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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Politica externa: retreating to the Bunker; from Davos to La Paz

Dilma desiste de participar do Fórum Econômico Mundial

Em Brasília, a presidente Dilma Rousseff recebe cumprimentos do presidente da Bolívia, Evo Morales, Palácio do Planalto, após tomar posse no seu segundo mandato à frente da Presidência da República

Dilma Rousseff e o presidente da Bolívia, Evo Morales (Alan Marques/Folhapress)

Veja, 12/01/2015

A presidente Dilma Rousseff desistiu de viajar à Suíça para participar do Fórum Econômico Mundial, em Davos, que ocorre entre os dias 20 e 24 de janeiro. Em 2014, a presidente aproveitou sua primeira ida ao evento para tentar convencer líderes empresariais e políticos de que o Brasil estava de "braços abertos" ao investimento estrangeiro. Não convenceu muito.

Leia também: TCU responsabiliza o Tesouro por pedaladas fiscais

Diante da piora dos indicadores econômicos e do pessimismo externo em relação ao Brasil, o momento atual seria oportuno para a presidente batalhar o voto de confiança dos investidores em Davos, já que se trata de um novo mandato, com uma nova equipe econômica. Mas a presidente, tudo indica, deverá trocar a Suíça pela Bolívia, para assistir à posse do reeleito Evo Morales. Ainda não está confirmado que a presidente mandará alguém em seu lugar. Joaquim Levy é um dos possíveis representantes. Mas a ida do ministro não foi confirmada pelo Ministério da Fazenda.

Itamaraty: o novo chanceler e o Itamaraty - Denise Chrispim Marin

Itamaraty: o novo chanceler
Ex-embaixador na Argentina e nos EUA, Vieira é saída de Dilma para não magoar Lula

Denise Chrispim Marin
O Estado de S. Paulo, 12/01/2015

Em doses suaves, novo chanceler tentará revalorizar Itamaraty
Do novo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, não se espera mudanças abruptas, dizem antigos colaboradores

Ao se sentar na cadeira do Barão de Rio Branco, fundador da diplomacia do Brasil republicano, o embaixador Mauro Vieira enfrentará a agenda interna mais pesada para o Ministério das Relações Exteriores nos últimos 20 anos. Habituado ao trabalho nos bastidores e à sombra das principais autoridades da casa, Vieira não encontrará maior desafio do que convencer a presidente Dilma Rousseff a observar o Itamaraty com apreço e a listar a política externa brasileira entre as prioridades de seu segundo mandato.

De seu gabinete, Vieira não desencadeará mudanças abruptas na política externa nem confrontos com seus pares no exterior ou na Esplanada. Nada será abandonado – como a política Sul-Sul – e tudo será considerado – como a retomada das relações entre Brasil e Estados Unidos –, avisam seus antigos colaboradores. Dele não se ouvirá declarações agressivas nem manifestações de irritação ou atitudes revanchistas. A mudança, se houver, se dará em doses suaves.

O Itamaraty tradicionalmente reflete a personalidade do chanceler. Sob a liderança de Vieira, parecerá mergulhado em águas mornas, enquanto o novo ministro e seus principais auxiliares atuarão silenciosamente nos bastidores do governo e no exterior. Um velho observador de sua carreira o define como um “peixe de águas profundas”.

Não à toa, Vieira escolheu dois colaboradores diretos de sua total confiança e de ampla aceitação pela casa. O embaixador Sérgio Danese, um dos mais experientes e preparados de sua geração, será o secretário-geral das Relações Exteriores – segundo cargo da hierarquia do Itamaraty. O chefe de gabinete de Vieira será o embaixador Júlio Bitelli, que atuou na equipe que escrevia os discursos de Fernando Henrique Cardoso no Palácio do Planalto e, mais tarde, na de Marco Aurélio Garcia, assessor internacional de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff.

Danese e Bitelli trabalharam com Vieira na Embaixada do Brasil em Buenos Aires. Nos últimos anos, Danese conduzia a Subsecretaria das Comunidades Brasileiras no Exterior, e Bitelli era embaixador em Tunis (Tunísia). O trio terá a missão de recuperar o orçamento do Itamaraty neste período de ajuste nas contas públicas.

Celso Lafer, ex-chanceler de FHC e de Itamar Franco, sublinha ser Mauro Vieira um diplomata experiente, com bom conhecimento da casa, e ter vindo do comando das duas mais importantes embaixadas brasileiras – Buenos Aires, de 2004 a 2010, e Washington, de 2010 ao fim de 2014. “Mauro conhece os ambientes político, social e econômico do País, o que é um ativo importante para o reposicionamento e a valorização do Itamaraty.”

Surpresa. Dilma surpreendeu todos os implicados diretamente na escolha de seu chanceler em 31 de dezembro, véspera da posse de seu segundo mandato. O então ministro Luiz Alberto Figueiredo esperava permanecer no posto, mas foi frustrado apenas 30 minutos antes do anúncio oficial do nome de Vieira. O ministro da Defesa, Celso Amorim, contava com uma recondução à cadeira de Rio Branco, com as bênçãos de Lula, e não escondeu sua decepção na cerimônia de transmissão do cargo, no dia 2.

Mauro Vieira, por sua vez, aspirava o posto de Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais desde 2003, que não pretendia continuar no governo no segundo mandato de Dilma. Ao ser chamado a Brasília, no dia 31, deduziu que sua missão seria acompanhar o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, representante de seu governo na posse. Mas foi nomeado chanceler.

A decisão de Dilma, na leitura de um embaixador experiente, revelou sua habilidade para descartar a sugestão do ex-presidente Lula sem desapontá-lo totalmente. Nem ao favorito do líder petista. Vieira é tido em alta conta por ambos.

O chanceler é leal amigo de Amorim há mais de 30 anos. Em 1985, quando foi designado secretário executivo adjunto do Ministério de Ciência e Tecnologia, Vieira resgatou Amorim do ostracismo ao sugerir seu nome ao então ministro da pasta, Renato Archer. Amorim assumiu o posto de secretário de Assuntos Internacionais, no qual se manteve até 1988. Em 2003, ao ser nomeado chanceler pela segunda vez – a primeira fora com Itamar Franco –, Amorim designou Vieira como chefe de gabinete, mesmo depois de ele ter exercido a mesma função com os embaixadores Osmar Chohfi e Luiz Felipe Seixas Corrêa, os últimos secretários-gerais das Relações Exterior do governo FHC.

O ex-chanceler também foi o responsável pela nomeação de Vieira como embaixador em Buenos Aires – decisão avalizada por Lula. Ao ver abortado seu projeto de continuar no posto no primeiro mandato de Dilma, no fim de 2010, Amorim indicou Vieira para Washington. O posto estaria vago com a designação do embaixador Antônio Patriota para o comando do Itamaraty. Na época, a permanência de Vieira na capital americana foi avaliada como temporária. Vieira e Patriota não tinham um convívio fácil. O embaixador, porém, assumiu essa posição estratégica por quatro anos.

