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sábado, 28 de outubro de 2017

Brasil invertebrado - Ricardo Velez-Rodriguez

BRASIL INVERTEBRADO


Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, 28/10/2017
(Um espaço para defesa da Liberdade, da forma incondicional em que Dom Quixote fazia nas suas heroicas empreitadas!)

Faço referência no título deste post à obrinha de Ortega y Gasset intitulada: España invertebrada (1922). Nela, o grande pensador criticava a falta de espírito público vigente na Espanha, às vésperas da Guerra Civil. Cada um no seu canto, com a sua bandeira. A Espanha de então era como o Brasil de hoje, dividido em patotas. Cada um zelando pelos seus interesses individuais, mas sem nenhuma perspectiva de respeito aos direitos dos outros. Era a ausência total do "interesse bem compreendido" apregoado por Tocqueville como condição necessária ao bom funcionamento de uma República.

Pois bem: o vício da privatização do poder para benefício próprio, fenômeno tipicamente ibérico, esse é o nosso mal, neste Brasil que se debate entre patotas. O lema dessa privatização do que é de todos é: "quanto pior melhor"! Fica isso claro no niilismo lulopetralha, que quer que definitivamente o barco afunde, visto que o Chefe já está com a água no pescoço. Mas desse imediatismo suicida não se salvam outros atores. Muitos querem negociar, no Parlamento, levando unicamente em consideração os interesses imediatos, sem pensarem no país e no que seria melhor para o Brasil.

Os vários grupos de esquerda arregimentados ao redor do lulopetismo consideram que como o Partido e os seus dois ex-presidentes, Lula e Dilma, estão já prestando contas à Justiça pelos malfeitos dos seus desgovernos, devem desconhecer, então, a legitimidade do governo Temer que, dentro dos marcos assinalados pela Lei, substituiu o regime lulopetralha. A minha posição é clara: deixem o Temer concluir o seu mandato-tampão, estabelecido à luz do que a Constituição e as leis mandam. Se ele tiver algo a responder perante a Justiça pelo seu desempenho político anterior à chegada ao Planalto, que o faça logo assim que terminar o seu mandato em 2019. 

O que os militantes estão tentando, há meses a fio, é inviabilizar um governo de transição legitimamente constituído, para "pescar em águas turvas". É claro que entre os colaboradores parlamentares de Temer, nem todos são corretos e não poucos tem agido unicamente pensando nos seus benefícios imediatos, sem prestar atenção ao que seria melhor para todos os brasileiros. Agem assim os que aproveitam a próxima curva do caminho para assombrar o enfraquecido presidente com exigências que são mais chantagens de última hora.

Mas o governo Temer tem resistido aos embates, negociando aqui e acolá. Afinal de contas, Michel Temer é um experimentado parlamentar que sabe de cor e salteado os ritos processuais do Congresso e da barganha política. Se algo de errado houver nos seus atos como presidente, que seja julgado conforme o rito legal. Até o presente, pelo visto das sessões do Parlamento dedicadas a apreciar as denúncias do Ministério Público contra o primeiro mandatário, ele tem sido  poupado. Deixem o homem trabalhar neste seu curto mandato, a fim de que complete o trabalho de saneamento da economia, duramente golpeada pela irresponsabilidade criminosa de Lula, Dilma e dos seus colaboradores.

De negativo tenho a destacar a figura do ex-procurador Rodrigo Janot, que cedeu à tentação da mosca azul do poder e partiu com tudo para cima de Michel Temer, a fim de conquistar benefícios políticos e pavimentar a sua entrada ulterior na política partidária. Não podia o senhor Janot ter feito isso, investido como estava de altos poderes na Procuradoria Geral da República. O episódio da denúncia montada contra Temer à sombra da procuradoria, que negociou previamente com os criminosos empresários Joesley e Wesley (dois gangsteres de filme de velho oeste, mais do que dois honestos cidadãos), é de todo modo inaceitável. Janot achou que os brasileiros somos otários e que se sairia bem com a sua ópera bufa. Amargará as consequências que a opinião pública lhe obrigará a engolir nos próximos anos. A lei existe e é para todos, inclusive para Janot e comparsas!

