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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 4 de janeiro de 2014

O Brasil pelo metodo confuso: Mendes Fradique, um escritor de atualidade - Paulo Roberto de Almeida

O Brasil pelo método confuso

Paulo Roberto de Almeida 

A História do Brasil pelo Método Confuso foi escrita por Mendes Fradique (na verdade o médico capixaba José Madeira de Freitas) entre o final da Primeira Guerra Mundial e o início dos anos 1920, tendo saído primeiro em caráter esparso na imprensa carioca, antes de virar livro. Foi um imediato sucesso, mas mergulhou em seguida num injusto anonimato até ser resgatado por uma edição bem cuidada a cargo da historiadora Isabel Lustosa (Companhia das Letras, 2004).
Nesse livro, Mendes Fradique recolhe os mais diversos elementos do non sense e da paródia para compor um volume que deveria, atualmente, ser adotado como leitura obrigatória pelos nossos dirigentes políticos e líderes de partidos, levados que são estes personagens da vida pública a se tomarem muito a sérios no desempenho das funções de comando do país. Trata-se, como o próprio título indica, de uma reconstituição da história pátria com grandes doses de humor e uma inspiração elevada: ridicularizar atos, fatos, atores e personagens imaginários e da literatura, tudo confundido numa grande salada político-humorística. Em suma, trata-se de uma grande leitura para os dias que correm, haja visto, por exemplo, o espetáculo das alianças políticas que se desenham nas próximas eleições, juntando gregos e goianos numa Babel de siglas partidárias.
Apenas um exemplo da imaginação geográfica do nosso médico escritor: o Brasil, segundo Mendes Fradique seria um dos países mais originais do globo. Do ponto de vista astronômico, ele está situado no mundo da lua, tendo como limites geográficos: “ao sul, o Borges de Medeiros; a leste, o cabo submarino; a oeste, o Acre. Não tem Norte”. Será que ele continua sem norte? Como superfície, “foi sempre um país muito superficial”. “O ponto culminante do Brasil é o Sr. Rui Barbosa”. Quanto à economia, uma característica da época não parece ter mudado muito ainda hoje: “O comércio mais ativo era o de princípios, de opiniões, de votos, de caráter e até o de alma”.
De fato, a julgar pelo comércio de apoios recíprocos que fazem hoje em dia os políticos e os partidos, tudo leva a crer que o mesmo comércio de votos e de opiniões que existia nos tempos da Velha República continua a marcar a vida política brasileira. Mendes Fradique dizia que “toda a gente era negociante” e que “até a própria Justiça tinha uma venda”. Os habitantes da terra tinham o seu próprio decálogo, que comportava regras tão edificantes quanto estas: o bocado não é para quem o faz, é para quem o come; ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão; em terra de cego, quem tem um olho é rei; venha a nós: tudo, ao vosso reino: nada; o futuro a Deus pertence; água passada não move moinho, e algumas outras desse gênero. Melhor que isso, só a Constituição do país, que tinha uma grande lei: a do menor esforço. Quanto ao Conselheiro Acácio, ele cunhou uma frase que bem parecia refletir a alma nacional (aliás até hoje): “Todo cidadão tem o direito de cometer um ou dois desatinos antes de criar vergonha”.
Incrível atualidade a de Mendes Fradique. Ele lamentava as derrotas de Rui Barbosa em todos os pleitos de que tinha participado o grande jurista e internacionalista, achando, provavelmente, com o Conselheiro Acácio, que “cada povo tem o governo que merece”. Mas, o senso da maioria traduz, talvez, um bom senso: “Presidente da República, Rui Barbosa seria um mau chefe de Estado: não se monta uma locomotiva para puxar um carrinho de mão”. Avançamos em matéria de artes e técnicas, mas em matéria de tecnologia política estamos aparentemente estacionados nos mesmos costumes que fizeram os jovens tenentes se levantarem contra o presidente Artur Bernardes: a corrupção política e os conchavos partidários, por cima dos interesses na Nação.
O mais incrível e surpreendente é que o partido que mais prometeu, durante anos, reformar costumes políticos pornográficos como a compra de votos, de almas e de consciências, atira-se sem nenhuma vergonha às mesmas práticas vilipendiadas e condenadas quando era oposição. Deve ser algum mal atávico desta terra, o que nos remete, uma vez mais, a um dos argumentos preferidos de Mendes Fradique: “não devemos deturpar amanhã o que podemos deturpar hoje”. As mesmas pessoas que consideravam ser o congresso formado por dois terços de “picaretas”, refestelam-se hoje em banquetes e conchavos com esses picaretas, elogiando-lhes as qualidades e traçando planos conjuntos para a continuidade dos velhos hábitos.

