...”Com as mudanças implantadas por Ruy Barbosa, em 1890, começa uma onda de crescimento gigantesca. Em 1906, a política de valorização do café contribuiu para o grande desenvolvimento econômico. O país crescia perto de 6% ao ano, às vezes mais. Houve ainda uma modernização acelerada do Brasil. Em 1929, a indústria já era do tamanho da agricultura no PIB brasileiro."...
...Em 1973, o PIB do Brasil era maior que o da China. Foi neste momento que esses dois países tomaram decisões opostas.
Mao Tsé-Tung decidiu lançar a China ao comércio internacional, o que ocorreu também com Japão e Cingapura.
No Brasil, Ernesto Geisel interpretou o momento de modo diferente. Decidiu aumentar o isolamento do país porque o mercado interno parecia para o governo dele muito melhor do que as oportunidades no mundo. Pegou, então, dinheiro emprestado no exterior para investir em estatais.
Houve uma recessão brutal, ou seja, o Brasil perdeu a aposta contra a globalização." ...
Lula e Geisel tomaram rumo semelhante na economia, diz autor
NAIEF HADDAD
DE SÃO PAULO
Autor de obras relevantes para a compreensão da história econômica do país, como "Mauá, Empresário do Império" (1995) e "Nem Céu Nem Inferno" (2015), o escritor e jornalista Jorge Caldeira, 61, lança "História da Riqueza no Brasil", um de seus livros mais ambiciosos.
Mestre em sociologia e doutor em ciência política, ambos pela USP, Caldeira reavalia parte expressiva dos rumos econômicos trilhados pelo país.
Ele diverge da historiografia tradicional, por exemplo, nos capítulos dedicados ao Brasil colônia. De acordo com os autores clássicos, nesse período só o latifúndio produzia riqueza, que era enviada ao exterior em sua quase totalidade. Caldeira, contudo, escreve que a colônia tinha um mercado interno forte, muito além das grandes propriedades, e uma economia mais dinâmica que a da metrópole.
Para alcançar conclusões como essa, ele recorreu intensamente à antropologia e à econometria, que aplica a matemática e a estatística à teoria econômica.
"A história econômica do país está em processo de mudança. Basta ver o sucesso que o Piketti tem feito no Brasil", diz Caldeira.
O francês Thomas Piketty é autor do best-seller "O Capitalismo no século 21", que reúne novas informações sobre a economia mundial partir da comparação de dados estatísticos de dezenas de países.
"Quando você tem esses dados no computador e consegue comparar as informações, é possível chegar a um retrato espetacular. Os livros que faço são filhos dessa mudança tecnológica", afirma o autor, que não critica a historiografia tradicional.
"Informações como as que eu obtive, a partir da econometria, simplesmente não estavam ao alcance dos clássicos", afirma.
Nos capítulos finais de "História da Riqueza no Brasil", que tem mais de 600 páginas, ele indica a proximidade do ponto de vista econômico do governo Geisel, na década de 70, e do segundo mandato de Lula, na segunda metade dos anos 2000. Para Caldeira, no intuito de reforçar o mercado interno, ambos reduziram o contato da economia do Brasil com o exterior, levando o país à recessão.
"É difícil entender como, a partir de ideologias opostas, Lula e Geisel tenham tomado rumos semelhantes na economia. Essa é uma pergunta sobre a ideologia para a qual não tenho respostas. O livro traz perguntas, não respostas", diz ele, que estuda a história econômica brasileira há mais de três décadas.
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BRASIL COLÔNIA
"A ocupação antes da chegada dos portugueses é definida pela historiografia tradicional por meio do conceito de economia de subsistência, segundo o qual povos que não têm um grau de desenvolvimento alto produzem apenas o mínimo necessário para manter a existência vital. Agora, [há uma nova visão] que indica uma economia produtiva, capaz de reagir a novidades.
Já sobre o Brasil colônia, os autores clássicos dizem que, nesse período, a riqueza foi para fora do país, e só o latifúndio produzia riqueza. Pela definição atual [baseada em estudos de econometria], a economia da colônia se tornou mais dinâmica que a da metrópole, mesmo com o governo central mandando dinheiro para fora do país. Esse é o retrato do Brasil em 1800.
Faço comparações possíveis com o resto do mundo. A essa altura, o Brasil tinha aproximadamente a mesma dimensão da economia dos EUA."
