O Estado a que chegamos…
Paulo Roberto de Almeida
Vou ser conciso, direto e
brutal: o Estado brasileiro representa, hoje, o principal obstáculo a um
processo sustentável e satisfatório de desenvolvimento econômico. Este é um
fato (e uma verdade), ainda que muitos possam considerá-lo como mera opinião
pessoal, mas minha afirmação poderia ser facilmente corroborada por um sem
número de dados objetivos do ponto de vista tributário, orçamentário,
financeiro, regulatório, em aspectos macro e micro, como alocação “sub-ótima”
de recursos pelos agentes, etc.
Não pretendo entrar em
polêmicas inúteis com eventuais defensores do Estado (deste Estado ou de
qualquer Estado), mas diria apenas, para início de debate, que o atual governo
não é responsável por esta situação lamentável, que apenas constitui a
culminação de um processo atávico e perverso de acumulação “primitiva” (no
sentido de rude, mesmo) de disfunções estatais que foram lentamente sendo
“depositadas” em camadas burocráticas geológicas e que hoje comprometem
gravemente as possibilidades de crescimento sustentável. Mas o governo atual
tem, sim, a responsabilidade pela continuidade de uma certa visão do mundo que
tende a sustentar e prolongar esse estado de coisas.
Sendo reiteradamente direto
e mesmo brutal, eu diria também que o governo (este e os seus predecessores) é
o principal responsável pelo fato de a economia não funcionar de modo
satisfatório. Esta é uma responsabilidade indeclinável, mas ela deve ser
igualmente partilhada pelas três esferas da administração, uma vez que os
políticos federais, estaduais e municipais, assim como funcionários de alto
escalão dos três poderes devem ser solidariamente responsabilizados por essas
disfunções históricas do Estado brasileiro.
Não pretendo fazer longas
digressões, tentando explicar como cheguei a essas duas constatações. Vou
limitar-me a reafirmar que o peso do Estado brasileiro – o Estado a que
chegamos, como diria o barão de Itararé – representa, sem qualquer dúvida, um
peso morto sobre os ombros dos agentes econômicos e sobre o conjunto da
sociedade (com poucos elementos de satisfação, segundo a opinião corrente). Tal
como ele (não) funciona atualmente, o Estado brasileiro continuará,
infelizmente, a obstaculizar o processo de desenvolvimento do país pelo futuro
previsível. Esta é a parte ruim da história.
A parte ainda pior é que,
mais uma vez infelizmente, não há perspectivas de que essa situação possa ser
revertida no curto ou no médio prazo. Ou seja, temos apenas a certeza, pelo
futuro previsível, de que a única certeza no nosso horizonte é a perspectiva de
esforços privados não correspondidos no plano estatal, lágrimas implícitas por
parte dos agentes econômicos e gemidos sem fim por parte do público em geral.
Se isto pode servir de consolo, eu diria que um começo de solução a este
problema trágico – já que é o nosso futuro e o de nossos filhos e netos que
está em causa – não será encontrado fora do Estado, ainda que isto deva ser
feito aos trancos e barrancos, quase a fórceps.
Não será feito fora do
Estado e muito menos sem o Estado ou contra o Estado, porque, mais uma vez
infelizmente, o Estado, também pelo futuro previsível, tornou-se o centro
indeclinável e incontornável da economia e da política no Brasil. Aos que
consideram este tipo de constatação uma manifestação incurável de
neoliberalismo explícito e de anti-estatismo de princípio, eu diria
simplesmente o seguinte: não estou preocupado com ideologias, mas apenas com
constatações empíricas. A esse respeito, podemos lembrar que poucos países
desenvolvidos – e certamente não os mais dinâmicos – têm no Estado o centro de
gravidade absoluto da vida econômica nacional, como ocorre hoje no Brasil, onde
ele é o referencial incontornável de qualquer ajuste, medida, iniciativa,
suspiro e gemido da vida nacional.
Esclareço, mais uma vez,
não se trata aqui de uma opinião ou impressão subjetiva, mas de um fato
sociológico contra o qual podemos nos revoltar, lamentar, protestar, mas também
com o qual temos de nos conformar e, em seguida, contra o qual temos de nos
confrontar.