A versão sarcástica e caótica da história do Brasil de Mendes Fradique não está muito distante da versão real e alegadamente séria dessa mesma história. Ela talvez até lhe fique atrás, em imaginação e colorido. Alguns personagens parecem diretamente saídos das páginas deste livro dos anos 1920: o mesmo oportunismo político, as mesmas frases ocas, as mesmas promessas vazias, o mesmo surrealismo nas palavras e nos atos, enfim, a vida imitando a ficção. Seria este o país Lavoisier?

O Estado a que chegamos - Paulo Roberto de Almeida

O Estado a que chegamos…
Paulo Roberto de Almeida  
Vou ser conciso, direto e brutal: o Estado brasileiro representa, hoje, o principal obstáculo a um processo sustentável e satisfatório de desenvolvimento econômico. Este é um fato (e uma verdade), ainda que muitos possam considerá-lo como mera opinião pessoal, mas minha afirmação poderia ser facilmente corroborada por um sem número de dados objetivos do ponto de vista tributário, orçamentário, financeiro, regulatório, em aspectos macro e micro, como alocação “sub-ótima” de recursos pelos agentes, etc.
Não pretendo entrar em polêmicas inúteis com eventuais defensores do Estado (deste Estado ou de qualquer Estado), mas diria apenas, para início de debate, que o atual governo não é responsável por esta situação lamentável, que apenas constitui a culminação de um processo atávico e perverso de acumulação “primitiva” (no sentido de rude, mesmo) de disfunções estatais que foram lentamente sendo “depositadas” em camadas burocráticas geológicas e que hoje comprometem gravemente as possibilidades de crescimento sustentável. Mas o governo atual tem, sim, a responsabilidade pela continuidade de uma certa visão do mundo que tende a sustentar e prolongar esse estado de coisas.
Sendo reiteradamente direto e mesmo brutal, eu diria também que o governo (este e os seus predecessores) é o principal responsável pelo fato de a economia não funcionar de modo satisfatório. Esta é uma responsabilidade indeclinável, mas ela deve ser igualmente partilhada pelas três esferas da administração, uma vez que os políticos federais, estaduais e municipais, assim como funcionários de alto escalão dos três poderes devem ser solidariamente responsabilizados por essas disfunções históricas do Estado brasileiro.
Não pretendo fazer longas digressões, tentando explicar como cheguei a essas duas constatações. Vou limitar-me a reafirmar que o peso do Estado brasileiro – o Estado a que chegamos, como diria o barão de Itararé – representa, sem qualquer dúvida, um peso morto sobre os ombros dos agentes econômicos e sobre o conjunto da sociedade (com poucos elementos de satisfação, segundo a opinião corrente). Tal como ele (não) funciona atualmente, o Estado brasileiro continuará, infelizmente, a obstaculizar o processo de desenvolvimento do país pelo futuro previsível. Esta é a parte ruim da história.
A parte ainda pior é que, mais uma vez infelizmente, não há perspectivas de que essa situação possa ser revertida no curto ou no médio prazo. Ou seja, temos apenas a certeza, pelo futuro previsível, de que a única certeza no nosso horizonte é a perspectiva de esforços privados não correspondidos no plano estatal, lágrimas implícitas por parte dos agentes econômicos e gemidos sem fim por parte do público em geral. Se isto pode servir de consolo, eu diria que um começo de solução a este problema trágico – já que é o nosso futuro e o de nossos filhos e netos que está em causa – não será encontrado fora do Estado, ainda que isto deva ser feito aos trancos e barrancos, quase a fórceps.
Não será feito fora do Estado e muito menos sem o Estado ou contra o Estado, porque, mais uma vez infelizmente, o Estado, também pelo futuro previsível, tornou-se o centro indeclinável e incontornável da economia e da política no Brasil. Aos que consideram este tipo de constatação uma manifestação incurável de neoliberalismo explícito e de anti-estatismo de princípio, eu diria simplesmente o seguinte: não estou preocupado com ideologias, mas apenas com constatações empíricas. A esse respeito, podemos lembrar que poucos países desenvolvidos – e certamente não os mais dinâmicos – têm no Estado o centro de gravidade absoluto da vida econômica nacional, como ocorre hoje no Brasil, onde ele é o referencial incontornável de qualquer ajuste, medida, iniciativa, suspiro e gemido da vida nacional.
