BRASIL INVERTEBRADO
Blog Rocinante, 28/10/2017
(Um espaço para defesa da Liberdade, da forma incondicional em que Dom Quixote fazia nas suas heroicas empreitadas!)
Faço referência no título deste post à obrinha de Ortega y Gasset intitulada: España invertebrada (1922).
Nela, o grande pensador criticava a falta de espírito público vigente
na Espanha, às vésperas da Guerra Civil. Cada um no seu canto, com a sua
bandeira. A Espanha de então era como o Brasil de hoje, dividido em
patotas. Cada um zelando pelos seus interesses individuais, mas sem
nenhuma perspectiva de respeito aos direitos dos outros. Era a ausência
total do "interesse bem compreendido" apregoado por Tocqueville como
condição necessária ao bom funcionamento de uma República.
Pois
bem: o vício da privatização do poder para benefício próprio, fenômeno
tipicamente ibérico, esse é o nosso mal, neste Brasil que se debate
entre patotas. O lema dessa privatização do que é de todos é: "quanto
pior melhor"! Fica isso claro no niilismo lulopetralha, que quer que
definitivamente o barco afunde, visto que o Chefe já está com a água no
pescoço. Mas desse imediatismo suicida não se salvam outros atores.
Muitos querem negociar, no Parlamento, levando unicamente em
consideração os interesses imediatos, sem pensarem no país e no que
seria melhor para o Brasil.
Os
vários grupos de esquerda arregimentados ao redor do lulopetismo
consideram que como o Partido e os seus dois ex-presidentes, Lula e
Dilma, estão já prestando contas à Justiça pelos malfeitos dos seus
desgovernos, devem desconhecer, então, a legitimidade do governo Temer
que, dentro dos marcos assinalados pela Lei, substituiu o regime
lulopetralha. A minha posição é clara: deixem o Temer concluir o seu
mandato-tampão, estabelecido à luz do que a Constituição e as leis
mandam. Se ele tiver algo a responder perante a Justiça pelo seu
desempenho político anterior à chegada ao Planalto, que o faça logo
assim que terminar o seu mandato em 2019.
O
que os militantes estão tentando, há meses a fio, é inviabilizar um
governo de transição legitimamente constituído, para "pescar em águas
turvas". É claro que entre os colaboradores parlamentares de Temer, nem
todos são corretos e não poucos tem agido unicamente pensando nos seus
benefícios imediatos, sem prestar atenção ao que seria melhor para todos
os brasileiros. Agem assim os que aproveitam a próxima curva do caminho
para assombrar o enfraquecido presidente com exigências que são mais
chantagens de última hora.
Mas
o governo Temer tem resistido aos embates, negociando aqui e acolá.
Afinal de contas, Michel Temer é um experimentado parlamentar que sabe
de cor e salteado os ritos processuais do Congresso e da barganha
política. Se algo de errado houver nos seus atos como presidente, que
seja julgado conforme o rito legal. Até o presente, pelo visto das
sessões do Parlamento dedicadas a apreciar as denúncias do Ministério
Público contra o primeiro mandatário, ele tem sido poupado. Deixem o
homem trabalhar neste seu curto mandato, a fim de que complete o
trabalho de saneamento da economia, duramente golpeada pela
irresponsabilidade criminosa de Lula, Dilma e dos seus colaboradores.
De
negativo tenho a destacar a figura do ex-procurador Rodrigo Janot, que
cedeu à tentação da mosca azul do poder e partiu com tudo para cima de
Michel Temer, a fim de conquistar benefícios políticos e pavimentar a
sua entrada ulterior na política partidária. Não podia o senhor Janot
ter feito isso, investido como estava de altos poderes na Procuradoria
Geral da República. O episódio da denúncia montada contra Temer à sombra
da procuradoria, que negociou previamente com os criminosos empresários
Joesley e Wesley (dois gangsteres de filme de velho oeste, mais do que
dois honestos cidadãos), é de todo modo inaceitável. Janot achou que os
brasileiros somos otários e que se sairia bem com a sua ópera bufa.
Amargará as consequências que a opinião pública lhe obrigará a engolir
nos próximos anos. A lei existe e é para todos, inclusive para Janot e
comparsas!
Escreveu
bem, a respeito das aventuras estratégicas de Janot, o sociólogo
Demétrio Magnoli no seu artigo intitulado: "A Lava-Jato perecerá se não
for contido o espírito jacobino" (Folha de S. Paulo,
24/06/2017), quando frisou: "Janot, nosso Ropbespierre carnavalesco,
subscreveu o enunciado (de que o Terror é nada mais que justiça
imediata, severa, inflexível), ao associar-se com o corruptor geral da
República numa trama politicamente motivada. Já o Supremo Tribunal
Federal, ao validar o prêmio escandaloso concedido ao delator,
desperdiçou a primeira oportunidade para dissociar a palavra Justiça da
palavra Terror". Segundo Magnoli, "Dois fatos são indisputáveis: 1 -
antes de delatar oficialmente, Joesley foi instruído por um procurador e
um delegado da Polícia Federal; 2 - como prêmio pela entrega das
gravações, obteve imunidade judicial absoluta. Nas suas argumentações,
os Ministros do Supremo Tribunal Federal esconderam-se atrás do biombo
dos sofismas para não enfrentar tais flagrantes ilegalidades".
Uma
segunda apreciação crítica das investidas da Procuradoria e do
Ministério Público, tinha sido elaborada pelo sociólogo Luiz Werneck
Viana na entrevista concedida no ano passado a Wilson Tosta, do jornal O Estado de S. Paulo (20/12/2016),
sob o sugestivo título: "Tenentes de toga comandam essa balbúrdia
jurídica". Nas suas declarações, Werneck Vianna reconhecia que há uma
inteligência (a das corporações jurídicas, como o Ministério Público e o
Judiciário) a comandar a crise política que assola o País. "Essa
balbúrdia - frisava o entrevistado - é comandada e manipulada com
perícia. Procuradores e juízes são tenentes de toga, uma comparação com os tenentes de 1920, mas, diferentemente dos revolucionários fardados, não tem programa além de uma reforma moral do país".
O
certo é que essa investida moralizante insere-se no contexto da
regeneração dos positivistas do século XIX, que pretendiam enxotar a
representação de interesses como imoral, a fim de deixar unicamente no
cenário os legítimos representantes dos interesses sagrados do
governo, a nomenclatura cabocla e os seus mandantes, iluminados pela
ciência social. Todos sabemos aonde conduzem essas nebulosas
elucubrações: a "ditadura científica" dos "puros", que o Brasil já
conheceu nos ciclos castilhista, getuliano e do ciclo militar.
Tratar-se-ia de jogar a água suja da banheira junto com a criança. Isso a
sociedade brasileira não quer.
O
que reivindicamos os cidadãos nestes momentos é que haja uma reforma
política que reestruture a nossa representação deformada pelas
intervenções autoritárias. Uma das intervenções mais desastradas foi a
efetivada pelo ditador Getúlio Vargas, que popularizou o slogan de que
as eleições são para conscientizar, não para melhorar a representação.
Outra intervenção desastrada foi a protagonizada pelo famigerado "Pacote
de Abril" do general Geisel, que deformou a representação dando mais
representatividade aos Estados atrasados que dependiam dos favores da
União, tendo deixado sub-representados os Estados que representavam o
Brasil moderno.
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