PRA: As assimetrias constituem, por assim dizer, um
velho cavalo de batalha de SPG; nenhum outro assunto concentrou de forma tão
extraordinária sua atenção, nenhum outro mobilizou tantos esforços, até a
constituição de um fundo – que deve corresponder a mais ou menos 1% do PIB do
Mercosul – e a modelagem de políticas de “correção de assimetrias”, assimetrias que são,
como se sabe, perversas e impeditivas de qualquer esforço de integração. Não
sabemos, porém, como essa opinião se
coaduna com o fato de que o comércio
internacional só se faz, justamente, com base em assimetrias; se todos fossem
iguais, se poderia ter um belo discurso igualitário, mas baixa intensidade de
intercâmbios. Não sabemos, porém, como SPG pretende resolver essa quadratura do
círculo.
SPG: As
assimetrias entre os Estados do Mercosul, que são notáveis em território e população, aspectos o primeiro
fixo e o segundo de lenta transformação,
mas que tem, todavia, grande importância econômica, vem crescendo rapidamente
em termos de grau de diversificação produtiva, de dinamismo tecnológico e de
dimensão dos respectivos parques produtivos.
PRA: A crer nessa opinião,
os países mais dinâmicos deveriam esperar pelos menos dinâmicos, ou então
ajudá-los a se tornarem mais competitivos e tecnologicamente avançados. Um
pouco como faz a Argentina com o Brasil: ela se esforça para que nosso nível de
competição industrial se aproxime do dela, se necessário à custa de
salvaguardas ilegais, de políticas defensivas e arbitrárias, de violações aos
compromissos contraídos sob a égide do TA, enfim, velhas medidas protecionistas
que começam a ser imitadas pelo país mais dinâmico e mais diversificado
tecnologicamente. Estes são fatos a
exigir alguma interpretação de SPG.
Ah, sim: o Brasil não deveria ser tão grande...
SPG: A
dinâmica dessas assimetrias, deixada ao sabor das forças de mercado, em
uma união aduaneira e em uma área de
livre comércio, na inexistência de esquemas corretivos, leva a um grau de
desenvolvimento cada vez mais distinto e, portanto, a fricções, a frustrações e
a ameaças permanentes à coesão do Mercosul, com todas as consequências para a capacidade, tanto dos
Estados maiores mas em especial dos menores, de defender e de promover seus
interesses em um cenário internacional
cada vez mais caracterizado, apesar da crise, pela expansão de grandes blocos
de países, nas Américas, na Europa e na Ásia.
PRA: A crer nessa outra opinião de SPG, os blocos de países que não possuem “medidas
corretivas” estão condenados a perder coesão e a enfrentar frustrações e
crises. Como a grande maioria, senão a quase totalidade, dos blocos comerciais
se apresenta sob a forma de acordos preferenciais ou de zonas de livre comércio
(verdadeiras, ou com aspas, não importa, no momento), então podemos concluir
que só vão se salvar os que forem uniões aduaneiras ou mercados comuns, o que
deixa muito poucos no cenário. Os membros do Nafta, por exemplo, ou os da Asean
mais China (e alguns outros), que estão apenas entregues às forças de mercado,
devem ter os dias contados, caso não se decidam por “esquemas corretivos”, ou
seja, políticas de Estado dirigidas à competitividade. Veremos se essa interpretação corresponderá a fatos, mas tenho minhas dúvidas...
SPG: A
redução das assimetrias é essencial para que as economias e as sociedades possam se beneficiar de forma
equitativa do processo de integração. As
assimetrias que, em termos concretos,
correspondem a grandes diferenças de infraestrutura física e social, de capacitação da mão de obra e de
dimensão das empresas, fazem com que os investimentos privados não possam se
distribuir de forma mais harmônica dentro do espaço comum, que a geração e a
qualidade de empregos seja desigual e que, portanto, seja desigual a geração de
renda e o bem estar nas diversas sociedades.
PRA: Temo não concordar com essa opinião. Aliás, me pergunto por que o México se decidiu por um
esquema de “livre comércio” (aspas) com os EUA? Por que o Chile decidiu fazer
um acordo de livre comércio (sem aspas) com a China? Por que os países
caribenhos e centro-americanos querem acesso preferencial ao mercado dos EUA,
com muitas concessões em troca e sem nenhum “esquema corretivo”? Estariam eles
indo contra fatos desconhecidos
deles? Ou são apenas fantasmagorias de um intérprete
que luta contra assimetrias como D. Quixote o fazia contra moinhos “gigantes”?
Por que benefícios equitativos só podem ocorrer com perfeita simetria de
capacidades? Mistério!
SPG: Outros
esquemas de integração, como a União Europeia, desde sua origem em 1958, se
preocuparam com a existência e os efeitos de
diferentes níveis de desenvolvimento entre os Estados que deles
participavam e com a necessidade de promover o desenvolvimento mais acelerado
dos países mais atrasados para tornar mais equilibradas as oportunidades dentro
do espaço econômico comum. Lançaram mão de vários programas, basicamente de
transferência de recursos, com o objetivo de nivelar a economia dos Estados que
foram se agregando à União Europeia e que se encontravam em diferentes estágios
de desenvolvimento. O processo de reunificação das duas Alemanhas foi e é um
exemplo de grande transferência de recursos que chega a atingir trilhões de dólares
com o objetivo de nivelar duas economias e sociedades que se integram.
