Como em todos os demais casos, este meu texto de comentários e sugestões ao programa eleitoral do candidato Ciro Gomes, na campanha presidencial de 2002, permaneceu rigorosamente inédito, razão pela qual eu o estou divulgando nesta ocasião.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22 de outubro de 2017
Observações e comentários de Paulo Roberto de Almeida
Ao Programa de Campanha do
Candidato Ciro Gomes (2002):
Desenvolvimento com Justiça
O Brasil do Trabalho, da Produção,
da Inovação e da Justiça
Iniciativas de um governo que crie condições para
aproveitar a energia de todos os brasileiros
Texto
Básico
[Texto Original = caracteres
normais]
[Comentários Paulo Roberto de Almeida = caracteres itálicos]
[PRA: Observações gerais: A maior parte dos
comentários tópicos efetuados a seguir, sobretudo no campo econômico, tem
unicamente o objetivo de “testar” a validade das propostas apresentadas pelo
candidato contra a maior parte das críticas que serão, ou poderão ser, opostas
pelos adversários “liberais” ou então por “mainstream” economistas, podendo ser
vistos estes comentários, portanto, como uma espécie de confrontação dessas
propostas à realidade, a partir de uma posição de “advogado do diabo”. Não
obstante, algumas das observações aqui apresentadas correspondem efetivamente a
uma postura crítica real, especialmente na parte que se refere à política
externa ou às relações internacionais do Brasil, na qual seu autor pode
apresentar uma certa “vantagem comparativa”.]
[PRA: Observações gerais 2: Estão consignadas
aqui apenas os elementos passíveis de observação crítica, à exclusão de todos
os demais que não apresentam “problemas” ou são intrinsecamente corretos, do
ponto de vista deste comentarista, que considera o programa como de excelente
nível, coerente com uma visão “reformista” global do Brasil e bastante condizente
com suas necessidades de desenvolvimento. Obviamente, um detalhamento
específico seria necessário para testar sua consistência orçamentária e
adequação ao equilíbrio da balança de pagamentos, mas no geral trata-se de um
“programa realista”, podendo sustentar uma campanha de alto nível, como
requerido nas atuais condições políticas do Brasil e de seu sistema
político-partidário.]
Paulo Roberto de Almeida
Washington, 19 de fevereiro de 2002
INTRODUÇÃO
1. Natureza
deste documento.
(…)
2. Estrutura
do documento e temas centrais.
Divide-se o documento em seis partes:
OS PROBLEMAS DO DIA-A-DIA: O SOCIAL QUE FUNCIONE. A política social
tem de fazer muito com pouco. Suas prioridades são capacitar os brasileiros,
multiplicar os empregos, inclusive por medidas emergenciais, aumentar a
participação dos salários na renda nacional e reduzir rapidamente os dois
maiores bolsões de pobreza no país: nas periferias das grandes cidades e no
campo.
[PRA: O compromisso com o social parece
resultar aqui mais de uma redistribuição do estoque existente de riqueza
disponível – ou seja, mediante medidas distributivistas e moderadamente
“punitivas” da riqueza efetiva hoje disponível – do que de uma nova distribuição da riqueza
potencial, podendo ser sustentada por uma fase de crescimento contínuo,
sustentável e baseado em uma série de investimentos sociais que resultem
naquilo que se busca: o aumento da participação dos salários na renda nacional
e a diminuição geral dos bolsões de pobreza. A distinção pode parecer trivial,
mas ela revela a tensão inerente entre duas filosofias básicas, assim como a
escolha apropriada dos instrumentos de política econômica disponíveis: ou esses
instrumentos atuam sobre o estoque de renda existente, ou eles se dirigem aos
novos fluxos a serem criados com um novo estilo de crescimento, que não
necessariamente precisam estar vinculados ao fator “salário” na economia.]
O
NOVO RUMO DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO: A RECUPERAÇÃO DA CAPACIDADE
ESTRATÉGICA ESTADO. O Estado precisa ter os recursos, os quadros e as
práticas necessários para atuar como parceiro
da iniciativa privada e para redimir metade da Nação da vida de biscateiro.
[PRA:
Insinua-se aqui uma visão básica, filosófica quase, de como o candidato vê a
atividade econômica e o papel do Estado. Este não é apenas o garantidor de
condições mínimas (e igualitárias) para que o setor privado possa investir e
promover crescimento e empregos, mas ele é sobretudo o PARCEIRO, isto é, aquele
irmão maior, que sabe mais, e que portanto vai dizer ao capitalista privado
como ele deve fazer para melhor investir o dinheiro dele (não o do Estado, pois
este é sócio nas empreitadas privadas) e assim salvar a Nação (eventualmente
privilegiando alguns, ou certos setores, em detrimento de outros, menos
“socialmente vocacionados”). O capitalista geralmente está interessado no maior
lucro possível e normalmente não gosta que lhe digam onde e como deve gastar
(ou investir) o seu dinheiro. A própria noção de “redimir a Nação” implica uma
vocação salvacionista e uma postura messiânica que podem assustar alguns
setores, pois leva à noção de que o candidato se vê a si próprio como o grande
“salvador da Pátria”, ou pelo menos aquele que sabe o caminho da verdade e da
luz e que, portanto, vai reconciliar a própria Nação com sua “verdadeira
vocação”.]
(…) O
país tem de elevar sua poupança e dirigir a poupança de longo prazo ao
investimento de longo prazo para poder depender menos do financiamento externo.
(O capital estrangeiro é tanto mais útil
quanto menos se depende dele.)
[PRA: Trata-se aqui, o aumento da poupança,
de um aspecto crucial, estratégico mesmo, do desenvolvimento brasileiro que
precisa ser mais enfatizado e sobretudo detalhado pois ele constitui um dos nós
essenciais do baixo crescimento historicamente observado nas últimas décadas.
Não se trata apenas de criar condições diretas para o aumento da poupança, mas
sobretudo de permitir as condições indiretas pelas quais esse aumento será
sustentável e crescente, ou seja, estabilidade, existência de horizontes de
investimento, garantia de retorno e outros elementos mais, basicamente
derivados da CONFIANÇA na economia, mais do que da ação do dirigente estatal,
que, como sabemos, sempre será visto com desconfiança pelos poupadores e
investidores privados. A menção, por outro lado, ao capital estrangeiro, pode
ser dispensável, pelo menos nesta parte, por duas razões: ainda que a menção ao
papel do capital estrangeiro esteja correta, intrinsecamente, seu papel
“macroeconômico” no estoque total de poupança é muito pequeno, sendo apenas
relevante quando direcionado e concentrado em investimentos setoriais com
efeitos em cadeia; a noção de “dependência”, por outra parte, pode revelar uma
desconfiança de princípio do capital estrangeiro que não há porque estimular.]
(…) Os compromissos com a estabilidade da
moeda, com o realismo fiscal (o governo e o país não devem viver acima dos seus
meios) e com a abertura criteriosa da economia brasileira para o mundo,
precisam ser reafirmados.
[PRA: Duas observações
aqui: o governo certamente não deve, ainda que possa, viver acima dos seus
meios, pois a persistência de déficits orçamentários é o caminho mais direto
para o descontrole inflacionário, para práticas emissionistas irresponsáveis e
para o desastre econômico em termos de dívida pública, interna e externa.
Agora, o País pode, e em certas condições deve, viver acima de seus meios
durante as fases de crescimento e de desenvolvimento sustentável. A literatura
econômica não condena absolutamente os déficits fiscais, desde que estes sejam
financiáveis e guardem consistência com a trajetória normal de uma economia
sólida e sadia. Geralmente, o estado normal de uma economia é a de um ligeiro déficit
global (não governamental), o que indica que a geração presente está investindo
em plena confiança no retorno futuro desses investimentos produtivos e que a
geração seguinte terá plenas condições de pagar o investimento hoje realizado e
continuar na trajetória de crescimento. Ou seja, nem todo excedente fiscal é
bom – ele pode ser ruim se for dinheiro esterilizado – e nem todo déficit
fiscal é ruim, pois ele pode significar grandes investimentos produtivos. Mas
certamente que todo processo contínuo de déficits orçamentários é
intrinsecamente perverso para a saúde econômica como um todo, ainda que seja
admissíveis no curto prazo e em doses razoáveis.