Esclareço, mais uma vez, não se trata aqui de uma opinião ou impressão subjetiva, mas de um fato sociológico contra o qual podemos nos revoltar, lamentar, protestar, mas também com o qual temos de nos conformar e, em seguida, contra o qual temos de nos confrontar.
Se o Brasil quiser se desenvolver, com distribuição de riqueza, progresso tecnológico e justiça social, o Estado tem de – isto é imperativo – deixar de ser o centro absoluto da vida nacional. Um ogro que absorve dois quintos do produto bruto sem reverter serviços proporcionais para a sociedade é claramente disfuncional para fins de desenvolvimento socioeconômico. Isto tampouco é uma opinião: é uma constatação elementar que surge límpida do exame dos indicadores econômicos e sociais do último quarto de século (período no qual paramos de crescer, mas as raízes da “involução” tinham sido desenhadas bem antes).
Aos que, mais uma vez, seria tentados a ver nessas afirmações demonstrações explícitas de neoliberalismo, eu apenas pediria que deixassem de tapar o sol com a peneira e olhassem a realidade dos fatos. A perda de vigor econômico no Brasil foi concomitante com a passagem de uma carga fiscal de aproximadamente 10% para 37% do PIB (e crescendo) e o contínuo decréscimo da relação capital-produto no processo brasileiro de desenvolvimento, sem que os elementos de disfuncionalidade se resumam, todavia, ao aspecto fiscal da história ou à perda de vigor dos investimentos. Não: o solapamento e a inviabilização do processo de desenvolvimento são o resultado de dezenas de ações desenvolvimentistas, distributivistas e regulatórias acumuladas ao longo de anos, senão décadas, um esforço contínuo, constante e crescente de fabricação do ogro. Ele agora está aí: é o Estado a que chegamos (e não adianta reclamar da boca para fora: todos nós fomos, somos e continuaremos a ser responsáveis solidários por esse gigantesco empreendimento de construção da desconstrução econômica).
Àqueles, também, que repetem sem cansar a velha cantilena da “ausência de um projeto de Nação” e que continuam a condenar um imaginário “modelo perverso de desenvolvimento”, clamando em consequência, na augusta generalidade das idéias vazias, pela necessidade de um outro (tão indefinível quanto fantasmagórico) “modelo de desenvolvimento”, eu apenas diria que eles precisam, por uma vez, dedicar-se seriamente ao dever de casa. Sim, pois que, pelo menos desde a minha infância (mas deve ter ocorrido antes também), aí pelos anos 1950, eu ouço falar dessa tal necessidade, com intelectuais e políticos se sucedendo nessa tarefa de Sísifo puramente intelectual, e nenhum deles, uma única inteligência nacional, foi capaz, até agora, de sequer desenhar os contornos desse “projeto nacional de desenvolvimento”.
Como isso foi possível? Deve ser por algum obstáculo mental coletivo, pois não é possível que tantas cabeças juntas não tenham conseguido oferecer um contorno sequer desse tal “projeto”. Muitos intelectuais ditos “orgânicos” (talvez seja por isso que eles custam mais caro que os normais) continuam a dizer que o Brasil carece de um projeto de desenvolvimento. Eles são eternos candidatos a oferecer tal projeto, que fica sempre na fase de anúncio, sem que sejamos apresentados ao dito cujo, em carne e osso, aliás, como se fosse algum Santo Graal desenvolvimentista, que fica escondido em alguma caverna das montanhas, necessitando bravos e intrépidos cavaleiros para resgatá-lo de algum limbo indefinível, só acessível aos iniciados da douta religião desenvolvimentista.
Como nota final, ainda dirigida ao leitor que considera que estou sendo um neoliberal impenitente, eu apenas pediria que não tentasse concordar comigo no diagnóstico. Eu pediria simplesmente que ele forneça uma explicação alternativa, credível, a esta exposição sobre a disfuncionalidade fundamental do Estado brasileiro para fins de desenvolvimento da Nação. Atenção, porém: se a explicação para o desastre for do tipo “é porque o Estado não fez isto e mais aquilo”, eu aí retorquiria o seguinte: não vale ser tautológico e reincidente no crime. Mas, se você preferir seguir um economista como Celso Furtado que, quando perguntado sobre as razões que impediam o Brasil de crescer, respondeu que era devido a “uma combinação de juros altíssimos com uma concentração de renda brutal”, eu voltaria a responder: mas você está concordando comigo em que o Estado é o principal obstáculo ao crescimento pois que juros elevados e concentração de renda sempre foram e são diretamente produzidos pelo Estado, historicamente e mais ainda nos dias que correm.