Escreveu bem, a respeito das aventuras estratégicas de Janot, o sociólogo Demétrio Magnoli no seu artigo intitulado: "A Lava-Jato perecerá se não for contido o espírito jacobino" (Folha de S. Paulo, 24/06/2017), quando frisou: "Janot, nosso Ropbespierre carnavalesco, subscreveu o enunciado (de que o Terror é nada mais que justiça imediata, severa, inflexível), ao associar-se com o corruptor geral da República numa trama politicamente motivada. Já o Supremo Tribunal Federal, ao validar o prêmio escandaloso concedido ao delator, desperdiçou a primeira oportunidade para dissociar a palavra Justiça da palavra Terror". Segundo Magnoli, "Dois fatos são indisputáveis: 1 - antes de delatar oficialmente, Joesley foi instruído por um procurador e um delegado da Polícia Federal; 2 - como prêmio pela entrega das gravações, obteve imunidade judicial absoluta. Nas suas argumentações, os Ministros do Supremo Tribunal Federal esconderam-se atrás do biombo dos sofismas para não enfrentar tais flagrantes ilegalidades".

Uma segunda apreciação crítica das investidas da Procuradoria e do Ministério Público, tinha sido elaborada pelo sociólogo Luiz Werneck Viana na entrevista concedida no ano passado a Wilson Tosta, do jornal O Estado de S. Paulo (20/12/2016), sob o sugestivo título: "Tenentes de toga comandam essa balbúrdia jurídica". Nas suas declarações, Werneck Vianna reconhecia que há uma inteligência (a das corporações jurídicas, como o Ministério Público e o Judiciário) a comandar a crise política que assola o País. "Essa balbúrdia - frisava o entrevistado - é comandada e manipulada com perícia. Procuradores e juízes são tenentes de toga, uma comparação com os tenentes de 1920, mas, diferentemente dos revolucionários fardados,  não tem programa além de uma reforma moral do país".

O certo é que essa investida moralizante insere-se no contexto da regeneração dos positivistas do século XIX, que pretendiam enxotar a representação de interesses como imoral, a fim de deixar unicamente no cenário os legítimos representantes dos interesses sagrados do governo, a nomenclatura cabocla e os seus mandantes, iluminados pela ciência social. Todos sabemos aonde conduzem essas nebulosas elucubrações: a "ditadura científica" dos "puros", que o Brasil já conheceu nos ciclos castilhista, getuliano e do ciclo militar. Tratar-se-ia de jogar a água suja da banheira junto com a criança. Isso a sociedade brasileira não quer. 

O que reivindicamos os cidadãos nestes momentos é que haja uma reforma política que reestruture a nossa representação deformada pelas intervenções autoritárias. Uma das intervenções mais desastradas foi a efetivada pelo ditador Getúlio Vargas, que popularizou o slogan de que as eleições são para conscientizar, não para melhorar a representação. Outra intervenção desastrada foi a protagonizada pelo famigerado "Pacote de Abril" do general Geisel, que deformou a representação dando mais representatividade aos Estados atrasados que dependiam dos favores da União, tendo deixado sub-representados os Estados que representavam o Brasil moderno.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Capitalismo liberal resolve o problema da pobreza - Ricardo Velez-Rodriguez

Eu teria muito a comentar, e a acrescentar (com exemplos da histórua econômica), mas acredito que o texto do Ricardo Velez-Rodriguez está perfeito.
Paulo Roberto de Almeida 

DAVOS E AS EXPECTATIVAS DO POBRES: SOCIALISMO OU LIBERALISMO?

Ricardo Vélez-Rodriguez
Blog Rocinante, 23/01/2014

Está claro que o tema da pobreza no mundo é o grande convidado de Davos. Quando se discute a pobreza, hoje em dia, os primeiros a pôr a cabeça do lado de fora são os que lucram com ela: os socialistas de todos os matizes. Dilma se fez presente, tentando convencer os investidores internacionais que há bom clima para eles colocarem por aqui o seu prezado dinheiro. Mais uma performance eleitoreira da presidente, em função do que os petistas e coligados sempre acham essencial: ganhar as próximas eleições. Pouco estão se lixando com os pobres do planeta. Tampouco se preocupam com os ricos e com os critérios que eles empregam para investirem o seu dinheirama. 