A segunda observação refere-se ao conceito de “abertura
criteriosa da economia”, que por si só já revela uma desconfiança filosófica em
qualquer abertura, ou seja, ela só é admissível se for criteriosa, o que quer
dizer medida, concedida a conta gotas, vigiada pelos poderes públicos e
dispensada com extrema cautela e os cuidados de praxe. Assim como no caso do
Estado ser parceiro do setor privado, está indicando que o candidato pretende
delegar a um punhado de burocratas públicos a função de saber o ponto exato do
equilíbrio, que não pode ser deixado ao sabor do mercado, das condições
econômicas gerais da economia ou ao arbítrio do setor privado.]
(…) Não devem, porém, servir de pretexto para
sacrificar a economia real e produtiva aos interesses financeiros.
Portanto, uma das prioridades tem de ser baixar os juros. Enquanto o juro real
for superior à taxa média de retorno aos negócios, o crescimento continuará
estrangulado. Viver de renda será melhor do que viver de trabalhar e produzir.
[PRA: Este trecho revela a natural
desconfiança, comum aos brasileiros, em relação ao setor financeiro, ou a
“viver de renda”. Viver de renda pode ser muito bom, ou mesmo necessário, para
quem pode, ou para quem não tem outra opção de rendimento real, isto é, a
velhinha aposentada que tem sua poupança como única fonte (ou complemento) de
aposentaria, e que portanto espera poder receber uma remuneração digna pelo que
acumulou durante a vida, mas não tem intenção nem possibilidade de fazer
grandes investimentos que imobilizem seu capital durante muito tempo. Ou seja,
não há nada de errado em viver de renda, desde que a remuneração seja
compatível com as condições gerais da economia e que o investimento produtivo
possa oferecer um retorno mais atrativo, suscetível portanto de interessar o
maior número possível de poupadores e investidores.
Quanto ao setor financeiro, trata-se, sem dúvida alguma,
de um dos setores mais regulados e vigiados da economia, e que depende, como
nenhum outro, de medidas regulatórias da parte do Estado: de um dia para o
outro, por exemplo, uma determinação – que não é nem lei, discutida no
Congresso, mas mera circular do Banco Central – relativamente aos depósitos
compulsórios e direcionamento regulado das aplicações pode, num fiat, retirar
qualquer rendimento sustentável ao setor financeiro, que ficaria assim à
mingua. Falar de “interesses financeiros” revela um velho preconceito popular
contra o setor bancário e seus “fabulosos lucros”, o que nada mais indica senão
uma incapacidade dos poderes públicos em regular os condutos econômicos fazendo
com que mais poupança se dirija ao investimento produtivo, cabendo ainda
observar que o “grande capital” do setor financeiro não pertence a uma matilha
de gananciosos capitalistas, mas ao conjunto da população que para ali dirigiu
suas economias.]
(…)
(…)
O
BRASIL NO MUNDO: INTEGRAÇÄO ATIVA. O Brasil não deve nem precisa escolher
entre isolar-se do mundo, política ou economicamente, e render-se à forma atual
da globalização. Precisa optar pela integração atuante, crítica e
reconstrutiva.
[PRA:
Raramente, na história da humanidade, ou mesmo nas trajetórias individuais, a
vida nos coloca entre escolhas tão dicotômicas como a indicada acima: fechar-se
ou aceitar passivamente a globalização. Isto só existe no discurso, pois que na
vida real as opções são feitas a cada dia, mediante pequenas medidas de
inserção ou outras pequenas decisões de isolamento.
Na
verdade, nem esta visão clara, ou percebida, da vida real nos é dada como
instrução a ser aceita ou cumprida, pois se é verdade que a globalização é um
dado da realidade (como eu acredito que seja), há muito pouco que os governos
possam ou não fazer pró ou contra a globalização. Obviamente, eles podem
atrapalhar e obstaculizar um pouco mais, mediante medidas ativas de
cerceamento, a integração do País com o mundo, mas ele sempre fará mal, tarde e
de maneira pouco apropriada. O que de interessante ele pode fazer, de imediato
e sempre, seria preparar cidadãos e empresas para participar plenamente, e com
vantagens, da globalização.
Por
outro lado, falar de “integração atuante, crítica e reconstrutiva” parece mais
retórica condicionante (e retraimento psicológico) em relação à globalização,
do que verdadeira capacidade de atuação num mundo já globalizado, que não
depende de nós ou do nosso tipo de atuação para continuar sua trajetória
anárquica e incontrolada. Não é certo que o Brasil possa optar por fazer essa
“integração atuante, crítica e reconstrutiva”, mas é certo que os candidatos
podem, em geral, demonstrar que não são passivos ou acríticos em relação à
globalização. Sempre rende alguns pontos, de graça, e a globalização não está
ai para reagir…]
Expressão
do projeto interno, o projeto externo deve buscar as parcerias e os acordos que
ajudem a ampliar o espaço para nossa estratégia nacional. Isso significa
negociar, sem medo, tanto com os Estados Unidos quanto com a Comunidade Europeia,
aproximar-nos estrategicamente de outros
grandes países periféricos, sobretudo a China e a Índia, e buscar aliados
para a luta pela reforma da ordem econômica e política mundial. Lutar por um
mundo pluralista, mais aberto à diversidade de trajetórias nacionais de
desenvolvimento.
[PRA: Falar em buscar parcerias para uma
determinada “estratégia nacional” implica na existência prévia dessa estratégia
ou do “projeto externo”, que é mais afirmado e proclamado do que
verdadeiramente demonstrado. Dito isto vejamos os detalhes:
“Negociar sem medo” significa que estamos hoje
negociando com medo de qualquer das potências mencionadas, o que não é
obviamente verdade. Trata-se de retórica de eleição, o que pode ser aceitável
para o público at large, mas é ofensivo às áreas envolvidas nessas negociações.
A ex-Comunidade já virou União Europeia desde 1993. Aproximar-se
estrategicamente significa dispor de um “grande desígnio”, que não está
explícito, significa também que esses outros países periféricos partilhem desse
mesmo desígnio, caso contrário pode-se cair no “dilema do Garrincha”: o outro
lado “sabe disso?” Sobretudo China e Índia quer dizer particularizar, à
exclusão dos demais, uma determinada categoria de “países periféricos”, os
grandes e poderosos dentre os países em desenvolvimento, que por acaso são
nucleares, que por acaso estão envolvidos em disputas regionais e estratégicas
que nada têm a ver com os interesses brasileiros, que por acaso têm um modelo
de desenvolvimento que não corresponde exatamente ao nosso, que por acaso não
coordenam suas posições com outros países, que por acaso podem não sentir essa
mesma necessidade de “lutar pela reforma da ordem econômica e política mundial”
com os mesmos objetivos perseguidos pelo Brasil, enfim, há uma declaração de
intenções que possui muitos imponderáveis para traduzir-se na prática.
Por fim, lutar por essa reforma com outros países
periféricos é totalmente contraditório com a proposta que segue: “Lutar por um
mundo pluralista, mais aberto à diversidade de trajetórias nacionais de
desenvolvimento”, que implica justamente descoordenação e diferenças nos
objetivos perseguidos. Se a trajetória é nacional, ela não busca coordenação
com outros.]
3. Ideias-força
da proposta. Alguns conceitos centrais, ligados entre si, animam toda a
proposta.