Hartford, 4/01/2014

Anunciando o novo salario minimo: um discurso alternativo ao oficial - Paulo Roberto de Almeida

Um pronunciamento alternativo sobre o novo salário mínimo

Sugestão: Paulo Roberto de Almeida

Se eu fosse o responsável supremo da Nação, eu teria feito o seguinte discurso depois do anúncio do novo mínimo:

Brasileiras e brasileiros,
O governo acaba de anunciar os novos valores do salário mínimo e do salário-família. Não pude, ainda desta vez, conceder os aumentos que considero justos e necessários e que tinha, sinceramente, a intenção de dar a todos aqueles que dependem, de uma forma ou de outra, do valor do salário mínimo.
E não pude fazê-lo, meus caros concidadãos e concidadãs, por uma razão muito simples: o Estado brasileiro está quebrado. Pode parecer estranho eu dizer um coisa dessas, sendo eu o responsável por pelo menos uma parte desse Estado, mas esta é a verdade mais pura e cristalina que eu poderia trazer a vocês neste começo de ano: o Estado brasileiro, apesar de coletar quase dois quintos de tudo o que se produz neste país durante um ano, não tem condições de enfrentar novos gastos, dado o nível de comprometimento já alcançado pelas contas públicas, sobretudo no que se refere à previdência social.
Vocês sabem que os três níveis da federação brasileira arrecadam os mais diversos tributos, taxas e contribuições das empresas e dos cidadãos em geral. Todos reclamam, aliás, que o nível global de arrecadação está longe de corresponder à qualidade dos serviços prestados pelos estados e municípios, assim como pela própria União. Pois, bem, apesar disso tudo, os recursos auferidos ainda não são suficientes para cobrirmos todas as despesas previstas e, além disso, fazermos os investimentos que seriam necessários para melhorar a vida dos brasileiros e brasileiras, de todas as idades e condições sociais, especialmente os mais pobres.
Há uma imensa gama de serviços que não são prestados na devida forma ou que simplesmente não são prestados em absoluto a muitos cidadãos, em especial em cidades menores ou nas favelas, como segurança e justiça, por exemplo, ou ainda vagas em número suficiente nas escolas e hospitais. Já não me refiro aos investimentos ainda mais necessários, na simples manutenção de estradas ou construção de novas obras de infraestrutura, necessárias ao desenvolvimento sustentado do Brasil. Este é um fato meus caros brasileiros: o Estado deixou de corresponder ao que dele se espera, deixou de atender às aspirações dos brasileiros e converteu-se, ele mesmo, em fonte de problemas.
Como foi isso possível? A verdade, meus caros brasileiros, é que nós, líderes políticos, fomos, durante muito tempo, irresponsáveis com o nosso patrimônio. Não apenas gastamos mais do que seria recomendável, mas sobretudo gastamos onde não é o mais adequado, nos meios do Estado, em lugar de gastar com os fins do Estado, que são o bem-estar e a segurança das pessoas, o seguro à velhice e os investimentos.
O fato é que o Estado tornou-se hoje um peso para a economia e para a vida dos cidadãos. Esta é uma situação que compromete o nosso futuro e o bem-estar dos nossos filhos e netos.
Por que isso ocorre? As razões são múltiplas, mas elas podem ser resumidas em duas fórmulas: nós deixamos de fazer investimentos no plano interno e estamos perdendo, contra nós mesmos, a corrida por maiores níveis de produtividade humana, o que nos deixa para trás na competição internacional. Isto não se deve a nenhuma conspiração do mundo contra o Brasil, a imposições de firmas estrangeiras ou a problemas trazidos de fora, como o pagamento de juros ou da dívida externa.
A verdade, meus caros concidadãos, é que nós, todos nós, mas em especial nós líderes políticos, fomos irresponsáveis e permitimos que a inflação e o protecionismo comercial fossem roubando todas as oportunidades que nos foram dadas de construir um caminho de produtividade e de incorporação tecnológica. Daí esses extremos de riqueza e de pobreza e os muitos bolsões de miséria ainda remanescentes numa sociedade que, de outra forma, poderia ser muito rica e desenvolvida.
O fato é que todos os nossos problemas foram e continuam a ser provocados por nossos próprios atos e fatos: somos fabricantes da nossa própria miséria.
 Consciente dessa realidade, comprometo-me com vocês a trilhar, doravante, um caminho de trabalho e de reordenamento das finanças públicas. Vamos dar início a um processo gradual de redução da enorme carga fiscal representada pelo Estado: terá de ser feito ao longo de vários anos, mas comprometo-me a começar a trabalhar em prol desta meta desde já.

Comprometo-me também a parar de tentar encontrar lá fora a culpa ou a solução de problemas que foram criados aqui dentro e que têm aqui dentro sua única e exclusiva solução. Em uma palavra, vou parar de fazer discurso e tratar da realidade. Esta é uma promessa. Podem me cobrar...

