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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Gustavo Franco: um toque de realismo na euforia economica do governo

Uma entrevista que deve deixar calados, gregos e goianos, ou seja, os nossos contendores habituais...
Paulo Roberto de Almeida

Gustavo Franco: "É mesquinho fazer politicagem com o empréstimo ao FMI”

Em entrevista exclusiva, ex-presidente do Banco Central diz que País não deve pedir contrapartida ao Fundo e defende o Plano Real

Mariana Sant’Anna e Valmir Moratelli, iG Rio de Janeiro | IG economia, 12/12/2011 05:32

Ex-presidente do Banco Central (1997-1999) e sócio fundador da Rio Bravo investimentos, Gustavo Franco acaba de lançar o livro “Dinheiro e Magia” (ed. Zahar), no qual assina o prefácio e o posfácio da obra de Hans Christoph Binswager. O alemão analisa a segunda parte do livro “Fausto”, de Goethe, que traz considerações econômicas.
Além de transitar pela literatura, o economista, que raras vezes dá entrevistas, falou com exclusividade ao iG. Na conversa, compara os derivativos que geraram a crise norte-americana de 2008 a um “pacto com o demônio”, critica a política econômica do atual governo e defende o Plano Real como poucos tucanos fazem - mesmo em época de eleição. “O Plano Real deu certo e os anteriores deram errado. É simples, é ganhar ou perder”, afirma ele, que integrou a equipe econômica que criou o Plano Real.
E ainda na linha crítica ao governo, classificou como “mesquinharia” a negociação do Planalto para obter maior participação no Fundo Monetário Internacional (FMI) como condição para emprestar dinheiro para os países europeus em dificuldade. “Se esse é realmente um país maduro que se julga, inclusive, com a maturidade que transcende a economia a ponto de pleitear um assento no Conselho de Segurança da ONU, não deveria criar qualquer obstáculo para participar de forma produtiva para um esforço como esse”, afirma, incisivo. A seguir, a entrevista.




iG: No início da crise atual, nos Estados Unidos, os títulos imobiliários não foram uma forma de “magia monetária” com consequências graves sentidas até hoje?
GUSTAVO FRANCO:
 A analogia é boa. Goethe utilizou na sua época o papel-moeda como uma alegoria para o que a gente poderia designar como inovação financeira de grande potencial e poder, que não era bem entendida na época. Isso podia gerar muito progresso. Mas também, como qualquer forma de energia poderosa, se descontrolada poderia produzir uma catástrofe.
iG: Como no caso da crise americana...
GUSTAVO FRANCO: 
Pode-se dizer a mesma coisa sobre os derivativos, que foram o coração da crise americana de 2008. O evento americano cabe nessa alegoria feita no Fausto 2, uma inovação financeira aparentemente mágica, aparentemente diabólica, mas que tem lá sua utilidade, ajuda o desenvolvimento do mundo financeiro, mas se mal utilizada pode gerar uma enorme confusão, como foi o caso.



iG: Diante da possibilidade da Europa ter uma década perdida, em contraste com a do Brasil, como o senhor vê o impacto para a economia brasileira?
GUSTAVO FRANCO:
 Bom, primeiro, não vamos exagerar a prosperidade brasileira. O Brasil tem crescido, o que é muito bom, mas a uma taxa um tanto anêmica. Na média, nos últimos dez anos, nós estamos crescendo menos do que 4% ao ano. Não é uma taxa de crescimento de se orgulhar.Está muito inferior ao padrão dos BRICs. Pode-se até dizer que estamos perdendo tempo e oportunidades, porque não estamos conseguindo empreender as reformas e as melhoras na política econômica que nos colocariam num patamar de crescimento parecido com a China. Estamos fracassando nisso.
iG: Então não seremos afetados?
GUSTAVO FRANCO:
 O fato de a Europa ficar estagnada nos próximos dez anos vai mudar muito pouco a nossa perspectiva, já que o que faz o Brasil ficar meio trancafiado num crescimento baixo não tem nada que ver com a Europa, tem que ver com coisas nossas mesmo. Desde que não haja um episódio agudo de crise, como foi o último trimestre de 2008, a crise europeia não vai ter maior impacto aqui no Brasil.

iG: O senhor acredita que há solução para a crise? 
GUSTAVO FRANCO: 
Claro que há. Não tem mundo sem crise, nem crise sem solução.
iG: Os governos estão na direção correta?
GUSTAVO FRANCO: 
Está convergindo para a solução, sim. A dificuldade é a velocidade. É uma dificuldade que tem que ver com a própria construção europeia, supranacional, mas também é um modo de ver a dificuldade decisória naturalmente produzida pela democracia. Os chineses têm uma crítica constante ao ocidente, aos Estados Unidos em particular, no sentido de que a democracia atrapalha as decisões pertinentes para o crescimento. Mas sabemos que na China não há direitos trabalhistas, não há proteção ao meio ambiente, não há várias coisas que são próprias do regime democrático. A Europa, dentro dos quadrantes de uma democracia, está andando na velocidade e na urgência possíveis. Claro que às vezes caminha num gelo muito fino e os mercados financeiros acham que é lento.


Foto: DivulgaçãoAmpliar

Capa do livro
iG: O senhor vê a inflação com preocupação?
GUSTAVO FRANCO: Vejo com preocupação, sim, porque temos uma composição de políticas econômicas que vejo como equivocada. Boa parte dos nossos problemas está exatamente aí. Temos uma política fiscal excessivamente expansionista, com taxa de crescimento do gasto público muito alta. Para compensar essa distorção, temos que praticar as maiores taxas de juros do mundo. Isso cria a armadilha do crescimento baixo. Mas se nós tentarmos sair dessa armadilha mexendo para baixo nos juros sem alterar a política fiscal, vamos provocar mais inflação e não vamos gerar um crescimento que não seja uma espécie de voo de galinha.
iG: O senhor é favorável ao Brasil fazer um empréstimo ao FMI visando ao ganho de mais peso no órgão? Esse empréstimo é positivo?
GUSTAVO FRANCO:
 É claro que é positivo. Na essência estamos sendo chamados a participar de um esforço internacional para resolver a crise da Europa. O que acontece é que provavelmente estão nos solicitando contribuições que são maiores do que a nossa participação no Fundo. Quando nós fizemos o mais recente programa com o FMI, alguns países europeus participaram dando recursos em percentuais maiores do que as suas cotas no FMI. E nem por isso ficaram tentando obter vantagens a despeito disso. Ou seja, no passado o Brasil foi ajudado por alguns desses países que hoje estão precisando de ajuda. Então acho uma certa mesquinharia agora o Brasil querer fazer uma politicagem em torno do tamanho da sua participação no fundo como condição para participar de um esforço internacional, que é do interesse de todos que dê certo.



iG: Seria natural e até maduro do Brasil participar desse esforço internacional?
GUSTAVO FRANCO: 
O Brasil pode e deve participar. A palavra maturidade é muito própria para isso. Se esse é realmente um país maduro que se julga inclusive com a maturidade que transcende a economia, a ponto de pleitear um assento no Conselho de Segurança da ONU, não deveria criar qualquer obstáculo para participar de forma produtiva para um esforço como esse.
iG: Olhando para o Plano Real e o período em que o senhor esteve à frente do BC, o que considera que foi seu maior erro e o maior acerto?
GUSTAVO FRANCO:
 Os processos desse tipo, como foi o Plano Real, são processos complexos cujas decisões são tomadas no calor das circunstâncias. Não creio que a gente pudesse ter feito melhor. Acho que fizemos o melhor possível dentro de circunstâncias muito difíceis. Eu, particularmente, acho meio boba essa história das coisas que foram feitas erradas. Inclusive uma pergunta que me fazem com muita frequência, com relação à taxa de câmbio, se foi um erro ou não, o fato é que se tivesse sido feito diferente toda a história teria sido diferente.

iG: Como assim?
GUSTAVO FRANCO: Se a gente tivesse feito uma política cambial diferente no início do real, a inflação nos primeiros três meses não teria sido negativa, teria sido positiva. Pode ser que isso tivesse comprometido todo o esforço. É como você criticar o jogador de futebol que ganhou de um a zero apertado, e o torcedor acha que tinha que ter dado uma goleada, diz que o técnico não é bom. A resposta do profissional do futebol é sempre: então vai lá e faz. Para as pessoas que dizem para mim “ah, você tinha que ter feito diferente o câmbio, o juro”, eu digo, olha, então da próxima vez que tiver uma hiperinflação você vai lá e resolve, e vê se você faz melhor. Duvido, até porque foram várias tentativas fracassadas de resolver a inflação no Brasil. Muitos dos críticos do Plano Real participaram de esforços que deram errado no passado de forma canhestra, quase tola, e no entanto acham que o Plano Real teve erros. Como discutir com o sucesso? O Plano Real deu certo e os anteriores deram errado. É simples, é ganhar ou perder.
iG: O senhor cita em “Dinheiro e Magia” que cada época produz o seu próprio Fausto. Qual a relação deste mito (o do homem que vende a alma ao diabo) com a economia?
GUSTAVO FRANCO: Fausto é um músico que quer atingir um estágio mais elevado da sua arte. Não tem nenhuma vaidade ou nada frívolo no que ele quer buscar. Agora, no próprio Fausto 2 de Goethe, um desses fins é o desenvolvimento econômico e o principal meio é o papel-moeda, que não é necessariamente uma coisa diabólica. O papel-moeda pode parecer diabólico porque na peça é uma ideia proposta pelo diabo, mas não tem nada de mágico, não é bruxaria, não tem nada com o diabo. É a forma dominante de organização dos sistemas monetários da atualidade. Os fins são nobres. O desenvolvimento econômico e os meios não são diabólicos.

Otimismo economico proximo do fim: Afonso Celso Pastore


Acabou a Unanimidade do Cenário Cor de Rosa

Tragedia educacional brasileira: decisao, sem qualquer conteudo...

Este artigo de opinião é extraordinário: incrivelmente rico em atitudes, sem jamais tocar no conteúdo do que se ensina nas escolas brasileiras. Ou seja, é completamente vazio.
Parece que incita à qualidade, mas não diz o que, exatamente.
Desse jeito, a educação brasileira não vai melhorar nem em um século...
Paulo Roberto de Almeida

A decisão pela educação

12 de dezembro de 2011 | 3h 05
Priscila Cruz, diretora executiva do Movimento Todos pela Educação - O Estado de S.Paulo
O Brasil não cumpre o preceito constitucional de assegurar educação de qualidade a todos os jovens e crianças. Comparativamente com as necessidades do País e levando em conta a dívida histórica que temos, principalmente com a população mais pobre, ainda estamos longe de afirmar que estamos bem.
Não poderíamos aceitar que metade das nossas crianças do terceiro ano do ensino fundamental não esteja alfabetizada nem saiba fazer contas simples. No entanto, os pais e as mães dessas crianças, quando indagados por pesquisadores, respondem que a escola de seus filhos é nota 8, numa escala de 0 a 10. Temos aí a enorme contradição que resulta na baixa demanda por qualidade.
Ainda falta muito para garantirmos que todos aprendam e concluam seus estudos na idade correta. Somente se pusermos a educação no centro das políticas o Brasil terá como romper o ciclo de pobreza e exclusão. O recente crescimento da classe média, tão festejado por todos nós, poderá ruir mais adiante se não tomarmos a decisão de efetivamente dar um salto na educação, que é o caminho mais poderoso e sustentável para a promoção de justiça social, com resultados persistentes, duradouros.
Na cena mundial, países com melhor desempenho na educação, como Finlândia, Coreia do Sul e Canadá, conduziram políticas bem-sucedidas, cuja aplicabilidade no Brasil deve ser refletida pela diferença de contexto social e cultural. Mas o que mais chama a atenção são alguns fatores que eles têm em comum e deveriam inspirar a ação de todos nós, brasileiros. Primeiro, decisão e coragem. Segundo, persistência.
Existe nesses países, há décadas, a decisão institucionalizada de garantir uma educação de qualidade. É uma decisão das autoridades por influência da sociedade, que tem a educação como um dos seus valores principais. Consciente, alerta, a sociedade desses países cobra, participa, atua, e as autoridades planejam, cumprem, avaliam, numa movimentação de mão dupla. Não se trata simplesmente de uma decisão do governo e seguida pela população. É também, e ao mesmo tempo, o anseio manifestado pela população que leva o governo a colocar a educação como política central e articuladora das demais, com a garantia de que seja de qualidade e com equidade.
A partir do impulso dado pela decisão, vem a coragem da implementação. Os responsáveis pela educação precisam enfrentar resistências, derrubar padrões antigos, viciados, e, ao mesmo tempo, ousar novos caminhos. Seja nos mais altos gabinetes, seja na linha de frente, na sala de aula, os desafios de seguir adiante com uma proposta inovadora, renovadora, exigem atitude corajosa, firme.
Essa atitude deve ter como princípio o diálogo com a sociedade, incluindo a comunidade escolar; e como base, um planejamento que todos conheçam e estejam preparados, e engajados, para cumprir. São essenciais metas claras, de entendimento imediato, com monitoramento permanente e transparente. Como não existe solução única para melhorar a educação no Brasil, é necessário que diferentes políticas estejam integradas em todos os níveis. E que funcionem em sintonia, de forma a apoiar o trabalho de milhões de profissionais da educação na enorme tarefa de garantir, a todos os alunos e plenamente, o direito à educação.
Tramita no Congresso Nacional o novo Plano Nacional de Educação (PNE), com metas que o Brasil deverá cumprir nos próximos dez anos - uma década sabidamente decisiva para nosso país. Além de metas, o PNE propõe um conjunto de estratégias. Convergem para esse documento as esperanças e os esforços de diversas instituições e de cidadãos que nos últimos anos participaram ativamente dos debates sobre a construção do plano. Mas de nada adiantará termos um excelente plano se não pusermos uma enorme energia também em sua operacionalização, para que vá muito além de uma declaração de boas intenções e se torne o documento-guia para saldarmos a nossa dívida social e darmos dignidade e oportunidade a todos os brasileiros.
Do planejamento à prática, dos conceitos à realização, percorre-se uma trajetória que passa necessariamente pela rotina que disciplina e aperfeiçoa. A educação ocorre no dia a dia e se as políticas públicas e as ações de governos e sociedade não conseguirem chegar à sala de aula, para garantir uma educação de qualidade, todos nós fracassamos nessa missão.
Por fim, deve-nos inspirar a persistência com que os países que estão no topo da educação mundial conduzem sua política educacional. Não há solução mágica e rápida, nem como promover melhorias sustentáveis sem continuidade - em que políticas, projetos e ações são implementados, avaliados, aperfeiçoados, num processo contínuo.
Ainda que o PNE esteja com sua tramitação muito atrasada na Câmara dos Deputados, pois ficamos todo o ano de 2011 sem plano vigente e continuaremos assim em boa parte de 2012, suas metas e estratégias, logo que aprovadas, devem ser assumidas com o engajamento de todos nós. Os resultados esperados só serão possíveis se houver o compromisso de sermos persistentes, não desistirmos diante das inúmeras dificuldades que certamente surgirão ao longo desse imperativo percurso.
Enquanto o plano tramita, o cotidiano das escolas e dos gestores educacionais continua. Já sabemos boa parte do que é preciso com urgência, como melhorar a formação docente e a carreira dos professores, definir as expectativas de aprendizagem, ter avaliações que sejam compreendidas e utilizadas na gestão educacional e mais tempo dos alunos na escola. A tramitação no Congresso não nos pode imobilizar, há muito a ser feito já.
Sem decisão, coragem e persistência dificilmente cumpriremos a missão que este início de século 21 nos impõe.

Companheiros capitalistas (mas mafiosos, como sempre...): o estranho caso do Panamericano

O caso só é estranho porque não conhecemos ainda todos os detalhes desse formidável imbroglio que, como sempre acontece nesses casos, vai deixar um rombo formidável paras as contas públicas (ou seja, para cada um de nós).
O fato de não conhecermos os detalhes, não impede, porém, de deduzir o que houve: capitalistas espertos, mafiosos como de vez em quando acontece, se uniram a companheiros mafiosos por natureza para arrumar "negócios" e enriquecer os novos capitalistas do capital alheio.
Como se dizia, antigamente: quem não come mel, quando come se lambuza.
O que os companheiros conseguiram, foi se lambuzar extraordinariamente do capital alheio.
O mais extraordinário ainda foi que tudo foi feito para enganar os trouxas, que eles pensam que somos todos nós. Vão embaralhar o negócio todo, pensando que somos idiotas a ponto de acreditar nas mentiras que estão contando.
Já existe um graúdo que deveria ter caído -- além de dois ou três outros na corda bamba -- e agora existe mais um que deveria ter se demitido de vergonha por sua participação nesse fabuloso negócio.
Além de toda a diretoria do banco estatal e, quem sabe até?, do Banco Central...
Paulo Roberto de Almeida 

História mal contada

Consuelo Dieguez

Revista Piaui, dezembro de 2011

Quanto mais se mexe no caso do Banco PanAmericano, mais sinistro ele fica

Durante quarenta anos, Luiz Sebastião Sandoval trabalhou para o Grupo Silvio Santos, 28 dos quais na presidência da holding que controlava as empresas do apresentador e dono do SBT. Entre os negócios que comandava, estava o Banco PanAmericano, responsável pelo melancólico fim de sua carreira de executivo. Com um modesto patrimônio de 1,6 bilhão de reais, o banco de Silvio Santos protagonizou, no ano passado, o maior escândalo financeiro da década.
Em setembro de 2010, o Banco Central descobriu uma fraude de 2,5 bilhões de reais engendrada por seus executivos – a conta subiu para 4,3 bilhões após novos cálculos feitos pelo Fundo Garantidor de Créditos dos bancos. Criado para socorrer instituições em dificuldades, o fundo colocou dinheiro no PanAmericano para evitar sua quebra. O caso foi parar na Polícia Federal, que indiciou Sandoval e todos os executivos do banco. O inquérito beira as 2 mil páginas e será encaminhado à Justiça, que decidirá se condena ou não os envolvidos.
Sandoval é um homem franzino de calva acentuada e 67 anos. Numa tarde nublada, sentou-se num sofá na sala de sua cobertura, em São Paulo, com vista para o vale do Anhangabaú. Munido de caneta e papel, desenhou o organograma do grupo para tentar demonstrar que sua responsabilidade na fraude, ao contrário da avaliação feita pelo Banco Central e pela Polícia Federal, é nenhuma.
“Eu ficava no controle da holding. Recebia os relatórios das auditorias feitas no PanAmericano que indicavam que o banco estava em perfeita saúde financeira. Como eu poderia imaginar que os executivos tinham montado uma fraude sem tamanho?”, defendeu-se. Deu um gole no café, outro na água e continuou. “É inadmissível que a Deloitte, que era paga para averiguar as contas da instituição, não tenha visto esse rombo gigantesco.”
Para complicar ainda mais a história, o governo está metido até a alma na confusão. Em janeiro de 2009, os executivos do PanAmericano, além de Luiz Sandoval e do próprio Silvio Santos, convenceram o governo de que seria um ótimo negócio para a Caixa Econômica Federal ficar dona de 49% do capital montante pela bagatela de 739,2 milhões de reais. Na negociação, ficou estabelecido que, mesmo despejando essa dinheirama na instituição, a Caixa não participaria da sua operação, o que é totalmente fora dos padrões. Teria direito apenas a participar do conselho de administração, cuja função é dizer sim ou não para as decisões dos executivos. Ainda assim, a operação contou com o aval entusiasmado do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que considerou a compra uma ótima oportunidade para o governo ampliar sua participação no mercado financeiro. Foi o ministro, garantiu Sandoval, quem bateu o martelo para que a Caixa fechasse o negócio.

oncretizada a venda, Sandoval levou Silvio Santos no dia 13 de setembro de 2010 até o prédio da diretoria da Caixa, em São Paulo, para que ele conhecesse a presidente e o vice da instituição, seus futuros parceiros. Junto com eles deveria estar Rafael Palladino, presidente do PanAmericano. Como o executivo não apareceu, Sandoval lhe telefonou. Ouviu uma voz tensa do outro lado da linha. “Não posso ir. Estamos com um problema. Venha para cá assim que puder.” Silvio Santos amenizou a ausência de Palladino, fazendo-lhe elogios rasgados. “Eu não conseguia entender essa admiração do Silvio por ele. O Palladino sempre foi um patife”, disse Sandoval. Quer dizer: Silvio Santos botou um patife à frente do seu banco.
Sandoval rumou ao PanAmericano após a reunião e encontrou Palladino com os cabelos despenteados. “Ele tem mania de desarrumar os cabelos quando fica nervoso”, contou. Ao vê-lo, Palladino disse que estavam com um problema com o Banco Central. “Descobriram um erro contábil de 2,5 bilhões de reais”, revelou. Sandoval arregalou os olhos ao relembrar a história. “Erro? Isso não é erro. Isso quer dizer que temos um rombo maior que o patrimônio do banco.” Mandou então que viessem os outros executivos.
O primeiro a chegar foi o diretor-financeiro, Wilson de Aro. Sandoval pediu explicações e ouviu do executivo que a responsabilidade era dele, De Aro. Ele montara a fraude ao não registrar no balanço do banco as vendas das carteiras de crédito para outras instituições financeiras. Assim, o PanAmericano demonstrava ter muito mais créditos a receber do que na realidade teria. Com isso, registrava lucros fictícios, mas que resultavam em pagamento de bônus generosos para seus executivos, dos quais também se beneficiavam Sandoval e Silvio Santos.
Sandoval disse que reagiu afirmando não acreditar na versão de Wilson de Aro. “Nada no banco era feito sem o conhecimento do Rafael”, assegurou. Ainda que De Aro tenha assumido a culpa, é contra Palladino que Sandoval despejou sua ira. “Ele é tão cafajeste que colocou para trabalhar com ele a maluca da filha do Silvio Santos – aquela que foi sequestrada e saiu elogiando o sequestrador.” E retificou: “Trabalhar, não, porque ela só ia às reuniões. Ele a colocou lá para fazer média com o Silvio.”
Depois, o apresentador decidiu empregar em suas empresas as quatro filhas que teve no segundo casamento. “O Silvio me pediu para colocar as filhas no grupo e prepará-las para substituí-lo. Mas como? Ele mesmo admite que elas são muito despreparadas e inexperientes.” Segundo Sandoval, a falta de tino das herdeiras para os negócios, aliada ao escândalo do PanAmericano, levou Silvio Santos a tomar a decisão de se desfazer de várias de suas empresas – inclusive o Baú da Felicidade, a mais identificada com ele.

 história do PanAmericano ficou ainda mais esquisita depois que a Polícia Federal, ao analisar os computadores dos executivos do banco, descobriu que eles tinham uma relação íntima com integrantes do PT. Trocaram e-mails com Luiz Gushiken, ex-ministro da Comunicação Social no governo Lula, nos quais discutiram estratégias para a instituição. Gushiken exigiu, por exemplo, que não se fechasse qualquer negócio para a compra de horários no SBTsem sua participação. Descobriram também que o banco foi grande doador de dinheiro para campanhas políticas do PT. Só para a campanha de Lula em 2006, foram 500 mil reais. E, durante a campanha eleitoral, o SBT de Silvio Santos fez uma cobertura pró-Dilma no seu noticiário.
A entrada do banco BTGPactual no negócio tornou o caso mais nebuloso. Após assumir a dívida de 2,5 bilhões de reais, Silvio Santos foi surpreendido com a nova conta apresentada pelo Fundo Garantidor, afirmando que o rombo real era quase duas vezes maior. O apresentador disse que não tinha condições de arcar com aquele rombo. O governo mandou-o entregar o banco em troca das dívidas – e içou o BTGPactual como sócio. O que surpreende foram as facilidades concedidas ao comprador. O BTGPactual, de André Esteves – também com histórico de doações para campanhas do PT –, ficou com 51% das ações do banco por módicos 450 milhões de reais, a serem pagos até 2028.
Os ex-executivos do PanAmericano tampouco se saíram mal. Com a distribuição dos lucros e dividendos fictícios, Wilson de Aro, Palladino e o diretor jurídico compraram imóveis luxuosos. O de Palladino é uma cobertura de 6 milhões de reais. Para não ficar tão ostensivo, vendeu a Ferrari vermelha na qual circulava até bem pouco tempo atrás. Quando soube do rombo, Silvio Santos fez uma única pergunta a Sandoval: “Eu fui roubado?” A resposta foi sim. Depois, na Polícia Federal, Silvio culpou seu ex-pupilo, Palladino, de tudo: “Ele era o cabeça do negócio.”
Sandoval também garante ter sido enganado pelos ex-executivos do banco. E diz que a Caixa não ficou atrás. Advogado por formação, ele só não entendeu por que, ao tomar conhecimento do rombo, a Caixa não desfez o negócio. “A instituição podia alegar que fora enganada. Qualquer juiz lhe daria ganho de causa.” O que ninguém acredita é que Silvio Santos não sabia de nada.