A
CAPACITAÇÃO DO ESTADO. Precisamos de um Estado atuante e enriquecido de
quadros e recursos como agente da capacitação dos brasileiros e promotor da
democratização dos mercados. Temos de contar com um nível mais alto de
poupança, e com um estreitamento dos vínculos entre a poupança e a produção,
para não termos de depender do financiamento externo, que vem e volta,
periodicamente interrompendo nosso crescimento, com resultados sociais penosos.
[PRA:
Sinceramente, eu não começaria minhas “ideias-força” pela capacitação do
Estado, que traduz o velho vezo lusitano de colocar o Estado na frente da
sociedade e de colocar esta sob o império do Estado. Por que não começar pelo
fortalecimento democrático da sociedade, por libertá-la de certos
constrangimentos impostos por políticas públicas, por que não começar dando
confiança às forças sociais e declarando que elas, hoje, estão plenamente
capazes de construir uma nova “sociedade democrática” no Brasil?]
A
DEMOCRATIZAÇÃO DO MERCADO. Não basta regular a economia, (…). O novo motor
do desenvolvimento brasileiro (…) será a
descentralização do acesso aos recursos
e às oportunidades da produção, (…) o Estado é o parceiro indispensável,…
[PRA:
O “não basta” indica que a condição é necessária mas não suficiente, ou seja, a
regulação virá de qualquer maneira, como de hábito, quando uma alternativa
seria começar por proclamar que se pensa diminuir a regulação, ou pelo menos
alterar-lhe o caráter e o sentido, numa direção menos intrusiva, talvez, menos
pesada, mais autorregulada pela própria sociedade. A “descentralização do
acesso”, por outro lado, implica numa certa concessão do Estado: ele tem muitos
recursos, reconhece isso, e passa por decisão própria a redistribuir um pouco
desses recursos para a sociedade. Outra postura será proclamar que o acesso a
vários recursos sociais para investimento não precisariam mais passar pelo
Estado, mas poderiam ser mobilizados e recanalizados pela própria sociedade,
mediante novas formas de regulação e de organização da própria sociedade.
Finalmente, proclamar o Estado como “parceiro indispensável” sinaliza aos
agentes privados que, quer eles queiram, quer não, o “Big Brother” estará ali,
ainda que seja para auxiliá-los, ou pelo menos olhando por cima do ombro para
ver se está tudo bem, se eles não precisam por acaso de alguma ajuda, se não
aceitam algum conselho ou recomendação para que seus negócios marchem melhor
ainda, etc. Em outros termos, traduz a velha tradição de se ter o Estado como
centro organizador de todas as coisas, como dispensador de favores ou, como se
proclama, como “parceiro”. Não caberia uma atitude menos “patronizing”?, mais
voltada para a liberdade dos agentes econômicos?, compatível com a verdadeira
concorrência e abertura de oportunidades que se pretende firmar numa sociedade
democrática?]
O APROFUNDAMENTO DA DEMOCRACIA.
(…) Não temos por que imitar as democracias sonolentas de países ricos e
consolidados, que dependem de crises para conseguir reformas. Essa democracia
de alta energia precisa favorecer uma dinâmica de auto-organização na sociedade
brasileira, respeitando a parte já organizada da sociedade civil sem permitir
que o interesse nacional se confunda com os interesses corporativos.
[PRA:
De acordo com a “dinâmica de auto-organização na sociedade brasileira”, mas o
conceito de “democracia de alta energia” e esse novíssimo conceito de
“democracias sonolentas” são por demais imprecisos e podem se prestar a
confusões. Significa que iremos ficar incitando os cidadãos a serem mais
energéticos em sua afirmação democrática?; significa que os países
desenvolvidos dispõem de mecanismos democráticos usados, deficientes, pouco
participativos? Não se acredita na concepção que nesses países não é o Estado
que dispensa democracia, mas que a própria sociedade é democrática, e que a
sonolência que se observa significa na verdade participação contínua nas coisas
menores, mais perto dos cidadãos, e que um certo alheamento aos grandes debates
nacionais supostamente decisivos significa ausência de “grandes mudanças” (que
sempre trazem uma certa instabilidade), que são na verdade marcas de países em
crise, sem rumo, como o nosso por exemplo?]
OS PROBLEMAS DO DIA-A-DIA:
O SOCIAL QUE FUNCIONE
1. Emprego
A)
Aumentar oportunidades de emprego através de medidas emergenciais que também
estimulem a retomada do crescimento.
[PRA: Poucos países no mundo aumentaram o
emprego de forma regular e duradoura mediante “medidas emergenciais”. De toda
forma, isso significaria uma certa disponibilidade keynesiana para aumentar o
déficit público durante um certo tempo, quando no Brasil essa faculdade parece
extremamente limitada.]
- Regularizar a posse da terra
nas periferias das grandes cidades. Esta é a iniciativa que, em menos tempo e
com menor custo relativo, estimula o morador a construir ou a melhorar o que já
construiu.
[PRA:
Mais fácil falar do que fazer, e isto pode trazer resultados inesperados, no
sentido do estímulo a novas ocupações selvagens que depois seriam “reguladas”
com certas facilidades por parte do poder público, dispensador como sempre de
favores aos mais humildes, um pouco como aconteceu em Brasília, sob a direção
irresponsável do Gov. Roriz. O essencial seria fazer com as residências se
deslocassem onde estariam as novas oportunidades de emprego, não fixar as
pessoas num determinado lugar, e depois tentar resolver o problema do emprego,
que estaria contaminado já pelas “oportunidades” abertas pelo crime e
marginalidade.]
Desenvolver
em parceria com os Estados e os Municípios rede de postos habitacionais para
vender material de construção a preço subsidiado (…)
- Construir trezentas mil casas populares por ano, com
participação comunitária e técnicas simplificadas de construção.
[PRA:
Será criado um novo programa para administrar esse subsídio? A “Habitobrás” por
acaso? Esse tipo de programa acaba gastando muito na administração e se
prestando a práticas de manipulação política ou desvio de recursos (lembra
“programa do leite”?). O velho financiamento hipotecário a juros razoáveis não
se presta aos mesmos objetivos?
Ficar
metas quantificadas é o mais seguro caminho para ser cobrado mais adiante pelo
não realizado: 300 mil pode ser um número arbitrário e tão válido como qualquer
outro…]
- Dar condições de estabilidade
e modernização à agricultura, sobretudo de porte familiar: organização dos
estoques estratégicos e de um sistema de seguro contra as flutuações violentas
dos preços dos produtos agrícolas; (…) implantação de um sistema nacional de
segurança alimentar.
[PRA:
“Sobretudo de porte familiar” significa um preconceito contra outras formas de
posse e exploração agrícola, quando não é seguro que, nas condições
brasileiras, a agricultura de tipo familiar seja a forma predominante, a mais
rentável ou a desejável em relação a outras, que podem ser tão ou mais
racionais do que a familiar. “Estoques estratégicos” lembra a administração,
sempre capenga, de grandes quantidades de produtos por parte do estado, quando
não é certo que se necessite desse tipo de “reserva” para resolver problemas de
renda agrícola ou de abastecimento das cidades hoje em dia. “Flutuação” é algo
inerente ao mercado, tanto mais danosas, quanto eventuais “ameaças” de
intervenção pública (geralmente não realizadas, justamente por falta de recursos)
trouxerem insegurança ao agricultor quanto a plantar ou não em função dessas
benesses públicas agitadas de forma demagógica; o seguro pode ser feito em
condições de mercado, mais do que isso entra naquela zona do “moral hazard” (ou
irresponsabilidade pela existência de alguma garantia terceirizada) que faz os
agentes se comportarem de maneira arriscada. “Segurança alimentar” é algo
totalmente dependente de renda e não de qualquer sistema estatal (posto que
“nacional”) de administração “alimentar”. O Brasil não tem nenhum problema de
falta de alimentos, ainda que muitos brasileiros tenham uma óbvia carência
nesse particular. Nada que sua integração produtiva no mercado não possa
resolver, em lugar de novos, grandes e custosos programas de “segurança” alimentar.