A missao dos politicos e a missao do governo - Paulo Roberto de Almeida

A missão dos políticos e a missão do governo

Paulo Roberto de Almeida

Qual é a principal missão do governo? Não é o que você pensa. Não confunda com a função dos políticos que ocupam o poder, o que não é a mesma coisa. A primeira obrigação do político não é, ao contrário do que você pensa, trazer melhorias e bem estar. Isso é apenas decorrência eventual, não necessária, de suas ações no Parlamento ou no Executivo. Ainda que isto possa surpreender a muitos, que talvez esperasse alguma nobre função, a verdade é que a primeira função do político é apenas a de ser eleito. Vamos agora à segunda missão. Não é tampouco aquilo que você pensa. A segunda função do político é a de ser reeleito. Depois, bem depois, é que começam as outras funções: o bem comum, o interesse público, o progresso e a felicidade geral da nação, nobres objetivos que enfeitam os discursos de dez entre dez políticos.
Tudo bem, dirá você, mas o ser eleito e reeleito constituem objetivos individuais dos políticos. Isso não pode servir de fundamento para os governos, que deveriam pautar sua ação pela busca do bem comum, em princípio desvinculada do interesse deste ou daquele político. Mas como são formados os governos? Por acaso de indivíduos que, de repente, se destacam de sua história anterior, de um passado corporativo e que tornam-se, repentinamente, defensores do bem comum e do interesse nacional? Se responder que sim, você também acredita em histórias da carochinha.
Sendo otimista, e referindo-me ao caso nacional, pode-se dizer que a missão básica do governo deve ser a de satisfazer as necessidades essenciais do brasileiro típico. E quem é esse brasileiro médio? Certamente não é o político de Brasília e muito menos o industrial paulista, o próspero dono de um agro-negócio, ou mesmo o universitário de classe média. O brasileiro médio é um cidadão urbano, com educação média, de poucas posses, sobrevivendo com 2 ou 3 salários mínimos, sem condições de assegurar o futuro dos seus filhos. É para este brasileiro médio que o governo deveria prover necessidades básicas.
O problema começa quando se tenta definir o que são “necessidades básicas”. Idealmente, emprego decente, se possível, bem remunerado, segurança, oportunidades de acumular patrimônio sem riscos derivados da instabilidade jurídica ou macroeconômica, educação e saúde de qualidade etc. Talvez, mas sabemos que prover empregos não deveria ser, em princípio, função governamental e sim da iniciativa privada, pois toda e qualquer tentativa de “criar” empregos pela via do setor público apresenta um custo desproporcional aos investimentos realizados e acaba, inevitavelmente, redundando em maior déficit público que depois terá de ser coberto pelo conjunto de cidadãos (como vemos agora, com o debate em torno do nível suportável, ou necessário, de superávit primário).
O governo federal está lançando várias ações, geralmente de indução fiscal, que pretendem dar estímulos ao processo de inovação na economia e que, segundo se espera, melhorarão a competitividade nacional e internacional das empresas. Esta a descrição otimista. Vou fazer aqui uma previsão, que poderá me ser cobrada. Sem querer ser cruel com o governo ou com essas políticas, prevejo que elas resultarão em industriais mais ricos e competitivos, em uma participação maior dos lucros na renda nacional e que, na outra ponta, nada, absolutamente nada terá mudado para o brasileiro médio e do ponto de vista da distribuição da renda: esta continuará concentrada, e os pobres continuarão sem educação de qualidade, e portanto sem chances de vencer no mercado de trabalho.
Em lugar de pretender ser um indutor, articulador e facilitador das políticas industriais, ou seja, de se substituir aos próprios industriais, o governo deveria se concentrar na sua missão básica: a de dar educação de qualidade a todos os brasileiros.
A sociedade moderna e a do futuro são baseadas no conhecimento, no livre fluxo das informações, na expansão das oportunidades de aprendizado. O governo não precisa se preocupar, diretamente, com a distribuição da renda. Todas as épocas de transição, os momentos de passagem de uma era industrial para outra, são marcadas pelo crescimento da desigualdade, o que se explica pelo comportamento dos mercados, que costumam ser mais fortes do que quaisquer governos. As pessoas só passam a ganhar bem, e portanto a diminuir a distância que as separam de outras, quando elas estão qualificadas a disputar no mercado de trabalho (como empresários ou empregados) uma oportunidade de crescer por suas próprias pernas, o que geralmente só se consegue com boa educação.

Por isso a mais importante função do governo, em qualquer sociedade e em qualquer tempo, é a de prover conhecimento à sua população. Isso faz toda a diferença.