Garcia ficou no governo e deverá manter sua influência na formulação de políticas para a América Latina. Mas caberá a Vieira conciliar a sobrevivência do Mercosul à necessidade, destacada por Dilma em seu discurso de posse, de ampliar a inserção comercial do Brasil. Ele dificilmente se chocará com Garcia nessa tarefa. O assessor de Dilma foi uma das autoridades petistas cativadas pelo chanceler: era seu hóspede frequente quando embaixador na Argentina.

Tanto em Brasília como em Buenos Aires e em Washington, Vieira valeu-se do que mais soube fazer ao longo de sua carreira: cativar figuras relevantes para sua atuação e montar uma rede de contatos de primeira qualidade.

Na capital argentina, tornou-se interlocutor frequente do casal Kirchner e dos governadores de províncias – todas visitadas por ele. Em Washington, teve o mesmo cuidado de explorar os contatos com governadores estaduais e em circular pelo Capitólio.

Sua atuação nos EUA, porém, foi prejudicada pelo desinteresse da presidente no aprofundamento das relações bilaterais. “O desempenho de Mauro Vieira refletiu a política brasileira sobre os EUA, desinteressada em maior cooperação e em projetos conjuntos”, afirmou Peter Hakim, presidente honorário do Diálogo Interamericano. “É mais fácil ser um Rubens Barbosa no governo de FHC do que um Vieira no governo de Dilma”, completou, referindo-se ao embaixador brasileiro em Washington entre 1999 e 2004, gestão que deu prioridade à política externa.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Petrobras = Corrupcao; Corrupcao = Petrobras; Sempre assim?

Por que será que toda notícia associada à Petrobras, nos últimos tempos, só se refere a casos de corrupção, desvios, roubalheira, fraudes, irregularidades?
Deve ser a estação do ano...
Paulo Roberto de Almeida

Petrobras gasta R$ 59 bilhões em obras com empresas paralelas, diz jornal
Valor foi investido por estatal desde 2005 por meio de rede de empresas paralelas criadas para executar obras de porte sem se submeter à fiscalização de órgãos de controle, como o TCU e a CGU. Tribunal de Contas da União adverte para “expansão descontrolada” desse modelo.

Petrobras nega criação de empresas para burlar fiscalização do TCU
Estatal nega ter montado “rede de empresas” paralelas e diz que modelo citado em reportagem do jornal O Globo é exitoso desde 1999.

CGU tentou limitar punições de empreiteiras da Lava Jato a multas
Segundo reportagem de O Globo, sugestão foi rechaçada pelo Ministério Público Federal. Governo alega que empresas podem quebrar e causar problemas na economia do país se forem proibidas de contratar com o poder público

Petrobras pressiona empreiteiras por confissão e ressarcimento
Estatal cobra de 23 empresas acusadas de atuar em cartel que reparem prejuízo causado, admitam responsabilidade e colaborem com as investigações para retomarem contratos com a companhia, mostra o Estadão.

Lava Jato: empreiteiro preso diz que PT está “preocupadíssimo”
Em manuscrito, dono da UTC Engenharia tenta associar doações de campanha à petista a esquema na Petrobras e afirma que irregularidades na diretoria de Abastecimento são “fichinha” perto de desvios em outras áreas da companhia.

O Bolivarianismo e a diplomacia grupal - Renato Marques

A propósito da recente reunião do Focalal (Foro de Coordenação entre a Ásia e a América Latina) realizada em Beijing, o embaixador Renato Marques formulou observações em correspondência a amigos, que reproduzo a seguir, com sua autorização.
Paulo Roberto de Almeida 

Bolivar e a diplomacia grupal
 
As críticas pertinentes sobre a "diplomacia grupal" que hoje predomina no País (de que é exemplo nossa inclusão no comboio que acaba de visitar a China, em busca de financiamentos e favores do novo Império) me levam a divulgar algumas pérolas do pensamento bolivariano, que une a todo o grupo.

Esse pequeno levantamento é oportuno na medida em que o Brasil tornou-se hoje um grande satélite bolivariano, em que pese o contraditório que possa parecer nossa adesão a essa ideologia. Não apenas porque nos diminui politicamente e porque se dá ao arrepio das desconfianças que o próprio Bolívar então nutria pelo Império (no caso, o dos Orleans e  Bragança, visto como expansionista e aliado das monarquias europeias, de que a América Espanhola se libertava).

Hoje corremos o risco de realizar o sonho de Bolívar, não só de ressuscitar (e nos incorporarmos) à Grande Colômbia, mas também de erodirmos a solidez das instituições democráticas (que ele desprezava).
Não por acaso, o novo profeta que o PT vai impondo nos discursos e nos manuais escolares, admitia, em seu Manifesto de Cartagena, que "as instituições totalmente representativas não convêm a nosso caráter, nossos costumes e nosso saber atual" ("atual" que não deve estar muito distante do de hoje).

Bolívar adotou abertamente a ditadura e a centralização (ao contrário da democracia e do federalismo, como destaca Niall Ferguson). "Nossos concidadãos", diz Bolívar, "não estão capacitados a exercer plenamente seus direitos porque lhes faltam as virtudes políticas que caracterizam os verdadeiros republicanos" (algo que certamente não faltava a Bolívar, disposto a exercê-los em nome dos incultos).

Coerentemente, afirma "estar convencido até a medula que a América não pode ser dirigida a não ser por um déspota esclarecido".
Pela mesma lógica, no dito Manifesto, pondera que "não podemos nos permitir colocar as leis acima dos chefes nem os princípios acima dos homens".
Sua incorporação dos negros, mulatos e índios às forças libertadoras se deu via promessas incumpridas, como única forma de vencer as resistências e desconfianças que nutriam pelos "criollos" (e não por convicções raciais).

Em carta escrita em seus últimos dias, antes de morrer de tuberculose, em dezembro de 1830, fez um "testamento político" no qual proclama que:

"reinou vinte anos durante os quais alcançou algumas certezas:

1) a América (do Sul)  é ingovernável por nós;

2) os que se põem a serviço de uma revolução aram o mar;

3) a única coisa que se pode fazer na América é emigrar;

4) este país cairá inelutavelmente nas mãos de massas libertárias e passará logo depois, sem perceber, às mãos de pequenos tiranos, de todas as cores e raças;

5) quando tivermos terminado de cometer todos os crimes imagináveis e de nos matarmos entre nós, com grande ferocidade, os europeus perderão até mesmo o interesse de nos conquistar;

6) se alguma região do mundo é candidata a retomar o caos primitivo, está será a América na sua derradeira hora".


O Bolívar que frequenta imponente, em bronze e em espírito, os corredores do Palácio Itamaraty mereceria ser melhor estudado e mais lido, antes de nos enrolarmos em sua bandeira e de nos engajarmos em sua ideologia.
A Venezuela é emblemática desse risco.

