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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Censura totalitaria dos petralhas pretende calar simples economistas - Luiz Guilherme Medeiros

Luiz Guilherme Medeiros

Como disse em artigo prévio, 2014 começou a valer apenas no mês de junho. A euforia nacional, o ufanismo e a desilusão que a Copa trouxe já vieram e já se foram. Resta agora nos preparamos para o segundo momento-chave do ano, as eleições de Outubro. A partir de agora, o centro da discussão passará a ser cada vez mais aonde o Brasil se encontra de fato, e para onde queremos que ele siga.
O debate franco e aberto se faz necessário para alcançarmos algum consenso, e a diversidade de opinião, assim como a liberdade de expressa-la, são vitais nesse processo. 
Infelizmente, parece que nosso governo respeita mais as imagens que passam em suas belas propagandas do que o que é dito pela consciência dos brasileiros que vivem no Brasil de verdade.
Como exemplo temos o banco Santander, que tal como toda empresa, tem dois tipos de interesse vitais para sua sobrevivência: os seus e os dos seus clientes. A falha em zelar por eles é a certeza de sua ruína.
Sendo assim, é razoável considerar que uma recomendação do banco aos seus clientes tem como finalidade o benefício mútuo. Lógico, eles podem discordar e  ignora-la.
Existe também a possibilidade da recomendação ser fruto de um grupo que diverge da mentalidade da empresa, justificando o desligamento dele.
Vamos supor, então, que tanto os clientes rejeitam a recomendação como é razoável demitir a equipe responsável por ela.
Sob que base moral a Presidente da República pode intimidar indivíduos, atuando em empregos privados, numa empresa privada, classificando suas opiniões como "inadmissível"? Que legitimidade ela possui para ameaçar uma organização civil de que tomará uma "atitude bastante clara" em relação a ela?
frieza do comunicado divulgado pelo banco indica que ela está sendo realizada mais por temor ao Planalto que convicção do erro do consultor. Ainda que fosse o contrário, o banco não deve desculpa alguma. A conduta de seus empregados é problema seu. Não cabe ao Executivo julgar qual comentário é admissível ou não de ser feito sobre sua gestão.
Fora o fato de que Santander tem direito de se expressar, é absurdo que um banco cale seus funcionários por medo de retaliação governamental em pleno regime democrático, ainda mais quando existem informações públicas que mostram a relevância da recomendação aos seus clientes. Longe de ter sido feita de forma arbitrária ou irracional.
Quem melhor argumentou em favor desta recomendação não foi sequer o Santander, mas a outra empresa hostilizada nesta semana: a agência de consultoria Empiricus.
No relatório "O Fim do Brasil", disponível em texto e em vídeo, Felipe Miranda, um dos fundadores da empresa, demonstra a credibilidade das previsões da companhia e assegura que sua intenção não é aterrorizar o espectador, mas prepara-lo para o que está por vir. O que ele acha que acontecerá? O retorno de condições econômicas anteriores ao Plano Real em um futuro próximo. 
Para ser breve, resumo os dez argumentos principais do analista que indicam o desastre atual:
1- O crescimento do PIB no governo Dilma é o pior desde o governo Collor, que precedeu ao Real. Nas últimas duas décadas, jamais evoluímos tão pouco.
2- A inflação está persistentemente alta e acima do centro da meta. Estimativas apontam que ela ficará precisamente no teto de 6,5% em 2014, sendo elevado o risco de estoura-lo e ferir a credibilidade do Banco Central.
3- As contas públicas estão completamente desajustadas. O superávit primário médio do governo Dilma foi de 1,5% do PIB, enquanto o de Lula foi 3,1%. Os números não fecham, e o governo terá dificuldade em estabilizar a dívida bruta ou líquida. A solução será uma alta dos juros, comprometendo o orçamento familiar e o crédito.
4- O déficit em transações correntes vem crescendo sistematicamente e a níveis alarmantes. Estamos com baixas reservas de dólar, sendo que em 2015 l BC norte-americano elevará sua taxa de juros, resultando numa atração de recursos para os EUA. Vai faltar dólar no Brasil, e a alta do câmbio resultará em impactos sobre a inflação, importação e empresas com dívida em dólar.
5- O mercado de trabalho está enfraquecendo. O último mês de maio teve a pior criação líquida de postos de trabalho desde 1992. O desemprego só aparenta estar controlado porque as pessoas estão desistindo de procurar trabalho, não entrando assim nas porcentagens.
6- Análises do banco Brasil Plural apontam como matematicamente certo (100%) que teremos racionamento de energia este ano. O nível dos reservatórios chegará a 10%, mantendo o ritmo de hoje. A falta de planejamento e a desastrosa MP 579 resultaram de alterações nas regras do jogo do setor elétrico e quebra de contrato explícita no acordo de renovação automática da Cemig.
7- A Petrobrás foi destruída, com suas ações hoje valendo um terço do que valiam em 2010. A poupança do brasileiro está sendo afetada, visto que ocorre a aplicação do FGTS em ações da empresa. O controle do preço da gasolina acarreta em queimas de caixa, e hoje a Petrobrás apresenta a maior dívida corporativa do planeta.
8- A Eletrobrás também está em situação catastrófica, graças a já citada MP 579. Mas diferente da Cemig, ela aceitou projetos que implicavam retornos negativos para a estatal, graças aos interesses da União nesta medida. O resultado foi o derretimento de suas ações na Bolsa e o ultraje dos acionistas com o prejuízo deliberado que o governo permitiu sob o valor da empresa.
9- A indústria brasileira encolhe a cada dia. Nossa relação de investimento sobre o PIB em 2011 era maior que a de 2014. A participação dos produtos manufaturados nas exportações era maior em 2010 do que em 2013. Nossa participação nas exportações mundiais também encolheu no mesmo período.
10- O medo político existe. A liberdade de imprensa vem caindo nos últimos anos, e o partido do governo ter elaborado uma lista de opositores em seu site oficial não ajuda a melhorar as perspectivas. Um agravamento desta situação pode gerar evasão de capitais tanto de brasileros quanto estrangeiros, assim como emigração dos mesmos do país.
O artigo segue em apresentar os problemas das medidas econômicas heterodoxas do governo Dilma, o abandono do tripé econômico, a intervenção estatal na economia, negligência e maquiagem das contas públicas. 
A Empiricus mostrou claramente porque acredita que a reeleição de Dilma iria trazer prejuízo para o Brasil, o Santander e outros economistas também.
Qual foi a reação do PT e o resto da coligação da Presidente? Dizer que a empresa estava fazendo terrorismo econômico com o relatório e suas matérias, dotadas de conteúdo propagandístico favorável à oposição. A Justiça acatou a denúncia e ordenou ao Google que retirasse todas as peças de publicidade da Empiricus do ar. 