Tendo renda, o brasileiro não enfrentará nenhuma “insegurança” alimentar.]
B) Trazer para o mercado formal os trabalhadores que trabalham
sem carteira assinada - metade da população
adulta do país.
- Acabar com todos os encargos sobre a folha salarial.
- Deslocar as contribuições à previdência da folha salarial para o
faturamento líquido das empresas, extinguindo, com isso, um poderoso
desestímulo ao emprego.
[PRA: Será preciso encontrar novas formas de
financiar determinados serviços públicos, o BNDES, etc. Deslocar encargos
laborais para o faturamento pode gerar novas formas de desvio contábil, mas
certamente é uma forma mais justa que a folha salarial, ainda que as empresas
possam alegar inconstitucionalidade, se a vinculação permanecer (não existirá
correspondência). Nesse caso, uma nova estrutura tributária deveria compensar
essas incongruências.]
2. Salário.
- Elevar o salário mínimo gradativa e continuamente no
curso do mandato.
[PRA: Aumentos
políticos são um dos caminhos para o descontrole inflacionário e a perda de
poder de compra desse mesmo salário. E se o mercado regular os níveis de
remuneração, como aliás já acontece, e o governo empregar suas energias na
melhoria da qualificação da mão-de-obra?]
- Tomar como objetivo da política salarial aumentar
gradativamente a participação da massa salarial na renda nacional.
[PRA: Esse aumento
deveria ser consequência do crescimento econômico e da expansão de empregos, e
não necessariamente de uma política “dirigista” tornando tal objetivo
particular compulsório, independentemente das condições econômicas objetivas.
Considerar que o aumento da participação salarial na renda global constitui um
objetivo legítimo de política econômica pode significar que a estrutura da
economia será sempre moldada segundo os padrões clássicos do capitalismo
industrial, com patrões de um lado e assalariados de outro. Ora, a evolução da
economia moderna, com a diversificação das atividades produtivas e dos serviços
e das próprias relações contratuais, o surgimento de “novos” serviços num
terciário muito diferente do que ele era na fase da segunda revolução
industrial, tudo isso pode redundar, pelo menos do ponto de vista teórico, numa
diminuição da massa salarial em relação a outras formas de rendimento, com o
que fica invalidada a proposta do candidato.]
(…) Compreender
que a política mais eficaz de redistribuição de renda no Brasil atual é o
aumento sustentável do salário real, possibilitado tanto pelos ganhos de
produtividade quanto pela defesa dos direitos trabalhistas.
[PRA: Pode ser esta “uma” das formas. A outra
seria via aumento da qualificação da mão-de-obra via investimentos educacionais
e capacitação técnica da população.]
- Rejeitar a retórica e
a política da "flexibilização" do mercado de trabalho. (…)
[PRA: Pode ser uma proposta “quixotesca”, se
é verdade que o próprio mercado está se encarregando de “flexibilizar” essas
relações, via contratos parciais, “work at home” ou “tele-trabalho”, etc.]
3. Segurança.
(…)
- Federalizar amplo elenco
de crimes: contrabando de armas, narcotráfico, crimes contra a administração
pública, crime financeiro, crimes cometidos por policiais civis e militares,
crime organizado.
[PRA:
E os crimes contra os direitos humanos?]
- Construir uma rede de penitenciárias federais em regiões
inóspitas.
[PRA:
Trata-se de uma concepção antiquada de prender criminosos, que pode aumentar os
custos de manutenção do sistema penitenciário. Que tal privatizar uma parte do
sistema carcerário?: o Estado paga um certo “preço” por condenado, obviamente
menor do que ele próprio gasta atualmente e recebe propostas em concorrência
pública? As empresas teriam o direito de colocar seus “prisioneiros” em alguma
atividade produtiva, contra pagamento de salário em condições “normais” de
empregabilidade.]
(…)
- Desarmar o país.
Proibir o uso de armas. Estatizar a indústria de armamentos de todos os tipos.
[PRA:
De acordo em decretar a ilegalidade da posse de armas (creio que é esse o
sentido de “proibir o uso”), mas quanto a estatizar a indústria para quê?:
criar uma “Armobrás”? Qual a vantagem econômica ou política desse absurdo?]
4. Saúde.
(…)
5. Educação.
(…)
- Acabar com o vestibular. Substituí-lo
por provas federais administradas aos alunos em cada um dos três últimos anos
do segundo ciclo. O estudante concorrerá a um lugar no sistema
universitário de acordo com a média das notas obtidas nas provas de cada um
desses três anos.
[PRA:
O vestibular, a despeito de todas as suas imperfeições, ainda constitui um sistema
relativamente democrático de acesso ao terceiro ciclo, na medida em que
“recolhe”, justamente, todos aqueles que não puderem cumprir a escola regular,
ou que tiveram de interromper os estudos por motivo de trabalho, saúde ou
qualquer outro. Qualquer cidadão, em qualquer idade, pode decidir passar o
vestibular, democraticamente. Da mesma forma, uma pessoa que teve péssimos
resultados durante todo o ensino médio, por falta de condições objetivas, pode
decidir-se por estudar duramente durante um certo tempo (eventualmente com a
ajuda de bolsas ou empréstimo públicos) e aceder assim ao tão almejado ciclo
superior. O vestibular apenas pode ser extinto quando o ensino médio for
verdadeiramente universalizado, e ainda assim ele poderia cumprir certas
finalidades que a avaliação seriada não atinge (como a da volta aos estudos na
idade madura, por exemplo).]
- Implantar programa agressivo
de bolsas de estudo avançado no estrangeiro para acelerar a formação de quadros
em setores estratégicos do nosso desenvolvimento. (…)
[PRA:
Pode ser uma perda de dinheiro. A qualidade da ciência brasileira já assegura
que muitos profissionais possam ser formados no próprio Brasil. O programa de
bolsa em divisas estrangeiras (por definição escassas) tem de ser rigorosamente
seletivo, mesmo nos chamados “setores estratégicos” (cuja definição não pode
ser simplesmente burocrática).]
6. Iniciativas
comuns à saúde e à educação.
- Atrair a classe média ao sistema público de educação e saúde.
Transformá-la em fiadora da qualidade do serviço, em proveito de todos.
Libertá-la do ônus da mensalidade da escola e do plano de saúde.
[PRA: Objetivo nobre, que pode se chocar com
as realidades orçamentárias do Estado e a complementaridade que sempre existiu
entre sistema público e opção particular, em ambos os setores.]
- Instituir colegiados
transfederais que reúnam o governo federal, os Estados e os Municípios em
órgãos comuns. (…)
[PRA: De acordo com a coordenação, mas
imensas dúvidas sobre a constituição efetiva desse novo tipo de estrutura. A
experiência ensina, mormente no Brasil, que a confusão gerencial e o
desperdício de recursos nas atividades-meio podem condenar qualquer boa ideia à
morte por inanição burocrática.]
- Propor legislação que permita ao cidadão recorrer ao Judiciário
na defesa de mínimos de investimento ou desempenho. Regulamentar o mandado de
injunção, previsto na Constituição, para servir a esse objetivo.
[PRA: O objetivo é
certamente nobre, mas nossa justiça, que já é lenta, insegura e por vezes
“injusta”, vai encontrar-se mais uma vez sobrecarregada.]
7. Moradia
e terra.
A
primeira etapa do programa de moradia são as medidas emergenciais para a
regularização da posse da terra nas periferias das grandes cidades. Essa
regularização será acompanhada pela instalação de rede de postos habitacionais
para a venda subsidiada de material de construção e a difusão de técnicas
simples de construção. Para evitar desvios e fraudes a venda do material de
construção será mediada por meio de associações comunitárias credenciadas.