IMPÉRIO
"Segundo a historiografia tradicional, esse é o período em que o Brasil começou a ter algum progresso. Pelos dados recentes da econometria, porém, foi uma economia que permaneceu estagnada durante 70 anos. Nessa fase, o crescimento da renda per capita foi zero.
Isso ocorreu justamente quando as economias do Ocidente começaram a crescer. Ao fim desse período, a economia brasileira passou a representar menos de 10% da economia dos EUA"
A PRIMEIRA REPÚBLICA
"A visão tradicional é de um período agrário, em que o Brasil não progrediu muito. Prevalecia a política dos coronéis. De fato, a política era ruim, mas a economia não, como mostra a econometria.
Com as mudanças implantadas por Ruy Barbosa, em 1890, começa uma onda de crescimento gigantesca. Em 1906, a política de valorização do café contribuiu para o grande desenvolvimento econômico. O país crescia perto de 6% ao ano, às vezes mais.
Houve ainda uma modernização acelerada do Brasil. Em 1929, a indústria já era do tamanho da agricultura no PIB brasileiro."
A PARTIR DE 1930
"No período que vai de 1930 ao regime militar, há coincidência entre a interpretação tradicional e a econometria. A economia continua crescendo em ritmo acelerado, e os outros países, em geral, não.
Considerando o intervalo entre 1890 e 1970, a economia brasileira foi a que mais cresceu no mundo, um desempenho excepcional.
O que mais interessa, no entanto, é o que aconteceu dos anos 70 em diante. Em 1973, o PIB do Brasil era maior que o da China. Foi neste momento que esses dois países tomaram decisões opostas.
Mao Tsé-Tung decidiu lançar a China ao comércio internacional, o que ocorreu também com Japão e Cingapura.
No Brasil, Ernesto Geisel interpretou o momento de modo diferente. Decidiu aumentar o isolamento do país porque o mercado interno parecia para o governo dele muito melhor do que as oportunidades no mundo. Pegou, então, dinheiro emprestado no exterior para investir em estatais.
Houve uma recessão brutal, ou seja, o Brasil perdeu a aposta contra a globalização."
ÚLTIMOS 30 ANOS
"[A partir da redemocratização], os governos Collor, Itamar e Fernando Henrique tentaram refazer essas ligações internacionais para aproveitar as oportunidades. O Lula inicialmente também.
Mas depois o Lula teve a brilhante ideia de nacionalizar o pré-sal. Imaginava-se que os royalties resolveriam os problemas do país.
A aposta vai no mesmo sentido do que fez Geisel, para quem apostar no que está aqui dentro é muito melhor do que manter a integração com os demais países. À parte a corrupção e outros problemas, esse erro estratégico do Lula, apoiado pelo Congresso e por empresários, resultou nessa recessão recente. Foi, portanto, uma segunda aposta perdida contra a globalização."
RECESSÃO
"Tenho a impressão de que a recessão que se seguiu à renúncia de Dom Pedro 1º, em 1831, foi maior que a crise econômica dos anos recentes. Houve uma destruição social, que resultou, por exemplo, na Cabanagem, no Pará, e acabou em prostração econômica. Mas digo isso intuitivamente, não há dados econométricos para comprovar isso.
Com os números em mãos, podemos dizer que essa de 2015 e 2016 foi mais grave que a de 1929 e também que a dos anos 1980".
IDEOLOGIAS
"É difícil entender como, a partir de ideologias opostas, Lula e Geisel tenham tomado rumos semelhantes na economia. Essa é uma pergunta sobre a ideologia para a qual não tenho respostas. Esse livro traz perguntas, não respostas.
Me pergunto também se essas ideologias que nós vemos como opostas não são apenas sobras de uma era que ficou no passado. E me pergunto também se o Fla-Flu ideológico dos dias de hoje não é só um modo de manter vivo algo que não explica mais o Brasil.
Sobre o governo Dilma, tenho a seguinte impressão: quando já havia indícios suficientes de que essa condução da economia não daria certo, em 2012, 2013, Dilma ainda tinha convicção de que era o melhor caminho. Até o ponto que não deu mais, depois da reeleição dela.
Por outro lado, é preciso entender que a situação é sempre difícil para quem dirige a nação. Passado o tempo, é fácil julgar a história. Quanto mais perto do presente, mais complicado é fazer isso".