PRA: A UE é um caso único no mundo; pode-se perguntar ao
nosso intérprete das assimetrias por
que todos os demais países não seguem o caminho da UE, se ele é tão benéfico a
todos, em quaisquer circunstâncias? O que a reunificação alemã tem a ver com a
liberalização comercial e a abertura econômica de países soberanos? Mais
importante: por que os brasileiros, que exibem uma renda per capita inferior à
de argentinos e uruguaios, deveriam transferir recursos, e corrigir
“assimetrias” nos dois países menores e ser extraordinariamente complacente com
medidas violadoras do TA como praticadas pelo outro sócio maior? O Brasil, por
acaso, se parece com a Alemanha? Gostaria de contar com alguns fatos explicativos e legitimadores,
para também me formar uma opinião a
respeito dessa interpretação
original das assimetrias negativas à integração.
SPG: Devido
à doutrina neoliberal e a seus objetivos implícitos, que presidiram à criação
do Mercosul, inicialmente julgou-se e afirmou-se que as dimensões assimétricas
dos Estados não afetariam o desenvolvimento de cada um deles e que a simples integração comercial
automática, sem levar em conta de forma adequada essas assimetrias, permitiria
a cada um deles usufruir, de forma igual ou semelhante, dos benefícios
decorrentes do processo de integração.
PRA: Bem, por aqui constatamos como pode ser nefasta a
doutrina neoliberal: é ela que vem impedindo a integração. Isso ocorreu mesmo
se, a partir de 2003, todos os países do Mercosul rechaçaram os governos
neoliberais anteriores e passaram a aplicar políticas altamente favoráveis à
integração. Devem existir outras forças poderosas que poderiam explicar, por
exemplo, como e por que o Mercosul tem se afastado cada vez mais de seus
objetivos originais, ou por que ele perde importância no comércio exterior
brasileiro. Talvez seja devido à ação nefasta das poderosas megaempresas ocidentais;
talvez seja em função do dinamismo extraordinário das novas megaempresas chinesas:
ambas são multinacionais, mas sabemos que as primeiras tem aspas, as segundas
não. Enfim, alguma interpretação de
SPG deveria existir para explicar por que governos não neoliberais demoraram
tanto tempo para se aperceberem disso. Seria a maldição do pecado original do
Mercosul, um defeito de origem do TA? Vamos aguardar uma opinião mais embasada e depois confrontá-la com os fatos.
SPG: Vinte
anos depois do Tratado de Assunção há uma aceitação generalizada de todos os
Governos da importância e das consequências de toda ordem das assimetrias entre
os Estados e da necessidade de enfrentá-las com programas eficazes, cujo
montante de recursos até agora alocados são absolutamente insuficientes para a
dimensão da tarefa.
PRA: Voilà!
Era isso que faltava: recursos! Ainda bem que é só isso. Basta aumentar o fundo
corretor de assimetrias de 1% para algo próximo de 10% do PIB dos países do
Mercosul, para que as assimetrias comecem a ser reduzidas, em benefício de todos
e de todas. Claro: como o Brasil é o maior, o mais “assimétrico”, cabe a ele
assumir a maior parte das responsabilidades pela correção de assimetrias de
toda ordem. Bem, se o orçamento brasileiro for insuficiente, caberia pleitear
recursos do BNDES, do BID, do Banco Mundial, da CAF, do Fonplata, do Banco do
Sul, do futuro banco dos BRICS e, também, contribuições da UE, do Nafta, da
Asean, quem sabe da OCDE e da ONU? Tudo vale a pena quando a alma não é
pequena...
SPG: Algumas
afirmações básicas podem ser feitas sobre a possibilidade de êxito no
enfrentamento do desafio de redução das assimetrias, indispensável para a
coesão e o futuro econômico e político do Mercosul:
a.
sem a compreensão generosa (e, aliás, de seu próprio interesse, econômico
e político) dos Estados maiores, que deve se refletir em suas contribuições
financeiras para os diversos programas, em especial para o FOCEM (Fundo para a
Convergência Estrutural do Mercosul) pode-se continuar a enfatizar
retoricamente a importância das assimetrias mas elas não se reduzirão;
b.
sem a construção da infraestrutura de energia e de transportes nos
Estados menores as assimetrias não se reduzirão e
c.
nenhum programa ou política comunitária em nenhuma das diversas áreas de
integração poderá ir adiante sem a criação de instrumentos financeiros assimétricos
de financiamento desses programas e
políticas.
PRA: Estados maiores, no Mercosul, só existe um, nós
mesmos! Somos nós que deveremos contribuir com fundos muito maiores do que os
atualmente disponíveis, para ações na área de infraestrutura e energia nos
demais Estados (menores, por definição), embora se tenha uma ideia de que
algumas daquelas instituições financeiras estão aí para isso mesmo: financiar
obras de infraestrutura e energia. Por que não continuar fazendo por essa via?
Por que deveríamos criar “instrumentos financeiros assimétricos” para lidar com
projetos anti-assimétricos cuja consistência técnica, cuja análise de
custo-benefício, cujos estudos de custo-oportunidade, entregues aos burocratas
do Mercosul, serão, necessariamente, muito inferiores aos que poderiam ser
feitos por burocracias treinadas nesse tipo de atividade naquelas entidades
multilaterais?
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