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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Venezuela: Nicolas ainda nao esta' Maduro para o dialogo - so fala em punir, processar, prender...

Qualquer diálogo teria de começar pela soltura imediata dos líderes oposicionistas presos e acusados ilegalmente.
Esta é uma condição básica para o diálogo, sine qua...
Paulo Roberto de Almeida

Venezuela protestas

Maduro acepta la propuesta de Unasur de reunirse este martes con la oposición

Infolatam/Efe
Caracas, 7 de abril de 2014
Las claves
  • El presidente venezolano dijo que se reunió por espacio de más de una hora con los cancilleres, con los que mantuvo "una conversación bastante extensa", en la que les relató la "lucha" que se está dando en Venezuela "por la paz" y subrayó "la necesidad de condenar la violencia como método político".
  • Maduro aseguró que las puertas de Miraflores, sede del Ejecutivo, "están abiertas para esa reunión" y que está "listo y además deseoso" de sentarse "cara a cara con los factores de la oposición, con Unasur como testigo excepcional, y echar a andar iniciativas de paz de convivencia de tolerancia de amor de nuestro pueblo".
El presidente de Venezuela, Nicolás Maduro, anunció  que aceptó la propuesta de los cancilleres de la Unión de Naciones Suramericanas (Unasur) para reunirse este martes con representantes de la oposición.
“Tuvimos una conversación bastante amplia, ellos me propusieron hacer una reunión mañana con la delegación de la oposición y, bueno, yo acepté, como he venido convocando desde hace ocho semanas al diálogo político, por la paz, por la democracia”, indicó Maduro en una declaración pública al finalizar una reunión con los ministros.
Maduro señaló que en esa reunión, que probablemente tendrá lugar en horas de la mañana, se hará acompañar “con los factores del Gobierno, de la revolución”.
“Estoy seguro de que si esa reunión termina de concretarse hoy en la tarde va a ser un gran mensaje de paz, de democracia, de nuestro país a todo nuestro pueblo”, indicó.
Los cancilleres de Argentina, Héctor Timerman; Brasil, Luiz Figueiredo; Bolivia, David Choquehuanca; Colombia, María Ángela Holguín; Chile, Heraldo Muñoz; Ecuador, Ricardo Patiño; Uruguay, Luis Almagro, y Surinam, Winston Lackin, forman parte de la segunda comisión que el organismo regional manda a Venezuela para contribuir con el diálogo.
El presidente venezolano dijo que se reunió por espacio de más de una hora con los cancilleres, con los que mantuvo “una conversación bastante extensa”, en la que les relató la “lucha” que se está dando en Venezuela “por la paz” y subrayó “la necesidad de condenar la violencia como método político”.
“Los venezolanos de bien, las venezolanas de bien, tienen gran fe en que en esta visita de Unasur se logre completar toda la ecuación de paz de la Conferencia de Paz que está funcionando en Venezuela y por fin logremos que los actores de la oposición se sienten a dialogar de paz y para la paz”, dijo Maduro.
El presidente venezolano lanzó a finales de febrero una Conferencia de Paz a la que han acudido representantes de sectores sociales, políticos y económicos, así como representantes de la oposición a título individual, pero no los partidos adversarios del Gobierno de forma institucional.
Maduro aseguró que las puertas de Miraflores, sede del Ejecutivo, “están abiertas para esa reunión” y que está “listo y además deseoso” de sentarse “cara a cara con los factores de la oposición, con Unasur como testigo excepcional, y echar a andar iniciativas de paz de convivencia de tolerancia de amor de nuestro pueblo”.
Destacó el “hecho histórico” de que sean los países de Unasur los que estén acompañando en la “construcción de la paz”.
“Unasur ha demostrado ser un bloque político exitoso para canalizar los conflictos políticos y ayudar a la estabilidad, a la paz, a la prosperidad de los países”, añadió y aseguró que fue su Gobierno el que convocó al mecanismo para que acompañara el diálogo de paz en el país que actualmente pasa por una crisis política.
El presidente dijo que “ojalá” los dirigentes políticos de la alianza opositora Mesa de la Unidad Democrática (MUD) “no se echen para atrás” y se sienten a conversar.
“Yo voy a estar listo, mañana yo voy a donde me diga Unasur y me siento ¿a qué? a dialogar, a conversar a decir unas verdades”, apuntó.
La MUD saludó el domingo en un comunicado el regreso a Caracas de los cancilleres de la Unasur cuya visita, destacó, “es valiosa” y “será útil” si el Gobierno de Maduro “se compromete sinceramente con el diálogo”.
Venezuela pasa desde hace casi dos meses por una ola de protestas contra el Gobierno de Maduro que hasta el momento ha causado la muerte de 39 personas y ha dejado cientos de heridos y detenidos.

Brasil: o pais dos afrodescendentes de araque e dos cotistas fraudadores

Pois é, se o governo dos companheiros demagogos e adeptos do Apartheid racial não tivesse inventado essas cotas racistas, prontamente atendidas por seus companheiros acadêmicos mais demagogos das universidades públicas.
Onde houver regras especiais para grupos, haverá gente que vai fraudar para se beneficiar de favores seletivos. É da natureza humana!
Só os companheiros não sabiam disso, ou fingiam não saber.
É da natureza petista fazer demagogia, e implantar o racismo, que é o equivalente da luta de classes para os militantes da causa.
Paulo Roberto de Almeida 

Rio de Janeiro

Policia Civil vai intimar cotistas suspeitos de fraude na Uerj

Quarenta e um estudantes que se declararam negros ou índios começarão a prestar depoimento nesta semana

Pâmela Oliveira, do Rio de Janeiro
Estudantes antes do início da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) na UERJ, no Rio de Janeiro
Estudantes antes do início da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) na UERJ, no Rio de Janeiro (Marcos Michael)
A Polícia Civil do Rio vai intimar, a partir desta semana, estudantes cotistas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) suspeito de fraudar o sistema de cotas no vestibular de 2013. Como mostrou reportagem do site de VEJA em março, uma série de denúncias feitas por universitários indica que, entre os cotistas, há egressos de escolas com altas mensalidades ou que assumidamente não têm ascendência negra ou indígena. Com isso, um contingente ainda não calculado de candidatos obtém vagas em cursos disputados, apesar de não obter nota suficiente para o ingresso.
A investigação começou a partir de uma denúncia entregue ao Ministério Público Estadual em um CD com notas e imagens dos universitários que não aparentam pertencer à raça declarada na inscrição do vestibular.  A lista de suspeitos de terem fraudado os critérios estipulados pela lei número 5.346, que dispõe sobre o sistema de cotas nas universidades estaduais do Rio,  tem o nome de 41 universitários inscritos em 15 cursos, como medicina, enfermagem, direito e jornalismo. A pedido do MP, foi instaurado um inquérito policial na 18ª DP (Praça da Bandeira).
Leia também:
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Vanessa Daudt

Reprodução/MPRJ
Vanessa Daudt foi aprovada como cotista após se declarar negra ou índia no vestibular de 2013. Classificada na 122ª posição geral entre os vestibulandos de enfermagem, a loira de olhos azuis não teria conseguido uma das 80 vagas do curso se não tivesse concorrido às vagas destinadas a cotistas
De acordo com o delegado, Fábio Barucke, os estudantes começarão a prestar depoimento nesta semana. Um dos nomes investigados é o de uma universitária que desde setembro frequenta o curso de enfermagem. Loira com olhos azuis, ela se autodeclarou negra ou índia. Conseguiu, assim, ingressar na faculdade apesar de ter ocupado o 122º lugar na classificação geral, para um curso com 80 vagas. Como cotista, disputou 16 vagas com 34 candidatos – 2,19 interessados em cada cadeira. Na concorrência normal, teria que brigar com 515 vestibulandos por 44 matrículas.
A diferença é ainda mais gritante na disputa por uma vaga de medicina, que tem quatro aprovados no vestibular de 2013 investigados. Para garantir uma vaga no curso, o mais disputado da Uerj, o estudante enfrenta uma relação de 135 candidatos por vaga. Ao se inscrever como cotista negro ou indígena, concorre com 11 candidatos.
A Uerj foi intimada a fornecer documentos referentes ao ingresso dos estudantes na universidade. Entre a documentação requerida estão comprovantes de renda apresentados na inscrição do vestibular. De acordo com a lei 5.346, o critério indispensável para concorrer às vagas destinadas aos cotistas é ter baixa renda – em 2013, o candidato precisava declarar renda familiar per capita bruta de até 960 reais.
Segundo denúncias anônimas recebidas pelo MP desde 2007, candidatos omitem a renda de um ou mais integrante da família para se adequar ao critério. Apesar de a lei 5.346 estabelecer que as universidades devem "criar mecanismos de combate à fraude", a fiscalização é falha. Em 2010 e 2011 a Uerj realizou apenas 17 visitas domiciliares para verificar se a renda declarada pelos candidatos a cotas condizia com a realidade.
Leia também:


Itamaraty: encerramento da fase de consultas para o Livro Branco da Politica Externa Brasileira

Videos disponiveis:
Ministro de Estado: https://www.youtube.com/watch?v=JGniFd2AyNM
Secretario Geral das Relacoes Exteriores: https://www.youtube.com/watch?v=CZPqNhJ8HXM


Itamaraty conclui debates que vão compor o Livro Branco da Política Externa

Agência Brasil
Após quase quatro horas de apresentações orais dos relatores de 14 painéis sobre variados temas da agendadiplomática brasileira, o ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado encerrou hoje (2) a série Diálogos sobre Política Externa. Promovida durante o mês de março com a participação de diversos setores do Poder Público e da sociedade civil, as discussões e relatórios produzidos pelos debatedores serão uma das principais fontes para a elaboração, pelo Itamaraty, do Livro Branco da Política Externa Brasileira.
“O Livro Branco será um documento de caráter público, que registrará e divulgará os princípios, as prioridades e as principais linhas de ação externa do Brasil”, explicou o ministro Figueiredo Machado, para quem os diálogos representam um processo de fortalecimento da transparência do Itamaraty e de seus canais de interação com o governo e com a sociedade. “Tenho insistido que a política externa brasileira tem de ser cada vez mais ativa e inclusiva, precisamos ouvir mais a sociedade para ampliarmos nossacapacidade de formular, planejar e executar”.
Presente à cerimônia no Itamaraty, o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, senador Ricardo Ferraço, disse que a construção da política externa brasileira não é mais monopólio de diplomatas e políticos, pois frequenta a agenda diária dos brasileiros, que pressionam seus representantes no Congresso também nesta área. “A população está muito atenta às questões relacionadas às escolhas e às definições da nossa política externa, por tudo que ela tem de capacidade de impactar o dia a dia, as perspectivas, as relações de oportunidade no nosso país e a forma como nosso país trabalha para se inserir cada vez mais em razão da sua importância”.
Nesse cenário de maior interesse da sociedade sobre os temas internacionais e a posição do país em relação a eles, o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, considera que a série de diálogos inaugura “uma nova prática na discussão da nossa política externa”, com uma saudável pluralidade de enfoques. “Hoje, a diplomacia se torna um exercício mais complexo porque, diferentemente do passado, onde as transformações se davam em um ritmo mais lento, hoje nós temos mudanças absolutamente vertiginosas que fazem com que nosso pensamento e nossa capacidade de avaliação também tenham que evoluir”.
O secretário-geral das Relações Exteriores, embaixador Eduardo dos Santos, explicou que, nos 14 painéis apresentados, foram ouvidos 111 integrantes de órgãos públicos (incluindo 13 parlamentares), 72 acadêmicos, 16 jornalistas, 63 participantes do setor empresarial, 53 membros da sociedade civil, incluindo sindicatos e organizações não governamentais (ONGs), e três representantes de organizações internacionais.
“A diversidade dos setores que participaram nos painéis e o nível das intervenções apresentadas demonstraram o vivo interesse da sociedade no debate sobre a política externa brasileira”, avaliou o secretário-geral, acrescentando que foram cerca de 55 horas de debates abrangendo virtualmente a totalidade da agenda internacional do país.
Até o momento, 75 textos foram apresentados como resultado dos debates. Eles servirão de insumo para a elaboração do Livro Branco da Política Externa Brasileira, que deve ter sua primeira versão finalizada até o fim deste semestre, embora ainda dependa, entre outras coisas, de avaliação das divergências de opiniões apresentadas durante os debates em relação ao posicionamento do Estado brasileiro frente aos desafios globais e regionais colocados.

Protecao de Investimentos Estrangeiros: uma nota da Unctad sobre controversias investidor-Estados

Não são só, ou apenas, países em desenvolvimento que enfrentam demandas de empresas privadas ao abrigo de acordos de proteção de investimentos. Um número crescente de países desenvolvidos também se veem envolvidos em controvérsias desse tipo, geralmente por mudanças nos regulamentos aplicáveis em matéria de energia, meio ambiente e outros temas.
Uma circular recentemente recebida segue abaixo, para os interessados.
Paulo Roberto de Almeida

IDear Members of the World Investment Network, 

It is my pleasure to share with you UNCTAD's IIA Issues Note on the latest developments in investor-State dispute settlement. ISDS continues to be in the spotlight thanks to new developments, such as the European Union's launch of public consultations on the topic and the recent $5bn settlement between Repsol and Argentina. 

The Issues Note provides fully updated statistical data on treaty-based ISDS cases as well as an overview of arbitral decisions issued in 2013. Among the Note's highlights are: 

·        In 2013, investors initiated at least 57 treaty-based disputes. This comes close to the previous year's record high number of new claims. 

·        An unusually high number of cases (almost half of the total) were filed against developed States; most of these have the Member States of the European Union as respondents. 

·        Claimants challenged a broad range of government measures, including changes related to investment incentive schemes, alleged breaches of contracts, alleged direct or de facto expropriation, revocation of licenses or permits, regulation of energy tariffs, allegedly wrongful criminal prosecution, land zoning decisions, invalidation of patents, legislation relating to sovereign bonds, and others. 

·        Thirteen of the new cases arise from two sets of government measures (regarding renewable energy), adopted by the Czech Republic and Spain. Two cases relate to the Greek financial crisis. Several arbitrations have an environmental dimension. 

·        By end of 2013, 98 States have been respondents in a total of 568 known treaty-based cases. 

·        The overwhelming majority of cases (85 per cent) have been brought by investors from developed countries. Together, claimants from the EU and the United States account for 75 per cent of all cases. 

·        In 2013, ISDS tribunals rendered 37 known decisions, 23 of which are in the public domain, including decisions on jurisdiction, merits, compensation and applications for annulment. 

·        In seven out of the eight decisions on the merits, the tribunal accepted – at least in part – the claims of the investors. The award of USD 935 million in the Al-Kharafi v. Libya case ranks as the second highest known award in history. 

·        The overall number of concluded cases reached 274. Of these, approximately 43 per cent were decided in favour of the State and 31 per cent in favour of the investor. Approximately 26 per cent of cases were settled. 

·        The public discourse about the usefulness and legitimacy of ISDS continues to gain momentum, especially in the context of important IIA negotiations that are currently ongoing. 


I hope that you find our  IIA Issues Note on the latest developments in investor-State dispute settlement  useful and interesting - please feel free to also share it with your colleagues!
Let me also use this opportunity to draw your attention to the forthcoming fourth World Investment Forum (WIF), taking place from 13-16 October 2014 in Geneva. The WIF is the pre-eminent platform for high-level and inclusive discourse on investment policies for sustainable development, gathering on average 2,000 participants from 196 countries and convening the full range of investment for development stakeholders.

The WIF's IIA Conference, scheduled for the morning of Thursday 16 October 2014, will provide an opportunity for IIA negotiators, investment practitioners, legal scholars, and representatives from civil society and the private sector to take stock of 60 years of international investment policy making. The debate will review key challenges and identify ways and means for reforming the regime of IIAs and ISDS so that they better contribute to sustainable development.

I look forward to welcoming you to Geneva in autumn.
Best regards,

James X. Zhan
Director
Investment & Enterprise Division
United Nations Conference on Trade & Development
Palais des Nations, Geneva
Tel: +41 22 9175797
www.unctad.org/diae

Venezuela: uma Suprema Corte totalmente submissa ao poder ditatorial (El Pais)

