Reproduzo a postagem mais recente do blog Rocinante, este monumento à inteligência mantido pelo professor Ricardo Velez-Rodrigues.
Não necessito comentar nada. Tudo está exposto com a mais perfeita clareza...
Paulo Roberto de Almeida
Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, 7/10/2013
Pelotas. A antiga Faculdade de Ciências Agrárias, no campus da Universidade Federal de Pelotas, foi a sede do IV Encontro de Estudantes de Relações Internacionais, de 21 a 23 de Setembro de 2013.
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O Brasil, após 11 anos de lulopetismo no poder, poderia estar afundando no socialismo bolivariano. Isso, certamente, se Lula e a petralhada pautassem, eles sozinhos, os rumos da sociedade. Os lulopetistas ocuparam setores essenciais do Estado, numa ação progressiva que se desenvolveu ao longo das duas últimas décadas. Efetivamente, o aparelhamento petista da máquina pública começou antes da eleição de Lula, mediante a ocupação de cargos de chefia nos ministérios, nas Universidades, nas empresas estatais e nos sindicatos. Nisso os petistas foram muito disciplinados, como no fato de pagarem religiosamente o dízimo ao Partido, uma vez empossados em funções burocráticas. Mas eles estão longe, muito longe, de fazer com que o Brasil como um todo aceite esse modelito defasado, afinado com o que de mais atrasado há no mundo da política e consolidado, no nosso país, ao ensejo da pérfida colaboração entre militância partidária e políticos tradicionais corruptos.
Como frisava o mestre e amigo Antônio Paim no seu livrinho Para entender o PT (Londrina: Editora Humanidades, 2001), o Partido dos Trabalhadores é a maior manifestação do espírito patrimonialista na cultura brasileira. Nos seus dez anos de mandato, o Partido tratou o Brasil como propriedade privada dos donos da legenda, Lula e amigos. Eles simplesmente cuidaram para que o Estado fosse o seu instrumento de privatização do espaço público em benefício da sigla partidária, com exclusão dos que se opusessem. Foi uma ação sistemática de ocupação e de aparelhamento, tendo utilizado a filosofia gramsciana como alicerce doutrinário para a empreitada. O PT não teve dúvidas em utilizar todas as táticas de intimidação, desde o patrulhamento e a calúnia até a eliminação dos militantes que ousassem se desviar dos interesses dos chefões. Os assassinatos de Celso Daniel e de Toninho do PT são prova disso. Esses atos de terrorismo lembram as conhecidas “purgas” com que os comunistas castigavam dissidentes, no reinado de Lenine e Stalin, na Rússia bolchevique.
Paralelamente a essa maré montante da ocupação do Estado pela petralhada surgiu, no seio da sociedade brasileira, ao longo dos últimos vinte anos, uma sadia reação das novas gerações que não se conformavam com a retórica da “vulgata marxista”, habilmente alçada à categoria de filosofia educacional oficial. Nesse trabalho de doutrinação e de marxistização do ensino primário e secundário, foi de grande valia a ajuda de pedagogos socialistas como Paulo Freire. Ele, de fato, embora tivesse recebido a influência dos doutrinários da Escola Nova e da filosofia personalista de Emmanuel Mounier, terminou se afinando com o ideal de um marxismo revolucionário na América Latina e com a tentativa de implantar esse modelo no Brasil, com a ajuda da doutrinação de pedagogos e alunos. Nos anos setentas, em Paris, Paulo Freire dirigia o Instituto Ecuménico para o Desenvolvimento dos Povos (Institut Oecumenique pour le developement des peuples – INODEP), uma fundação que acolhia militantes de organizações guerrilheiras latino-americanas, com a finalidade de intercambiar experiências no combate ao capitalismo mediante a luta armada.
Contra a tentativa hegemônica petista e reagindo, também, contra a farta divulgação do pensamento marxista no sistema de ensino, incluindo aí as Universidades, começaram a aparecer, ao longo dos últimos dez anos, organizações de jovens que buscavam ares menos contaminados. É particularmente visível, no meio universitário, essa reação. Embora o grosso do professorado esteja constituído por docentes afinados com o pensamento de esquerda, os jovens buscam outras alternativas ideológicas, se destacando, entre elas, o pensamento liberal. Na Universidade Federal de Juiz de Fora, onde lecionei até maio deste ano, notei isso. Para responder a essa preocupação da nova geração, criei ali vários espaços em que o pensamento liberal tinha lugar importante. Menciono-os: o Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, que ainda coordeno; o Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos; o Núcleo de Estudos sobre o pensamento de Madame de Staël e o Liberalismo Doutrinário; o Núcleo Tocqueville-Aron para o estudo das Democracias Contemporâneas. Ao redor de todos esses pequenos centros de pensamento e pesquisa reuniram-se alunos da UFJF e de outras Universidades e centros de estudo do Brasil.