Renato L. R. Marques

domingo, 11 de janeiro de 2015

Alguem tem alguma ilusao de que algo mudara'? - Mansueto Almeida

O que o Mansueto diz da política econômica - com o que concordo inteiramente, e eu até iria mais longe -- eu reafirmo, em dobro, para a política política, ou seja, em relação às instituições que estão sendo desmanteladas em favor do projeto totalitário do partido neobolchevique que tomou o poder de assalto e dele não entende se separar...
Acham que eu sou muito radical?
Como diria Marti: eu conheço as entranhas do monstro...
Nem Hobbes tinha imaginado algo igual...
Paulo Roberto de Almeida

O fim do patrimonialismo? Tolice.

Confesso que fiquei surpreendido quando um amigo me ligou para bater papo e foi taxativo: “você viu? O governo e o PT mudaram. O Joaquim falou que vai terminar com o patrimonialismo que tanto criticávamos e com a relação promiscua entre Estado e setor privado. Acabou a politica dos amigos do rei”.

É louvável a intenção do nosso ministro da fazenda de combater o patrimonialismo. Há apenas um pequeno grande problema: nos últimos 12 anos no poder, o PT reforçou essas práticas de patrimonialismo, por convicção que, por exemplo, política industrial e forte intervenção do Estado na economia são positivas para o crescimento do país. Não foi um erro de percurso, mas convicção de um modelo.

Mas o resultado não foi estagnação da produtividade, baixo crescimento e inflação elevada? Sim, mas as mesmas pessoas que defendem o modelo de forte intervenção do Estado na economia acreditam que, o que deu errado nessa estratégia, não foi o “modelo em si”, mas os excessos e os efeitos inesperados da crise mundial.

Um dos maiores defensores da política do Estado forte na economia e de intervenções setoriais é, por exemplo, o ministro chefe da casa civil, Aloízio Mercadante. Ele foi um dos que concordavam com a proposta fracassada de aumentar investimentos da Foxconn no Brasil e tornar o Brasil um grande produtor de Iphones e Ipads.

Outros acadêmicos tradicionalmente ligados ao PT, como o atual presidente da FINEP, Glauco Arbix, continua com a convicção do papel chave do Estado para promover mudanças estruturais da economia. Em maio deste ano, Glauco Arbix escreveu na Folha de São Paulo (Chega de saudades – clique aqui) artigo no qual criticava veementemente outro escrito no mesmo jornal por Armínio Fraga e Marcos Lisboa (Hora de mudar o foco – clique aqui).

O engraçado é que a mensagem do artigo de Armínio Fraga e Marcos Lisboa é muito parecida com a mensagem do novo ministro da fazenda, Joaquim Levy, no seu discurso de posse. Armínio e Marcos escreveram:

 “Políticas de desenvolvimento baseadas em proteção, subsídios e incentivos a setores selecionados resultam no estabelecimento formal e informal de grupos de interesse, que dependem da sua manutenção. Esses grupos tendem a dificultar reformas que beneficiem a sociedade como um todo. No caso da política econômica, essa dificuldade é ainda maior pela impossibilidade do contrafactual, ou seja, aquilo que poderia ter ocorrido caso a escolha tivesse sido outra.”

Mas Glauco Arbix e João De Negri, ambos da FINEP e no espectro mais moderado entre os defensores da política industrial, começam o seu artigo defendendo a tese que:

“Desde o lançamento da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, em 2004, os esforços do governo brasileiro se voltam a acelerar o crescimento e elevar a produtividade. Embora a trajetória não seja linear e isenta de escorregões, só uma dose de má vontade e forte visão ideológica poderia justificar a superficialidade do artigo “Hora de mudar o foco” (Arminio Fraga e Marcos Lisboa, 25/5). O foco das políticas já mudou. E faz mais de 11 anos.”

 Mesmo na visão de dois técnicos moderados como são Glauco Arbix e João De Negri, a mensagem que políticas setoriais e intervenção do Estado na economia é prejudicial encontra resistência, que os autores qualificam como “visão ideológica”.

Desconfio que mesmo o atual Ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, não seja totalmente contrário as políticas de estímulos setoriais. Nelson sempre deixou claro para seus interlocutores que ele criticava os excessos do governo Dilma I, mas nunca escutei do Nelson Barbosa, acadêmico, qualquer critica veemente na linha do que Joaquim Levy fez do patrimonialismo.

Na minha modesta opinião, seria muito simplista alguém achar que agora há alguma evidência empírica incontestável que levará o atual governo mudar sua concepção de política de desenvolvimento.

Por enquanto, o mais provável é que o ajuste fiscal que o governo busca seja, na cabeça da presidente e de seus amigos mais próximos, o meio para retomar o intervencionismo do Estado na economia para promover mudanças estruturais e o crescimento da economia. Eles não fazem isso por maldade, mas porque acreditam em um modelo que, mesmo nos dias de hoje, ainda é motivo de fortes debates no meio acadêmico com defensores e críticos.

Se você quer entender como o  “governo pensa”, olhe para as pessoas que participam do governo. E pela minha métrica, Joaquim Levy e Afonso Arinos são excelentes economistas em uma briga desigual, onde prevalecem pessoas que continuam acreditando na forte intervenção do Estado na economia e que entendem que criticas a esse modelo intervencionista seriam, como escreveram o presidente e o diretor da FINEP: “…uma dose de má vontade e forte visão ideológica”.

Será que a nossa presidente anunciará o fim do Plano Brasil Maior, a busca de uma maior abertura da economia e redução da proteção tarifária? Dito de outra forma, você acredita que o PT fará uma proposta de fusão com o PSDB?

É muita inocência alguém acreditar que evidência empírica leva a convergência de políticas. Se fosse verdade, há anos o Partido Democrata e o Republicano nos EUA seriam o mesmo.

Perspectivas do liberalismo na America Latina - Ricardo Velez-Rodrigues (1998)

Um texto do grande professor brasileiro de origem colombiana, dotado de excepcional cultura filosófica e histórica -- ambos, ele e o seu texto - e que permanece basicamente atual em suas perguntas principais e em seus argumentos conceituais, a despeito de ser de 1998.
O que muda são simples aspectos conjunturais de evolução política e de políticas econômicas em diversos países -- na Venezuela, por exemplo, para infinitamente pior -- que não desmentem as premissas fundamentais do ensaio.
Valeria a pena retomar a análise, com os dados evolutivos de conjuntura e analíticos dos últimos16 anos, em especial em relação aos globalizadores assumidos, aos reticentes e aos bolivarianos.
Em todo caso, boa leitura e boas reflexões...
Paulo Roberto de Almeida
Perspectivas do Liberalismo na América Latina  (1998)
Amigos, gostaria de compartir com vocês um texto de minha autoria, de 1998, que em aspectos essenciais mantém plena validade.

