Vale transcrever a partir desta postagem em seu blog de resenhas de livros:
http://carlosupozzobon.blogspot.com.br/2011/12/as-origens-do-totalitarismo.html
Totalitarismo brasileiro em construção
Carlos Pozzobon
19/9/2010
Na intimidade da mente totalitária, ocorrem as inversões praticadas por Stalin: “sempre tomar o cuidado em dizer o contrário do que fez e fazer o contrário do que disse”. É a sociopatia juntando má-fé e compulsão para mentir, mas que rende extraordinários resultados eleitorais ao sistema. No poder, o partido precisa construir a todo custo uma maioria eleitoral para impedir a alternância. Essa maioria não virá de partidos políticos, mas de organizações sociais. O partido passa a controlar diretamente os sindicatos, impedindo por decreto a auditoria das contas sindicais pelos órgãos do Estado (TCU). Nos comícios, o partido convoca os sindicatos para uma demonstração de força, que assim demonstram sua subserviência ao poder. Comandando a turba, juntamente com as organizações sociais, estão os movimentos liderados por funcionários de entidades e empresas estatais.
Organizações sociais, do tipo MST e Via Campesina, já demonstraram o novo modelo de fascismo no campo: ao arbítrio de seus líderes, propriedades invadidas são acobertadas pelos vínculos partidários nas estatais, que fornecem a legalidade instrumental para declarar terras improdutivas, independentemente de sua real situação, e a liberdade para os saques. Um exército de mercenários sustentado por verbas da reforma agrária se mobiliza contra o trabalho agrícola de larga escala, retalhando a propriedade invadida em casas de campo para seus dirigentes, ou repassando a propriedade a terceiros, que, por sua vez, terminam gerando quase nenhuma produtividade. Verbas generosas salvam o movimento que aumenta seu contingente em todos os Estados da federação. Com pretexto para mobilizações, repetem que querem a reforma agrária, mas não querem coisa nenhuma.
Aparecem soluções salvacionistas. A levedura fascista borbulha com o esbravejar espumante de aventureiros, falidos, oportunistas, matusquelas, celerados ideológicos e o diabo-a-quatro. Às vezes, parece que a insanidade toma conta da Nação, e vai abrindo espaço para o rasgar sucessivo de leis, de procedimentos e atos legais. Uma onda de calúnia vai manchando reputações, denegrindo a inteligência, acuando a intelectualidade do país. A chusma aplaude entusiástica aquilo que em uma sociedade organizada é vigarice intelectual.
Em certo momento, vem o golpe: fecha-se o parlamento e surge o governo por decreto. Aparelha-se a polícia para limpar a sociedade dos elementos indesejáveis. O totalitarismo, assim como o nazismo, o stalinismo e tampouco o getulismo, não se baseia no poder ditatorial do exército. O governo ditatorial domina o aparato policial que, subordinado ao mandatário, age estritamente sob suas ordens. A neutralização militar é facilmente conquistada nas empresas e agências estatais, ou no lobby privado – o getulismo subornou os militares entregando cargos públicos aos tenentes.
Mesmo assim, o descontentamento entre os setores profissionais das forças armadas torna-se visível em manifestos e circulares. A tensão conspiratória aumenta. Algumas vozes aparecem pedindo intervenção militar, argumentando um totalitarismo irreversível. Outras vozes clamam mais alto pedindo prudência, temerosas de que a intervenção militar possa gerar uma sucessão de eventos incontroláveis. O passado é relembrado como um exemplo a ser evitado. Mas, a cada dia, o presente demonstra que as coisas avançam na direção de tudo piorar, mais do que no passado. No meio do relativismo, quem vai dar a palavra final é o povo que espera ser convocado às ruas.
Neste momento, é preciso fechar as vias de informação internacionais. A Internet é constantemente manipulada para bloquear os sites que criticam o novo regime. Para não provocar a reação de toda a sociedade, o fechamento vai se sucedendo em intervalos, enquanto o governo vai ampliando seu poder de penetração no financiamento de novos portais de comunicação, de rádios e jornais, que passam a legitimar o avanço fascista e aumentar o tom de apoio ao governo.
Prisões na calada da noite, espancamentos, confissões forjadas e irradiadas para todo o país envergonham a serenidade do povo e avacalham a sobriedade indispensável à ordem republicana. Quando uma pessoa é invadida em sua intimidade, com propósitos de calúnias e dossiês, logo um exército de mercenários ocupa o maior número possível de espaços de discussão para destruir a respeitabilidade de inocentes. Baseando-se na estratégia de culpar a vítima para jogar na mesma lama violadores constitucionais e inocentes difamados, uma poderosa máquina de jornais e revistas paga com dinheiro público põe-se em ação para enxovalhar pessoas. Desavergonhados riem-se cinicamente do constrangimento de quem tem uma reputação a defender.
O país vive uma constante mudança: currículos escolares, cursos de patavina para valdevinos são prestigiados, concursos literários, poemas exaltando o grande chefe ou o sacrifício dos espoliados pelo antigo regime são consagrados como peças literárias imortais. Uma simbologia estabelece o novo status social para a oligarquia emergente: o regime começa a acumular vaidades.
A ordem balança, e a estabilidade fica condicionada à sua capacidade de dar resposta repressiva aos inimigos pontuais. Em todos os locais, a despersonalização aumenta e a expressão espontânea do povo some como por encanto. Todos fazem de conta que não se conhecem, que nunca se viram, que não são uma sociedade interativa, a menos do espírito conspiratório e da insurgência latente.