Dessas iniciativas surgiu o
Portal Defesa (
www.ecsbdefesa.com.brsob a direção do professor Expedito Bastos e que divulga as pesquisas desenvolvidas pelos membros do Centro de Pesquisas Estratégicas), a revista eletrônica
Ibérica (
www.estudosibericos.com) e a revista eletrônica
Cogitationes (
www.cogitationes.org) ambas coordenadas por Alexandre Ferreira de Souza e Marco Antônio Barroso. Essas publicações arejam o ambiente rarefeito da cultura universitária discutindo propostas liberais e liberais-conservadoras, bem como analisando questões relativas à história da cultura ocidental.
Esse esforço teórico teria de se alargar, no âmbito ibérico e iberoamericano, ao estudo dos pensadores que se debruçaram sobre as fontes liberais, projetando-as sobre a nossa realidade. Ressalta, aqui, a figura de José Ortega y Gasset, na Espanha e de Fidelino de Figueiredo, em Portugal. No caso latino-americano sobressaem nomes como os de Antonio Caso e Daniel Cosío Villegas, no México, Domingo Faustino Sarmiento, na Argentina, Daniel Samper, Rafael Núñez e Carlos Lleras Restrepo, na Colômbia e, no Peru, o prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa. No caso brasileiro, deveriam ser estudados Silvestre Pinheiro Ferreira, Paulino Soares de Sousa, Tavares Bastos, Rui Barbosa, Tobias Barreto, Assis Brasil e Silveira Martins (no século XIX) e, na realidade atual, Miguel Reale, Antônio Paim, Roque Spencer Maciel de Barros, José Osvaldo de Meira Penna, José Guilherme Merquior e Ubiratan Macedo (para citar apenas autores de grande porte).
Particular interesse têm-me causado os Encontros de Estudantes de Relações Internacionais. Participei de dois desses encontros, o realizado em Ribeirão Preto, São Paulo, em 2009 (quando apresentei uma análise do fenômeno do neopopulismo na América Latina) e o promovido pelo Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul, e que teve lugar de 19 a 22 de Setembro deste ano, quando proferi palestra com o título: “Tocqueville e a agitação das ruas”. Em ambos os eventos, o primeiro de caráter nacional (com mais de dois mil participantes) e o segundo de alcance regional (com 400 participantes), fiquei impressionado com o interesse dos alunos pelos temas relacionados com a filosofia liberal. Imagino que os estudantes dos cursos de Relações Internacionais (que já passam da centena, cobrindo o Brasil de sul a norte) são especialmente sensíveis ao atraso representado pelo nosso Estado patrimonial, tacanhamente confinado nos limites ideológicos do Mercosul, afinado, na era lulopetista, com o chavismo bolivariano.
Duas tarefas inadiáveis vejo como necessárias para que frutifique o trabalho destes grupos de jovens liberais: em primeiro lugar, aprofundar no conhecimento sistemático dos clássicos do liberalismo, tanto dos iniciadores dessa corrente na Europa (Locke, Montesquieu, Kant, Tocqueville, Benjamin Constant, Madame de Staël e os Doutrinários franceses, etc.), quanto dos liberais americanos, os chamados Patriarcas fundadores das instituições republicanas nos Estados Unidos. O estudo dos clássicos deve, evidentemente, abranger também os pensadores da Escola Austríaca e as suas fontes ibéricas que se remontam às teses da soberania popular, especialmente no pensamento do maior filósofo espanhol do século XVII, o padre Francisco Suárez, cuja obra: De legibus ac de Deo legislatore(1613) deveria ser traduzida e publicada no Brasil.
Uma segunda linha de trabalho deveria ser abarcada pelos jovens liberais: projetar sobre a realidade brasileira contemporânea as luzes da luta em prol da liberdade, defendida com denodo pelos clássicos do pensamento filosófico e político que acabo de mencionar, a fim de enxergar soluções para os grandes problemas que afetam às nossas instituições republicanas. Sílvio Romero, o fundador da sociologia brasileira, afirmava que, em matéria de pensamento social e político, não há monocausalismos. A reflexão que proponho sobre a realidade brasileira deveria ser efetivada, portanto, de maneira monográfica, abarcando os três grandes aspectos que se entrecruzam na sociedade brasileira: o cultural, o político e o econômico. Cada um desses aspectos é essencial e não pode se sobrepor aos outros. Surgirá dessa reflexão, com certeza, uma agenda liberal para ser implementada na luta político-partidária, sem a qual não se consegue pôr em prática os nossos ideais para uma sociedade com instituições que defendam a liberdade e não a ameacem, como acontece atualmente.
Quanto aos acervos onde se podem encontrar as obras dos clássicos brasileiros, recomendo aos jovens estudiosos o Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro (
www.cdpb.org.br), organizado em Salvador, na Bahia, pelo professor Antônio Paim. Esse acervo encontra-se na Universidade Católica de Salvador sob os cuidados da presidente do Centro, a professora Dinorah de Araújo Berbert de Castro. Recomendo igualmente o acervo digital do Instituto de Humanidades, para aqueles que buscam se familiarizar com as fontes do liberalismo clássico (
www.institutodehumanidades.com.br).