O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 13 de maio de 2012

O "futuro" do Mercosul em debate (6) - comentarios Paulo Roberto de Almeida

Aposto como vocês já estão cansados; imaginem eu, então, todo o domingo e ainda madrugada adentro na segunda-feira, me ocupando de algo que não me diz respeito (a não ser intelectual)...


O desafio das assimetrias  (SPG)

PRA: As assimetrias constituem, por assim dizer, um velho cavalo de batalha de SPG; nenhum outro assunto concentrou de forma tão extraordinária sua atenção, nenhum outro mobilizou tantos esforços, até a constituição de um fundo – que deve corresponder a mais ou menos 1% do PIB do Mercosul – e a modelagem de políticas de “correção de assimetrias”, assimetrias que são, como se sabe, perversas e impeditivas de qualquer esforço de integração. Não sabemos, porém, como essa opinião se coaduna com o fato de que o comércio internacional só se faz, justamente, com base em assimetrias; se todos fossem iguais, se poderia ter um belo discurso igualitário, mas baixa intensidade de intercâmbios. Não sabemos, porém, como SPG pretende resolver essa quadratura do círculo.

SPG: As assimetrias entre os Estados do Mercosul, que são notáveis em  território e população, aspectos o primeiro fixo e o segundo  de lenta transformação, mas que tem, todavia, grande importância econômica, vem crescendo rapidamente em termos de grau de diversificação produtiva, de dinamismo tecnológico e de dimensão dos respectivos parques produtivos.

PRA: A crer nessa opinião, os países mais dinâmicos deveriam esperar pelos menos dinâmicos, ou então ajudá-los a se tornarem mais competitivos e tecnologicamente avançados. Um pouco como faz a Argentina com o Brasil: ela se esforça para que nosso nível de competição industrial se aproxime do dela, se necessário à custa de salvaguardas ilegais, de políticas defensivas e arbitrárias, de violações aos compromissos contraídos sob a égide do TA, enfim, velhas medidas protecionistas que começam a ser imitadas pelo país mais dinâmico e mais diversificado tecnologicamente. Estes são fatos a exigir alguma interpretação de SPG. Ah, sim: o Brasil não deveria ser tão grande...

SPG: A dinâmica dessas assimetrias, deixada ao sabor das forças de mercado, em uma  união aduaneira e em uma área de livre comércio, na inexistência de esquemas corretivos, leva a um grau de desenvolvimento cada vez mais distinto e, portanto, a fricções, a frustrações e a ameaças permanentes à coesão do Mercosul, com todas as  consequências para a capacidade, tanto dos Estados maiores mas em especial dos menores, de defender e de promover seus interesses  em um cenário internacional cada vez mais caracterizado, apesar da crise, pela expansão de grandes blocos de países, nas Américas, na Europa e na Ásia. 

PRA: A crer nessa outra opinião de SPG, os blocos de países que não possuem “medidas corretivas” estão condenados a perder coesão e a enfrentar frustrações e crises. Como a grande maioria, senão a quase totalidade, dos blocos comerciais se apresenta sob a forma de acordos preferenciais ou de zonas de livre comércio (verdadeiras, ou com aspas, não importa, no momento), então podemos concluir que só vão se salvar os que forem uniões aduaneiras ou mercados comuns, o que deixa muito poucos no cenário. Os membros do Nafta, por exemplo, ou os da Asean mais China (e alguns outros), que estão apenas entregues às forças de mercado, devem ter os dias contados, caso não se decidam por “esquemas corretivos”, ou seja, políticas de Estado dirigidas à competitividade. Veremos se essa interpretação corresponderá a fatos, mas tenho minhas dúvidas...

SPG: A redução das assimetrias é essencial para que as economias e as  sociedades possam se beneficiar de forma equitativa do processo de integração.  As assimetrias que, em termos  concretos, correspondem a grandes diferenças de infraestrutura física e  social, de capacitação da mão de obra e de dimensão das empresas, fazem com que os investimentos privados não possam se distribuir de forma mais harmônica dentro do espaço comum, que a geração e a qualidade de empregos seja desigual e que, portanto, seja desigual a geração de renda e o bem estar nas diversas sociedades.