El País, 6/04/2014

O Governo da Venezuela pode presumir da duvidosa honra de não enfrentar falhas adversas por parte do Tribunal Supremo desde que o Governo de Hugo Chávez (1998-2013) reformou em 2004 a lei orgânica deste tribunal e nomeou novos magistrados. Vista a sua trajetória nos últimos nove anos, as chances que o dirigente opositor Leopoldo López —preso há 47 dias por suposto enaltecimento da violência— teria de encontrar amparo no Supremo são bem mais escassas. Para a ONG Human Rights Watch essa falta de independência do poder judicial só é equiparável à que enfrentam Honduras, Nicarágua e Equador.
A maioria dos Tribunais Supremos da América Latina enfrentaram uma ou outra vez às políticas de seus Governos. O equilíbrio de poderes, tão saudável em qualquer democracia, exerceu-se de forma bem visível na maior parte da região. Na Argentina, por exemplo, a Corte Suprema vetou no ano passado a reforma judicial que promovia o Governo de Cristina Fernández Kirchner. No Brasil, a Suprema Corte condenou parte da cúpula do governante Partido dos Trabalhadores no caso de subornos políticos conhecido como mensalão. Na atualidade, sete ex-dirigentes com altos cargos no governo ou no PT cumprem a condenação. No México, a Suprema Corte declarou inconstitucional em 2007 a chamada Lei Televisa por considerar que propiciava práticas de monopólio.
No Uruguai, a Suprema Corte de Justiça anulou no ano passado a lei que impedia a impunidade para os repressores da ditadura, um dura crítica para a esquerda uruguaia e para o Governo de José Mujica. Na Colômbia, a Corte Constitucional vetou em fevereiro de 2010 a possibilidade de que Álvaro Uribe pudesse concorrer a outras presidenciais para um terceiro mandato. No Chile, a Corte Suprema acolheu o recurso de organizações ecologistas e paralisou em 2012 o projeto hidrelétrico de Porto Aysen, impulsionado pelo Governo. E em 2008, a Corte Constitucional proibiu a venda da pílula do dia seguinte que aprovava o Governo de Michelle Bachelet. Na Bolívia, o Tribunal Constitucional declarou no ano passado parcialmente inconstitucional a lei de Autonomia, pela qual o Governo de Evo Morales tinha se desfeito de vários prefeitos e governadores da oposição.

A maioria das Cortes Supremas enfrentaram alguma vez às políticas de seus Governos

Na Venezuela, no entanto, a situação é diferente da que se vive na maior parte da região. O diretor para América da ONG Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, considera que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) na Venezuela se transformou em um “adendo do Executivo” e é “um dos exemplos mais toscos da falta de independência judicial na região”. “O Governo de Chávez, desde 2004, manipulou a composição do mais alto tribunal, enchendo-o de incondicionais. O resultado foi uma justiça partidária dedicada a legitimar práticas abusivas, como o estão fazendo atualmente com a detenção de prefeitos de oposição”, afirma Vivanco.
O representante da HRW insiste, além disso, na situação de vulnerabilidade em que se encontram a maioria dos juízes: “O TSJ tem faculdades para nomear e destituir juízes inferiores provisórios, que hoje são a grande maioria no país, com o qual estamos ante um sistema perverso no qual este tribunal partidário pode destituir mediante um telegrama a praticamente qualquer juiz, incluída a juíza que leva o caso de Leopoldo López”.
Vivanco acha que o exemplo “mais nítido” da falta de independência judicial na Venezuela foi a detenção da juíza María Lourdes Afiuni, em dezembro de 2009. “Isso teve um profundo impacto nos juízes de tribunais inferiores. Desde a saturação política do TSJ em 2004, os juízes mostraram-se cautos ao ditar sentenças que pudessem desagradar o Governo. No entanto, enquanto antes temiam perder seus empregos, agora temem, além disso, ser julgados por cumprir a lei. Ninguém quer perder seu trabalho nem ir preso”.
O jurista venezuelano Pedro Nikken sustenta que a “submissão da independência” do Tribunal ficou confirmada no discurso de abertura do Ano Judicial, no dia 5 de fevereiro de 2011, pronunciado pelo magistrado Fernando Vegas Torrealba. Naquele discurso, Vegas assinalou: “O poder judicial venezuelano está no dever de dar sua contribuição para a eficaz execução, no âmbito de sua concorrência, da política de Estado que adianta o Governo nacional” no sentido de desenvolver “uma ação deliberada e planificada para conduzir um socialismo bolivariano e democrático (…) Este TSJ e o resto dos tribunais devem aplicar severamente as leis para sancionar condutas ou reconduzir causas que destroem da construção do Socialismo Bolivariano”.

Honduras, Equador e Nicarágua também têm justiças duvidosas
Nikken, assim como a HRW, considera que o grande momento de inflexão se produziu com a privação de liberdade do juiz Afiuni. “Isso causou um efeito devastador sobre o judiciário”, assinala. A Nicarágua é outro dos países onde um presidente pode dormir tranquilo com a convicção de que a Corte Suprema não lhe deparará surpresas desagradáveis. Em 2011, a Sala Constitucional declarou inaplicável o artigo 47 da Constituição que proibia disputar um terceiro mandato presidencial. Daniel Ortega reformou a constituição e em janeiro a Assembleia aprovou a possibilidade de reeleição indefinida.
No Equador, o presidente Rafael Correa impulsionou uma reforma judicial em 2011 que foi aprovada em referendo. Desde então, nenhum corte superior pronunciou-se contra alguma medida de Correa. Ramiro Aguilar, advogado e antigo deputado opositor, diz: “Os juízes atuais são militantes do partido do Governo. Se algum queira se desligar, o Conselho Judicial o destitui”. Em 2013 foram destituídos 165 juízes e 214, punidos.
Vivanco acha que Quito serviu-se do poder judicial para “amordaçar” os meios de comunicação independentes. E para isso, foi chave o fato de que o Conselho Judicial esteja “composto exclusivamente por ex-empregados de Correa”.
Em Honduras, a jornalista Thelma Mejía lembra que depois do golpe de Estado de 2009 foram destituídos quatro dos cinco magistrados que integravam a Sala Constitucional por emitir duas decisões contra os interesses do Poder Executivo. Em uma sondagem de 2013, a Corte Suprema ficava como uma das instituições pior avaliadas.

Com informação de Magdalena Martínez (Uruguai), Elizabeth Reyes L. (Colômbia), Salvador Camarena (México), Carlos Salinas (Nicarágua) Mabel Azcui (Bolívia) e Soraya Constante (Equador).