ALTOS E BAIXOS
"Se pensarmos no longo período de que esse livro trata, 520 anos, o Brasil tem cerca de 400 bons anos. Portanto, não é o fim do mundo.
O que há em comum nessas fases ruins, que somam 120 anos, é tratar uma peculiaridade local como se fosse boa para o universo. O Brasil não é o centro do mundo.
Quando a economia brasileira deixa de olhar para o resto do mundo, oportunidades são perdidas"
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HISTÓRIA DA RIQUEZA NO BRASIL
AUTOR: Jorge Caldeira
EDITORA: Estação Brasil (622 págs.)
QUANTO: R$ 69,90
CRÍTICA
Amparado em números, Caldeira explica cinco séculos de Brasil
O jornalista e historiador Jorge Caldeira
NAIEF HADDAD
DE SÃO PAULO
Não faltassem dois meses para o arremate de 2017, seria possível cravar: "História da Riqueza no Brasil" (ed. Estação Brasil), de Jorge Caldeira, é o grande lançamento de não ficção do ano no país.
O livro representa o ápice até aqui da carreira do escritor e jornalista Caldeira, 61, em seus estudos de mais de três décadas sobre a história econômica do país.
É o 16º livro dele, cuja bibliografia é composta por obras de prestígio como "Mauá, O Empresário do Reino" (1995), "O Banqueiro do Sertão" (2006) e "Júlio Mesquita e seu Tempo" (2015).
Para a concepção de "História da Riqueza no Brasil", Caldeira não abandonou os métodos usuais dos historiadores, como a consulta aos documentos de época. Mas a excelência do projeto se deve sobretudo a duas outras iniciativas, ambas em ascensão, embora ainda sejam incomuns no ambiente acadêmico brasileiro.
A primeira foi lançar mão da antropologia para uma leitura mais completa da história econômica, especialmente do período que antecede a chegada dos portugueses e do Brasil colônia.
Mestre em sociologia e doutor em ciência política, ambos pela USP, o autor se valeu de uma variedade de estudos de campo, entre os quais se destacam as pesquisas da cultura guarani pelo antropólogo francês Pierre Clastres (1934-1977).
A segunda, e mais importante, decisão de Caldeira foi usar a econometria, como, aliás, tem feito nos seus livros mais recentes. Grosso modo, trata-se de um método estatístico de análise de dados econômicos, que só se tornou plenamente viável graças ao avanço da tecnologia nas últimas quatro décadas.
Caldeira não é o primeiro historiador brasileiro a recorrer às fontes da antropologia e da econometria. O caráter pioneiro da sua obra está, na verdade, na combinação exaustiva desses novos conhecimentos e técnicas de pesquisa para montar um retrato tão abrangente, ou seja, mais de cinco séculos dos rumos econômicos do país.
Em geral, a historiografia clássica descreve o Brasil colônia como período em que só os latifúndios produziam riqueza, e todo o excedente seguia para Portugal. Não existia dinamismo mercantil.
O livro recém-lançado reavalia, para dizer o mínimo, essa abordagem tradicional.
"Com a acumulação dos dados, ficou cada vez mais evidente que, no final do século 18, a economia colonial brasileira era pujante, e pujante em decorrência do crescimento do seu mercado interno. Mais ainda, era uma economia bem maior que a da metrópole", escreve Caldeira no capítulo 19.
Também redimensiona outros períodos, como o Império e a Primeira República.
Ao comparar dados do Brasil e de outros países, como os Estados Unidos, Caldeira mostra onde caímos do bonde da história –ou deixamos de pegá-lo.
Por volta de 1800, a economia brasileira tinha porte equivalente à dos EUA. Ao fim do período imperial, nos últimos anos do século 19, o peso econômico do país representava menos de 10% do ostentado pelos americanos.
Amparado em números, "História da Riqueza no Brasil" poderia resultar em um inextricável compêndio de estatísticas. Não é o que acontece graças à capacidade de Caldeira de escrever como um jornalista faz –ou como deveria fazer. Prevalecem no livro a clareza, a fluência e a atenção ao contexto e às boas histórias.
Outro cuidado do autor é, à luz das divergências, não soar desrespeitoso com os clássicos. Afinal, o acesso às comparações entre bancos de dados é muito recente.
Caldeira nos faz crer que seu livro é só um passo inicial de um longo trabalho de reescrever o passado.
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