PRA: Temo não concordar com essa opinião. Aliás, me pergunto por que o México se decidiu por um esquema de “livre comércio” (aspas) com os EUA? Por que o Chile decidiu fazer um acordo de livre comércio (sem aspas) com a China? Por que os países caribenhos e centro-americanos querem acesso preferencial ao mercado dos EUA, com muitas concessões em troca e sem nenhum “esquema corretivo”? Estariam eles indo contra fatos desconhecidos deles? Ou são apenas fantasmagorias de um intérprete que luta contra assimetrias como D. Quixote o fazia contra moinhos “gigantes”? Por que benefícios equitativos só podem ocorrer com perfeita simetria de capacidades? Mistério!

SPG: Outros esquemas de integração, como a União Europeia, desde sua origem em 1958, se preocuparam com a existência e os efeitos de  diferentes níveis de desenvolvimento entre os Estados que deles participavam e com a necessidade de promover o desenvolvimento mais acelerado dos países mais atrasados para tornar mais equilibradas as oportunidades dentro do espaço econômico comum. Lançaram mão de vários programas, basicamente de transferência de recursos, com o objetivo de nivelar a economia dos Estados que foram se agregando à União Europeia e que se encontravam em diferentes estágios de desenvolvimento. O processo de reunificação das duas Alemanhas foi e é um exemplo de grande transferência de recursos que chega a atingir trilhões de dólares com o objetivo de nivelar duas economias e sociedades que se integram.

PRA: A UE é um caso único no mundo; pode-se perguntar ao nosso intérprete das assimetrias por que todos os demais países não seguem o caminho da UE, se ele é tão benéfico a todos, em quaisquer circunstâncias? O que a reunificação alemã tem a ver com a liberalização comercial e a abertura econômica de países soberanos? Mais importante: por que os brasileiros, que exibem uma renda per capita inferior à de argentinos e uruguaios, deveriam transferir recursos, e corrigir “assimetrias” nos dois países menores e ser extraordinariamente complacente com medidas violadoras do TA como praticadas pelo outro sócio maior? O Brasil, por acaso, se parece com a Alemanha? Gostaria de contar com alguns fatos explicativos e legitimadores, para também me formar uma opinião a respeito dessa interpretação original das assimetrias negativas à integração.

SPG: Devido à doutrina neoliberal e a seus objetivos implícitos, que presidiram à criação do Mercosul, inicialmente julgou-se e afirmou-se que as dimensões assimétricas dos Estados não afetariam o desenvolvimento de cada um deles  e que a simples integração comercial automática, sem levar em conta de forma adequada essas assimetrias, permitiria a cada um deles usufruir, de forma igual ou semelhante, dos benefícios decorrentes do processo de integração.

PRA: Bem, por aqui constatamos como pode ser nefasta a doutrina neoliberal: é ela que vem impedindo a integração. Isso ocorreu mesmo se, a partir de 2003, todos os países do Mercosul rechaçaram os governos neoliberais anteriores e passaram a aplicar políticas altamente favoráveis à integração. Devem existir outras forças poderosas que poderiam explicar, por exemplo, como e por que o Mercosul tem se afastado cada vez mais de seus objetivos originais, ou por que ele perde importância no comércio exterior brasileiro. Talvez seja devido à ação nefasta das poderosas megaempresas ocidentais; talvez seja em função do dinamismo extraordinário das novas megaempresas chinesas: ambas são multinacionais, mas sabemos que as primeiras tem aspas, as segundas não. Enfim, alguma interpretação de SPG deveria existir para explicar por que governos não neoliberais demoraram tanto tempo para se aperceberem disso. Seria a maldição do pecado original do Mercosul, um defeito de origem do TA? Vamos aguardar uma opinião mais embasada e depois confrontá-la com os fatos.