Economicidios: se trata da politica economica companheira - Alexandre Schwartsman

CIFRAS & LETRAS
ENTREVISTA - ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Controle de preços e o abandono de iniciativas de reformas estão entre os principais erros na condução do país, afirma ex-diretor do BC
MARIANA CARNEIRODE SÃO PAULO
Nos últimos anos, foram cometidos no Brasil "economicídios", na avaliação dos economistas Fábio Giambiagi e Alexandre Schwartsman.
Autores do livro "Complacência" (Campus Elsevier), que será lançado na próxima terça-feira, os dois afirmam que o governo vem incorrendo em alguns "macrocídios" e "microcídios" desde 2011.
O termo, tomado emprestado do argentino Miguel Bein, é usado pelos autores para classificar decisões como o controle dos preços dos combustíveis contra a inflação, a redução das tarifas de energia no ano passado e, sobretudo, o abandono de iniciativas para reformar o país.
Isso relegou o país ao baixo crescimento econômico, que, dizem, não é resultado de um fenômeno passageiro.
Nesta entrevista, Schwartsman, que é colunista da Folha, diz que a inspiração do livro é o inconformismo com a leitura corrente do "se há emprego, está tudo bem".

Folha - Por que crescer pouco é um problema se estamos hoje em pleno emprego e existe uma certa satisfação das pessoas com a economia?
Alexandre Schwartsman - Essa sensação do "já que estamos em pleno emprego, não temos com o que se preocupar" foi resumida em uma frase extraordinariamente cretina da [economista] Maria da Conceição Tavares, de que a gente "não come PIB".
O bem-estar da população não depende só do emprego, as pessoas não querem só estar empregadas. Elas querem ter um padrão de vida melhor, e o Brasil não é um país rico. Nossa renda per capita é uma renda média.
Como a gente crescia num ritmo de 4%, 4,5% ao ano, o crescimento da renda per capita sugeria que a gente dobraria o padrão de vida em uma geração [25 anos]. No ritmo que estamos hoje, vamos precisar de 60/70 anos. Isso não é razoável.
O contentamento com o pleno emprego e com o "não precisamos mais nos preocupar em crescer tão rápido" é ser complacente. Isso é o cerne do nosso livro. Significa que nós deveríamos estar satisfeitos com o atual estado das coisas.
Pode-se até usar esse argumento para reeleger a presidente, mas ficar realmente satisfeito é complicado.


Folha - Depois de uma fase de crescimento mais acelerado, não era de esperar uma moderação do crescimento?
AS - Alguma desaceleração. Mas o fato é que nossa capacidade de crescimento caiu para algo como 2% ao ano. Essa desaceleração não é cíclica.
Na realidade, a desaceleração está mostrando que o ciclo de expansão que tivemos entre 2004 e 2010 foi muito positivo, mas insustentável.
A gente conseguiu crescer fundamentalmente botando mais gente para trabalhar, e não fazendo com que cada um produzisse mais.
Significa que a gente conseguiu crescer porque trouxemos a taxa de desemprego de níveis elevados, 12%, 13%, para 5%. Esse fenômeno é muito positivo, mas sugere que não é sustentável. Não se pode seguir reduzindo o desemprego indefinidamente.
A partir daí, os estrangulamentos começaram a aparecer. Não há mão de obra qualificada, nossa infraestrutura é um gargalo importante, o investimento é baixo.


Folha - Qual o risco de não elevar a produtividade neste momento?
AS - A gente vai continuar crescendo 2% e, daqui a duas gerações, o padrão de vida vai melhorar. Mas antes começam os problemas: teremos um problema previdenciário, êxodo de gente para outros países. Para sustentar as demandas sociais que estão vindo, a gente precisa crescer muito mais do que isso. Como vai crescer a felicidade geral bruta da nação?


Folha - Existe hoje um consenso de que é preciso fazer reformas?
AS - Concretamente, a gente vê alguma iniciativa de endereçar gargalos na questão tributária? Zero. Todas as ações do governo, mesmo quando reduz o imposto, vão no sentido oposto, de complicar o sistema tributário.


Folha - Vocês falam de "macrocídio", sobre o que consideram um manejo errado da macroeconomia, e "microcídio", sobre a gestão da Petrobras. Quando esses erros começaram?
AS - Você tem um determinado regime de política econômica que prevaleceu até 2008, até a crise. E começou a mudar a partir daí. As mudanças que estão na origem dos problemas ocorrem a partir de 2011 e derivam de restrições para lidar com a inflação.

Folha - Por que estão segurando os preços da Petrobras?
AS -  Porque temem o impacto disso na inflação. Não tem outra justificativa para segurar o reajuste de combustíveis. E por que isso acontece? Porque a inflação está consistentemente perto do topo da banda [6,5%].
Se o Banco Central estivesse apontando para o centro da meta, haveria condições de absorver coisas como um aumento de gasolina.
Quando há problemas no controle da inflação é que se começa a recorrer a esse tipo de "microcídio", que é controlar os preços de combustíveis.


Folha - O livro é crítico à política econômica e ao PT. Como esperam ser recebidos neste ano de eleições?
AS - O livro saiu para contribuir para o debate, colocar uma visão crítica ao governo de hoje. Se fosse outro partido que estivesse fazendo as mesmas coisas, poderia receber as mesmas críticas. O livro reflete uma visão que compartilhamos sobre como uma economia deve se organizar, e não uma visão política.


Leia íntegra da entrevista


COMPLACÊNCIA
AUTORES Fábio Giambiagi e Alexandre Schwartsman
EDITORA Campus Elsevier
QUANTO R$ 69,90 (255 págs.)

Fonte: Folha de S.Paulo


domingo, 6 de abril de 2014

Um retrato do Brasil analfabeto (pior do que se possa imaginar) - Veja

A matéria se refere apenas aos analfabetos nominais. Existem muitas dezenas de milhões mais que são analfabetos funcionais.

Paulo Roberto de Almeida 

Um retrato do Brasil analfabeto – Sobrevivendo na selva das vogais e consoantes

Os obstáculos enfrentados diariamente pelos brasileiros que não sabem ler

Branca Nunes
Revista Veja, 5/04/2014

"Onde é a saída?", perguntou Maria Verônica Marcelino da Cruz Conceição a um funcionário da linha 4 do metrô de São Paulo ao desembarcar pela primeira vez na estação República, no centro da maior metrópole brasileira. "É só subir a escada rolante que você já verá as placas", ouviu em resposta. Essas 12 palavras teriam bastado se não tropeçassem na barreira invisível. Verônica não sabe ler (nem escrever) – e, naquele 13 de fevereiro de 2014, como o trajeto lhe era desconhecido, não podia contar com a maior aliada dos 14 milhões de analfabetos que circulam diariamente pelo território brasileiro: a rotina."Às vezes tenho a sensação de que não sou ninguém, mas eu sou alguém. Posso não ler, mas sou inteligente", diz Verônica
É graças a essa rotina que utilizar o transporte público para ir e voltar do trabalho, fazer compras no supermercado ou buscar o filho na escola se tornam atividades tão banais. Quando está no ponto perto de casa, Verônica sabe dizer, por exemplo, se o ônibus que desce a rua é o Tamboré ou o Vale do Sol só de olhar para o desenho do nome escrito no letreiro do coletivo.
Mas naquele 13 de fevereiro, quando precisou utilizar um metrô que não conhecia, andar por ruas onde nunca tinha estado e ir até um prédio que jamais tinha visto, o sentimento que a acompanhava era o medo. "Tenho medo de me perder, ou que me passem a informação errada", confessou. "Tenho medo do que não conheço".
Aos 49 anos, com menos de 1,60 de altura, pele morena e cabelos alisados tingidos num tom puxado para o vermelho (a cor preferida), ela montou um acervo de técnicas para vencer desafios semelhantes: primeiro, pede alguma dica sobre o trajeto para quem lhe passou o endereço (qual linha de ônibus, trem ou metrô deve pegar, para qual direção, o nome do bairro e pontos de referência). Antes de sair de casa, a filha mais nova ou a patroa escrevem o nome da rua em um pedaço de papel. Por fim, sai perguntando, a cada nova etapa do caminho, qual o próximo passo a seguir.
Tão próximas quanto um ex-namorado com quem Verônica se relacionou por dois anos. Ele mandava mensagens por celular, ela mostrava para a filha. Ele pedia para Verônica ler alguma coisa, ela dizia que estava sem óculos. Ele perguntava por que ela nunca lhe escrevia, ela justificava que preferia conversar por telefone. "Acho que ele desconfiava, mas nunca perguntou nada", conta. "Morria de medo que ele deixasse de gostar de mim".​Dentro dos vagões de trens e metrôs, o áudio que informa em voz alta qual é a estação é uma ajuda e tanto. Do lado de fora, Verônica depende da bondade de estranhos. Com o papel na mão e baseando-se em critérios bastante pessoais, mostra o nome da rua para aqueles que considera confiáveis – curiosamente, a maioria dos escolhidos naquele dia eram homens, com menos de 40 anos, bem vestidos, quase todos com um celular na mão – e pergunta: "Como faço para chegar aqui?". Jamais confessa que não sabe ler. Esconde a informação não só de desconhecidos como de pessoas próximas.
Noel, o segundo marido de Verônica (e o que a fez mais feliz), demorou três anos para descobrir o segredo. "Eu queria perguntar uma coisa, mas não é para você ficar chateada", ensaiou Noel. "Você sabe ler?". Ela criou coragem e respondeu: "Presta atenção, porque eu só vou falar isso uma vez: eu não sei ler". Nunca mais tocaram no assunto até que ele morreu de enfarte algum tempo depois.
Com o segundo marido, teve Giovana – a quem chama Jojó –, a caçula de seis filhos: Cláudia, Ana Paula, Liliane e Jonathan, do primeiro casamento, e Daiane, sobrinha da ex-mulher de Noel, adotada pelo casal aos 10. Embora todos saibam ler, só um terminou o ensino médio. A esperança é Jojó que, aos 11 anos, sonha ser pediatra. 
O começo - Paraibana de Santa Rita, município na região metropolitana de João Pessoa distante 11 quilômetros da capital, Verônica foi confrontada aos 9 anos com o dilema: estudar ou trabalhar? Obrigada a optar pelo segundo para ajudar a mãe a conseguir comida, tornou-se babá de outra criança sete anos mais nova. "Ela era uma menina má, que dizia que eu roubava seus brinquedos", recorda. Quando a situação da família tornou-se insustentável, o pai abandonou a mulher com os nove filhos e partiu para São Paulo.
A babá se transformou em ajudante de cozinha num restaurante e, depois, em operária de uma fábrica de bolachas. Aos 15 anos, foi levada com a mãe e os irmãos para São Paulo pelo tio, que já não suportava ver a cunhada e os sobrinhos em estado tão degradante. Quando chegaram ao destino, o pai de Verônica tinha outra vida, outra casa e outra família – que acabou deixando ao deparar-se com a visita inesperada. Os pais, que continuam juntos, moram hoje em Registro, no litoral paulista.
Verônica casou com Manoel logo depois do desembarque na metrópole. "Achei que ganharia minha liberdade. Foi um doce engano". O relacionamento durou 16 anos. Desde a mudança para São Paulo, nunca mais colocou os pés – nem pretende colocar – na Paraíba. "Não tenho nenhuma lembrança boa da minha infância", encerra o assunto.
Até matricular os filhos na escola, a leitura nunca lhe fizera falta. "Eu conseguia me virar bem", garante. "Mas comecei a querer acompanhar as lições de casa e participar mais da reunião de pais". Hoje, o analfabetismo é um tormento.
montagem empregada