Certamente, na América Latina, os países da Aliança do Pacífico, México, Colômbia, Peru e Chile têm mais coisas a oferecer aos investidores, a começar pela segurança jurídica de que não serão mudadas as regras do jogo. Clima muito diferente daquele que oferecem os países da "área bolivariana" das Américas (Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador, Argentina, Nicarágua, Brasil). Se pudessem, todos se juntariam no Mercosul (que de "merco" não tem quase nada, tendo sido banido o mercado, e de "sul" só resta o nome, pois está tentando se confundir com a "Alba" do finado Chávez).

A sorte dos pobres do mundo de hoje será assinalada pelo capitalismo. Falo em "sorte" no sentido de redenção das cadeias da pobreza. Foi assim no século XX e não será diferente no XXI. Claro que quando falo em capitalismo refiro-me à produção capitalista aberta ao livre mercado pensada pelos liberais, desde John Locke até os tempos atuais. Capitalismo não liberal é um contrassenso, que produz riqueza para alguns. O verdadeiro capitalismo produz riquezas para todos, graças à mediação dos mercados e da liberdade de empreendimento.

Como tudo na vida, para resgatar a originalidade do capitalismo liberal, devemos nos remontar até as fontes clássicas do mesmo. As principais: Locke, Adam Smith, Benjamin Constant de Rebecque, Tocqueville, os Patriarcas da Independência americana, os Doutrinários franceses. Esses são os clássicos. No século XX, menciono duas fontes importantes: Raymond Aron e os pensadores econômicos da Escola Austríaca. 

Na tradição luso-brasileira, os clássicos do liberalismo são: Silvestre Pinheiro Ferreira, Paulino Soares de Sousa (visconde de Uruguai), Rui Barbosa, Assis Brasil e Gaspar da Silveira Martins.Seria difícil elaborar uma lista que englobe todos os pensadores liberais destacados do século passado. Mas arrisco o meu palpite: pensadores liberais clássicos no século XX, no meu entender, são: Miguel Reale, Roque Spencer Maciel de Barros, Antônio Paim, Eugênio Gudin, Ubiratan Macedo, José Guilherme Merquior, Meira Penna, Roberto Campos, Og Leme. Sobre o legado deles, a nova geração liberal que leciona nas Universidades e nas instituições de ensino médio, e que desponta nas redes sociais está, certamente, modificando o panorama político brasileiro.

Capitalismo liberal é a solução para o problema da pobreza. Isso desde as mais remotas origens, com John Locke. Acaba de ser publicado na França o breve ensaio dedicado pelo filósofo à problemática mencionada, sob o título de: Que faire des pauvres? [O que fazer com os pobres? - Tradução do inglês de Laurent Bury, apresentação de Serge Milano, Paris: Presses Universitaires de France, 2013, 63 p.]. É a versão do pequeno ensaio lockeano intitulado:On the Poor Law and Working Schools (1697), que constituiu uma memória dirigida ao rei acerca do problema da pobreza no Reino Unido e de como superá-la. Recordemos que Locke ocupava, nesse tempo, o alto cargo de Comissário Real do Comércio e das Colônias e que o seu escrito constituía uma análise muito direta, endereçada ao Rei, acerca de como tirar os pobres da sua situação de penúria.

A fórmula? A questão da pobreza, considerava Locke, deveria ser resolvida pelo sistema produtivo, ou seja, pelas forças econômicas mediante a produção de riquezas, de um lado e, de outro, mediante a prática dos deveres por parte de todos os cidadãos. Locke não duvidava em afirmar, no contexto da sua visão jusnaturalista, o seguinte: "Penso que cada um, em função da vida na qual a Providência o colocou, é obrigado a trabalhar pelo bem de todos, sem o que não tem direito a comer". O filósofo deixava claro, também,  que "Cada um deve ter alimento, bebida, roupas e calefação". De graça não: trabalhando. Locke era um calvinista e acreditava que a solução para os problemas de sobrevivência humana viriam pela via do trabalho. 

Segundo o filósofo inglês, é dever de todos trabalhar. Dos pobres e dos ricos. Estes, mediante os seus empreendimentos, são obrigados a melhor geri-los de forma a oferecerem fontes de trabalho suficientes. Uma vida de nababo não pode ser admitida para os proprietários que acumularam riquezas. Se as acumularam, devem torná-las produtivas oferecendo empregos. 

