Hora da saudade, assim é se lhes parece.
Mas, revisando listas antigas, acabo descobrindo coisas perfeitamente atuais, a despeito do "enorme" tempo decorrido desde a primeira redação.
O trabalho que segue abaixo, por exemplo, necessita alguma atualização?
Não creio, e não toquei numa única vírgula, sequer me dei ao lazer de lê-lo por inteiro.
Acho que está perfeito, em seu tempo e agora.
Só me permito acrescentar uma outra verdade que não pode ser definitiva, e não será:
Não há nenhum risco de melhorar...
Desculpem a franqueza...
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 31/01/2914
Verdades que não podem ser definitivas
Paulo Roberto de
Almeida
Freqüentemente
tenho ouvido algumas teses que passam por verdades absolutas, uma vez que são
continuamente repetidas por eminentes personalidades da vida pública, como se
diz.
Como não
estou de acordo com algumas delas, permito-me aqui fazer pequenas correções a
essas “verdades inquestionáveis”. Apenas alguns exemplos:
1) “Este é o pior
Congresso de todos tempos”.
Não, não é, pela simples razão que
este é apenas um Congresso “normal”, que reflete as realidades políticas e
sociais brasileiras, e que os “tempos” ainda não acabaram.
Em outros termos, temos tempos duros
pela frente, e podem ter absoluta certeza de que teremos Congressos ainda
piores do que este, pela simples razão de que o Brasil encontra-se em plena
construção de sua “democracia de massas”. Nessas condições, é inevitável que as
antigas representações elitistas sejam podadas em favor dos novos
representantes das classes “populares”, ou melhor ainda, pelos representantes
dos setores organizados de massa – sindicatos, igrejas, movimentos sociais,
grupos de interesse setorial etc. – que normalmente costumam ser militantes
ativos, não intelectuais de gabinete.
Por outro lado, o sistema político,
tal como está construído no Brasil, é uma importante modalidade de ascensão
social, atraindo portanto os arrivistas, oportunistas e outros meliantes não
armados – alguns armados – que, vendo no Congresso um excelente vetor de
‘negócios’ de todo o gênero, pretendem ganhar a vida facilmente nesse balcão de
negociatas em que se converteu o setor público em nosso país.
Ou seja, quem acha que não poderia
haver Congresso pior do que este, deveria se preparar para novas decepções. O
cenário político brasileiro ainda tem muito espaço para todos os tipos de
oportunismo político, o que significa que a qualidade da representação
continuará a se deteriorar. Que ninguém tenha ilusões quanto a isso.
2) “A carga
tributária brasileira já bateu no teto, está no limite, impossível subir mais”.
Outro ledo engano. Não há limite
teórico para a carga tributária, embora possa haver alguns limites práticos,
dados pelas conhecidas relações econômicas entre taxação e recolhimento
(emagrecimento da base pela fuga da formalidade, mas existem limites para isso
também, pois assalariados não conseguem fugir da voracidade tributária e os
liberais apenas o fazem parcialmente).
Quem disse que a carga tributária
não pode aumentar mais, não conhece a sanha arrecadatória e arrecadadora da
nossa máquina impositiva, uma autoridade fiscal das mais eficientes no mundo. A
receita pode, e deve, continuar aumentando, por razões muito simples.
As despesas já “contratadas” pelo
Estado têm de ser financiadas de alguma forma, uma vez que o governo já decidiu
conceder aumentos generosos para diversas categorias de servidores públicos e
vem criando novas fontes de gastos por meio de seus generosos (estou sendo
irônico, claro) programas sociais, o mensalinho do “bolsa-família”, difícil de
ser descontinuado depois de criado (ainda que ele possa ser transformado num
sentido menos assistencialista e mais orientado a qualificar profissionalmente
os mais pobres e os de baixa educação formal).