SPG: Vinte anos depois do Tratado de Assunção há uma aceitação generalizada de todos os Governos da importância e das consequências de toda ordem das assimetrias entre os Estados e da necessidade de enfrentá-las com programas eficazes, cujo montante de recursos até agora alocados são absolutamente insuficientes para a dimensão da tarefa.

PRA: Voilà! Era isso que faltava: recursos! Ainda bem que é só isso. Basta aumentar o fundo corretor de assimetrias de 1% para algo próximo de 10% do PIB dos países do Mercosul, para que as assimetrias comecem a ser reduzidas, em benefício de todos e de todas. Claro: como o Brasil é o maior, o mais “assimétrico”, cabe a ele assumir a maior parte das responsabilidades pela correção de assimetrias de toda ordem. Bem, se o orçamento brasileiro for insuficiente, caberia pleitear recursos do BNDES, do BID, do Banco Mundial, da CAF, do Fonplata, do Banco do Sul, do futuro banco dos BRICS e, também, contribuições da UE, do Nafta, da Asean, quem sabe da OCDE e da ONU? Tudo vale a pena quando a alma não é pequena...

SPG: Algumas afirmações básicas podem ser feitas sobre a possibilidade de êxito no enfrentamento do desafio de redução das assimetrias, indispensável para a coesão e o futuro econômico e político do Mercosul:
a.              sem a compreensão generosa (e, aliás, de seu próprio interesse, econômico e político) dos Estados maiores, que deve se refletir em suas contribuições financeiras para os diversos programas, em especial para o FOCEM (Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul) pode-se continuar a enfatizar retoricamente a importância das assimetrias mas elas não se reduzirão;
b.              sem a construção da infraestrutura de energia e de transportes nos Estados menores as assimetrias não se reduzirão e
c.              nenhum programa ou política comunitária em nenhuma das diversas áreas de integração poderá ir adiante sem a criação de instrumentos financeiros assimétricos de financiamento desses  programas e políticas.

PRA: Estados maiores, no Mercosul, só existe um, nós mesmos! Somos nós que deveremos contribuir com fundos muito maiores do que os atualmente disponíveis, para ações na área de infraestrutura e energia nos demais Estados (menores, por definição), embora se tenha uma ideia de que algumas daquelas instituições financeiras estão aí para isso mesmo: financiar obras de infraestrutura e energia. Por que não continuar fazendo por essa via? Por que deveríamos criar “instrumentos financeiros assimétricos” para lidar com projetos anti-assimétricos cuja consistência técnica, cuja análise de custo-benefício, cujos estudos de custo-oportunidade, entregues aos burocratas do Mercosul, serão, necessariamente, muito inferiores aos que poderiam ser feitos por burocracias treinadas nesse tipo de atividade naquelas entidades multilaterais?


[CONTINUA...]

O "futuro" do Mercosul em debate (5) - comentarios Paulo Roberto de Almeida

Ainda meus prolixos comentários: 



SPG: Em especial para o Mercosul, na medida em que certos governos da América do Sul tomaram a decisão, de grande importância para seus países e para o futuro político e econômico da América do Sul, que foi a de se inserir, inicialmente, no sistema econômico norte-americano, através da assinatura de amplos acordos econômicos, chamados impropriamente “de livre comércio”, e, em seguida, na economia mundial, através da negociação de acordos, ai sim de livre comércio, com a União Europeia e com muitos outros países, entre eles a China.

PRA: Ficamos sabendo que existem acordos “de livre comércio” e acordos de livre comércio, sendo os primeiros impróprios e indesejáveis. Seria uma opinião, ou uma interpretação? Confesso não saber distinguir, por fatos, entre os dois tipos de acordos.