A liderança petista parece acreditar de forma firme que a sociedade civil só deve falar o que lhes agrada. A liberdade de expressão tem este nome porque não é controlada pelo capricho de burocratas.
A solução do partido é adotar o ''nós contra eles''  de sempre, o discurso batido de que apenas o PT se importa com as famílias de renda baixa, a despeito da economia brasileira estar ficando para trás em vários quesitos quando comparada à outros países latino-americanos. A negação da realidade é o primeiro passo para a repressão parecer uma solução sedutora. A consciência de que a conduta do governo atual é catastrófica se faz necessária. Entre o fracasso certo e a chance de sucesso, é melhor se arriscar.


Noticias do Mercosul: boquiaberto

Literalmente sem palavras...
E precisa?

O apagao moral da diplomacia companheira - Revista Veja

Crime de Putin? Azar das vítimas / Sangue em Gaza? Culpa só de Israel

Leonardo Coutinho e Tatiana Gianini
Revista Veja, 26/07/2014

O apagão moral da política externa de Brasília se revela pela indignação seletiva: silêncio total ou estridência sobre atrocidades depende de ideologia, não de princípios universais consagrados

A diplomacia e o direito de imprimir dinheiro são prerrogativas do governo. Nenhum cidadão pode fabricar as próprias cédulas ou ter uma política externa individual em que decida declarar guerra contra outra nação ou favorecer uma em detrimento de outra. O cidadão, porém, pode exigir que o governo se comporte nesses campos em que detém o monopólio decisório à maneira de seu médico ou seu advogado. Ou seja, que cuide da saúde da moeda e da adequação da política externa como um representante informado e capaz de seus mais preciosos interesses. Quando um governante pauta a diplomacia não pelo interesse nacional, mas por sua ideologia particular ou de seu grupo político, ele está agindo como um médico ou advogado que ignora o juramento de usar seu conhecimento e técnica pelo bem do paciente ou cliente. A diplomacia brasileira sob o petismo vem cometendo exatamente esse tipo de desvio de conduta. Age com solene desprezo pelo interesse nacional brasileiro, em benefício da ideologia torta do partido no poder.
Esse apagão moral na política externa brasileira foi demonstrado em sua plenitude na semana passada, com o silêncio total sobre o crime do Boeing cometido pela Rússia, seguido do ataque a Israel, vítima preferencial do terrorismo, cercado por inimigos que consideram ilegítima sua própria existência e pregam abertamente que o país seja varrido do mapa. Enquanto isso, somava-se à iníqua política de indignação seletiva do governo brasileiro a vergonhosa subserviência oficial a Raúl Castro, ditador cubano que por alguns dias se instalou em Brasília como se fosse o dono da casa. São situações que demonstram a falência moral da política externa de Dilma Rousseff — uma das deformações que herdou do lulismo e que cuidou de amplificar.
Dilma está confundindo o interesse partidário com realismo e pragmatismo, dois pilares de uma diplomacia respeitada por outras nações. Ignorar o crime de guerra de Putin na Ucrânia e agir com estridência descabida e unilateralismo contra Israel é uma dubiedade moral inaceitável e uma traição às melhores tradições diplomáticas brasileiras, que sempre nos colocaram ao lado da paz, da amenização de conflitos e da democracia — não da ditadura ou do terrorismo.
Na batalha moral com o filósofo Jean-Paul Sartre, que preferiu compactuar com os horrores cometidos pelo soviético Josef Stalin, o escritor argelino Albert Camus rompeu os laços com o amigo para preservar a sua estatura ética. Em uma análise de um conflito em seu país natal, em 1956, disse: "Quaisquer que sejam as origens antigas e profundas da tragédia argelina, um fato permanece: nenhuma causa justifica a morte de inocentes". Já depois da II Guerra, o mundo começou a caminhar para considerar que a ocorrência de vítimas humanas em conflitos, independentemente do país a que pertenciam ou dos argumentos usados, deveria ser igualmente condenável. Nos rituais diplomáticos, a reação passou a vir em notas de condolência, em que os governos lamentam as tragédias, fossem elas de causas naturais ou humanas. Nos últimos dias, o mundo tem assistido a uma porção delas.