Convenhamos que essa é a versão capitalista que vingou nos Estados Unidos. Um exemplo entre tantos: o miliardário dono da Microsoft, Bill Gates, que depois de ter se convertido no homem mais rico do mundo, devolve aos americanos e à humanidade em geral, em prestação de serviços humanitários e culturais, o enorme patrimônio que conseguiu amassar graças ao seu gênio e o seu trabalho. Não deixou por fora os seus filhos: deu, a cada um deles, um milhão de dólares para que o façam frutificar. Não lhes cortou as asas da livre iniciativa dando-lhes dinheiro demais. Deu-lhes o necessário para se tornarem empreendedores. Lembra-nos esse caso a parábola evangélica dos talentos.

E que pensava Locke daqueles que se acolhem sem mais à caridade pública, ou seja, às verbas do Estado para sobreviverem (diríamos hoje, à bolsa família)? Educação para o trabalho neles, pregava o pensador liberal! As Working-Schools deveriam preparar esses cidadãos carcomidos pelo assistencialismo, a fim de que, tanto eles quanto os seus descendentes, se integrassem ao mercado de trabalho. E quem financiava e administrava as Working-Schools? Essa era incumbência, pensava Locke, da nobreza fundiária. Esses cidadãos deveriam ser estimulados a se prepararem para o trabalho e a viverem dele, nas vagas oferecidas pela nobreza dona das terras. Somente assim ganhariam de novo a dignidade que o assistencialismo estatal lhes tinha arrebatado.

No foro de Davos, as Nações Unidas apresentarem dados alarmantes acerca da concentração de riquezas no mundo. E o Papa Francisco chamou a atenção para as desigualdades entre os seres humanos e entre as nações, clamando por iniciativas que efetivamente tirassem os pobres da sua penúria. Os jornais noticiam que os grandes capitalistas da China simplesmente levam para fora as suas riquezas, a fim de garantir o bom nível econômico das suas famílias. Capitalismo de Estado (eu prefiro dizer: capitalismo num contexto patrimonialista como o chinês ou o brasileiro) dá nisso: enriquecimento para poucos. 

As lições de Locke e os exemplos bem-sucedidos dos capitalistas americanos abertos à filantropia e à criação de novas formas de riqueza estão aí, para assinalar o caminho que o mundo de hoje pode seguir. Caminho que está iluminado pelo capitalismo liberal.

domingo, 20 de outubro de 2013

Ricardo Velez-Rodrigues fala sobre a era lulo-petista para estudantes de RI - Blog Rocinante

Reproduzo a postagem mais recente do blog Rocinante, este monumento à inteligência mantido pelo professor Ricardo Velez-Rodrigues.
Não necessito comentar nada. Tudo está exposto com a mais perfeita clareza...
Paulo Roberto de Almeida

Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, 7/10/2013

Pelotas. A antiga Faculdade de Ciências Agrárias, no campus da Universidade Federal de Pelotas, foi a sede do IV Encontro de Estudantes de Relações Internacionais, de 21 a 23 de Setembro de 2013.

O Brasil, após 11 anos de lulopetismo no poder, poderia estar afundando no socialismo bolivariano. Isso, certamente, se Lula e a petralhada pautassem, eles sozinhos, os rumos da sociedade. Os lulopetistas ocuparam setores essenciais do Estado, numa ação progressiva que se desenvolveu ao longo das duas últimas décadas. Efetivamente, o aparelhamento petista da máquina pública começou antes da eleição de Lula, mediante a ocupação de cargos de chefia nos ministérios, nas Universidades, nas empresas estatais e nos sindicatos. Nisso os petistas foram muito disciplinados, como no fato de pagarem religiosamente o dízimo ao Partido, uma vez empossados em funções burocráticas. Mas eles estão longe, muito longe, de fazer com que o Brasil como um todo aceite esse modelito defasado, afinado com o que de mais atrasado há no mundo da política e consolidado, no nosso país, ao ensejo da pérfida colaboração entre militância partidária e políticos tradicionais corruptos. 

Como frisava o mestre e amigo Antônio Paim no seu livrinho Para entender o PT (Londrina: Editora Humanidades, 2001), o Partido dos Trabalhadores é a maior manifestação do espírito patrimonialista na cultura brasileira. Nos seus dez anos de mandato, o Partido tratou o Brasil como propriedade privada dos donos da legenda, Lula e amigos. Eles simplesmente cuidaram para que o Estado fosse o seu instrumento de privatização do espaço público em benefício da sigla partidária, com exclusão dos que se opusessem. Foi uma ação sistemática de ocupação e de aparelhamento, tendo utilizado a filosofia gramsciana como alicerce doutrinário para a empreitada. O PT não teve dúvidas em utilizar todas as táticas de intimidação, desde o patrulhamento e a calúnia até a eliminação dos militantes que ousassem se desviar dos interesses dos chefões. Os assassinatos de Celso Daniel e de Toninho do PT são prova disso. Esses atos de terrorismo lembram as conhecidas “purgas” com que os comunistas castigavam dissidentes, no reinado de Lenine e Stalin, na Rússia bolchevique. 

Paralelamente a essa maré montante da ocupação do Estado pela petralhada surgiu, no seio da sociedade brasileira, ao longo dos últimos vinte anos, uma sadia reação das novas gerações que não se conformavam com a retórica da “vulgata marxista”, habilmente alçada à categoria de filosofia educacional oficial. Nesse trabalho de doutrinação e de marxistização do ensino primário e secundário, foi de grande valia a ajuda de pedagogos socialistas como Paulo Freire. Ele, de fato, embora tivesse recebido a influência dos doutrinários da Escola Nova e da filosofia personalista de Emmanuel Mounier, terminou se afinando com o ideal de um marxismo revolucionário na América Latina e com a tentativa de implantar esse modelo no Brasil, com a ajuda da doutrinação de pedagogos e alunos. Nos anos setentas, em Paris, Paulo Freire dirigia o Instituto Ecuménico para o Desenvolvimento dos Povos (Institut Oecumenique pour le developement des peuples – INODEP), uma fundação que acolhia militantes de organizações guerrilheiras latino-americanas, com a finalidade de intercambiar experiências no combate ao capitalismo mediante a luta armada. 

Contra a tentativa hegemônica petista e reagindo, também, contra a farta divulgação do pensamento marxista no sistema de ensino, incluindo aí as Universidades, começaram a aparecer, ao longo dos últimos dez anos, organizações de jovens que buscavam ares menos contaminados. É particularmente visível, no meio universitário, essa reação. Embora o grosso do professorado esteja constituído por docentes afinados com o pensamento de esquerda, os jovens buscam outras alternativas ideológicas, se destacando, entre elas, o pensamento liberal. Na Universidade Federal de Juiz de Fora, onde lecionei até maio deste ano, notei isso. Para responder a essa preocupação da nova geração, criei ali vários espaços em que o pensamento liberal tinha lugar importante. Menciono-os: o Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, que ainda coordeno; o Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos; o Núcleo de Estudos sobre o pensamento de Madame de Staël e o Liberalismo Doutrinário; o Núcleo Tocqueville-Aron para o estudo das Democracias Contemporâneas. Ao redor de todos esses pequenos centros de pensamento e pesquisa reuniram-se alunos da UFJF e de outras Universidades e centros de estudo do Brasil. 

Dessas iniciativas surgiu o Portal Defesa (www.ecsbdefesa.com.brsob a direção do professor Expedito Bastos e que divulga as pesquisas desenvolvidas pelos membros do Centro de Pesquisas Estratégicas), a revista eletrônica Ibérica (www.estudosibericos.com) e a revista eletrônica Cogitationes (www.cogitationes.org) ambas coordenadas por Alexandre Ferreira de Souza e Marco Antônio Barroso. Essas publicações arejam o ambiente rarefeito da cultura universitária discutindo propostas liberais e liberais-conservadoras, bem como analisando questões relativas à história da cultura ocidental.

Esse esforço teórico teria de se alargar, no âmbito ibérico e iberoamericano, ao estudo dos pensadores que se debruçaram sobre as fontes liberais, projetando-as sobre a nossa realidade. Ressalta, aqui, a figura de José Ortega y Gasset, na Espanha e de Fidelino de Figueiredo, em Portugal. No caso latino-americano sobressaem nomes como os de Antonio Caso e Daniel Cosío Villegas, no México, Domingo Faustino Sarmiento, na Argentina, Daniel Samper, Rafael Núñez e Carlos Lleras Restrepo, na Colômbia e, no Peru, o prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa. No caso brasileiro, deveriam ser estudados Silvestre Pinheiro Ferreira, Paulino Soares de Sousa, Tavares Bastos, Rui Barbosa, Tobias Barreto, Assis Brasil e Silveira Martins (no século XIX) e, na realidade atual, Miguel Reale, Antônio Paim, Roque Spencer Maciel de Barros, José Osvaldo de Meira Penna, José Guilherme Merquior e Ubiratan Macedo (para citar apenas autores de grande porte).

Particular interesse têm-me causado os Encontros de Estudantes de Relações Internacionais. Participei de dois desses encontros, o realizado em Ribeirão Preto, São Paulo, em 2009 (quando apresentei uma análise do fenômeno do neopopulismo na América Latina) e o promovido pelo Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul, e que teve lugar de 19 a 22 de Setembro deste ano, quando proferi palestra com o título: “Tocqueville e a agitação das ruas”. Em ambos os eventos, o primeiro de caráter nacional (com mais de dois mil participantes) e o segundo de alcance regional (com 400 participantes), fiquei impressionado com o interesse dos alunos pelos temas relacionados com a filosofia liberal. Imagino que os estudantes dos cursos de Relações Internacionais (que já passam da centena, cobrindo o Brasil de sul a norte) são especialmente sensíveis ao atraso representado pelo nosso Estado patrimonial, tacanhamente confinado nos limites ideológicos do Mercosul, afinado, na era lulopetista, com o chavismo bolivariano.

Duas tarefas inadiáveis vejo como necessárias para que frutifique o trabalho destes grupos de jovens liberais: em primeiro lugar, aprofundar no conhecimento sistemático dos clássicos do liberalismo, tanto dos iniciadores dessa corrente na Europa (Locke, Montesquieu, Kant, Tocqueville, Benjamin Constant, Madame de Staël e os Doutrinários franceses, etc.), quanto dos liberais americanos, os chamados Patriarcas fundadores das instituições republicanas nos Estados Unidos. O estudo dos clássicos deve, evidentemente, abranger também os pensadores da Escola Austríaca e as suas fontes ibéricas que se remontam às teses da soberania popular, especialmente no pensamento do maior filósofo espanhol do século XVII, o padre Francisco Suárez, cuja obra: De legibus ac de Deo legislatore(1613) deveria ser traduzida e publicada no Brasil. 

Uma segunda linha de trabalho deveria ser abarcada pelos jovens liberais: projetar sobre a realidade brasileira contemporânea as luzes da luta em prol da liberdade, defendida com denodo pelos clássicos do pensamento filosófico e político que acabo de mencionar, a fim de enxergar soluções para os grandes problemas que afetam às nossas instituições republicanas. Sílvio Romero, o fundador da sociologia brasileira, afirmava que, em matéria de pensamento social e político, não há monocausalismos. A reflexão que proponho sobre a realidade brasileira deveria ser efetivada, portanto, de maneira monográfica, abarcando os três grandes aspectos que se entrecruzam na sociedade brasileira: o cultural, o político e o econômico. Cada um desses aspectos é essencial e não pode se sobrepor aos outros. Surgirá dessa reflexão, com certeza, uma agenda liberal para ser implementada na luta político-partidária, sem a qual não se consegue pôr em prática os nossos ideais para uma sociedade com instituições que defendam a liberdade e não a ameacem, como acontece atualmente.

Quanto aos acervos onde se podem encontrar as obras dos clássicos brasileiros, recomendo aos jovens estudiosos o Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro (www.cdpb.org.br), organizado em Salvador, na Bahia, pelo professor Antônio Paim. Esse acervo encontra-se na Universidade Católica de Salvador sob os cuidados da presidente do Centro, a professora Dinorah de Araújo Berbert de Castro. Recomendo igualmente o acervo digital do Instituto de Humanidades, para aqueles que buscam se familiarizar com as fontes do liberalismo clássico (www.institutodehumanidades.com.br).