SPG: Esses países sul-americanos optaram por uma política de inserção irrestrita na economia global e abdicaram da possibilidade de utilizar  diversos instrumentos de promoção do desenvolvimento, em especial importantes no caso de países subdesenvolvidos, com populações expressivas, com alto grau de urbanização, com grandes disparidades sociais e econômicas. E em consequência, abdicaram de uma participação mais intensa em um processo de integração regional sul-americano pela impossibilidade de participar de uma união aduaneira regional e de políticas regionais de natureza industrial que permitam o fortalecimento das empresas produtivas instaladas em seus territórios. Assim, a retórica presente em todos os encontros acadêmicos e políticos sobre a aspiração, a possibilidade e os benefícios de uma futura integração sul-americana deve ser vista à luz desta realidade atual.

PRA: Quais seriam “esses países sul-americanos”? Mistério! Se ouso interpretar SPG, ele deve se referir, em primeiro lugar, ao Chile, certamente; e também ao México, provavelmente; quem sabe ao Peru e à Colômbia?; todos eles rendidos ao canto de sereia dos acordos de “livre comércio”, que não são bem de livre comércio, não sei se vocês me seguem. Esses abdicaram do que vêm fazendo, quem?: Argentina?; Brasil?; Venezuela?; Equador?; Bolívia? Todos eles engajados na integração regional sul-americana, com fortalecimento de empresas produtivas, etc., etc., etc.? Seria retórica, ou apenas opinião?

SPG: O impacto da China sobre a economia dos países do Mercosul, que já é grande, se tornará extraordinário.

PRA: A China é um país extraordinário, aos olhos de um extraordinário analista.

SPG: A economia chinesa vem crescendo a 10% ao ano, em média, nos últimos trinta anos, desafiando os recorrentes prognósticos negativos dos especialistas. Sua economia moderna é integrada por cerca de 300 milhões de indivíduos, com um déficit crescente de alimentos para uma população que melhora e diversifica seu padrão alimentar, sem suficientes terras aráveis e água para a irrigação em grande escala, (ainda que haja a possibilidade de dessalinização da água do mar e de desenvolvimento de tecnologias agrícolas adequadas às suas regiões inóspitas), com uma demanda voraz e um déficit de minérios muito significativo, e com um déficit energético crescente, apesar dos ambiciosos programas de expansão de seus sistemas eletronuclear e eólico. A incorporação gradual de mais de um bilhão de chineses, hoje no campo e em atividades de baixa produtividade, ao setor moderno da economia tornará a China o maior mercado do mundo, superior ao mercado americano e europeu somados.

PRA: A China continua sendo extraordinária, destinada a feitos extraordinários. O mais extraordinário é o fato (ou seria ilusão?) de a China fazer tudo isso com capitais e tecnologia próprios, sem qualquer aporte das megaempresas multinacionais. Esse enorme mercado está aberto, claro, aos latino-americanos. É um fato, ou uma simples opinião?

SPG: Apesar de a demanda chinesa por minérios, por alimentos e por energia poder ser suprida por outras regiões, em especial a África, a América do Sul e os países do Mercosul estão em condições especiais para atendê-la, como, aliás, já vem fazendo com suas exportações de soja e de minério de ferro, entre outros produtos.

PRA: Como se vê, uma relação totalmente diferente da que tinham as velhas potências imperialistas ocidentais vis-à-vis os latino-americanos. Ainda bem!

SPG: A demanda chinesa por minérios, petróleo e produtos agrícolas contribui, de forma expressiva, para o aumento dos preços mundiais desses produtos, para um impulso inflacionário em todos os países, para a geração de grandes receitas cambiais nos países do Mercosul,  e para a consequente valorização de suas moedas nacionais, afetadas pelo influxo simultâneo do excesso de moeda ofertada pelos Estados Unidos, através de sua política de “monetary easing”.

PRA: Claro, algo deveria sobrar para esses arrogantes imperialistas unilaterais: o tal de “monetary easing” é o responsável por alguns dos males dos latino-americanos.