Em Gaza, os ataques do governo israelense contra o grupo terrorista Hamas produziram em torno de 800 mortos desde o início do mês. Mais de trinta israelenses morreram, ou por terem sido atingidos por foguetes do Hamas, ou por entrarem em combate direto com os terroristas. Há duas semanas, no leste da Ucrânia, 298 pessoas que estavam a bordo do voo MH17, da Malaysia Airlines, perderam a vida depois que um míssil lançado por separatistas, apoiados pela Rússia, acertou o Boeing 777. Surpreendentemente, esses eventos têm merecido atenção diferenciada do governo brasileiro. Os ataques de Israel foram condenados pelo Itamaraty como uso "desproporcional da força", enquanto não se fez nada em relação às vítimas dos separatistas na Ucrânia. A vida de alguns inocentes pode ser mais importante que a de outros? Pela moralidade do governo brasileiro, sim. Se os assassinos nutrem a mesma linha ideológica, não há nada a ser dito. Caso a proximidade seja com as vítimas, então o reproche é total. Na semana passada, a dubiedade brasileira foi criticada pelo porta-voz da chancelaria israelense Yigal Palmor (veja a entrevista nas págs. 66 e 67), para quem o Brasil não passa de um anão diplomático.
As palavras de Palmor foram uma resposta a uma nota do Itamaraty. Na quarta-feira 23, o órgão responsável pelas relações internacionais divulgou um texto condenando a ação de Israel na Faixa de Gaza (veja a matéria na pág. 74). O texto omitiu os ataques dos terroristas do Hamas. "O Brasil só se posiciona contra Israel porque existe o antissemitismo implícito em políticas de alguns grupos de esquerda, mas não condena a Líbia, o Irã, a Síria, a Turquia. É a conivência com o terror. Em alguns casos, com o Hamas", diz o filósofo Denis Rosenfield. Chanceler de fato do Brasil, o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia (o chanceler de direito chama-se Luiz Alberto Figueiredo e há uma foto dele na página 72), foi quem deu o tom da diplomacia. "O que estamos assistindo no Oriente Médio, pelo amor de Deus, é um genocídio, é um massacre", disse ele. O Brasil convocou o embaixador em Israel, o que na liturgia diplomática significa o grau mais fraco de insatisfação em uma escala em que o mais forte é o rompimento de relações.
A omissão sobre a queda do avião com 298 pessoas a bordo na Ucrânia tem outra natureza. Suas raízes estariam no antiamericanismo, que passou a dominar as relações exteriores desde o mandato do presidente Lula. Ao afastar-se da democracia mais consolidada do mundo, o Brasil se aproximou das piores autocracias do planeta, de ditadores e de genocidas. Entre eles está o presidente russo Vladimir Putin. O míssil supersônico que abateu o Boeing 777 da Malaysia Airlines partiu de uma bateria antiaérea de fabricação russa operada por paramilitares apoiados pelo governo de Putin. Quando soube da queda da aeronave, na quinta-feira 17, a presidente Dilma Rousseff pediu prudência àqueles que culpavam a Rússia pelo atentado e insinuou, repetindo a estapafúrdia propaganda de Moscou, que poderia se tratar de um ataque contra o seu camarada russo. A morte de quase 300 pessoas inocentes passou em branco.
Outro traço do antiamericanismo tem sido o apoio irrestrito à ditadura cubana. Na mesma quinta-feira em que Dilmadefendia Putin, o ditador cubano Raúl Castro foi pilhado no comando da Granja do Torto, uma das residências oficiais destinadas ao uso exclusivo do presidente da República — do Brasil, para que não restem dúvidas. Raúl dispensou os servidores brasileiros e os substituiu por cubanos. Em vez de usar a Embaixada de Cuba para despachar, transformou as dependências da Granja do Torto em Brasília na sua "embaixada pessoal". Recebeu o colega boliviano Evo Morales, com quem fechou uma parceria para a construção de uma fábrica de sucos de frutas na Bolívia. Em seguida, recebeu o presidente colombiano Juan Manuel Santos para tratar dos acordos de paz entre o governo e os terroristas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que têm sido realizados em Havana. Dilma disse que a cortesia foi um gesto de reciprocidade. "Se alguém tem preconceito com Cuba, que não misture o preconceito com essas relações que são relações diplomáticas de alto nível", disse Dilma, que jamais se hospedou nas várias casas que os irmãos Castro possuem na ilha (em todas as visitas oficiais ao país caribenho ela se instalou no hotel Meliá Cohiba). Nos três primeiros anos de governo, ela recebeu 21 chefes de Estado, um terço do que ocorreu com no mesmo período. Avessa à política internacional, Dilma transformou o Itamaraty em um órgão que funciona sob demanda do Planalto. "Nossa diplomacia tem se caracterizado por uma ausência de rumos claros", diz o embaixador José Botafogo Gonçalves. Pode ser, mas Putin, o ditador Castro e os terroristas do Hamas estão muito satisfeitos.