Embora não saiba escrever, quando está calma Verônica consegue desenhar o próprio nome (Foto: Ivan Pacheco)
"Às vezes tenho a sensação de que não sou ninguém, mas eu sou alguém. Posso não ler, mas sou inteligente", diz. Verônica reconhece marcas como Café Pilão, Coca-Cola, McDonald’s e Adidas pelo logotipo. Para fazer a lista de compras na casa de Regina Vilma Ruiz, onde trabalha como empregada doméstica há mais de duas décadas, copia o nome dos produtos da embalagem – de vez em quando consegue associar que o 'A', de arroz, é a mesma letra do 'A', de açúcar. Tornou-se uma exímia cozinheira apenas observando outras pessoas ao pé do fogão e, quando não está nervosa, é capaz de desenhar o primeiro nome.
Alguns anos atrás perdeu a carteira de identidade. Decidida a não ter mais a digital estampada no documento sobre a sentença "não alfabetizada", matriculou-se num curso de alfabetização de adultos. Estava quase conseguindo juntar consoantes e vogais quando foi surpreendida pela morte de dois irmãos – um de morte morrida, o outro de morte matada. Cláudio, o xodó de Verônica, foi assassinado ao ser confundido com o patrão no momento em que chegava para trabalhar. O choque foi tão grande e a depressão tão intensa que as letras simplesmente desapareceram da memória.
Também é para não expor o analfabetismo que ela optou por fazer parte da multidão de mais de 50 milhões de brasileiros que não possuem conta bancária. Alçada à nova classe média pelos malabarismos federais, Verônica insiste em continuar considerando-se pobre. Os cerca de 1 500 reais – somados vale transporte, seguro saúde e outros benefícios – que recebe de salário desaparecem no fim do mês. Roupas novas, restaurantes e viagens são luxos que ela não pode ter nem proporcionar para os filhos. Por causa do aumento dos preços dos alimentos – inflação que só o governo insiste em não enxergar – o sonho de conhecer Porto Seguro nas férias que se aproximam precisará ser adiado por mais um ano.
Outro documento que a intimida é o título de eleitor. Embora não seja obrigada, garante que participa de todas as eleições. Apesar disso, não se recorda em quem votou em 2012 nem em 2010. Não sabe o nome do prefeito e do governador de São Paulo nem quem foi o presidente da República antes de Lula – só faz questão de dizer que nunca votou nele. Se lhe pedem que cite algum político, lembra de Dilma Rousseff, Lula, Paulo Maluf e Marta Suplicy e em seguida ressalva que não simpatiza com nenhum. "Gostava muito do José Sarney, aquele que morreu", confunde-se. Sobre o mensalão? "Não sei o que é". Propina envolvendo a construção do metrô da capital paulista? "Nunca ouvi falar".
Suas fontes de informação são os telejornais, as novelas ou conversas com vizinhos e amigos. Adora filmes, principalmente as sequências de Harry Porter e Rambo, mas raramente vai ao cinema. Afirma que não gosta de espetáculos de teatro antes de admitir que nunca viu uma peça. Prefere o forró com o namorado.
Maria Verônica Marcelino da Cruz Conceição
Maria Verônica em frente à casa onde mora em Barueri, na Grande São Paulo (Foto: Ivan Pacheco)
Vaidosa, abusa dos decotes que exibem o bonito colo e jamais usa saias para ocultar as varizes que deixam ainda mais doloridas as pernas castigadas pelos 54 degraus absurdamente íngremes que é obrigada a subir diariamente para sair de casa.
Na residência alugada de três cômodos em que mora com a filha caçula, localizada num bairro pobre de Barueri, na Grande São Paulo, o bordado dos panos de prato e da toalha sobre o fogão combina com o rosa da parede da cozinha. O azul do quarto aparece também no enfeite do armário recém-comprado em seis prestações pelo carnê das Lojas Marabrás e a sala, pintada de laranja, ostenta porta-retratos com fotos de Jojó e de Mery, a melhor amiga. É ali que Verônica guarda seu maior tesouro: uma antiga coleção de livros de receitas que ganhou da patroa faz três anos.
Não conseguiu ler nenhum. Mas folheia com olhar apaixonado os cinco volumes, observa as imagens desbotadas, tenta adivinhar os ingredientes pelas fotos e reproduzir os pratos. São os únicos livros da casa.
Há um mês, fez uma promessa: "Vou conseguir ler esses livros". Para isso, vai matricular-se novamente num curso de alfabetização para adultos. Quando isso acontecer, a jornada, que começa diariamente às 5h30 e é encerrada por volta das 19h, depois de quase duas horas nos vagões dos trens metropolitanos lotados, será prorrogada até as 22h, quando as aulas terminam.
Caso complete o curso, ela fará parte de uma minoria. De cada 10 adultos que decidem se alfabetizar, sete desistem do objetivo antes de ler a primeira palavra. Enquanto isso, Maria Verônica Marcelino da Cruz Conceição será apenas mais um nome entre os milhões de brasileiros perdidos na selva das vogais e consoantes.