SPG: Por outro lado, a China, que se constituiu, inicialmente, em uma enorme plataforma de produção e exportação das megaempresas multinacionais, passou, através de suas políticas comerciais,  industriais e de transferência de tecnologia, a criar e desenvolver suas empresas de capital chinês, capazes de participar do mercado mundial, nos mais diversos setores, com produtos dos mais simples aos mais complexos, com custos de produção e preços de exportação altamente competitivos. 

PRA: Como se vê, as megaempresas chinesas são totalmente diferentes das megaempresas ocidentais. Seria um fato? Ou uma opinião totalmente inconsistente?

SPG: A própria situação da China e sua estratégia de desenvolvimento afetará da forma mais profunda as perspectivas de desenvolvimento de cada país do Mercosul, colocará em cheque suas políticas comerciais, industriais e tecnológicas, pautadas pelas normas da OMC, negociadas e adotadas em um contexto internacional diverso, e o próprio futuro do Mercosul, como esquema de desenvolvimento econômico, de transformação produtiva e de desenvolvimento social da região.

PRA: Ops! A coisa não é tão benéfica assim: então a China vai colocar em cheque as políticas dos latino-americanos? Mas que coisa! Justo agora que estávamos pensando que o gigante asiático iria desafiar as velhas potências ocidentais, a China nos faz essa surpresa? Como devemos interpretar isso: já são fatos, ou meras opiniões?

SPG: De um lado, a demanda chinesa por produtos primários e, de outro lado, sua oferta de produtos industriais a baixo preço, diante da ortodoxia de política econômica de certos países (centrada em uma excessiva preocupação com o combate à inflação e com o equilíbrio fiscal) e de seu baixo dinamismo tecnológico poderá levar, se não vierem a ser formuladas e implementadas firmes e permanentes políticas industriais de agregação de valor aos produtos primários em forte demanda,  a uma  especialização na produção primária para exportação, e à conquista pela China dos mercados de produtos industriais dos sócios do Mercosul e dos demais países da América do Sul .

PRA: Mesmo com esse admirável mundo novo patrocinado pela China, de algo as velhas potências ocidentais devem ser acusadas: ortodoxia nas políticas econômicas e excessiva preocupação com essas coisas menores, que se chamam inflação e equilíbrio fiscal. Ah, esses ortodoxos arrogantes estão mesmo a fim de criar problemas para os latino-americanos, que poderiam se arranjar perfeitamente bem com os chineses, sem muita ortodoxia e com algum desequilíbrio orçamentário. Quem liga para isso?

SPG: Esta situação tenderia a se agravar com a superação da crise econômica nos países altamente industrializados, que provocou a redução temporária de sua demanda por insumos primários. Com a retomada de seu crescimento industrial e de renda, esses países passarão a exercer uma pressão adicional ainda maior sobre os mercados de produtos primários, agrícolas e minerais, com alta possibilidade de aprofundar o processo de especialização regressiva dos países da América do Sul e em especial do Mercosul, que inclui as duas maiores economias industriais da região.

PRA: Que tragédia! A extraordinária demanda da China por matérias primas latino-americanas poderia ser negativa só se as velhas potências ocidentais voltassem também a importar extraordinariamente os mesmos produtos dos latino-americanos. Com isso eles regrediriam à fase primário-exportadora, algo que os chineses estão tentando impedir, justamente. Pode-se deduzir disso tudo que a recomendação de SPG seria pelo aprofundamento da boa relação com a China, não ortodoxa, e a consequente rejeição de novas investidas imperialistas das velhas potências ocidentais? Devo considerar isso uma mera opinião, ou será uma interpretação baseada em fatos? Preciso estudar mais...

SPG: Em sociedades cada vez mais urbanizadas e com populações expressivas, sob o impacto permanente da propaganda agressiva de estímulo ao consumo, essa especialização regressiva levaria a uma oferta de empregos industriais nessas sociedades insuficiente para atender à crescente demanda decorrente do crescimento demográfico e da necessidade de absorver os estoques de mão de obra secularmente subempregados e desqualificados. Os efeitos sociais dessa insuficiente geração de empregos urbanos seriam de extrema gravidade.