Antiamericanismo idiota dos companheiros - Editorial O Globo

O antiamericanismo da diplomacia petista
Em 12 anos de petismo, a diplomacia profissional foi substituída pela tosca militância ideológica do partido no poder. Faz-se de tudo para contrariar a política externa norte-americana. Editorial do jornal O Globo:

Diplomacia partidarizada sob encomenda
Editorial O Globo, 29/2014

A política externa é uma das que mais foram alteradas desde que o PT chegou ao Planalto, em janeiro de 2003. Ficou visível que o Itamaraty como instituição deixou de ter peso nas decisões, ao mesmo tempo em que uma visão de mundo condicionada por um nacionalismo de esquerda, antiamericanista, do pós-guerra, passou a ser preponderante. Foram engavetadas características da diplomacia profissional: a busca pelo equilíbrio, a não intervenção em crises políticas de outros países, o bom relacionamento com americanos e europeus, sem se afastar do mundo emergente.

O curioso é que onde se esperavam alterações de fundo, na política econômica, nada aconteceu. E ainda bem, porque foi a manutenção de princípios da administração tucana que evitou o descarrilamento da economia, atingida por uma séria crise de confiança causada pela perspectiva de chegada do próprio PT ao poder. Consta que, para manter as fileiras petistas unidas, a política externa foi cedida, em contrapartida, às frações mais à esquerda do partido.

E no momento observa-se mais um surto de esquerdização da diplomacia, quando o Planalto necessita de um PT unido, às vésperas da que deverá ser a mais árdua batalha eleitoral que o partido enfrentará, desde a vitória de Lula, em 2002.

O último sintoma do surto foi a decisão do governo Dilma de convocar o embaixador em Tel Aviv , Henrique Sardinha, “para consultas", devido ao “uso desproporcional da força” por parte de Israel em Gaza. Havia formas menos estridentes de comunicar o justificável mal-estar com as mortes de civis em Gaza — mas também sem deixar de registrar a contrariedade com os constantes ataques de foguetes feitos pelo Hamas contra cidades israelenses, incluindo, agora, Tel Aviv.

A atitude gerou a resposta, também desequilibrado, da chancelaria israelense, com o uso do deplorável termo “anão diplomático” para qualificar o Brasil. O ministro das Relação Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, embaixador de carreira, respondeu dentro dos códigos da atividade, enquanto Marco Aurélio Garcia, assessor especial da presidência, militante petista, uma espécie de ministro das Relações Exteriores “do b", manteve o nível do porta-voz israelense, classificando-o de “sub do sub do sub do sub do sub” — copiando o ex-presidente Lula na resposta a um comentário de autoridade americana de que não gostou.

Mais uma prova de que os profissionais da diplomacia estão em segundo plano é a tíbia posição brasileira diante do ataque ao jato comercial por grupos de rebeldes ucranianos apoiados pela Rússia de Putin, outro aliado preferencial do Planalto. O avião, malaio; o míssil, russo. Morreram 298 pessoas.

O governo evita qualquer condenação à Rússia e faz o mesmo com a Síria de Assad, ditador já com mais de 150 mil mortos na biografia. O conceito é simples: faz-se tudo aquilo que contraria a política externa americana. Parece birra, mas há quem considere eficaz para conseguir votos.

Os neobolcheviques totalitarios nao admitem sair pelas urnas - Guilhonde Albuquerque

O professor José Augusto Guilhon Albuquerque observa, em artigo publicado no Estadão, que o petismo volta à senda radical que o caracterizava antes da posse de Lula, em 2003. Diante das manobras do Partido Totalitário, a alternância pacífica de poder corre perigo:

