O Brasil fora do jogo comercial
Editorial O Estado de S.Paulo, 26/01/2014
As regras do jogo para os novos acordos internacionais de comércio estão sendo criadas sem a participação do Brasil - e podem ser contrárias às posições defendidas tradicionalmente pela diplomacia brasileira. Falando em Davos, no Fórum Econômico Mundial, o chefe dos negociadores americanos, Michael Froman, deixou clara a intenção de valorizar cláusulas sociais e ambientais nos acordos em discussão neste momento. Ele se referia aos projetos em negociação com a União Europeia, a Parceria Transatlântica, e com países do Pacífico, a Parceria Transpacífica. A ideia é estabelecer novos padrões, mais severos, para os futuros tratados de livre-comércio. "Vamos elevar a barra", disse Froman, usando uma imagem esportiva. A mensagem é inconfundível: a ideia é mudar as condições de competição e tornar o salto mais difícil.
O governo brasileiro se opôs à inclusão de cláusulas sociais e ambientais na Rodada Doha de negociações multilaterais, lançada no fim de 2001. Houve amplo apoio a essa posição e os governos do mundo rico, principais defensores daquelas cláusulas, tiveram de recuar. Mas a rodada empacou e nada importante ocorreu a partir de 2008, apesar das várias tentativas, lideradas pela OMC, de reativar as conversações.
Dezenas de governos continuaram, no entanto, construindo acordos bilaterais e inter-regionais, com isso fragmentando o sistema internacional de regras. Países grandes e pequenos participaram dessas discussões, mas o Brasil permaneceu à margem, por uma decisão política - de fato, ideológica - de dar prioridade à integração com os países do "Sul", uma entidade geopolítica imaginária, moldada segundo os padrões do terceiro-mundismo.
A diplomacia econômica brasileira funcionou basicamente com duas referências nos últimos dez anos. Um dos focos foi o multilateralismo, representado, na prática, pela Rodada Doha. O outro foi a decisão de buscar acordos parciais apenas com países em desenvolvimento e de aprofundar os laços com o "Sul" idealizado.
Esses acordos foram negociados em conjunto com o Mercosul, dominado pelo terceiro-mundismo brasileiro e pelo protecionismo argentino. Essa estratégia também refletiu, em parte, a fantasia do presidente Lula de liderar a região.
Essa liderança ficou na retórica. O sepultamento do projeto da Área de Livre-Comércio das Américas, promovido pelos governos brasileiro e argentino, criou um descompasso entre o Mercosul e os países com ambições mais amplas de integração internacional. Os poucos acordos concretizados pelo Mercosul foram negociados com mercados pouco importantes. Os sul-americanos mais empenhados na inserção internacional buscaram acordos com os EUA e outros países avançados.
Esses países conseguiram boas condições de acesso aos mercados mais desenvolvidos. Ao mesmo tempo, economias altamente competitivas, como China e Coreia, ampliavam sua participação nesses mercados. O Brasil foi um grande perdedor. De fato, perdeu também na América Latina, onde concorrentes de outras regiões conquistaram espaço nos últimos dez anos.
A Aliança do Pacífico, formada por Chile, Peru, Colômbia e México, tornou mais evidente o distanciamento entre as políticas comerciais do Brasil e das economias mais abertas da América Latina. Nesse acordo, o México faz uma ponte entre a América do Norte e a do Sul e assume, naturalmente, uma posição de liderança jamais conseguida pelo Brasil.
O novo governo mexicano mostra boa percepção dessas diferenças. A Aliança do Pacífico, disse o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, é a sua plataforma para acordos com países da América do Sul.
Fora das grandes negociações, o Brasil tem de assistir de longe, sem possibilidade de interferência, à formação de novos critérios para acordos comerciais. Quando a Rodada Doha novamente deslanchar - se deslanchar -, esses novos padrões poderão estar muito mais difundidos do que estiveram até hoje. O terceiro-mundismo requentado poderá ficar ainda mais custoso do que foi até agora.
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