PRA: Essa extraordinária “propaganda agressiva de estímulo ao consumo”, que é um fato no capitalismo globalizado, apresenta um impacto certamente negativo para as massas urbanas latino-americanas; talvez o modo chinês de produção seja mais benéfico, no sentido de não incitar demasiado ao consumo, e sim à poupança. Eis aí uma boa política chinesa que os latino-americanos poderiam absorver: mais poupança e menos consumo; mas isso não está explícito na opinião altamente especulativa de SPG.

SPG: Esse cenário afetaria profundamente as perspectivas e as possibilidades de integração mais profunda entre os Estados do Mercosul na medida em que esta integração depende da vinculação cada vez maior entre suas economias (e consequente vinculação política) o que somente é possível pelo intercâmbio de produtos industriais pois, no setor  agrícola, além da menor gama de produtos típica desse  setor, as produções dos quatro países são, em larga medida, concorrentes. Suas economias ficariam gradual ou até mesmo rapidamente cada vez mais isoladas umas das outras e o processo de integração mais profunda ficaria definitivamente abalado e reduzido a esforços de cooperação em setores importantes, porém limitados. 

PRA: O cenário interpretativo é altamente nebuloso, mas se pode ainda assim perceber a opinião de SPG: contrária ao “regressismo” agrícola (ou mineral), e favorável ao “progressismo” industrial. Falta, porém, uma análise adequada do que está conduzindo os latino-americanos a essa situação, se são fatores internos, externos, se é a China, ou se são as velhas potências imperialistas. Se depreende, em todo caso, que os países do Mercosul devem intercambiar produtos industriais: todos?; na mesma intensidade?; nenhum espaço para especializações ricardianas?; eles podem competir em produtos industriais, mas não em agrícolas, certo? São tantas as dúvidas, que melhor esperar nova contribuição interpretativa, e opinativa, de SPG.

[CONTINUA...]

O "futuro" do Mercosul em debate (4) - comentarios Paulo Roberto de Almeida

Sempre chatos e longos, meus comentários...



SPG: Em 2012, a economia mundial se caracteriza pelo aumento da distância entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, pela expansão da globalização e das mega empresas multinacionais e, de outro lado, passa pela sua mais profunda crise desde 1929, a qual se originou em uma tendência à superprodução, à extensão excessiva do crédito e, finalmente, em um enorme movimento especulativo, desencadeado por bancos, fundos de investimento, auditoras e corretoras, permitido pela globalização e pela profunda desregulamentação nacional e internacional dos sistemas financeiros. A crise eclodiu nos Estados Unidos e se espraiou pelos sistemas financeiros dos demais países desenvolvidos, enquanto se atribuiu aos países emergentes, de forma indistinta, a capacidade de manter algum crescimento positivo da economia mundial. Enquanto os países ocidentais desenvolvidos se encontram mergulhados em suas crises, que já afetam a unidade europeia, a China surge como a segunda maior potência econômica do mundo.

PRA: A primeira afirmação não é um fato; ela é enfaticamente falsa, mas as duas seguintes são fatos. “Mais profunda” crise é um exagero, mas isso é uma interpretação à qual SPG tem direito. Agora, que essa crise tenha sido causada por uma “tendência à superprodução” constitui o mais equivocado chavão marxista desde os tempos de Marx, usado e abusado por gerações de bolcheviques, stalinistas e neobolcheviques, sem que qualquer um deles tenha provado a existência dessa tal de “superprodução”. Que a crise tenha se espalhado por outros países a partir dos EUA pode ser um fato, mas não consigo identificar quem, exatamente, atribuiu a “países emergentes” funções tão nobres como as indicadas acima; trata-se, portanto, de mera opinião. Que a China se “aproprie” do segundo PIB mundial, pode ser um fato, mas existiriam muitas qualificações a fazer nesse tipo de afirmação, pois é também um fato que grande parte dessa agregação de valor corresponde a tecnologias e investimentos das tais megaempresas multinacionais, o que já não parece ser bem acolhido por SPG: ele parece gostar da China, mas demonstra extrema reserva quanto às empresas. Quanta desinformação: são elas, justamente, que contribuem a fazer da China a potência econômica que ela parece ser.