[PRA: Ademais do simples aspecto orçamentário
e do problema mais complicado da fixação espacial de pessoas que não dispõem
necessariamente de emprego local, a medida corre o risco de se prestar a
utilização política, mesmo com as tais de “associações comunitárias”: uma
“indústria” pode surgir para tal efeito.]
(…)
O
NOVO RUMO DO DESENVOLVIMENTO:
RECUPERAÇÃO
DA CAPACIDADE ESTRATÉGICA DO ESTADO
(…)
1. O
novo regime tributário simplificado.
(…)
No
futuro imediato, a única maneira de desonerar a produção sem deixar de
equilibrar as receitas do Estado com suas responsabilidades é dar grande peso a
um imposto geral sobre o consumo - o
chamado imposto sobre o valor agregado (IVA).
(…)
Em
segundo lugar, ao substituir todos os impostos e encargos que oneram a folha
salarial e recaem em cascata sobre a produção, ele favorece a produção e o
emprego. (…)
[PRA: Seriam necessárias simulações concretas
para saber se, aos níveis de arrecadação atuais, esse IVA (que só pode ser
federal), poderia efetivamente substituir todas as contribuições e demais taxas
vinculadas ao emprego e sistema produtivo.]
(…)
- Passar a tributar os
ganhos obtidos por brasileiros no exterior através de empresas localizadas em
paraísos fiscais, hoje livres de tributação.
[PRA:
Essa medida requer obviamente a cooperação desses paraísos fiscais…]
- Passar a calcular o IR das empresas globalizadas considerando
sua realidade econômica, de modo a identificar e tributar a parcela dos lucros
mundiais atribuíveis à pessoa jurídica brasileira sempre que tal parcela
exceder os lucros apurados pela forma tradicional.
[PRA:
Essa faculdade já existe no atual código tributário.]
([Questão de ordem geral])
[PRA:
Não se cogita eventualmente de simulações em torno do imposto único federal,
tal como proposto pelo Deputado Marcos Cintra, ou então a própria adoção do
imposto único geral?]
2. O novo regime
previdenciário e a mobilização da poupança de longo prazo para o investimento
de longo prazo.
(…) Instituir, dentro do sistema público,
contas individualizadas de capitalização.
[PRA:
Trata-se de um regime completamente diferente do atual, como instituí-lo dentro
do sistema atual? Como será feita a transição, como será financiada a passagem
de um sistema a outro, que implica obviamente a cessação de contribuições pelo
regime anterior?]
(…)
3. O
mercado de capitais.
(…)
- O governo trabalhará
com as instituições financeiras privadas para organizar o investimento em
empreendimentos emergentes ("venture capital"). O princípio será
sempre iniciativa privada quando possível e iniciativa pública quando
necessária. Mesmo a iniciativa pública, porém, preferirá a terceirização em
favor de administradores privados profissionais, por meio do mecanismo
anteriormente descrito.
[PRA: Isto supõe
obviamente que as instituições financeiras privadas apreciarão ter o Governo
como sócio gestor e decisor…]
4. A administração das
dívidas e a baixa dos juros.
- Reconhecer que não há
condições para o crescimento sustentável enquanto o juro real que o governo
paga pelos títulos de sua dívida for maior do que a taxa média de retorno dos
negócios produtivos (…)
[PRA: Reconhecer tal fato não é o mais
difícil; a questão não é tanto o nível do juro e sim o fato de que o Governo se
vê obrigado a tomar dinheiro de forma contínua; o tamanho do juro é mera consequência
disso…]
(…)
5. O serviço público.
(…) Organizar serviço público com quadros de elite, altamente qualificados
e recompensados,… (…) Dentro do serviço público, serão criadas novas carreiras administrativas de ponta.
[PRA: A concepção de “elite” ou “de ponta”
pode não ser realista. O ideal seria assegurar em primeiro lugar um serviço
público eficaz nas extremidades do sistema, justo às populações carentes e nos
setores mais importantes, como saúde e educação. Para esses casos, um serviço
público “normal”, com funcionários dedicados (que não precisam ser de elite) é
mais importante do que despejar recursos em Brasília uma vez mais. A própria
concepção dessa proposta indica um “desvio elitista” que deveria ser
normalmente corrigida, em prol do bom funcionamento do serviço público como um
todo.]
(…)
6. Banco Central.
- Respeitar margem ampla de
autonomia operacional do Banco Central sem perder o princípio da
responsabilidade política. Reconhecer que o Banco Central tem servido à
primazia dos interesses financeiros sobre os interesses produtivos. Não
permitir que continue a fazê-lo.
[PRA: Uma promessa de manutenção de status
quo junto com uma acusação e uma ameaça? Por que não discutir simplesmente a
questão da autonomia real do BC, condição essencial para uma política monetária
comprometida com a estabilidade?]
- Rever o sistema de
"metas inflacionárias" para assegurar que o compromisso com o
crescimento pese ao lado do crescimento com a estabilidade da moeda.
[PRA:
Dar compromisso de “crescimento” para o BC é a via mais segura para o reinício
do processo inflacionário. Quem tem de assegurar crescimento são as autoridades
econômicas e os demais setores do Governo, não o BC. O BC deve existir justamente para garantir o poder de compra da moeda e
a estabilidade monetária.]
- Manter o regime do
câmbio flutuante verdadeiro e rejeitar qualquer responsabilidade pública pelo
risco cambial das empresas.
[PRA:
O que significa um regime de câmbio flutuante verdadeiro? Intervenções
esporádicas do BC ou hands-off completamente? A verdade do câmbio será decidia
em função das conveniências do Governo ou em função de um Comitê de Política
Monetária com mandato específico e autonomia funcional? O insulamento do BC de
eventuais riscos cambiais do setor privado é mais facilmente assegurado dando
completa autonomia ao BC do que subordinando-o a outras autoridades do Governo.]
7. Política industrial
sem dirigismo.
- Formular políticas industriais
entendidas como conjunto de formas de parceria descentralizada entre o governo
e as empresas. (…) (c) insistência em
ter como contrapartida da ajuda às empresas existentes a facilitação da entrada
de novas empresas e novos agentes no mercado;
[PRA: Ter presente que
toda forma de política industrial, por mais bem intencionada que ela seja,
sempre tem como substrato algum tipo de contaminação das políticas e dos
recursos públicos pelos chamados “interesses especiais”. O próprio fato de
mencionar “ajuda às empresas existentes” implica que haverá seleção política
dos “merecedores” de tal ajuda, à exclusão de outros setores e de todas as
demais empresas. A administração da ajuda condicionada à entrada de novos
concorrentes (sem ajuda?) parece difícil de obter numa situação, justamente, de
desigualdade de situações. Toda política de ajuda introduz distorções no
funcionamento do sistema de mercado, que as empresas não beneficiadas tentam
compensar mediante a aplicação de outros mecanismo, como preços de transferência
por exemplo.]
- A política industrial será reforçada por política de comércio
exterior… Dois critérios impessoais
determinarão o nível de proteção tarifária ou de alívio tributário concedido às
empresas de cada setor. (…) Para restaurar as condições de
concorrência, o produtor receberá um nível de proteção tarifária ou de
benefício tributário correspondente aos custos adicionais que lhe sejam
impostos pela política macroeconômica (…)
Lutaremos, porém, por aquelas
revisões dos acordos bilaterais, regionais e mundiais que assegurem condições
para uma concorrência mais equânime e mais aberta aos países e às empresas
emergentes. (…)
[PRA:
Tarifa e subsídios não são mecanismos que o Brasil possa determinar a seu bel
prazer, ignorando compromissos da TEC do Mercosul e de normas da OMC. A “luta”
aqui significa que o Brasil vai denunciar os acordos do Mercosul e os
compromissos na OMC? Nas propostas de política industrial, nada faz supor que
seu autor tenha consciência desses acordos e de suas implicações para o Brasil.]