Quando se discute acerca das perspectivas do liberalismo no nosso continente, uma dúvida nos assalta: será que esta ideologia tem vez, face à longa história de absolutismo, de caudilhismo, de clientelismo, em suma de autoritarismo, que sempre acompanhou a transposição e consolidação do Estado patrimonial nas Américas espanhola e portuguesa?

Lembro-me, a respeito, de um fato acontecido no decorrer da reunião da Sociedade Mont Pélérin, realizada no Rio de Janeiro, no Hotel Sheraton, em setembro de 1993. Tinha sido programado, como prato forte do encontro, um painel com representantes do Chile, Argentina, México, Brasil e Espanha, com a finalidade de discutir a viabilidade das políticas econômicas neo-liberais nos países ibero-americanos. O debate dava a impressão de que os novos ventos liberalizantes tinham de vez modificado a pesada atmosfera autoritária, centralizadora e intervencionista que constituiu, desde as nossas origens, o ar que respiramos. O liberalismo econômico reinava agora, soberano, no México (recentemente guindado à categoria ontológica de parceiro do Primeiro Mundo, enquanto pertencente ao NAFTA), no Chile, na Argentina, para não falar na Espanha, onde a inserção na Comunidade Econômica Européia acelerou os mecanismos da desregulamentação econômica. O patinho feio da história era ainda o Brasil pré-Real. O representante brasileiro no painel, Persio Arida, limitou-se a esboçar as intenções liberalizantes do governo, face à inflação quase-galopante.

Foram endereçadas diversas perguntas da platéia aos panelistas, indagando acerca da forma em que eles interpretavam essa repentina liberalização no meio ibero-americano. Mas o ambiente ficou tenso quando meu amigo, o embaixador José Osvaldo de Meira Penna, com esse seu ar jovem de espadachim libertário, colocou à sisuda mesa a seguinte questão, cujos termos foram mais ou menos estes: "Vejo que os senhores se apresentam, neste debate, como porta-vozes do liberalismo, em países que até ontem professavam políticas nitidamente autoritárias. Os senhores defendem hoje modelos sócio-econômicos que foram concebidos e postos em prática pelo general Pinochet, no Chile, pelos tecnocratas do PRI mexicano e pelo até há pouco caudilho justicialista Carlos Menem. Intenções liberalizantes são defendidas pelo representante do Brasil, país cujo governo legisla mediante um expediente autoritário chamado de medida provisória. Caberia indagar acerca da índole liberal de reformas conduzidas num contexto autoritário, como o descrito nos exemplos mencionados".

O meu amigo terminou a sua provocadora questão com mais uma espetada na já aflita mesa: "Não esqueçamos que a modernização capitalista da economia espanhola, de que hoje se gaba o senhor Felipe González, foi concebida e posta em marcha pelo generalíssimo Franco, quem aliás preocupou-se também com os mínimos detalhes da formação do então Príncipe de Astúrias, o hoje Rei Juan Carlos, que se tornaria o fiel da balança da abertura democrática na Espanha, no episódio do golpe frustrado de Tejero Molina e na negociação do Pacto de la Moncloa, no final dos anos 70".

Não me lembro em que termos os panelistas responderam à pergunta do embaixador Meira Penna. Só sei que, a essa altura, o arrazoado mercadológico hayekiano, que inspirava o evento, ficou curto. O meu propósito, ao citar o fato relatado, era colocar novamente a questão formulada pelo embaixador, pois ela é muito útil, como dúvida metódica cartesiana que nos ajude a refletir sobre as possibilidades do liberalismo no continente latino-americano.

Poderiamos reformular a indagação de Meira Penna nestes termos: parece que pouco tem a dizer o liberalismo num contexto, como o ibero-americano, cujos modelos modernizadores deitam raízes no despotismo esclarecido de Pombal, de Carlos III da Espanha, de Franco, da ditadura científica do PRI, da burocracia bismarkiana de Pinochet, do estatismo tecnocrático castilhista-getuliano, do caudilhismo peronista. Hoje poderíamos adicionar à lista dos modelitos despótico-esclarecidos que acabamos de mencionar, o correspondente ao presidencialismo autoritário de Fujimori, que tantas simpatias tem despertado em círculos políticos e empresariais brasileiros.

Oliveira Vianna, aliás, já tinha colocado a questão, ao considerar que o processo modernizador concretizar-se-ia, entre nós, não pelo caminho do laissez-fairismo, mas a partir de uma instância disciplinadora do secular "complexo de clã" latino-americano. É uma técnica reformista que Oliveira Vianna [1974a; 1974b] caracterizou como a implantação, pelo Estado, do "individualismo grupalista", mediante um processo educativo das elites e que Wanderley Guilherme dos Santos [1978] identifica com a democratização gradual e progressiva, controlada pelo Estado, a fim de consolidar uma participação política cada vez maior da sociedade. Essa metodologia foi denominada por Wanderley Guilherme de "autoritarismo instrumental".

Embora possamos, à luz da nossa tradição patrimonialista, questionar a viabilidade do liberalismo na América Latina, o fato é que os países do continente, queiramos ou não, estão experimentando um real processo liberalizante. Aplicando o princípio escolástico de que ab esse ad posse valet illatio (é logicamente válido passar do ser ao poder ser), seria uma infantilidade duvidar da possibilidade do liberalismo no meio latino-americano. Se o processo de liberalização das nossas economias e das instituições é um fato em andamento, a questão inicial muda de figura e ficaria assim, formulada em duas perguntas correlatas: em primeiro lugar, como foi possível que países de tradição autoritária e patrimonialista sofressem mudanças em direção à economia de mercado e da liberalização das suas instituições? Em segundo lugar, quais são as perspectivas de sucesso desse processo liberalizante?

Tentemos responder, mesmo que sumariamente, a essas questões. Antes, porém, devemos levar em consideração dois fatos: primeiro, que o liberalismo é um processo multi-polar, que abrange três grandes variáveis: econômica, política e cultural. Segundo, que as mudanças nas organizações sociais obedecem a processos que podem ser exógenos, e não necessariamente de tipo endógeno, como lembra Nisbet [1984: 5-11].

Ampliemos um pouco este segundo fato, já que acerca do primeiro vamos tratar mais adiante. Na América Latina encontramos duas grandes influências exógenas: de um lado, as guerras de independência da América espanhola, ao longo do século XIX, que aceleraram a entrada das idéias liberais e revolucionárias. Essa influência também se tornou presente no Brasil no movimento inconfidente, na agitação que acompanhou a Independência de Portugal, nos movimentos revolucionários do século XIX, bem como nas lutas ocorridas na bacia do Prata e no Paraguai. De outro lado, a crescente influência da economia mundial sobre o meio latino-americano, bem como das comunicações, no atual processo de globalização.

Essas influências exógenas provocam sérias transformações nas sociedades comandadas por poderes de tipo patriarcal e clânico (como eram as sociedades latino-americanas no início do século XIX). Vale a pena citar as palavras que Edward Jenks [apud Nisbet, 1984: 6] escreveu a respeito: "Uma sociedade que desencoraja a competição pessoal, que age só indiretamente sobre a massa de seus membros, que se recusa a admitir sangue novo, que é uma organização de tempos de paz, não constitui máquina de guerra. Onde (...) existem territórios praticamente sem fronteiras, nos quais as poucas comunicações possam manter-se sem interferência por parte de rivais mais poderosos, o sistema de clã talvez dure indefinidamente. Entretanto, tão logo a pressão começa a atuar, sua fraqueza se torna evidente (...). Os desastres do clã fazem com que surja um chefe militar, com sua turma de seguidores, escolhidos exclusivamente em virtude de sua dedicação e de sua capacidade militar. Afinal, na luta o principal é lutar bem".

A influência que as guerras exerciam no passado na abertura das sociedades clânicas, passou a ser exercida, de forma preponderante, pelas comunicações e pelas trocas comerciais no presente século. É inegável o papel de modificador de atitudes, valores e comportamentos que tanto o mercado quanto o vasto emaranhado das comunicações exercem nas sociedades contemporâneas. A realidade da Internet cria chats de consumidores e internautas que trocam experiências, opiniões, lazer, etc., e rapidamente modifica antigos pontos de vista. Está por ser quantificado ainda o impacto desse tipo de comunicação global nas expectativas econômicas e nas relações políticas e culturais. Mas não há dúvida de que essa rede mundial gera novos hábitos de consumo, novas demandas políticas e inovadoras expectativas culturais. Lembremos que na derrubada do mundo comunista, em 1989, a agência Interfax teve um papel importantíssimo na veiculação das idéias e das reivindicações dos dissidentes. O que não dizer hoje da comunicação instantânea via Internet?

De forma semelhante, as aberturas comerciais modificam rapidamente hábitos arcaicos. A prova mais evidente a temos aqui, no Brasil, nas mudanças de comportamento dos consumidores no período pós-Real. As pessoas começaram a planejar as suas vidas a partir de um novo tipo de antecipações racionais, diferentes das costumeiras coices intervencionistas da "mula sem cabeça" de que falava Betinho. O consumidor brasileiro vai, aos poucos, se pautando pelas leis do mercado e não pelos caprichos do Leviatã com ares de empresário.

Mas voltemos às questões que tinhamos colocado: em primeiro lugar, como foi possível que países de tradição autoritária e patrimonialista sofressem mudanças em direção à economia de mercado e da liberalização das suas instituições? Em segundo lugar, quais são as perspectivas de sucesso desse processo liberalizante?

Responderemos a essas questões, referindo-nos às três variáveis apontadas no processo de liberalização latino-americano: econômica, política e cultural.

Aspecto econômico.- Não há dúvida de que o processo de globalização da economia mundial, que constitui o clima deste final de milênio, foi imposto pelos países industrializados, notadamente pelos Estados Unidos, mediante a Organização Mundial de Comércio, a partir dos anos 80. Lembremos que no final da reunião do GATT em Genebra, em 1982, face à obstrução apresentada pelo Brasil e pela Índia, o então representante de Comércio dos Estados Unidos, William Brock, frisou que o governo de Reagan não iria permitir que países que representavam menos de 5% do comércio mundial emperrassem a iniciativa norte-americana de uma nova rodada global de negociações. O representante americano destacou, ainda, que face a essa obstrução, Washington desenvolveria a sua política de comércio mundial por conta própria. 

"Nos dois anos seguintes, frisa Paulo Marques [1997: 135], os Estados Unidos atacaram em duas frentes. Por um lado, negociaram acordos de livre comércio com dois de seus aliados mais próximos, Israel e o Canadá. O tratado com o Canadá serviria de base, mais tarde, para o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), que incluiria o México. Paralelamente, o governo americano muniu-se dos instrumentos de ação unilateral  - como a seção 301, acrescentada em 1984 à lei de comércio -  para forçar as nações recalcitrantes a caminhar na direção desejada, ameaçando-as e, em alguns casos, punindo-as com sanções comerciais. O desejo de preservar posições no mercado americano  - o maior, mais cobiçado e, na sua média, mais aberto entre as nações industrializadas -  e, ao mesmo tempo, diluir o poder dos mais fortes, mantendo as negociações das regras do comércio internacional num foro multilateral, logo convenceu a todos sobre os méritos de uma reforma ampla do GATT. Washington conseguiu o que queria. Em dezembro de 1986, começaram em Punta del Este as negociações da Rodada Uruguai". 

A classe dirigente brasileira, (à semelhança da de outros países latino-americanos) compreendeu muito bem o que se estava passando e apoiou em 1989 o projeto de abertura econômica iniciado pelo governo Collor [cf. Marques, 1997: 136]. Mas esse processo de liberalização econômica que implica abertura ao mercado mundial, estímulo à livre iniciativa e à produtividade, diminuição do tamanho do Estado e controle do gasto público, não tem sido fácil nos países latino-americanos, tradicionalmente caudatários do anacrônico modelo de Estado-empresário e do vício patrimonialista de privatização deste por clãs e estamentos privilegiados.

Em que pese a dificuldade apontada, o processo de liberalização econômica, ao nosso modo de ver, tem dado mais certo ali onde se juntaram as seguintes variáveis: baixo nível de analfabetismo, razoável cultura política e um certo grau de desenvolvimento da empresa capitalista. Chile e Argentina situar-se-iam à testa do processo, seguidos por países de significativo peso econômico, mas ainda atrelados ao paquidermismo do Estado patrimonial-estamental (como México e Brasil). Seguiriam depois países que, embora tivessem feito um notável esforço de abertura econômica, encontram hoje sérios obstáculos, em decorrência de variáveis negativas como a narco-economia (Colômbia), ou as exageradas e anacrônicas expectativas sociais face a um welfare statedecorrente da indústria petroleira (Venezuela).

A liderança do processo de liberalização econômica latino-americana situar-se-ia, assim, no Mercosul. É lógico que para garantir essa liderança seria necessário agilizar a dinâmica econômica do bloco regional, partindo para uma política de integração agrícola, por enquanto praticamente inexistente [cf. Camargo Neto, 1997: 13] e adotando uma atitude de maior flexibilidade e realismo, abandonando práticas excessivamente defensivas, como as que tem caracterizado a participação brasileira no GATT [cf. Marques, 1997: 135-136].