Se o Brasil quiser se
desenvolver, com distribuição de riqueza, progresso tecnológico e justiça
social, o Estado tem de – isto é imperativo – deixar de ser o centro absoluto
da vida nacional. Um ogro que absorve dois quintos do produto bruto sem
reverter serviços proporcionais para a sociedade é claramente disfuncional para
fins de desenvolvimento socioeconômico. Isto tampouco é uma opinião: é uma
constatação elementar que surge límpida do exame dos indicadores econômicos e
sociais do último quarto de século (período no qual paramos de crescer, mas as
raízes da “involução” tinham sido desenhadas bem antes).
Aos que, mais uma vez,
seria tentados a ver nessas afirmações demonstrações explícitas de
neoliberalismo, eu apenas pediria que deixassem de tapar o sol com a peneira e
olhassem a realidade dos fatos. A perda de vigor econômico no Brasil foi
concomitante com a passagem de uma carga fiscal de aproximadamente 10% para 37%
do PIB (e crescendo) e o contínuo decréscimo da relação capital-produto no
processo brasileiro de desenvolvimento, sem que os elementos de
disfuncionalidade se resumam, todavia, ao aspecto fiscal da história ou à perda
de vigor dos investimentos. Não: o solapamento e a inviabilização do processo
de desenvolvimento são o resultado de dezenas de ações desenvolvimentistas,
distributivistas e regulatórias acumuladas ao longo de anos, senão décadas, um
esforço contínuo, constante e crescente de fabricação do ogro. Ele agora está
aí: é o Estado a que chegamos (e não adianta reclamar da boca para fora: todos
nós fomos, somos e continuaremos a ser responsáveis solidários por esse
gigantesco empreendimento de construção da desconstrução econômica).
Àqueles, também, que
repetem sem cansar a velha cantilena da “ausência de um projeto de Nação” e que
continuam a condenar um imaginário “modelo perverso de desenvolvimento”,
clamando em consequência, na augusta generalidade das idéias vazias, pela
necessidade de um outro (tão indefinível quanto fantasmagórico) “modelo de
desenvolvimento”, eu apenas diria que eles precisam, por uma vez, dedicar-se
seriamente ao dever de casa. Sim, pois que, pelo menos desde a minha infância
(mas deve ter ocorrido antes também), aí pelos anos 1950, eu ouço falar dessa
tal necessidade, com intelectuais e políticos se sucedendo nessa tarefa de
Sísifo puramente intelectual, e nenhum deles, uma única inteligência nacional,
foi capaz, até agora, de sequer desenhar os contornos desse “projeto nacional
de desenvolvimento”.
Como isso foi possível?
Deve ser por algum obstáculo mental coletivo, pois não é possível que tantas
cabeças juntas não tenham conseguido oferecer um contorno sequer desse tal
“projeto”. Muitos intelectuais ditos “orgânicos” (talvez seja por isso que eles
custam mais caro que os normais) continuam a dizer que o Brasil carece de um
projeto de desenvolvimento. Eles são eternos candidatos a oferecer tal projeto,
que fica sempre na fase de anúncio, sem que sejamos apresentados ao dito cujo,
em carne e osso, aliás, como se fosse algum Santo Graal desenvolvimentista, que
fica escondido em alguma caverna das montanhas, necessitando bravos e
intrépidos cavaleiros para resgatá-lo de algum limbo indefinível, só acessível
aos iniciados da douta religião desenvolvimentista.
Como nota final, ainda
dirigida ao leitor que considera que estou sendo um neoliberal impenitente, eu
apenas pediria que não tentasse concordar comigo no diagnóstico. Eu pediria
simplesmente que ele forneça uma explicação alternativa, credível, a esta exposição
sobre a disfuncionalidade fundamental do Estado brasileiro para fins de
desenvolvimento da Nação. Atenção, porém: se a explicação para o desastre for
do tipo “é porque o Estado não fez isto e mais aquilo”, eu aí retorquiria o
seguinte: não vale ser tautológico e reincidente no crime. Mas, se você
preferir seguir um economista como Celso Furtado que, quando perguntado sobre
as razões que impediam o Brasil de crescer, respondeu que era devido a “uma
combinação de juros altíssimos com uma concentração de renda brutal”, eu
voltaria a responder: mas você está concordando comigo em que o Estado é o
principal obstáculo ao crescimento pois que juros elevados e concentração de
renda sempre foram e são diretamente produzidos pelo Estado, historicamente e
mais ainda nos dias que correm.
Hartford,
4/01/2014
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