A sorte do regime está selada com as vagas incertas das circunstâncias internacionais. Ninguém sabe ao certo até quando o festival de arbitrariedades vai durar. Ninguém sabe ao certo se algum dia o país será capaz de se curar da insensatez. Mas a verdade é que, no fundo, no mais recôndito de todos os seres, a esperança não passa de uma vela acesa ao relento.
De repente, uma oposição fragilizada é cooptada na rede da oligarquia perene. O regime, sempre obsequioso em criar vínculos e benesses para arregimentar novos seguidores, sabe que precisa de ‘reformas’ para se revitalizar. E aquilo que era a oposição multifacetada passa a ser situação integrada, maldizendo o passado, cortando gastos, atingindo órgãos perdulários há muito tempo para serem extintos. Refaz-se a moeda, cortam-se os zeros inflacionários para se manter tudo como está em nome de uma constituição que, examinada a fundo, não passa de arranjos vexaminosos.
É o suborno intelectual obtido com recompensas políticas. A perenidade do regime está em sua capacidade de subornar. Subornam-se com viagens, com horas-extras, com cargos de comissão, com um segundo emprego, com vantagens, com retroações de benefícios no tempo, com toda uma maquinaria inexistente no capitalismo, e que faz do regime de iniquidades algo muito melhor do que qualquer coisa jamais descoberta na face da terra para os que participam do reservado círculo do poder.
Como casas da mãe-joana, as Assembleias Legislativas desfilam famílias inteiras na folha de pagamento de assessores. Nas prefeituras, em paralelo com os abnegados de sempre, o burocratismo e os maus tratos com o patrimônio público chegam às raias de sabotagem de guerra não declarada. Congresso e Senado são gerenciados por atos secretos. Nas prefeituras e universidades, são comuns salários duplos, triplos, quádruplos. Funcionários fantasmas se acumulam do Oiapoque ao Chuí.
A entropia produzida pela delinquência partidária chega a um ponto tal que as poucas vozes discordantes ficam reduzidas a uma minoria inexpressiva eleitoralmente — é a inteligência do país relegada a uns gatos pingados, o fascismo perene, a sociedade do vale-tudo, o regime que fornece recompensa àqueles a quem a astúcia está associada com as piores qualidade morais.
O dinheiro dos impostos de quase 130 milhões de brasileiros e de milhares de empresas é gasto com 5-10 milhões de funcionários públicos e dependentes, dos quais 1 milhão de privilegiados, e dentre esses, uns 100 mil formam uma oligarquia intocável, inamovível e inimputável. Assim é o regime fascista. Ele se baseia na lógica do consórcio: para se ter uma oligarquia, é fundamental que um não se imiscua no butim do outro, e que haja divisão entre todos. Assim, todos se absolvem e se protegem, igualando-se na mesma promiscuidade libertina.
Doenças intelectuais invadem a consciência da Nação com o empreguismo, o coitadismo, o concessionismo, o assistencialismo, o niilismo, e um sistema político que não se renova, que não se extirpa, sustentado por um judiciário que negocia sua tabela de preços aos cochichos, e que avacalha o bem pensar e a própria lógica com certas absolvições.
Parece que o princípio marxista de ‘a cada um segundo suas necessidades’ toma conta dos propinistas. Todos cobram uma parte, a corrupção se espalha como uma praga. As eleições são o sintoma evidente. Cabos eleitorais se licenciam dos empregos no magistério com remuneração garantida, migram para os gabinetes de assessorias e cargos comissionados, e se apresentam como organizadores de comícios, de panfletagens, de visitas de candidatos.
A máquina pública é posta em ação para a disputa. Vence o mais forte, o Partido que acumulou mais dinheiro do butim, e mais infraestrutura no aparelhamento estatal. O povo trabalhador contempla estupefato entre a sandice dos discursos e a cara-de-pau dos pretendentes. Às vezes, parece que certos candidatos não têm superego, pois, tomados pela pusilanimidade e desfaçatez do momento, lhes falta o recato inerente à vida social. Seus discursos são torpezas pronunciadas no maior descaramento.
Quando afinal os desmandos atingem o ápice, a Nação está empobrecida, décadas foram perdidas, a produtividade em baixa, os serviços públicos aviltados, e parte do povo moralmente depravada. Nova liderança assume o poder para acabar com os desmandos. E o que se consegue auditar do vendaval de destruição do patrimônio da Nação é muito pouco, tímidas reformas ficaram no meio do caminho.
Mesmo assim, uma nova época é celebrada, novas esperanças ressurgem, um novo otimismo toma conta do espírito da Nação, que já traz embutido o germe de sua destruição pela fraqueza intelectual de seus epígonos ou pela manutenção do ancien régime, sob as cinzas do novo tempo.
O espírito de conciliação faz o estrago previsto ao manter, sob o manto da legalidade, a proteção dos estelionatários. Em nome da paz social, estende-se uma anistia aos velhos prevaricadores, em geral, com aposentadorias integrais — forma de suborno preferida no século XX.
Sob as mudanças introduzidas, tudo melhora desde que se conservem as raízes do atraso, que brotam novamente com o mesmo romantismo da igualdade, da moralidade, da virtude, agora com novos protagonistas, com uma nova geração. Com a tomada do poder, termina o novo ciclo, tudo se dissolve, e se chega à infeliz contabilidade de que o engodo é o mesmo, só mudaram as moscas. Do ponto de vista moral, não cruzamos o século XVIII.
Lampedusamente, tudo muda, tudo se transforma, mas não a ponto de se derrubar a oligarquia perene e se descobrir o virtuoso caminho da grande Nação que nos foi reservada pela natureza.
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