Estamos presenciando a recaída de nosso pretenso partido hegemônico, o PT, na radicalização. Não resta dúvida de que Lula está radicalizando, o PT também está e Dilma está aos poucos cedendo às pressões para radicalizar. O que resta é a questão de saber por quê. Dúvida pouco relevante nas eleições de 1982, 1989, 1994 e 1998, quando Lula foi derrotado por causa do caráter radical de seu programa.
Já a vitória de Lula em 2002 deveu-se a fatores que amainaram as aparências mais radicais da campanha. Primeiro foi a substituição de seu programa por uma "carta de princípios" que comprometia um futuro governo petista com o Estado Democrático de Direito e, sobretudo, com a manutenção da política econômica até então vigente.
Segundo, a adoção de um estilo de comunicação e um novo discurso acomodatício, de uma personalidade inteiramente nova, com expressão corporal e vestuário "executivo" - tudo diametralmente oposto ao estilo raivoso e confrontacional do passado. E, terceiro, a aliança "pragmática" com seus adversários ideológicos mais opostos, inclusive ícones do regime autoritário e donos dos currais eleitorais mais atrasados do País.
Ninguém precisou se enganar. A esquerda petista não precisava ser enganada porque entendeu o compromisso como sendo apenas uma diversão tática para chegar ao poder e, em seguida, assumir a hegemonia e impor seu programa aos aliados incômodos, às elites dominantes e às classes médias alienadas. Após as eleições de 2002, todas as bandeiras do partido continuaram vigentes, com parte da linguagem mais radical substituída por eufemismos.
As chamadas raposas e os "picaretas" também não se enganaram, porque confiavam em sua lendária capacidade para manipular o jogo parlamentar e os corações e mentes da classe dirigente em proveito próprio. Com isso, esperavam lucrar duplamente, primeiro, barrando as iniciativas inconvenientes do governo, seja as mais audaciosas agressões às instituições vigentes, seja as ameaças aos interesses vitais da maioria ou de setores relevantes da classe política. Em segundo lugar, tornando-se livres para chafurdar sem pejo no lodaçal da República, convenientemente rebatizado de "governança".
Seria a quintessência da aliança espúria, o perfeito win-win game, o jogo em que todos ganham mais do que perdem, com exceção do povo. Afinal, o PT teve de ceder quase todos os anéis, mas ficaram os dedos com os quais por 12 longos anos tem-se aferrado ao poder com todas as suas pompas e todas as suas glórias. E nem todos os anéis se foram. Eles retornam intermitentemente em pronunciamentos oficiais e oficiosos do PT e de suas organizações paragovernamentais.
Percebe-se hoje a insatisfação generalizada que corrói até a medula o pacto pelo imobilismo e a mediocridade que mantém a "governabilidade" da aliança lulo-dilmista. E pela razão muito simples de que talvez, mais ainda do que o povo, os stakeholders da aliança são precisamente os mais insatisfeitos.
O PT está insatisfeito porque, ao fim de 12 anos de tão ardentemente esperada hegemonia, muito pouco ou quase nada se concretizou dos esperados atributos de um partido hegemônico. O monopólio da "direção intelectual e moral" da sociedade, o controle da luta ideológica por meio da submissão da imprensa, a subordinação dos demais poderes e a conquista de prerrogativas supraconstitucionais para o partido vêm sendo, a cada revés, adiados para os "amanhãs que cantam".
Do outro lado, os "picaretas" e as raposas também estão insatisfeitos, porque receberam os anéis, mas não podem ostentá-los nem foram convidados ao baile. Recolhem do butim as migalhas, mas se sentem permanentemente ameaçados - e traídos - pela ganância hegemônica do PT. Sua participação no poder serve para limitar as perdas, mas não os exime de ceder às chantagens e compartilhar a culpa pelos fracassos do governo e a impopularidade que daí resulta.
A popularidade vinha mantendo essa aliança dos insatisfeitos. Mas a insatisfação do PT só era contida pela certeza da reeleição. Sem ela, os amanhãs que cantam não seriam apenas adiados para o próximo quadriênio, mas sine die.
A insatisfação da classe política, do empresariado, das classes dirigentes em geral, já não é contida pela falta de alternativas atribuída à inevitabilidade do continuísmo. A alternativa agora é possível: por que, então, as classes dirigentes optariam pelo suicídio?
Se a radicalização e o clima polarizado que ela implica levaram no passado à derrota eleitoral, e se a alternativa de uma coalizão dos insatisfeitos está fazendo água, então essa radicalização não seria para evitar a derrota, mas para evitar a ameaça da alternância no poder. A radicalização do PT não seria um erro tático, mas uma estratégia deliberada para conquistar sua almejada hegemonia fora das urnas e apesar delas.
Como? Criando um clima conflagrado que contrapõe a legitimidade das ruas à legalidade das instituições; impondo o controle "social" à pura e simples liberdade de pensamento e de expressão; concitando a convocação de assembleias constituintes oportunistas para submeter a Carta a maiorias de ocasião; dissolvendo no dia a dia o direito à propriedade individual para satisfazer os interesses dos militantes organizados; invocando a liberdade de manifestação como desculpa para agredir a liberdade de ir e vir, o patrimônio e até a integridade física das pessoas. O resultado seriam eleições tumultuadas, pondo em risco uma transição pacífica de governo.
A posse de Lula marcou a primeira alternância real entre elites no poder depois do período autoritário, como demonstra Leôncio Martins Rodrigues em suas pesquisas recentes. Resta saber se a atual elite governante e seu partido dominante acatarão o veredicto das urnas e a alternância entre elites no poder que daí deverá decorrer: será o teste de fogo para a democracia brasileira.

Companheiros totalitarios e a arte de atirar nos proprios pés - Merval Pereira

Artigo de Merval Pereira, publicado no jornal O Globo, analisa o autoritarismo e o intervencionismo crescentes do governo Dilma, desesperado diante da indocilidade do mercado e da alternativa de poder:


Concordo com a presidente Dilma, que classificou ontem o que está acontecendo no mercado financeiro de inadmissível e lamentável , mas tenho a visão oposta à dela: o que é inaceitável é um governo, qualquer governo, interferir em uma empresa privada impedindo que ela expresse sua opinião sobre a situação econômica do país. Sobretudo uma instituição financeira, que tem a obrigação de orientar clientes para que invistam seu dinheiro da maneira mais rentável ou segura possível.

Numa democracia capitalista como a nossa, que ainda não é um capitalismo de Estado como o chinês - embora muitos dos que estão no governo sonhem com esse dia -, acusar um banco ou uma financeira de terrorismo eleitoral , por fazerem uma ligação óbvia entre a reeleição da presidente Dilma e dificuldades na economia, é, isso sim, exercer uma pressão indevida sobre instituições privadas.

Daqui a pouco vão impedir o Banco Central de divulgar a pesquisa Focus, que reúne os grandes bancos na previsão de crescimento da economia, pois a cada dia a média das análises indica sua redução, agora abaixo de 1% este ano.

Outro dia, escrevi uma coluna sobre a influência da economia nos resultados eleitorais, e o incômodo que a alta cúpula petista sentia ao ver análises sobre a correspondência entre os resultados das pesquisas eleitorais e os movimentos da Bolsa de Valores: quando Dilma cai, a Bolsa sobe.

Essa constatação, fácil de fazer e presente em todo o noticiário político do país nos últimos dias, ganhou ares de conspiração contra a candidatura governista e gerou intervenções de maneiras variadas do setor público no privado. O Banco Santander foi forçado a pedir desculpas pela análise enviada a investidores sugerindo que prestassem atenção às pesquisas eleitorais, pois, se a presidente Dilma estancasse a queda de sua popularidade ou a recuperasse, os efeitos imediatos seriam a queda da Bolsa e a desvalorização cambial. E vice-versa.

O presidente do PT, Rui Falcão, já havia demonstrado que o partido governista não se contenta com um pedido de desculpas formal, como classificou a presidente Dilma: A informação que deram é que estão demitindo todo o setor que foi responsável pela produção do texto. Inclusive gente de cima. E estão procurando uma maneira de resgatar o que fizeram . Ontem, na sabatina do UOL, a presidente Dilma disse, em tom ameaçador, que terá uma conversa com o CEO do Banco Santander.

Mas não foi apenas o Banco Santander que sofreu esse assédio moral por parte do governo. Também a consultoria de investimentos Empiricus Research foi acusada pelo PT de campanha eleitoral em favor do candidato oposicionista Aécio Neves, tendo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acatado o pedido para que fossem retirados do Google Ads anúncios bem-humorados do tipo Como se proteger de Dilma e E se Aécio ganhar .

Justamente é este o ponto. A cada demonstração de autoritarismo e intervencionismo governamental, mais o mercado financeiro rejeita uma reeleição da presidente Dilma, prepara-se para enfrentá-la ou comemora a possibilidade de que não se realize. Isso acontece simplesmente porque o mercado é essencialmente um instrumento da democracia, como transmissor de informações e expressão da opinião pública.

Atitudes como as que vêm se sucedendo, na tentativa de controlar o pensamento e a ação de investidores, só reforçam a ideia de que este é um governo que não tem a cultura da iniciativa privada, e não lida bem com pensamentos divergentes, vendo em qualquer crítica ou mesmo análise uma conspiração de inimigos que devem ser derrotados.

Um dos sócios da consultoria Empiricus Research, Felipe Miranda, afirmou em entrevistas que não se intimidará, e fez uma constatação óbvia. O que já vínhamos falando aos nossos clientes sobre a gestão do governo e a condução da política econômica só piorou com esse cerceamento.

Finaceirizacao, French Style - Delanceyplace



Os nossos keynesianos de botequim, em especial os economistas esquizofrênicos do PT (que talvez não merecem a classificação de economistas) adoram (no sentido de detestam) a palavra e o conceito (por eles inventado, com a ajuda de outros da mesma tribo) de "financeirização".
Para eles se trata da preeminência indevida, exagerada, perversa, indesejada, do setor financeiro-bancário no conjunto da economia, tomando o lugar do setor clássico no marxismo que eles adoram, mesmo detestando: o setor produtivo.
Até parece que uma conspiração de banqueiros tomou de assalto o poder político e toda a economia para sugar todos os demais setores, ocupando espaços sobre e em detrimento do que eles mais gostam/detestam: aquele estalinismo industrial que fazia o grosso da massa de manobra dos partidos comunistas e dos sindicatos leninistas.
Eles nunca desconfiaram que quem criou, alimentou, assegurou a preeminência e garantiu os gordos lucros dos "financistas" foram os próprios soberanos, e continua sendo o Estado superdimensionado que eles fortalecem e engrandecem.
Aqui abaixo, uma história da ascensão dos amigos/inimigos dos totalitários em sua vertente francesa.
Paulo Roberto de Almeida

Today's selection -- from How Paris Became Paris by Joan DeJean. The first gigantic modern fortunes in Paris originated in the early 1600s not with the profits of commerce or industry but from high finance. These financiers arose through the profligacy of the king -- both in his wars (the army grew from 40,000 soldiers to 400,000) and his lifestyle. The sheer magnitude of the king's needs meant that the bankers of Paris displaced the famed bankers of Florence as the most important in Europe: 

"In the word financier's inaugural appearance in English, in the 1652The State of France, John Evelyn explained the workings of 'the king's revenue' and described 'the great Financiers who suck the very blood of the French people.'

"For the first time, Europeans could use words invented with the objective of classifying individuals according to their financial status and of singling out persons of new wealth. Such individuals had existed before but evidently not in sufficient numbers for a society to bestow official linguistic recognition on the phenomenon. And whereas previously, in European cities such as Venice and Amsterdam, most recent wealth had been accumulated through trade and the overseas trade in particular, the parvenus of seventeenth-century Paris had amassed their fortunes by dealing not in goods but solely in money.

"The emergence of the financier began in about 1600, when the French monarchy first encountered fiscal problems that have ever since plagued the modern state. 


"Prior to the seventeenth century and early in that century, the French state lived mostly within its means: Henri IV even built up a small surplus (Adam Smith claimed he was one of the last rulers ever to do so). Then, during the first quarter of the century, spending began to outstrip revenue. As a result, the bankers, especially Italians, who had ruled over the finances of all European nations in the sixteenth century gradually ceased to play a preeminent role in France. The individuals then known as bankers dealt in foreign currency exchange and transferred funds throughout Europe. When, for example, a monarch had to pay soldiers stationed on foreign soil, he would call on a banker. But once French monarchs began to spend on a previously unheard-of scale, the need for another type of financial agent became evident. Lyon, formerly the nucleus for French finance because of its association with Italian bankers, thus lost its centrality. And by the 1630s Paris -- home to the financiers, the new financial agents on whom the crown increasingly depended -- had become the country's uncontested finance hub.