Como existem alguns limites à
“contratação” de mais inflação, uma das três vias clássicas para a erosão das
obrigações financeiras do Estado, e como também fica difícil emitir dívida
pública em bases puramente voluntárias – pois os agentes econômicos podem, a
partir de um certo limite recusar comprar os títulos a taxas de juros razoáveis
– sobra, portanto, a via do recolhimento tributário. Claro, o Estado sempre
pode recorrer a empréstimos compulsórios, mas isso é politicamente difícil,
pois dependeria de o Congresso aprovar lei específica, ao passo que a exação
fiscal, pelos mecanismos já existentes (isto é, sem aprovar novos impostos), é
sempre possível.
Quanto a mim, eu não tenho nenhuma
dúvida de que continuaremos pagando cada vez mais para o Estado cobrir suas
obrigações, que diga-se de passagem, são demandadas pela própria sociedade. O
povo brasileiro adora o Estado, pede, suplica, implora que o Estado venha em
seu socorro para fazer algum programinha social ou alguma nova prestação
setorial. Ele vem, só que no meio do caminho abocanha mais um pouco da riqueza
que é gerada socialmente.
3) “A corrupção
atingiu limites nunca antes vistos, não é mais possível continuar assim”.
Difícil saber, pois não dispomos de
um “corruptômetro” para medir avanços e recuos relativos da corrupção. Quantos
“por cento” do PIB são intermediados de maneira “heterodoxa”, digamos assim?
Difícil saber, não é mesmo? Não temos base de comparação, histórica ou atual.
O certo é que a corrupção tende
necessariamente a aumentar quando os fluxos de receitas e de pagamentos
transitam pelos canais oficiais, uma vez que se supõe que transações puramente
privadas são estreitamente vigiadas pelas partes no negócio, cada um cuidando
do seu rico dinheirinho.
O dinheiro da “viúva” é um pouco de
todo mundo, transita por muitas mãos, no sentido metafórico, claro, ou seja,
existem milhares de programas considerados essenciais para o bem estar público
que devem ser objeto de cuidadoso planejamento, alocação, discussão
congressual, alocação, empenho, licitação, leilão, concorrência, doação, enfim,
as mais diferentes formas de repartição pública que se possa conceber. É
evidente que num sistema que mobiliza grandes proporções de dinheiro arrecadado
daqueles que geram a riqueza e a renda – que são sempre, por definição, os
agentes econômicos privados, uma vez que o Estado raramente produz qualquer bem
real – alguns desses muitos intermediadores do dinheiro “público” encontram
alguma maneira inteligente de desviá-lo para seu próprio usufruto.
Donde se conclui que quanto maior a
proporção do PIB brasileiro que passar pelos canais públicos, maiores serão as
oportunidades de corrupção. Uma vez que suponho que a carga fiscal total no
Brasil ainda não chegou aos seus limites e tende a aumentar, ainda que modesta
e lentamente na fase presente, não tenho por que acreditar que a corrupção
chegou aos seus limites no Brasil.
Como tampouco acredito que
mecanismos mais “eficientes” de monitoramento e controle sejam uma resposta
ideal ao sistema – uma vez que sempre haverá meios de contornar esses
mecanismos, uma vez conhecidos –, minha conclusão é uma só:
A corrupção só diminuirá, no Brasil,
quando um menor volume de dinheiro for transacionado pelos canais oficiais.
Concordam com isso? Para mim, é elementar...
4) “A qualidade
da educação já atingiu patamares mínimos, agora tem de melhorar”
Os otimistas incuráveis acham que a
escola pública já piorou o que tinha de piorar e que, daqui para a frente, o
movimento será no sentido de sua melhoria substantiva.
Eu acho que ainda não atingimos o
fundo do poço, por duas razões muito simples.
A primeira ordem de razões prende-se
aos problemas fiscais já detectados anteriormente: como a situação das contas
públicas tende a se deteriorar ainda mais, no futuro previsível, não é razoável
esperar que um maior volume de recursos possa ser investido na escola pública, de
molde a melhorar sua qualidade.
A segunda é a incultura generalizada
na sociedade, facilmente detectável nos canais públicos de televisão e nas
universidades de modo geral. Resultado paralelo de nossa “democracia de massas”
e de um descaso generalizado com a escola pública, mais e mais pessoas
ignorantes ascendem a posições de mando e de poder, com o que elas continuam
contribuindo para a deterioração ainda maior do ensino primário e secundário,
público e privado (que não pode ficar imune aos padrões societais vigentes).