No nosso caso, como frisa Paulo Marques [1997: 136], "para se ter éxito no novo jogo global regulamentado pela Organização Mundial de Comércio, já não basta ter diplomatas e técnicos talentosos e experimentados para atuar nas várias tarefas do sistema multilateral. É preciso tê-los em número suficiente. É essencial, também, ter cacife para negociar, ou seja, uma economia estável e eficiente; um parque produtivo tecnologicamente atualizado, com mão de obra bem treinada, capaz de oferecer bens e serviços competitivos no mercado internacional; empresários e um corpo de especialistas em comércio, nas universidades e em think tanks, com talento e agilidade para analisar tendências, identificar oportunidades e explorar novos mercados; uma boa articulação entre governo, empresários e sindicatos; e uma estrutura institucional apetrechada para cumprir duas tarefas simultâneas: a promoção das exportações e a defesa do país, dentro das regras do jogo, contra práticas desleais de parceiros comerciais. O Plano Real e a política econômica da atual administração representam uma resposta positiva e corajosa a esses desafios. Mas a verdade é que, tendo se atrasado no processo de reformas, o país é hoje vulnerável em quase todas as frentes do comércio global (...)". A recente derrota do governo na Reforma Administrativa, que permitiria sanear o rombo causado pela gastança com o funcionalismo dos Estados, é mais uma prova do atraso mencionado.

Aspectos político e cultural.-Com o fracasso do comunismo, tornado visível a partir da queda do Muro de Berlim em 1989, os países latino-americanos deixaram de receber a pesada carga de propaganda ideológica soviética e o auxílio comunista aos movimentos guerrilheiros. Esses fatores tinham radicalizado e polarizado o debate político na segunda pós-guerra, o que terminou justificando, como reação, os governos autoritários que se espalharam ao longo do Continente, nas décadas de 60 e 70. A queda do Muro e o fortalecimento das políticas liberal-conservadoras nos Estados Unidos e na Inglaterra, ao longo dos anos 80, deram ensejo ao renascimento das idéias liberais nos países latino-americanos e à institucionalização de Estados de direito. Uma a uma as ditaduras foram sendo substituídas por governos democraticamente eleitos. Quais seriam as alternativas de sucesso do processo liberalizante das estruturas políticas na América Latina?

Samuel Huntington, na sua obra intitulada A terceira onda [1991; cf. Paim, Vélez, Macedo, 1997: 93-99] dá os fundamentos que permitiriam elaborar uma resposta à indagação anterior. Considera que a democracia define-se a partir de três variáveis: fontes da autoridade para o exercício do poder, objetos perseguidos pelos governos e processo de constituição dos mesmos. O professor Huntington elaborou, em primeiro lugar, uma tipologia histórica das ondas ou momentos percorridos pelo processo democratizador no mundo. Houve, a seu modo de ver, três ondas: a primeira, de início da experiência democrática, abarca o período compreendido entre 1828 e 1942. Essa primeira onda teve dois momentos: um de crescimento, até 1926 (nesse ano, de 64 nações independentes, 24 eram democráticas, número equivalente a 45,3%); outro momento de retração, entre 1926 e 1942 (as nações independentes reduziram-se a 61, das quais apenas 12, equivalentes ao 19,7%, preservaram o sistema democrático).

A segunda onda cogitada pelo professor Huntington corresponde à etapa de consolidação da experiência democrática e abarca o período compreendido entre 1943 e 1974. Devido à derrocada dos sistemas coloniais, o número de Estados chegava a 111 em 1962, passando as nações democráticas a 36 (número correspondente ao 32,4%). Houve neste período, à semelhança do anterior, também uma reversão nas democracias entre 1958 e 1975: em 1973, para 122 Estados existentes, havia apenas 30 democracias (correspondentes ao 24,6%).

A terceira onda, contemporânea, caracteriza-se pelo novo surto de democratização experimentado pelo mundo a partir de 1974. Em 1990, as nações democráticas chegam a 58 (30,2% do total), tendo se elevado o número de Estados a 192.

Qual a posição dos países latino-americanos face a essas 3 ondas de democratização? Huntington os arrola em quatro grandes grupos: em primeiro lugar, países que participam dos dois ciclos (democratização e reversão) da primeira onda. Situar-se-iam aqui Argentina, Brasil, Peru, Bolívia e Equador. Não há neles, considera o autor, propriamente uma alternância de sistemas políticos. O seu sistema político consistiria precisamente na incapacidade de consolidar a democracia.

Em segundo lugar estariam, no sentir de Huntington, os países que se inseriram no processo de democratização dos sistemas políticos da primeira onda e não lograram sustentá-lo. Porém, na segunda onda chegaram a ser bem sucedidos. Este seria o caso da Colômbia e da Venezuela.

Em terceiro lugar, Huntington coloca os países que sofreram a interrupção da democracia depois de tê-la conseguido estabilizar por grandes períodos (como é o caso, por exemplo, de Uruguai e Chile).

Em quarto lugar, o autor situa os países que realizaram a transição direta de sistemas autoritários estáveis para democracias (como é o caso, por exemplo, do México, Guatemala, El Salvador, Honduras e Nicarágua).

Huntington arrolou cinco grandes causas para a terceira onda democratizante: a) os problemas para legitimar o autoritarismo, num mundo em que os valores da democracia tornaram-se largamente aceitos; b) o crescimento econômico sem precedentes, posterior a 1960; c) a mudança de posição da Igreja Católica, que deixou de ser suporte de sistemas autoritários em vários países; d) a influência externa da Comunidade Européia e dos Estados Unidos, na promoção dos direitos humanos e o acolhimento dessa influência pela nova liderança russa; e) o efeito demonstração que a adesão à causa democrática por esse ou aquele país veio a alcançar, num mundo onde a comunicação difundiu-se amplamente e tornou-se instantânea.

Huntington identifica, outrossim, cinco variáveis que podem virar obstáculos à consolidação da terceira onda: a) atitude revanchista ou ambígua diante da tortura; b) questão pretoriana ou não profissionalização das Forças Armadas, que estimule aventuras militaristas; c) intensificação dos problemas conjunturais que podem conduzir rapidamente ao saudosismo do ciclo autoritário; d) não florescimento de uma cultura favorável à democracia; e) entraves à institucionalização do comportamento político democrático, mediante o boicote dos políticos à reforma do Estado.

Conclusão

Quais as respostas que poderiamos dar, a partir da análise precedente, às duas questões formuladas no início desta exposição?

Em primeiro lugar, quanto à indagação acerca de como foi possível que países de tradição autoritária e patrimonialista sofressem mudanças em direção à economia de mercado e da liberalização das suas instituições, poderíamos responder que o surto liberalizante não foi endógeno mas exógeno, condicionado basicamente por dois fatores: a) a decisão dos países industrializados, orquestrados pelos Estados Unidos, de dar às relações comerciais uma nova dinâmica, de caraterísticas globais, a partir da década de 80; b) a queda do Muro de Berlim em 1989.

Em segundo lugar, quanto à pergunta acerca de quais seriam as perspectivas de sucesso desse processo liberalizante no âmbito latino-americano, poderíamos responder que essas perspectivas dependem da superação, nos próximos anos, de três entraves sérios à democracia: a) no plano cultural, as tradições políticas ligadas ao complexo de clã e ao patrimonialismo; b) no plano político, a relutância das elites políticas para efetivar as reformas que racionalizem o Estado e institucionalizem o comportamento democrático; c) no plano econômico, as barreiras nacionalistas e terceiro-mundistas a uma verdadeira integração comercial com os Estados Unidos, tornando realidade o ALCA. O equacionamento dessa variável criaria, no sentir de Huntington, uma situação irreversível favorável à democratização liberal dos países latino-americanos, de forma semelhante a como a inserção na União Européia acelerou os processos democratizadores nos países ibéricos (Espanha e Portugal).