"Whereas in the sixteenth century the French monarchy's revenue had remained stable, in the range of eight to twenty million livresannually, during the first half of the seventeenth century this situation changed dramatically. Between 1590 and 1622, for example, revenue rose from about eighteen million livres to an estimated fifty million a year; by 1653, the total had grown to roughly 109 million, and it stayed well over a hundred million throughout Louis XIV's reign. This meant that the French monarchy had access to resources that vastly outstripped those of its major European rivals. A noted eighteenth-century economist estimated that during Louis XIV's reign France's revenue was four times greater than England's and nearly three times superior to that of the Dutch Republic.

"Relatively little of that was spent on keeping up appearances: between 1600 and 1656, court expenses rose only from three millionlivres to six million. However, whereas in 1600 court expenses accounted for thirty-one percent of the budget, in 1656 they represented only seven percent. During that half-century, the cost of war changed the face of French finance.

"France was at war with foreign enemies for sixty of the years between 1615 and 1715; it was torn by civil war for another five. In addition, Europeans had begun to wage war on a scale without precedent. The Thirty Years' War (1618- 48), the War of the Grand Alliance or of the League of Augsburg (1688-97), and the War of the Spanish Succession (1701-14) made armed conflict more costly than ever before. As a result, the French military machine never ceased growing. Whereas, for example, in the 1590s the French royal army was only forty thousand strong, less than a century later Louis XIV maintained a force of about four hundred thousand. Since France's main rivals, England and Holland, were maritime powers and the French had no navy to speak of, the country spent on a colossal scale to acquire one: in 1661 its entire 'fleet' consisted of eighteen near wrecks, but soon one hundred and twenty vessels sailed under French colors.

"Such transformations were possible because those in charge of the finances of France had begun to follow a logic later presented by Adam Smith as 'the necessity of contracting debt in times of war': 'An immediate and great expense ... will not wait for the gradual and slow returns of new taxes. In this exigency government can have no other resource but in borrowing.'

"The French government's bookkeeping divided expenses into 'ordinary' (court expenses) and 'extraordinary.' Due to the rising cost of war, between 1600 and 1656, extraordinary expenses ballooned-from just seven million livres to over a hundred million. When budget deficits began to surge, the state began to borrow as never before and thus had recourse to a type of financial agent who surfaced in the late sixteenth century: the financier.

"The original financiers signed traités, tax or loan contracts, with the crown; they also bought, sometimes at auctions organized by the crown, charges or offices that made them part of a private fiscal administration with close ties to the government, an administration that vastly expanded in size in the course of the seventeenth century. In return, they acquired the right to collect a new tax or import or export duty from which they guaranteed the government a fixed income -- and from which they were allowed to retain a sizeable share of the profits. Contract terms varied with supply and demand, but financiers always lent money at a cost far above the official rate of between five and eight percent. At moments when a war was going badly and the monarchy's need was therefore most pressing and money most scarce, a rate of twenty-five percent became standard -- hence the steady rise in 'extraordinary' expenses, a category that included the interest on loans.

"Tax contracts were especially useful to the crown because the deal was closed and money changed hands very quickly. Contracts for five hundred thousand livres were soon common; many involved far larger amounts. Naturally, few financial agents were able to deal for such stakes: it's likely that, at any moment in the century, fewer than a hundred individuals virtually controlled the financial fate of France. As the monarchy became ever more dependent on credit because its needs were growing, that number shrank. And thus it was that the first gigantic modern fortunes in Paris originated not with the profits of commerce or industry but from high finance."


How Paris Became Paris: The Invention of the Modern City
Author: Joan DeJean 
Publisher: Bloomsbury USA
Copyright 2014 by Joan DeJean
Pages: 173-175

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O nanismo diplomatico desta vez no Mercosul - Rolf Kuntz


