políticos colombianos, mas não temos intenção de oferecer cooperação militar. Isso os EUA entendem muito bem.

6) Cuba: O PT deve continuar com a postura tradicional da diplomacia brasileira? Regionalmente, como seria a politica do PT (México, Argentina em especial)?
Não haverá mudanças básicas, pois a postura do Brasil sempre foi favorável ao término do isolamento diplomático de Cuba. Poderá haver alguma retórica adicional, mas nada de substantivamente diferente. Cone Sul e América do Sul serão claramente prioritários, e com o México as relações devem continuar no patamar correto em que estão hoje.

7) A esquerda mundial, em especial na Europa, representaria alguma forma de apoio adicional ao projeto do PT, ou o PT é que exerceria influência na esquerda (latino-americana em especial), com nova forma de governar e conduzir processos de mudanças? Nesse aspecto, haveria então reflexos na política externa?
Não teremos um governo de “esquerda partidária” no Brasil, mas um governo identificado com forças progressistas. A ideologia política não deveria influenciar a ação governamental, ainda que algumas declarações de dirigentes políticos (não necessariamente na Chancelaria) possam induzir a essa identificação com “velhas amizades” nas ONGs progressistas.

8) Haveria algum modelo comparativo de politica externa já adotada e a que o PT pretende realizar?
Não conheço, e duvido que o PT atue segundo modelos genéricos. A fase de governar segundo “rótulos” já passou e nem o PT pretende ser guiado por algum princípio abstrato de política externa. Pelo que se tem visto nas últimas semanas, o novo governo será bastante pragmático em matéria de política externa, o que significa que não se diferenciará muito do atual, inclusive quanto à falta de um slogan unificador (e necessariamente redutor). Salvo um vago desenvolvimentismo (expressa na diretiva do programa de campanha, segundo a qual a política externa terá papel importante no processo de desenvolvimento do País), o PT atuará segundo as linhas tradicionais da política exerna do Brasil, que já se define como uma “diplomacia do desenvolvimento”.

9) Os barbudinhos do Itamaraty estariam de volta? O que isto significa?
Não se pode dizer que haverá um “grupo” coeso de diplomatas identificados com uma determinada linha. Isso era válido na época da “nova ordem econômica internacional”, em que o Brasil tinha uma grande identidade com as reivindicações transformistas do Terceiro Mundo. Tudo isso mudou e hoje o pragmatismo impera. Não há um grupo dominante que possa ser identificado por traços ideológicos, políticos ou sequer faciais.

10) No mais, como diria o Guerreirinho, a melhor tradição do Itamaraty e saber renovar-se...Como seria esta renovação?
Uma retórica mais afirmada na defesa dos interesses nacionais, a busca de benefícios econômicos claros nas negociações comerciais, um caráter mais operacional e destacado aplicado à diplomacia econômica e a renovação, com forte ênfase, do compromisso com o Mercosul e o Cone Sul. No resto, tudo segue igual.

PRA, 23/10/2002
SEM CITAÇÃO NOMINAL.

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