(…)
8. Política Agrícola e
Reforma Agrária.
(a) Desenvolver estoques
estratégicos que viabilizem intervenções pontuais nos mercados "spot"
(presente) e futuros e ajudem a assegurar a segurança alimentar. Um programa de
segurança alimentar por meio da compra e distribuição onerosa ou gratuita de
produtos agrícolas de primeira necessidade pelo governo federal. Terá dois
objetivos: banir a fome e estabilizar os preços, sobretudo em proveito dos
agricultores de porte familiar na safra e do consumidor em geral na
entressafra.
[PRA:
O Brasil não tem nenhum problema de “insegurança” alimentar: ele tem um
problema de renda e de pobreza, que não precisam de “estoques estratégicos”
para ser resolvidos. Havendo renda, todos os brasileiros estarão alimentados de
forma conveniente. Programas de “estabilização de preços” costumam redundar em
gasto inútil do dinheiro público, necessário justamente para criar novas
oportunidades de emprego (e portanto de renda) para a população.]
9. A democratização do
acesso ao crédito, à tecnologia e ao conhecimento.
(…)
10. Promoção
de exportações e substituição de importações.
- Desenvolver política
de comércio internacional que rejeite solução única - seja Mercosul, Alca ou Comunidade Europeia - e que se alie aos outros grandes países continentais
periféricos para reformar a ordem econômica internacional.
[PRA: Não há solução única em comércio
internacional, muito embora seja difícil inovar absolutamente nessa área.
Existem basicamente dois processos de liberalização comercial e de acesso aos
mercados: pela via multilateral da OMC e pela via dos acordos preferenciais
regionais. As opções apontadas – Mercosul, Alca, UE – correspondem a uma delas,
a da regionalização. Quaisquer acordos com os “grandes países continentais
periféricos” não poderão escapar a essas características básicas e nada do que
se fizer com eles poderá atingir compromissos acordados multilateralmente ou
atingir preferências já concedidas no âmbito do Mercosul.]
- Definir ajuda
tributária ou tarifária a cada setor, sempre em prazo temporário e em
escala declinante,…(…) E tratar as proteções tarifárias como instrumentos
localizados e temporários…
[PRA:
Isso não pode ser feito em contradição com os compromissos já assinalados.]
11. A recuperação da base
de energia e transporte.
EM ELABORAÇÃO.
12. Uma vanguarda
tecnológica e seus vínculos com o resto da economia.
(…)
JUSTIÇA PARA OS BRASILEIROS
1. Cobrança de ética dos
governantes e responsabilização dos corruptos.
2. Justiça
rápida e acessível.
- Financiar grande expansão do
Judiciário federal, em consulta com os juízes federais, e apoiar os Estados,
sobretudo os mais pobres, no esforço de expandir seus judiciários.
- Triplicar em quatro anos o quadro de efetivos da polícia
federal. (Ver item 3 sobre “Os problemas do dia-a-dia”.)
- Implantar, (…)
centros de assistência jurídica popular em todo o país,…
[PRA:
Certamente necessárias tais providências, mas e o orçamento?]
3. A flexibilização do
federalismo para garantir os mínimos sociais.
4. A desigualdade dentro
da Federação.
(b) desenvolvimento de centros de pesquisa e
tecnologia regionais, existentes ou novos, e adaptação de práticas e
tecnologias apropriadas já iniciadas por outros países continentais em
desenvolvimento, como a China e a Índia;
[PRA: O Brasil provavelmente está à frente
desses países nessas áreas.]
- Dar papel decrescente aos
subsídios e aos incentivos fiscais como instrumentos para a correção dos
desequilíbrios regionais.
[PRA:
Esse tipo de “facilidade” regional constitui uma das principais fontes de
distorção no uso do dinheiro público e contribui, de fato, para preservar essas
desigualdades regionais.]
5. Redução dos bolsões
de pobreza.
- Nos bairros pobres das grandes cidades, começar com a
regularização da posse da terra, acompanhada da instalação de postos
habitacionais que vendam material subsidiado de construção e orientem as
populações nas técnicas populares de construção.
[PRA:
O “mito” da casa própria pode não ser a forma economicamente mais racional para
resolver os problemas da habitação no Brasil. Num país dotado de contínuo
deslocamento de atividades econômicas e de intensa mobilidade ascensional, a
fixação de pessoas sem emprego em determinados lugares pode contribuir para agravar,
em lugar de resolver, os problemas urbanos.]
6. A população negra.
7. A
mulher.
8. Serviço social.
A NATUREZA E A CULTURA BRASILEIRAS:
AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL
1. Proteção da Natureza (EM ELABORAÇÃO).
2. Cultura (EM
ELABORAÇÃO).
(…)
- Garantir a predominância da programação de conteúdo nacional
nos meios de comunicação de massa, sobretudo na televisão.
[PRA: Uma nova
“reserva de mercado”? Isto será compatível com nossos compromissos no âmbito da
OMC?]
REFORMA DA POLÍTICA:
APROFUNDAMENTO DA DEMOCRACIA
1. Financiamento
público das campanhas eleitorais.
2. Construção de regime
de partidos políticos fortes.
3. Introduzir dentro da
democracia representativa elementos cada vez mais fortes de democracia
participativa e direta. (plebiscitos e referendos)
[PRA:
Esse tipo de consulta não se presta para questões complexas como o acordo da
Alca, por exemplo, um dos que são geralmente apontados como suscetíveis de
“consulta popular”. Em geral, consultas populares são mais indicadas nas
questões em que as opções são claras e suscetíveis de terem uma resposta na
base do sim ou não, o que obviamente não é o caso de questões constitucionais
mais complexas ou, justamente, dos acordos de comércio.]
O BRASIL NO MUNDO:
INTEGRAÇÃO ATIVA
1. A
política externa e a democracia brasileira.
2. A política de defesa.
- Reorganizar, requalificar e reaparelhar as Forças Armadas.
[PRA:
As FFAA deveriam ter basicamente duas funções externas: segurança no Atlântico
Sul e na região amazônica, em coordenação com nossos parceiros hemisféricos;
participação crescente nas forças de intervenção da ONU, tanto em
“peace-making” quanto em peace-keeping”.]
- A indústria de
armamentos será integralmente estatizada e posta sob o controle das Forças
Armadas.
[PRA:
Medida totalmente desnecessária e de alto custo econômico para o Brasil, cujo
Governo será obrigado a manter instalações custosas para fornecimento
esporádico.]
3. A
construção do multilateralismo.
- A política externa do Brasil não se reduzirá a negociações comerciais.
Terá por objetivo central a construção de uma ordem multilateral no mundo (…) e resistindo à divisão do mundo entre uma
minoria de privilegiados e uma maioria de miseráveis.
[PRA: A política externa não se reduz ao
comércio exterior. Construir uma “nova” ordem multilateral não é projeto que se
faz por vontade própria, mas em todo caso não pode ter como pauta apenas uma
recusa de um maniqueísmo que de fato não existe (“divisão do mundo entre
privilegiados e miseráveis…”), uma vez que as gradações são infinitas.]
- O Brasil proporá revigoramento e reorganização do sistema das
Nações Unidas para refletir as realidades e as ansiedades atuais, inclusive por
meio do redimensionamento do Conselho de Segurança.
