Paulo Roberto de Almeida
Gustavo Franco: "É mesquinho fazer politicagem com o empréstimo ao FMI”
Em entrevista exclusiva, ex-presidente do Banco Central diz que País não deve pedir contrapartida ao Fundo e defende o Plano Real
GUSTAVO FRANCO: A analogia é boa. Goethe utilizou na sua época o papel-moeda como uma alegoria para o que a gente poderia designar como inovação financeira de grande potencial e poder, que não era bem entendida na época. Isso podia gerar muito progresso. Mas também, como qualquer forma de energia poderosa, se descontrolada poderia produzir uma catástrofe.
GUSTAVO FRANCO: Pode-se dizer a mesma coisa sobre os derivativos, que foram o coração da crise americana de 2008. O evento americano cabe nessa alegoria feita no Fausto 2, uma inovação financeira aparentemente mágica, aparentemente diabólica, mas que tem lá sua utilidade, ajuda o desenvolvimento do mundo financeiro, mas se mal utilizada pode gerar uma enorme confusão, como foi o caso.
GUSTAVO FRANCO: Bom, primeiro, não vamos exagerar a prosperidade brasileira. O Brasil tem crescido, o que é muito bom, mas a uma taxa um tanto anêmica. Na média, nos últimos dez anos, nós estamos crescendo menos do que 4% ao ano. Não é uma taxa de crescimento de se orgulhar.Está muito inferior ao padrão dos BRICs. Pode-se até dizer que estamos perdendo tempo e oportunidades, porque não estamos conseguindo empreender as reformas e as melhoras na política econômica que nos colocariam num patamar de crescimento parecido com a China. Estamos fracassando nisso.
GUSTAVO FRANCO: O fato de a Europa ficar estagnada nos próximos dez anos vai mudar muito pouco a nossa perspectiva, já que o que faz o Brasil ficar meio trancafiado num crescimento baixo não tem nada que ver com a Europa, tem que ver com coisas nossas mesmo. Desde que não haja um episódio agudo de crise, como foi o último trimestre de 2008, a crise europeia não vai ter maior impacto aqui no Brasil.
GUSTAVO FRANCO: Claro que há. Não tem mundo sem crise, nem crise sem solução.
GUSTAVO FRANCO: Está convergindo para a solução, sim. A dificuldade é a velocidade. É uma dificuldade que tem que ver com a própria construção europeia, supranacional, mas também é um modo de ver a dificuldade decisória naturalmente produzida pela democracia. Os chineses têm uma crítica constante ao ocidente, aos Estados Unidos em particular, no sentido de que a democracia atrapalha as decisões pertinentes para o crescimento. Mas sabemos que na China não há direitos trabalhistas, não há proteção ao meio ambiente, não há várias coisas que são próprias do regime democrático. A Europa, dentro dos quadrantes de uma democracia, está andando na velocidade e na urgência possíveis. Claro que às vezes caminha num gelo muito fino e os mercados financeiros acham que é lento.
iG: O senhor é favorável ao Brasil fazer um empréstimo ao FMI visando ao ganho de mais peso no órgão? Esse empréstimo é positivo?
GUSTAVO FRANCO: É claro que é positivo. Na essência estamos sendo chamados a participar de um esforço internacional para resolver a crise da Europa. O que acontece é que provavelmente estão nos solicitando contribuições que são maiores do que a nossa participação no Fundo. Quando nós fizemos o mais recente programa com o FMI, alguns países europeus participaram dando recursos em percentuais maiores do que as suas cotas no FMI. E nem por isso ficaram tentando obter vantagens a despeito disso. Ou seja, no passado o Brasil foi ajudado por alguns desses países que hoje estão precisando de ajuda. Então acho uma certa mesquinharia agora o Brasil querer fazer uma politicagem em torno do tamanho da sua participação no fundo como condição para participar de um esforço internacional, que é do interesse de todos que dê certo.
GUSTAVO FRANCO: O Brasil pode e deve participar. A palavra maturidade é muito própria para isso. Se esse é realmente um país maduro que se julga inclusive com a maturidade que transcende a economia, a ponto de pleitear um assento no Conselho de Segurança da ONU, não deveria criar qualquer obstáculo para participar de forma produtiva para um esforço como esse.
GUSTAVO FRANCO: Os processos desse tipo, como foi o Plano Real, são processos complexos cujas decisões são tomadas no calor das circunstâncias. Não creio que a gente pudesse ter feito melhor. Acho que fizemos o melhor possível dentro de circunstâncias muito difíceis. Eu, particularmente, acho meio boba essa história das coisas que foram feitas erradas. Inclusive uma pergunta que me fazem com muita frequência, com relação à taxa de câmbio, se foi um erro ou não, o fato é que se tivesse sido feito diferente toda a história teria sido diferente.