Só posso dizer que o relato é impressionante.
Paulo Roberto de Almeida
Escalada, abelhas... e quatro dias na
UTI!
Claudio
de Moura Castro
Era um passeiozinho menor. A estrada
abandonada virou picada e logo acabou. Decidi subir o restante pelo meio do
mato. Mas virou escalada. De repente, topo com uma casa de abelhas (das que moram
no chão). Não havia volta. Continuei, sendo acompanhado por um séquito cada vez
maior das moradoras. Logo perdem a cerimônia e começam a picar. Pouco adiante,
perco as forças. Como avançavam nas pálpebras, não conseguia discar o celular.
Finalmente, atendeu o gerente do Condomínio que mobilizou o socorro. Duas horas
depois, fui achado. Com cordas e grande competência os bombeiros guindam-me do
buraco.
Na ambulância, comecei a vomitar abelhas,
enquanto me davam adrenalina e morfina. Fui para a respeitada UTI do Hospital
João XXIII. Com Gilettes, as enfermeiras retiraram quase mil ferrões. Para a
família, a médica informa que julgava o caso perdido. Mas parafraseando Mark
Twain, as notícias da minha morte foram amplamente exageradas. Sobrevivi!
Por quatro dias fiquei, como assombração,
em uma sala com uma dúzia de camas. À minha frente estava alguém que tentou
assaltar um ônibus mas foi defenestrado pelos passageiros. Uma pesada corrente
atava seu pé à estrutura da cama e, a porta, policiais brandiam metralhadoras.
Dia e noite, brilhavam as luzes. Como estão quase todos entubados e parecendo
mais para lá do que para cá, as dezenas de funcionários e médicos conversavam,
sem qualquer esforço para moderar o volume. Alguns falavam de medicamentos, uma
do biquíni novo, outra da troca de turno com a colega. Em certas horas,
entravam bandos de estudantes de medicina, bebendo as doutas palavras do
médico.
Cada um tinha seu serviço. À minha cama, um
vinha com remédio para isso, outro com injeção para aquilo, um medir a
glicemia, outro para aplicar insulina, um para fazer eletro, outro examinava os
pulmões. A pressão e temperatura eram conferidos amiúde. O toxicologista
aparecia de vez em quando. O otorrino, para tirar abelhas do nariz e ouvido. A
endocrinologista comandava o espetáculo. Ninguém mais do que eu reconhece a
competência de cada um e a capacidade do time de interagir produtivamente com os
colegas. Não havia a correria nem o nervosismo dos filmes de TV. Todos numa
boa, conhecendo a sua missão.
Mas neste ambiente - e na pobreza orçamentária
de um hospital público - a prioridade é manter vivo o corpo. A alma e o
conforto do paciente que esperem. Entrei e saí sem por os pés no chão. Não há
vaso sanitário ou chuveiro. Todos só de fralda e ganhando banho de gato. Pedi
uma pastilha para a garganta, a médica olhou para mim como se estivesse exigindo
uma taça de Veuve Clicquot. Tampouco havia pasta e escova de dentes. As
pálpebras mordiscadas pediam um banho de soro fisiológico a cada tantos
minutos. Era um luxo que os atendentes relutantemente acediam.
Mais dois dias em outro hospital e voltei
para casa. Um amigo perguntou-me se tentei
identificar as abelhas na Internet, contemplando as suas fotos. Selecionei
meus melhores palavrões para a resposta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário