O economista Roberto Ellery, sempre muito direto, "to the point", como diriam os companheiros estadunidenses, comete aqui o pecado de dizer que os companheiros afundaram com o tripé econômico, e não têm mais nada para colocar no lugar.
Concordo plenamente.
Posto aqui seu pequeno artigo, e depois acrescento meus comentários que coloquei no blog dele.
Paulo Roberto de Almeida
Apesar dos esforços na direção de uma teoria unificadora a
abordagem padrão de macroeconomia nos força a pensar em termos de curto prazo e
longo prazo. O desafio de longo prazo é fazer com que renda per capita do país
aumente, mais recentemente a distribuição de renda e a redução da pobreza se
juntaram ao desafio do longo prazo. No curto prazo o desafio é manter o nível e
emprego sem criar desequilíbrios que venham a gerar problemas nas contas
públicas e/ou na inflação. Boa parte do meu interesse enquanto economista está
na macroeconomia de longo prazo, mas é inevitável abordar temas relativos ao
curto prazo. Até porque as dinâmicas de curto e longo prazo não são apartadas,
se na ânsia de evitar o desemprego um governo coloca a economia em uma
trajetória de inflação e descontrole fiscal é quase certo que isto levará a
problemas no longo prazo. A experiência brasileira a partir de meados da década
de 1970 e a crise da década de 1980 ilustram bem como medidas ruins de curto
prazo podem comprometer o longo prazo.
No que tange ao longo prazo o Brasil conseguiu reduzir a
desigualdade e a pobreza, ainda não encontramos o caminho para o crescimento
sustentado no longo prazo. Mas no momento é o curto prazo que me preocupa.
Durante aproximadamente dez anos parecia que tínhamos encontrado a receita de
como administrar o curto prazo de forma que pudéssemos voltar às atenções para
o longo prazo. Porém em 2011 a presidente Dilma resolveu trocar a receita que
vinha dando certo. Os objetivos anunciados para justificar a troca de receita não
foram alcançados. A promessa que a troca de receita aumentaria a taxa de
investimento e aumentaria a participação da indústria no PIB não foi cumprida,
pelo contrário, tanto a taxa de investimento quanto a participação da indústria
no PIB estão menor do que estavam em 2010. Como desgraça pouca é bobagem a
inflação está maior, o governo está gastando mais com serviço da dívida pública,
o saldo negativo em transações correntes está crescendo perigosamente e a taxa
de desemprego está se sustentando pela saída de pessoas da força de trabalho e
não pela geração de empregos. Como tanta coisa pode ter dado errado?
Para responder é preciso falar mais a respeito da antiga
receita, conhecida como tripé macroeconômico. A estabilização da economia em
1994 encerou um longo período de hiperinflação, mas deixou um problema nas mãos
do governo: como financiar os gastos públicos. A Constituição de 1988 criou uma
série de novas responsabilidades para o governo e era necessário financiar
essas responsabilidades sem recorrer ao financiamento inflacionário. Como o
aumento da carga tributária não foi suficiente para financiar os novos gastos a
saída foi recorrer ao endividamento. O problema é que dívida tem custo e para
financiar este custo é preciso se endividar ainda mais. Tudo ficou ainda mais
complicado porque o Plano Real previa que o câmbio ficasse preso em um
determinado intervalo, era o chamado regime de bandas cambiais, e o governo começou
a ter de elevar juros para atrair capital do resto do mundo e assim não
permitir que o câmbio saísse do intervalo proposto. A combinação foi explosiva,
em 1999 o serviço da divida pública chegou a 10,4% do PIB.
Era preciso encontrar uma maneira de desatrelar o real do
dólar de forma que a taxa de juros não mais fosse determinada para manter uma
dada taxa de câmbio, o risco era que sem o dólar segurando o real a inflação
voltasse. A saída foi o que chamamos de tripé macroeconômico. A primeira perna
do tripé era a taxa de câmbio flutuante, com isso o BC não mais precisaria
elevar os juros toda vez que houvesse uma pressão para desvalorizar o real. A
segunda perna do tripé consistia na exigência de uma disciplina fiscal capaz de
reduzir o custo com os serviços da dívida, o meio encontrado foram os famosos
superávits primários. Mas e a inflação? Resolver o problema do custo da dívida
e do câmbio permitindo o descontrole da inflação levaria o Brasil de volta a
1993 e tornaria inútil todos os sacrifícios de 1994 a 1998. A saída foi a terceira
perna do tripé, a parte mais complexa da receita. O Banco Central, presidido
por Armínio Fraga, adotou a política de metas para inflação. Tal política
decorria de avanços recentes na macroeconomia e não tinha sido muito testadas
em outros países. Como era muito importante manter a confiança no real para
evitar a volta inflação adotamos uma versão bem estrita do regime de metas: a
única meta do BC era a de inflação, ou seja, o BC não estaria “preocupado” com
emprego ou com crescimento e o período de convergência para meta foi fixado
como 12 meses.
A figura abaixo ilustra a história que contei e como o tripé
mudou os rumos da economia. De 10,4% do PIB em 1999, ano que o tripé foi
adotado, o serviço da dívida caiu para 2,2% do PIB em 2010, último ano do
tripé. Em março de 2014, quatro após o abandono do tripé, o serviço da dívida
já tinha subido para 3,4% do PIB. A história pode ser contada por outras
variáveis, o leitor do blog já viu a história sendo contada por meio dos descompassos entre oferta e demanda (link
aqui) e várias vezes por meio da inflação.
Voltemos então à pergunta: como tanto coisa pode ter dado errado? A resposta é
simples: tanta coisa deu errado por termos destruído tudo que impedia tantas
coisas de dar errado.
Primeiro veio o abandono da segunda perna, a dos superávits
primários grandes o suficiente para estabilizar a dívida pública. Esta perna
foi abandonada já em 2008 por conta da crise financeira. Se é ou não é adequado
usar política fiscal para reduzir os efeitos de uma crise é uma questão que
divide macroeconomistas e que não vou explorar aqui, porém insistir na política
fiscal mesmo após a estabilização do emprego é uma estratégia que poucos macroeconomistas
recomendaria, estou sendo generoso. Depois caiu a primeira perna, o regime de
câmbio flutuante. O governo Dilma comprou a tese que o câmbio deve ser o que
equilibra a indústria, mais uma invenção de economistas que (quase) ninguém
consegue sequer calcular, e iniciou uma política de desvalorização do real.
Quando a inflação começou a incomodar o governo tentou reverter a política e agora
o BC está gastando dinheiro do contribuinte para impedir que o câmbio
desvalorize ainda mais. A verdade é que o câmbio foi de R$ 1,60 para R$ 2,40
sem entregar nada do que havia sido prometido em caso de desvalorização
cambial. O governo Dilma também abandonou o regime de metas de inflação, pelo
menos o regime tal como estabelecido no Brasil. Mas a inflação não ficou dentro
da meta em todo o governo Dilma? Sim. Mas esta não é a questão. O regime de
metas é um compromisso entre a sociedade e o BC que determina que este último
fará tudo que está a seu alcance para que a inflação fique no centro da meta,
no Brasil o valor é de 4,5%. Se a inflação fica dentro do intervalo das metas
porque o governo está intervindo diretamente nos preços, porque a providência
assim desejou ou por qualquer outra razão que não esteja relacionada à ação do
BC então não estamos em um regime de metas. Por exemplo, a inflação nos EUA
flutuou em torno de 3% ao ano desde meados da década de 1980, mas o FED não
trabalha com um regime de metas explícitas no estilo de nosso BC. Claro está
que o regime de metas não é a única, talvez nem mesmo a melhor, forma de manter
a inflação sobre controle, é legitimo o BC abandonar o regime, o que não é
legitimo é não avisar que abandonou.
Ao tirar as duas pernas restantes do tripé a política
econômica do governo Dilma permitiu a queda da estabilidade de curto prazo que
o tripé segurava. A Nova Matriz Macroeconômica, que é tão nova quanto assistir Kojak
ou ouvir Black Sabath, ao não providenciar nada que pudesse sustentar a
estabilidade conquistada nos anos 1990 levou a política econômica de Dilma a um
labirinto. O resultado é que voltamos a discutir inflação, dívida, confiança de
investidores e todos aqueles temas de curto prazo que pareciam já estar
resolvidos. Infelizmente a discussão a respeito do longo prazo voltou para
geladeira.
Meus comentários:
O texto está perfeito como explicação, embora o Português necessite algum polimento para poder ter ampla distribuição e até ser publicado como artigo de jornal.
Comentando substantivamente, eu diria o seguinte. O governo não fez tudo errado porque tinha vontade de errar, ser perverso, chutar o pau da barraca e causar o maior mal ao maior número de pessoas. Não, eles, os keynesianos de botequim, acreditavam piamente que estavam fazendo a coisa correta, ou seja, domando o mercado, e ensinando aos agentes como é que se cuida da economia.
Ou seja, uma mistura de ignorância com arrogância, o que provavelmente é o resultado da incultura econômica e da prepotência pessoal.
Nem o ministro da Fazendo, nem a sua chefe, podem ser efetivamente chamados de economistas. Eles aprenderam algumas lições de economia de orelha, pois nunca devem ter se debruçado sobre aqueles pesados manuais, ou text-books americanos (tipo Samuelson, Obersfeldt, etc) ou mesmo o manual dos professores da USP. No máximo deram uma folheada no último, alguma edição antiga, quando até os uspianos eram mais keynesianos do que mainstream neoclássico.
Depois, ficaram ouvindo aquelas bobagens que a Conceição dizia, ou melhor, as suas diatribes contra os garotos do Banco Central, as gozações do Beluzzo e do Coutinho contra os garotos da PUC-Rio, e de forma geral todos reclamando da tal de financeirização da economia, que parece um inferno, assim dito...
Ou seja, o pensamento desse pessoal, se o termo se aplica, é o mais tosco e primitivo possível. Além de não entenderem nada de economia, eles têm essa prevenção contra o setor financeiro (que seriam sanguessugas aproveitadores) e contra os lucros excessivos dos capitalistas industriais.
No fundo, não adianta, pois eles só vão mudar debaixo do cacete, ou seja, quando a crise já estiver instalada, como parece que já está.
No fundo, no fundo, o Brasil perdeu 12 anos de não reformas e de insistência nos erros.
Isso quanto aos companheiros.
Mas, há que reconhecer também que nossa Constituição é esquizofrênica, e os congressistas e todos os mandarins da República são mais esquizofrênicos ainda, todo dia criam novas despesas sem fontes de receita.
Acho que voce poderia explicar isso ao povo de uma forma mais ordenada.