SPG: Em 2012, o panorama político-militar internacional se caracteriza pelo desenrolar de guerras em países islâmicos, com a expansão dos poderes da OTAN para muito além de sua área de competência; pela luta contra um inimigo difuso, o terrorismo; pela eclosão, imprevista, de movimentos populares contra ditaduras árabes tradicionalmente apoiadas, e às vezes até financiadas, pelas potências ocidentais; pela intervenção das potências ocidentais, a pretexto humanitário, nos assuntos internos de Estados mais fracos; pelo ressurgimento da xenofobia e do racismo, em especial na Europa, com reflexos sobre imigrantes sul-americanos; pela crescente sofisticação e automação das forças militares das grandes potências e pelo seu esforço em desarmar, inclusive em termos convencionais, os Estados mais fracos e já desarmados.

PRA: Alguns fatos, que se misturam a opiniões de SPG, numa interpretação certamente maniqueísta, destinada a afirmar que as potências da OTAN são aquilo mesmo que pensam todos os que pensam como SPG: intervencionistas, hegemônicas, prepotentes, hipócritas, dominadoras, racistas, enfim, a mesma cantilena de sempre. Como se diz: contra opiniões, não há fatos que as infirmem. Passemos...

SPG: Este cenário político-militar estará sendo cada vez mais transformado pela expansão geográfica da presença política, e no futuro militar, da China, a partir de sua crescente influência econômica, em sua qualidade de maior economia,  maior potência exportadora e importadora, segundo maior destino de investimentos internacionais, de sua crescente capacidade científica e tecnológica, de sua situação de maior detentora de reservas internacionais e de maior investidora em títulos do Tesouro americano. Apesar de todas as dificuldades e desafios a trajetória econômica e política chinesa tende a não sofrer radicais alterações devido às características de seu sistema político colegiado e de ascensão gradual dos membros do Partido Comunista  às posições de alta responsabilidade no Bureau Político do Comitê Central.

PRA: As primeiras frases são apostas educadas no futuro da China, e têm algo de wishful thinking. A afirmação de que a trajetória da China não sofrerá alterações radicais é uma opinião, interessada, certamente, mas altamente arriscada. SPG parte do princípio de que o PCC vai dominar eternamente o processo de transformação capitalista da China, o que pode se revelar uma interpretação avant la lettre extremamente fantasiosa.

SPG: A emergência da China como a maior potência econômica do mundo, e possivelmente, em breve, como a segunda maior potência política e militar, tem extraordinárias consequências para a América do Sul, mas muito especialmente para os Estados do  Mercosul.

PRA: SPG é adepto de coisas extraordinárias. Sua opinião vem embasada em certos fatos: alguns países latino-americanos se tornaram hoje mais dependentes da China do que jamais o foram, no passado, dos EUA, inclusive quanto ao tipo de padrão neocolonial das relações de comércio: matérias primas para lá, manufaturados para cá. Pelo menos o imperialismo ianque permitia interfaces bem mais diversificadas, com intercâmbios de todos os tipos e também importação de manufaturados das “colônias”. Mas esse tipo de afirmação é provavelmente uma interpretação maldosa da minha parte: a China quer manter uma relação respeitosa e igualitária com os latino-americanos, muito diferente desses imperialistas perversos, que só buscam dominação e dependência. O Mercosul, em especial, tem tudo a ganhar com a emergência extraordinária da China.
 [CONTINUA...]