Bibliografia

CAMARGO NETO, Pedro de [1997]. "Integração agrícola das Américas". In: Política externa, São Paulo, vol. 5, no.4 / vol. 6, no. 1: pgs. 12-16.

HUNTINGTON, Samuel [1991]. The third wave. Democratization in the late twentieth century. University of Oklahoma Press.

MARQUES, Paulo Sotero N. [1997]. "O Brasil derrapa na largada: conferência ministerial da OMC expõe as vulnerabilidades do país", in: Política Externa, São Paulo, vol. 5, no. 4 / vol. 6, no. 1: pgs. 131-152,

NISBET, Robert [1984]. "As reformas sociais de Clístenes". In: Humanidades, Brasília, vol. 2, n. 6: pgs. 5-11.

PAIM, Antônio, Ricardo Vélez Rodríguez e Ubiratan Borges de Macedo [1997]. Introdução histórica ao liberalismo, vol. V A prova da história. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho; Londrina: Instituto de Humanidades.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1974a].Instituições políticas brasileiras. 3ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2 volumes.

VIANNA, Francisco José de Oliveira [1974b]. Problemas de organização e problemas de direção: o povo e o governo.  2ª edição. Rio de Janeiro: Record.


SANTOS, Wanderley-Guilherme dos [1978]. Ordem burguesa e liberalismo político. São Paulo: Duas Cidades.

Lettre de Marie Claire (magazine francais) a ceux qui NE SONT PAS Charlie - Corine Goldberger

LETTRE OUVERTE À CEUX QUI PROCLAMENT « JE NE SUIS PAS CHARLIE », ET À CEUX QUI LES LIKENT

Marie Claire: 09/01/2015 À 15:12 

Je ne suis pas Charlie

Comment ne comprenez-vous pas, que « Je suis Charlie », ça ne signifie pas approuver forcément le contenu de « Charlie Hebdo »? Ça signifie être pour la liberté de la presse, pour la liberté d’expression, pour le droit à l’irrévérence, même quand on n’est pas d’accord avec ce qui est publié ou dessiné. « Je suis Charlie », ça signifie : je suis pour qu’on ait le droit de critiquer les religions, comme tout système de pensée et de croyance, et même d’en rire, sans craindre pour sa vie, pour un article ou un dessin. Croyez-vous vraiment qu'il suffise d’un dessin choquant pour faire douter un vrai croyant ? D’innombrables personnes en France et dans le monde entier se sont mobilisées au nom de la liberté de la presse attaquée par des tueurs, comme si nous vivions dans la première dictature religieuse venue. Et vous, qui avez la chance de vivre dans un pays démocratique, vous vous proclamez fièrement contre la liberté d’expression…

 

Certains d’entre les #JeNeSuisPasCharlie vont même jusqu’à justifier la barbarie, en commentant sur Facebook ou en tweettant que les dessinateurs l’ont bien cherché, l’ont bien mérité : « Ils n’avaient pas à insulter notre Prophète », ricanez-vous. Comment ne comprenez-vous pas qu’à travers « Charlie », ce n’est pas seulement la liberté d’expression de ceux qui ne pensent pas comme vous, qu’on a voulu assassiner. C’est aussi la vôtre. Rappelez-vous qu’on est toujours le mécréant d’un plus pratiquant, d’un plus religieux, d’un plus radical, d’un plus fanatique que soi ! 

 

Comment pouvez-vous, vous qui vivez dans un pays démocratique, mépriser une liberté d’expression que bien des peuples nous envient… Comme au Maghreb, où beaucoup de journalistes et de dessinateurs donneraient cher pour pouvoir lire ou publier des « Charlie Hebdo » sans craindre pour leur vie. Ecoutez Dilem, dessinateur algérien, souvent menacé de mort, sur RFI : « Quand il y a eu les dessins sur Mahomet, j’étais l’un de ceux qui prenaient la défense des dessinateurs danois en disant qu’il ne faut pas égorger quelqu’un parce qu’il a fait une caricature. Il y a des choses un peu plus sérieuses dans la vie. Il y a eu, ici, des massacres, y compris dans des rédactions. Dans le journal “L’Hebdo libéré”, des gens ont aussi massacré en 1994 la rédaction (...) Je vais vous faire un aveu : depuis quinze ans, je n’ai pas mis les pieds dans mon journal. Je dessine à partir de chez moi ou de quelque part en dehors pour ne pas donner d’occasion à ceux qui peuvent me faire du mal ou faire du mal à ceux qui font le même travail que moi. Je sais qu’il y a un risque inhérent au métier que l’on fait aujourd’hui. Je sais qu’il ne faut pas plaisanter avec ces gens-là. On est dans la pathologie la plus absolue, dans la barbarie extrême. »

 

Face au massacre de « Charlie », il ne doit pas y avoir d’un côté les démocrates, croyants et athées, attachés à la liberté d’expression, et de l'autre, des croyants allergiques à l’irrévérence. Il ne devrait y avoir que des citoyens, des républicains prêts à se battre pour défendre des idées qu’ils ne partagent pas toujours. Comme le rappelait Jeannette Bougrab, compagne de Charb, assassiné mercredi : « Ils sont morts pour nous, pour que nous puissions rester libre en France. » En proclamant fièrement « JeNeSuisPasCharlie », vous ne vous coupez pas seulement des Français de tous bords, croyants ou pas, tous unis pour la liberté d’expression. Vous ne facilitez pas la tâche de toutes celles et ceux qui se mobilisent en permanence, pour lutter contre les amalgames entre les extrémistes et la majorité silencieuse musulmane. Car comment expliquer qu’il ne faut pas faire d’amalgames, quand nombre d’entre vous affichent crânement  #JeNeSuisPasCharlie, comme si pour vous, un dessin qui vous choque était plus grave qu’un massacre collectif ?

 

Par Corine Goldberger, chef de rubrique Société 

A "islamofobia" seria um pecado original do Ocidente cristao? - Reinaldo Azevedo

Volto ao trabalho na segunda, mas antecipo um texto que, dado o que leio por aí, me parece necessário. O terrorismo islâmico sequestrou boa parcela da consciência do Ocidente. Antes que se impusesse por intermédio da brutalidade e da barbárie, seus agentes voluntários e involuntários fizeram com que duvidássemos dos nossos próprios valores. Antes que matassem nossas crianças, nossos soldados, nossos jornalistas, nossos chargistas, nossos humoristas, atacaram, com a colaboração dos pusilânimes do lado de cá, os nossos valores. “Nossos, de quem, cara-pálida?”, perguntará um dos cretinos relativistas do Complexo Pucusp. Os do Ocidente cristão e democrático.