[PRA:
Para quem não está informado, o Brasil já vem fazendo isso, sem qualquer
ansiedade, mas com muito realismo…]
- O Brasil trabalhará
com os outros grandes países continentais marginalizados - a China, a Índia, a Rússia e a Indonésia - para reformar as organizações do sistema Bretton Woods
(o FMI, O Banco Mundial e a Organização Internacional do Comércio). Atuará, junto com
seus parceiros políticos e econômicos, para impedir que essas organizações
sirvam de instrumentos para a imposição das políticas de desenvolvimento
preferidas pelas potências dominantes e pelos países ricos. (Ver adiante.)
[PRA:
Há um certo equívoco na afirmação continuada de vínculos especiais com esses
grandes países periféricos: não são exatamente eles que proverão o Brasil
daquilo que ele mais necessita: capitais, know-how, tecnologia, acesso a
mercados relevantes, apoio financeiro e, mais importante, diálogo político em
função das grandes questões que estão no centro do processo decisório em nível
mundial.
Em geral, as
“potências dominantes” não tem planos de desenvolvimento para “exportação”:
elas têm uma preocupação básica com a segurança e a estabilidade da ordem
mundial. Planos de desenvolvimento somos nós mesmos que fazemos, com eventual
apoio financeiro de órgãos multilaterais, que por acaso são “dominados” por
essas mesmas potências, não pelos grandes países periféricos. A Organização
Internacional do Comércio é na verdade a OMC.]
- O Brasil tomará a iniciativa da construção de uma aliança em
prol do multilateralismo entre os grandes países continentais periféricos, a
Comunidade Europeia e a corrente de opinião internacionalista e anti-hegemônica
dentro dos Estados Unidos.
[PRA:
Ilusionismo retórico? Todos eles são, teoricamente, em favor do
multilateralismo. As concordâncias e uma eventual agenda comum devem parar por
aí mesmo. Nenhum deles deve estar esperando que o Brasil os convide para uma
nova campanha nesse sentido.]
4. Reforma
da ordem econômica mundial.
- … o Brasil (…) Construirá, junto com seus vizinhos na
América do Sul e com os outros grandes países continentais, sobretudo a China e
a Índia, proposta abrangente de redirecionamento e reforma da globalização.
E conduzirá as negociações específicas à luz dessa estratégia global.
[PRA: Redirecionar e reformar a globalização
soa algo como modular tornados e orientar a direção dos tufões. Alguém possui o
mapa, os caminhos e a estratégia da globalização, para que seja possível
redirecioná-la? Sabe pelo menos em que porta bater?]
- O princípio básico pelo qual se baterá o Brasil será que as
regras da ordem econômica não devem tomar como objetivo a maximização do livre
comércio, que é meio, não fim. O objetivo deve ser ajudar os países a desbravar
e a trilhar seus próprios caminhos.
[PRA: Certo. Fica
faltando dizer quais são essas novas modalidades de ajuda para percorrer
caminhos até aqui incógnitos. Se o livre comércio é apenas um meio, o autor das
propostas deveria dizer quais são esses outros meios e quais seriam os outros
objetivos para alcançar desenvolvimento e prosperidade em bases exclusivamente
nacionais.]
- Portanto, o Brasil
atuará contra a tentativa de usar as condicionalidades do FMI como instrumento
para suprimir a diversidade de estratégias de desenvolvimento e para sacrificar
as exigências das economias reais aos interesses financeiros.
[PRA:
As famosas condicionalidades do FMI se dirigem a requisitos de desempenho muito
específicos (geralmente de natureza fiscal e orçamentária) e normalmente não
impedem que o País estabeleça sua própria “estratégia de desenvolvimento”. Uma
das recomendações do FMI costuma ser desvalorização cambial, a outra, a
renegociação das dívidas existentes…]
- O Brasil lutará contra regras e práticas que, ao ampliar a
liberdade do capital para correr mundo, negam às pessoas essa mesma liberdade. Defenderá regras e práticas que permitam
ao capital e ao trabalhador ganharem juntos, em passos gradativos, o direito de
atravessar fronteiras nacionais. Reconhecerá no direito de migração,
devidamente regulado e dosado, grande fonte de igualdade e de inovação.
[PRA: Correto. O Brasil poderia começar por
abrir suas fronteiras aos candidatos à imigração vindos de outros países
sul-americanos, ou africanos, por exemplo. E poderia começar perguntando ao
Uruguai porque ele se opõe com tamanha pertinácia à livre circulação de
trabalhadores no Mercosul…]
- O Brasil resistirá a todas as
tentativas de expandir a definição do direito de propriedade, como no campo da
propriedade intelectual, que inibam o surgimento no mundo de novos polos de
inovação.
[PRA: O Brasil está lutando, por exemplo,
para introduzir novas modalidades no direito de propriedade, como aquelas que
se referem ao conhecimento tradicional indígena, aos recursos da
biodiversidade, à proteção do folclore, etc. De fato, o Brasil tem muito a se
beneficiar com a expansão do conceito de inovação.]
- O Brasil atuará em conjunto com o grupo de Cairns (dos
maiores países exportadores de produtos agrícolas) e com seus novos parceiros
entre os países continentais periféricos para reduzir o protecionismo agrário
que distorce o comércio mundial.
[PRA: Trata-se
justamente de uma das atividades mais constantes e mais vigorosas da atual
política externa.]
5. Negociações
bilaterais e com multinacionais.
- Ao desenvolver,
junto com seus parceiros políticos e econômicos, esse projeto para a reforma da
ordem econômica mundial, o Brasil não descuidará da ampliação dos acordos
bilaterais que potencializem a diversificação tradicional de suas relações
comerciais. Nenhum acordo regional ou parceria estratégica será tratado como
razão para atenuar ou abandonar outras opções de negociação bilateral.
[PRA: As negociações comerciais bilaterais
sempre estão enquadradas nas normas da OMC e procuram preservar o patrimônio de
acordos regionais existentes. Não há muito espaço para inovação neste
particular.]
- A negociação bilateral com
Estados estrangeiros será complementada por um esforço para negociar
diretamente com empresas multinacionais a natureza de sua inserção no Brasil. A
prioridade dessas negociações deve ser obter um reposicionamento de algumas
dessas empresas na economia brasileira. Em
vez de reproduzir ou apenas montar para o mercado interno bens padronizados de
consumo, devem tornar-se centros irradiadores de tecnologia e aprendizagem
dentro de cadeias produtivas orientadas inclusive para a exportação.
[PRA:
As empresas multinacionais geralmente não apreciam que os governos lhes digam o
que devem ou não devem fazer; quando aceitam “conselhos”, geralmente estão
barganhando favores muito concretos, que geralmente as coloca em melhor posição
do que concorrentes, daí resultando distorções no mecanismo econômico e a busca
de outras vantagens por empresas excluídas, que podem recorrer a “preços de
transferência” para compensar a desvantagem.]
6. Mercosul e América do
Sul.
- O Brasil continuará sua política de "paciência estratégica"
com a Argentina e com seus parceiros do Mercosul. Aceitará o revés momentâneo
para poder novamente avançar em seguida.
[PRA:
Não deveria. Caberia estabelecer compromissos imediatos de respeito pelos
compromissos já pactuados no âmbito do Mercosul, com algum “waiver” temporário
negociado em função justamente da observância dos compromissos maiores.]
- O Brasil verá o Mercosul como base regional para a definição
e o aprofundamento de estratégia regional de desenvolvimento com
características próprias. Dará, portanto, menos ênfase aos atributos rígidos de
união aduaneira e mais ênfase à formação de políticas comuns e de instituições
comuns, inclusive para a resolução de litígios. O Brasil proporá a multiplicação
de empreendimentos comuns com parceiros públicos e privados de outros países do
Mercosul.
[PRA:
Há aqui uma incompreensão do que sejam “políticas comuns”: no caso do Mercosul
elas devem necessariamente passar pelo conceito de união aduaneira, e mais
adiante de mercado comum, sem o que tais políticas não seriam simplesmente
possíveis.]