Eleicoes 2014: a importancia da linguagem - Guadencio Torquato

O petês e o tucanês

06 de abril de 2014 | 2h 05
GAUDÊNCIO TORQUATO - O Estado de S.Paulo
A campanha era a de 1985, aquela em que Jânio Quadros ganhou de Fernando Henrique, depois de este se ter sentado na cadeira de prefeito de São Paulo antes de terminada a apuração dos votos. Para um dos raros comícios na periferia - Jânio, ao lado da esposa, Eloá, preferia verberar contra bandidos e sonegadores em despojado programa eleitoral de TV - levou o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, que assim concluiu sua peroração palanqueira: "A grande causa do processo inflacionário é o déficit orçamentário". Após a fala, Jânio puxou Delfim de lado e cochichou: "Olhe para a cara daquele sujeito ali. O que você acha que ele entendeu de seu discurso? Ele não sabe o que é processo, não sabe o que é inflacionário, não sabe o que déficit e não tem a menor ideia do que seja orçamentário. Da próxima vez, diga assim: a causa da carestia é a roubalheira do governo".
O guru da economia, a quem todos hoje recorrem para explicar os sobressaltos que deixam interrogações no ar, passou a reservar seu economês para plateias mais acessíveis ao vocabulário de questões complexas.
O estilo Jânio marcou a história da expressão e do comportamento dos atores políticos. Ele foi o ícone da irreverência. Ponderável parcela da admiração que angariou em todas as faixas da população se deve ao "modo janista de ser", do qual se extraía um conjunto de valores, entre os quais o da autoridade. Jânio forjou uma linguagem política, composta pela imagem histriônica e adornada com trejeitos, olhares esbugalhados, roupas mal ajambradas, compassos e pausas que imprimiam força à fonética esganiçada de construções exóticas. Semântica e estética juntavam-se em apelativa performance que, aos olhos e ouvidos dos espectadores, chamava a atenção. Pois bem, puxando a linguagem janista para a atualidade, podemos concluir que petistas e tucanos também desenvolveram seu jeito de ser no campo da verbalização, o que explica a maior ou menor penetração e/ou rejeição de uns e outros na esfera dos conjuntos sociais.
O dicionário do PT tem um autor, Luiz Inácio Lula da Silva, responsável pelo que se pode designar como petês, o dialeto que ecoa bem no ouvido das massas. Já o PSDB criou uma enciclopédia, pontuada pelos dons sociológicos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e recitada por uma plêiade de especialistas, entre os quais economistas de alto coturno. Nela grupos esclarecidos da população têm acesso às mais interrogativas questões da conjuntura.
Por que vale a pena discorrer sobre as linguagens dos principais contendores do pleito deste ano? Pelo que representam no fatiamento eleitoral. Os modos tucano e petista de ser abrem a pista por onde decolarão os candidatos Aécio Neves e Dilma Rousseff. Cada qual usará o arcabouço de uma expressão elaborada ao longo de décadas e, hoje, responsável por projetar a imagem pública de seus partidos e integrantes. De pronto, convém observar: o principal desafio do PSDB é fazer chegar sua palavra aos habitantes da base da pirâmide social; em contraponto, o desafio do PT é convencer estratos médios sobre a propriedade de um falatório que, a par do tom popularesco, contém laivos (mesmo que atenuados) de luta de classes, pobres contra ricos.
Dentro de sua gramática, Lula embute o ideário petista. Diferente de Jânio (que foi professor de Português), Lula não capricha na sintaxe, preferindo mergulhar num oceano de analogias, comparações, causos, historinhas, platitudes e metáforas que, em sua voz rouca, soam como a "voz do povo". O que explica o fato de o "jeitão Lula de ser" não parecer demagógico? A legitimidade. Luiz Inácio saiu dos fundões para alçar ao patamar mais alto da política. Retirante nordestino, transformou-se em símbolo maior da dinâmica social no País. Suas tiradas podem ser toscas para certos ouvidos, mas as galeras das arquibancadas as aplaudem: "Já tomei tanta chibatada nesta vida que minhas costas estão mais grossas que casco de tartaruga. Não sejam apressados: uma jabuticabeira leva tempo pra dar jabuticaba, uma mulher demora nove meses para dar à luz. No Brasil, alguns comiam a massa e o chantili do bolo, mas, para a grande população, ficava aquele chumbinho de enfeite que colocam em cima do bolo". O verbo pouco refinado frequentou até reuniões como a do G-20: "Você não faz negociação com o pé na parede, na base do dá ou desce, existe uma negociação". Lula sabe que a lâmina de suas estocadas causa impacto.
Essa é a arma petista que o arsenal tucanês deverá enfrentar. Aécio Neves ou Eduardo Campos (que ainda não compôs um dicionário próprio) terão de fazer chegar ao povão matérias complexas como a crise na Petrobrás e conceitos como recuperação da capacidade de investimento, déficit fiscal, alavancagem da infraestrutura técnica, etc. Campos, por exemplo, sabe que se disser aos compatriotas que o Nordeste sofre de "desconforto hídrico temporário" (seca braba) acabará o discurso sob apupos. Neves carecerá mais que de boas aulas de experts tucanos para desvendar engrenagens como "redução compulsória do consumo de energia elétrica" (corte de energia), "retracionismo na empregabilidade" (desemprego) ou "compensação pecuniária às distribuidoras pelo déficit que enfrentam devido ao racionamento" (aumento de tarifas de energia).
E a presidente Dilma? Ora, ela se agasalha no abecedário lulista. Perfil técnico, não fica bem para ela desfiar o petês do guru. Basta a lábia dele para adoçar o coração das bordas sociais. O comando petista intuiu que os ditos usados e abusados por Lula condizem com ethos das massas, estabelecendo fronteiras com a "verbosidade" dos integrantes dos andares superiores. A guerra política do PT, portanto, se valerá da expressão das ruas para laçar a simpatia popular.
Como se pode constatar, veremos contundente disputa entre dois estilos, dois modos de descrever a realidade. Numa esquina a turba grita: "A porca torce o rabo". Na outra se ouve um grupo que prefere assim dizer: "A esposa do suíno contorce o tendão caudal".
JORNALISTA, PROFESSOR
TITULAR DA USP, É CONSULTOR
POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO TWITTER@GAUDTORQUATO