O fiasco do Mercosul e a diplomacia de banquinho

Foi uma semana dura para a diplomacia brasileira e revoltante para os anões. Na quinta-feira, o governo de Israel ofendeu os baixinhos de todo o mundo ao descrever o Brasil como um anão diplomático. Três dias antes o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, havia cobrado, em tom quase paternal, mais empenho de Brasília para a conclusão do acordo comercial do Mercosul com o bloco europeu. Os dois fatos evidenciaram, mais uma vez, a desmoralização e a falência da política externa brasileira, tanto na área comercial quanto na geopolítica. O fato coberto com maior destaque foi o bate-boca entre funcionários de Brasília e de Tel-Aviv, mas os dois episódios são partes da mesma história.
Anões, ao contrário da atual diplomacia brasileira, inaugurada em 2003, podem ser inteligentes, eficientes, equilibrados e relevantes. Outros governos têm pressionado o de Israel e cobrado a suspensão ou moderação dos ataques à Faixa de Gaza, mas nenhum deles pagou o mico de se explicar e de responder em tom quase meigo a um porta-voz de chancelaria. A explicação oferecida: o Brasil criticou apenas a violência “desproporcional” de Israel, sem contestar seu direito de defesa. A resposta complementar: o Brasil mantém relações diplomáticas com todos os membros da ONU e, portanto, se houver algum anão, será outro país. A explicação e a réplica foram apresentadas pelo chanceler Luiz Alberto Figueiredo. Polidamente, ele se absteve de mostrar a língua e de chamar de feio o funcionário israelense.
Ator relevante age com clareza e se dispensa de explicações. A manifestação brasileira nesse caso, como em muitos outros, confirmou a inépcia da orientação formulada no Palácio do Planalto e seguida no outrora respeitado Itamaraty. Esse amadorismo, inspirado num terceiro-mundismo requentado e rejeitado por emergentes de respeito, tem-se evidenciado também na diplomacia comercial.
O Brasil é a maior economia da América Latina, mas seu governo é incapaz de desemperrar a negociação entre o Mercosul e os europeus. “A mim me parece um bocadinho absurdo que a União Europeia tenha acordos de livre-comércio com praticamente o mundo inteiro e não tenha com o Brasil”, disse na segunda-feira o presidente da Comissão Europeia.
Por que “um bocadinho absurdo”? Para entender, basta pensar no tamanho da economia brasileira. Esse detalhe foi mencionado também pelo funcionário israelense. Ele qualificou o Brasil como gigante econômico, antes de chamá-lo, por contraste, de anão diplomático. Um contraste semelhante esteve implícito, mesmo com boa intenção, no comentário de Durão Barroso.
Absurdo, mesmo, é um país do tamanho do Brasil ter uma diplomacia subordinada aos interesses chinfrins da aliança entre o petismo, o kirchnerismo e o bolivarianismo
O presidente da Comissão Europeia foi até generoso. Teria sido menos gentil se tivesse ido mais fundo na avaliação do impasse. Absurdo, mesmo, é um país do tamanho do Brasil ter uma diplomacia subordinada aos interesses chinfrins da aliança entre o petismo, o kirchnerismo e o bolivarianismo.
Comandado por essa aliança, o Mercosul deu prioridade aos chamados acordos Sul-Sul, em geral com parceiros de pouca importância comercial. A aproximação com a Palestina é um marco notável dessa política. O livre-comércio regional com participação dos Estados Unidos foi recusado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner. Nos anos seguintes, outros governos sul-americanos negociaram com Washington, sem o Mercosul, pactos comerciais. Nem sequer com o México, uma das economias mais importantes do hemisfério, foram tentadas negociações ambiciosas. Não se foi além de um limitado pacto de complementação.
Com a recente formação da Aliança do Pacífico (Chile, Peru, Colômbia e México), foi evidenciada mais uma vez a estagnação diplomática do Mercosul. Os dois blocos poderiam, talvez, promover uma integração. Mas só se os países do Mercosul se tornarem mais abertos, disse em janeiro o presidente do México, Enrique Peña Nieto. Quanto à negociação com a União Europeia, iniciada nos anos 1990, continua emperrada e sem perspectiva de avanço neste ano. O Mercosul permanece incapaz, principalmente por causa da resistência argentina, de apresentar suas ofertas para avaliação e discussão.
Enquanto isso, europeus e americanos negociam o pacto transatlântico e tentam novos entendimentos com outros parceiros. Asiáticos buscam aproximação com todo o mundo. A União Europeia se amplia e países da vizinhança desfrutam comércio favorecido com o bloco. A nova trama de concessões bilaterais e inter-regionais cresce e torna-se mais complexa, enquanto os líderes da Organização Mundial do Comércio (OMC) tentam reanimar e revalorizar a Rodada Doha.
Nesse quadro, a posição do Brasil e de seus parceiros do Mercosul se torna cada vez mais desvantajosa. A diplomacia comercial brasileira escolheu como prioridades, há mais de dez anos, a Rodada Doha, multilateral, e a aproximação com países emergentes e em desenvolvimento. O baile promovido pela OMC, a grande rodada multilateral, continua quase paralisado. Sem ingresso para os outros bailes – as dezenas de acordos parciais -, o Brasil tem de continuar no sereno, espiando as festas de fora.
Muitos empresários brasileiros aceitam sem aparente dificuldade a diplomacia comercial anã. Mostram-se mais interessados no protecionismo, parte importante dessa política, do que em conquistar mercados. Outra parte do empresariado reclama oportunidades comerciais mais amplas.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) cobrou do governo mais de uma vez, nos últimos dois anos, empenho maior na busca de acordos bilaterais e inter-regionais. Será impossível atender a essa demanda sem chacoalhar o Mercosul. No limite, restará trocar o status de união aduaneira pela condição, menos ambiciosa e menos limitadora, de zona de livre-comércio. Antes disso, falta o governo abandonar as fantasias terceiro-mundistas e semibolivarianas e redescobrir a noção de interesse nacional.
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/7/2014




SOBRE ROLF KUNTZ


Rolf Kuntz

Rolf Kuntz é professor titular de Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP) e colunista de economia do jornal “O Estado de S. Paulo”. É autor dos livros "François Quesnay: economia" (Atica, 1984), da coleção Grandes Cientistas Sociais, e "Qual o futuro dos direitos? Estado, mercado e justiça na reestruturação capitalista" (Max Limonad, 2002). Kuntz é mestre e doutor em Filosofia pela USP. Tem interesse especial pela obra de David Hume, Jean-Jacques Rousseau, John Locke e Adam Smith.