- Qualquer que seja o destino do
Mercosul, o Brasil lutará pelo estreitamento de suas relações políticas e
culturais com os outros países da América do Sul e pela construção de um
mecanismo próprio de formação de estratégias compartilhadas.
[PRA:
O que significa, concretamente, “construção de um mecanismo próprio de formação
de estratégias compartilhadas”? Algo tão importante que não possa ser
explicitado num programa público? Significa coordenação de políticas
governamentais ao mais alto nível, ou a existência de uma rede de acordos
comerciais como a que vem sendo construída atualmente?]
7. Alca
e Estados Unidos.
- O Brasil entrará nas negociações da Alca sem medo e sem
pressa. Através de negociações com a Comunidade Europeia, com a China e com a
Índia, procurará fortalecer seu poder de barganha nessas negociações.
[PRA: Não há pressa, tanto porque o
calendário já está definido desde a Costa Rica (1998), foi confirmado em Québec
(2001) e deve estender-se até 2005. As negociações com a UE são conduzidas no
âmbito do Mercosul, e não exclusivamente pelo Brasil, e China e Índia têm muito
pouco a dizer no que se refere à Alca. Acordos de livre comércio com esses dois
países são praticamente uma impossibilidade material.]
- O
prosseguimento das negociações será precedido por uma radiografia da nossa
economia que revele o grau de pressão competitiva que, em cada setor, sirva
para estimular e não para destruir.
[PRA:
Seria preciso pedir para interromper o exercício da Alca, um processo em curso
ente 34 países, até que o Brasil conclua essa radiografia? Todos os outros
países teriam o mesmo direito? Esse estudo pode ser feito em quanto tempo? E o
que será feito daqueles setores nos quais se descobrir, como resultado dessa
radiografia, que a “destruição criadora” será inevitável? Vamos pedir condições
especiais para “estimulá-los”?]
- O Brasil rejeitará a ideia da inevitabilidade da Alca e da
necessidade de aceitar o desfecho das negociações, seja ele o que for. Repudiará qualquer resultado que deixe de
assegurar abertura genuinamente recíproca ou que nos imponha regras que inibam
a capacidade do nosso Estado de construir parcerias estratégicas com nossa
iniciativa privada.
[PRA: Não há nada de inevitável na ALCA, e
nenhum acordo impedirá jamais o Brasil de “construir parcerias estratégicas com
a iniciativa privada”.]
- No curso das negociações, o Brasil procurará aliados do mundo
empresarial, político e sindical dos Estados Unidos. Compreenderá as
negociações como base para a formação de um espaço das Américas que transcenda,
em seu significado, interesses apenas comerciais.
[PRA: Os meios
empresariais estão geralmente interessados na liberalização do comércio, com
exceção, obviamente, daqueles não competitivos – siderúrgicos, têxteis, calçadistas,
produtores de açúcar, suco de laranja, soja, etc. – que estão justamente
pressionando os meios sindicais e políticos para manter a proteção e continuar
uma política abusiva de subsídios e restrições de toda a ordem. O “espaço das
Américas” não significa a mesma coisa para cada um desses possíveis
interlocutores.]
- Nesse mesmo espírito, o
Brasil insistirá em condicionar a integração comercial a políticas igualizadoras,
seguindo nisso o modelo da Comunidade Europeia e não o modelo do Tratado de
Livre Comércio entre os Estados Unidos, o Canadá e o México. Pelas mesmas
razões, o Brasil defenderá a ampliação gradativa do direito de trabalhar em
outros países signatários do acordo, inclusive os Estados Unidos e o Canadá,
como parte inseparável da abertura comercial.
[PRA:
Não se está discutindo, na Alca, nenhum acordo de integração comercial, mas
pura e simplesmente um de “livre-comércio”, que não comporta, justamente, políticas
igualizadoras, que não existem nem na UE, que apenas prevê fundos de
compensação e de reconversão, que são justamente caracterizados por muitas
distorções e alocação “política” dos recursos. O Brasil poderia propor a
liberdade do deslocamento de mão-de-obra, desde que estivesse disposto a
aceitar o mesmo princípio para si. Será isto aprovado no Congresso brasileiro?]
8. Comunidade
Europeia.
- Às negociações com a Comunidade Europeia será concedida importância
igual às negociações com o Estados Unidos e outros parceiros de uma possível
Alca. Nosso avanço relativo nas duas séries de negociações será determinado
pelas circunstâncias.
[PRA: A Comunidade deixou de existir em 1993,
tendo sido substituída pela União Europeia. O Brasil não negocia com esse
bloco, pela simples razão que as negociações são conduzidas no âmbito do
Mercosul, outro bloco comercial, caracterizado, como a UE, pela união
aduaneira. Seria preciso indicar quais circunstâncias determinarão o avanço, ou
não, dessas negociações.]
- Os entendimentos com os
europeus ultrapassarão o campo das negociações comerciais e abrangerão o
esforço para envolvê-los, junto conosco, na construção do novo
multilateralismo.
[PRA:
De acordo, mas nem os europeus estão de acordo entre si sobre o que significa
esse novo multilateralismo, supondo-se que a agenda desse processo esteja clara
para os diversos parceiros. Na questão da ampliação do Conselho de Segurança,
por exemplo, eles estão bastante divididos.]
9. África.
- O Brasil assumirá responsabilidade especial pela defesa dos interesses
africanos. Procurará desenvolver na África um conjunto de trocas
comerciais, parcerias produtivas e iniciativas humanitárias e pacificadoras.
(…)
- A política africana do Brasil será executada de maneira a
fortalecer o reconhecimento do legado africano dentro do Brasil bem como a
exemplificar e a promover nossa proposta de reforma da ordem mundial.
[PRA: De acordo e
totalmente meritório. Essa “responsabilidade especial” exige apenas duas
coisas: soldados e talão de cheques. O Brasil dispõe de um e de outro em
abundância?]
10. Aproximação estratégica
aos outros grandes países continentais periféricos.
- O Brasil se aproximará estrategicamente dos outros grandes países
continentais periféricos: a China, a Índia, a Rússia e a Indonésia. Dará
importância especial à construção de uma relação com a China e com Índia.
[PRA: Trata-se de mais um “mito” de nossa
política externa. Em primeiro lugar porque essa aproximação já se faz. Em
segundo lugar porque a possibilidade de retornos imediatos é bastante limitada.
Em terceiro lugar, como já se disse, não são esses países que trarão ao Brasil
aquilo que ele necessita em termos de comércio, capitais, tecnologia, know-how,
finanças, mercados, enfim, aspectos essenciais de nossa balança externa, nos
quais continuaremos como importadores líquidos nos próximos anos e que eles não
podem prover facilmente.]
Essa
aproximação estratégica se desenvolverá nos três planos seguintes.
- Proposta da reforma das instituições políticas e econômicas
da ordem mundial,…
[PRA:
Existe uma agenda comum para essa reforma? Quais seriam os pontos comuns?]
- Negociações bilaterais específicas para aumentar o poder de barganha dos parceiros diante de
terceiros (como, no nosso caso, nas negociações da Alca).
[PRA: Já se
evidenciou o enquadramento necessário dessas negociações nas regras
multilaterais existentes e no respeito aos compromisso regionais já concluídos.
Não há muito que se possa fazer além disso, sobretudo no plano exclusivamente
bilateral.]
- Parcerias
empresariais, tecnológicas e científicas para desenvolver polos de inovação que
não estejam sob controle das empresas multinacionais e dos países ricos.
[PRA:
De acordo e esse objetivo pode ser buscado, mas o Brasil geralmente possui
empresas mais “globalizadas” do que esses países, cuja empresas “globais”
também estão buscando, como o Brasil, parcerias prioritárias com “empresas
multinacionais e dos países ricos”, que são as que podem provê-las de
tecnologia e de marketing avançado e acesso a certos mercados mais relevantes.]