Como todos sabem, temos dirigentes
políticos que exibem uma ignorância verdadeiramente enciclopédica, isto é, ela
atinge os mais variados campos do saber humano. Como não existe muita
autocrítica, ela continua impunemente produzindo efeitos deletérios sobre todo
o nosso sistema público, sobre a escola e o ensino em particular.
Como também se dissemina uma cultura
do igualitarismo e do distributivismo primários, reflexos de um marxismo ainda
mais primário que continua a ser a base do ensino médio neste país, não há
nenhum risco de melhoria na educação pública.
Ou seja, prenuncio dias brilhantes
pela frente, em termos de decadência moral e substantiva da escola pública no
Brasil.
5) “O Brasil
está condenado a ser grande e importante, é o país do futuro”.
Essas tiradas patrioteiras nunca me
comoveram, pela simples razão de que, como todos sabem, tamanho não é
documento, pelo menos não absolutamente. A China sempre foi enorme, gigantesca,
e decaiu continuamente durante três ou mais séculos, antes de começar a
reerguer-se, penosamente, nas duas últimas décadas do século XX. Ela está
longe, ainda, de ser um exemplo de prosperidade para o seu povo, ainda que
possa já ser uma potência militar e venha a ser, brevemente, uma potência
tecnológica, também. A Rússia sempre foi um gigante de pés de barro, seja no
antigo regime czarista, seja durante os anos de socialismo senil, até
esboroar-se na decadência política e no capitalismo mafioso, do qual ela ainda
não se recuperou.
O Brasil sempre foi grande, e pobre,
não absolutamente, mas educacionalmente paupérrimo, miserabilíssimo no plano
cultural. Somos hoje um país totalmente industrializado – repito, totalmente –
e uma potência no agronegócio e não deixamos de ser pobres educacionalmente
falando. Ainda estamos no século XVIII em matéria de ensino, quando não de
cultura. Bem sei que dispomos, atualmente, de um sistema de produção científica
que se situa entre os vinte melhores do mundo, mas isso “atinge” – é o caso de
se dizer –, se tanto, uma mínima parcela da população, uma superestrutura
extremamente fina em termos sociais.
A conversa dos “BRICs” tampouco me
convence, pois o que vale, em última instância, não é poder econômico absoluto,
mas poder relativo e, sobretudo, bem estar e prosperidade para a sua própria
população, qualidade de vida, e nisso estamos muito aquém do desejável. Não
existem BRICs, ou não BRICs, existem povos que conseguiram resolver seus
problemas básicos e que passam a dispensar, à sua sociedade, oportunidades
culturais “excedentárias”, digamos assim. O Brasil não dispensa sequer o mínimo
para um contingente apreciável de brasileiros, e não pode pretender assim ser
grande e importante. Aliás, ele até pode ser, entrar no Conselho de Segurança,
influenciar reuniões multilaterais e até a agenda internacional, mas continuará
sendo um gigante de pés de barro enquanto não resolver problemas básicos no
interior de suas fronteiras.
Essa história de “futuro” é risível,
se não fosse trágica, para milhares de crianças condenadas a uma existência
miserável nas favelas, por falta de condições mínimas na escola para disputar
depois uma ocupação produtiva na sociedade, e útil para o restante da
comunidade. Estamos, literalmente, jogando na lata de lixo milhares de crianças
todos os dias. Um país assim não pode ser grande e importante.
Para mim, ele continua a ser pequeno
e medíocre...
Brasília, 2 de julho de
2006
Postado novamente em 31/01/2014.
Um comentário:
Para utilizar os dizeres de Lynn Hunt na introdução de A invenção dos direitos humanos, há um paradoxo na autoevidência. Hunt se refere à famosa frase redigida por Thomas Jefferson - Declaração de Independência dos EUA. Se tal fosse tão evidente, por que há a necessidade de continuamente repetir?
Forte abraço,
Luccas.
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