Mesmo gozando de merecidas férias, comprometido principalmente com o nascer e o pôr do sol, acompanhei o que se noticiou no Brasil e no mundo sobre o ataque covarde ao jornal francês “Charlie Hebdo”, que deixou 12 mortos na França. Na nossa imprensa e em toda parte, com raras exceções, a primeira preocupação, ora vejam!!!, era não estimular a “islamofobia”, uma mentira inventada pela máquina de propaganda dos centros culturais de difusão do Islã no Ocidente. Nota à margem: a “fobia” (se querem dar esse nome) religiosa que mais mata hoje é a “cristofobia”. Todo ano, mais ou menos 100 mil cristãos são assassinados mundo afora por causa de sua religião. E não se ouve a respeito um pio a Orientes e Ocidentes.

Uma curiosidade intelectual me persegue há tempos: por que cabe ao Ocidente cristão combater a suposta “islamofobia”? Por que as próprias entidades islâmicas também não se encarregam no assunto? Sim, muitas lideranças mundo afora repudiaram o ataque ao jornal francês, mas sugerindo, com raras exceções, nas entrelinhas, que se tratava de uma resposta injusta e desproporcional a uma ofensa que de fato teria sido desferida contra o Islã e o Profeta. E então chegamos ao cerne na questão.

Sou católico. As bobagens e ignorâncias que se dizem contra a minha religião — e já faz tempo que o ateísmo deixou de ser um ninho de sábios —, com alguma frequência, me ofendem. E daí? Há muito tempo, de reforma em reforma, o catolicismo entendeu que não é nem pode ser estado. A religião que nasceu do Amor e que evoluiu, sim, para uma organização de caráter paramilitar, voltou ao seu leito, certamente não tão pura e tão leve como nos primeiros tempos, maculada por virtudes e vícios demasiadamente humanos, mas comprometida com a tolerância, com a caridade, com a pluralidade, buscando a conversão pela fé.

Não é assim porque eu quero, mas porque é: o islamismo nasce para a guerra. Surge e se impõe como organização militar. Faz, em certa medida, trajetória contrária à do catolicismo ao se encontrar, por um tempo ao menos, com a ciência, mas retornando, pela vontade de seus líderes, ao leito original. Sim, de fato, ao pé da letra, há palavras de paz e de guerra, de amor e de ódio, de perdão e de vingança tanto no Islã como na Bíblia. De fato, também no cristianismo, há celerados que fazem uma leitura literalista dos textos sagrados. E daí? Isso só nos afasta da questão central.

Em que país do mundo o cristianismo, ainda que por intermédio de seitas, se impõe pela violência e pelo terror? Em que parte da terra a Bíblia é usada como pretexto para matar, para massacrar, para… governar? É curioso que diante de atos bárbaros como o que se viu na França, a primeira inclinação da imprensa ocidental também seja demonstrar que o Islã é pacífico. Desculpem-me a pergunta feita assim, a seco: ele é “pacífico” onde exatamente?

Em que país islâmico, árabe ou não, os adeptos dessa fé entendem que os assuntos de Alá não devem se misturar com os negócios de estado? À minha moda, sou também um fundamentalista: um fundamentalista da democracia. Por essa razão, sempre que me exibem a Turquia como exemplo de um país majoritariamente islâmico e democrático, dou de ombros: não pode ser democrático um regime em que a imprensa sofre perseguição de caráter religioso — ainda que venha disfarçada de motivação política, não menos odiosa, é claro!

Cabe às autoridades islâmicas, das mais variadas correntes, fazer um trabalho de combate à “islamofobia”. E a fobia será tanto menor quanto menos o mundo for aterrorizado por fanáticos. Ora, não é segredo para ninguém que o extremismo islâmico chegou ao Ocidente por intermédio de “escolas” e “centros de estudo” que fazem um eficiente trabalho de doutrinação, que hoje já não se restringe a filhos de imigrantes. A pregação se mistura à delinquência juvenil, atraída — o que é uma piada macabra — pela “pureza” de uma doutrina que não admite dúvidas, ambiguidades e incertezas.

Ainda voltarei, é evidente, muitas vezes a esse assunto, mas as imposturas vão se acumulando. Há, sim, indignação com o ocorrido, mas não deixa de ser curioso que a imprensa ocidental tenha convocado os chargistas a uma espécie de reação. Sim, é muito justo que estes se sintam especialmente tocados, mas vamos com calma! O que se viu no “Chalie Hebdo” não foi um ataque ao direito de fazer desenhos, mas ao direito de ter uma opinião distinta de um primado religioso que, atenção!, une todas as correntes do Islã.

É claro que um crente dessa religião tem todo o direito de se ofender quando alguém desenha a imagem do “Profeta” — assim como me ofendo quando alguém sugere que Maria não passava de uma vadia, que inventou a história de um anjo para disfarçar uma corneada no marido. Ocorre que eu não mato ninguém por isso! Ocorre que não existem líderes da minha religião que excitam o ódio por isso. Se um delinquente islâmico queima uma Bíblia, ninguém explode uma bomba numa estação de trem.

E vimos, sim, a reação dos chargistas, mas, como todos percebemos, quase ninguém se atreveu a desenhar a imagem do “Profeta” — afinal de contas, como sabemos, isso é proibido, não é? Que o seja em terras islâmicas, isso é lá problema deles, mas por que há de ser também naquelas que não foram dominadas pelos exércitos de Maomé ou de onde eles foram expulsos?

Tony Barber, editor para a Europa do “Financial Times”, preferiu, acreditem, atacar o jornal francês. Escreveu horas depois do atentado: “Isso [a crítica] não é para desculpar os assassinos, que têm de ser pegos e punidos, ou para sugerir que a liberdade de expressão não deva se estender à sátira religiosa. Trata-se apenas de constatar que algum bom senso seria útil a publicações como ‘Charlie Hebdo’ ou ‘Jyllands-Posten’ da Dinamarca, que se propõem a ser um instrumento da liberdade quando provocam os muçulmanos, mas que estão, na verdade, sendo apenas estúpidos”.

Barber é um vagabundo moral, um delinquente, e essa delinquência se estende, lamento, ao comando do “Financial Times”, que permitiu que tal barbaridade fosse publicada. Alguém poderia perguntar neste ponto: “Mas onde fica, Reinaldo, o seu compromisso com a liberdade de expressão se acha que o texto de Barber deveria ser banido do FT?”. Respondo: a nossa tradição, que fez o melhor do que somos, não culpa as vítimas, meus caros. Barber usa a liberdade de expressão para atacar os fundamentos da… liberdade de expressão.

Todas as religiões podem ser praticadas livremente nas democracias ocidentais porque todas podem ser igualmente criticadas, inclusive pelos estúpidos. Mas como explicar isso a um estúpido como Barber, um terrorista que já está entre nós?