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sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Embaixadores veteranos no “Parque dos Dinossauros” - Denise Chrispim Marin (Veja)

Os veteranos encostados no Itamaraty
Denise Chrispim Marin
VEJAedição nº 2653, 25 de setembro de 2019

Ernesto Araújo preencheu os principais postos do Itamaraty com diplomatas menos experientes — e deixou sem função definida gente com longa quilometragem

Fazer carreira na diplomacia sempre foi uma empreitada escorregadia, sujeita aos humores do governo e do chanceler de plantão. Um passo na direção errada, ou uma troca de função em momento impróprio, pode render anos no limbo, até os ventos políticos mudarem. Durante décadas o Itamaraty acomodou esses diplomatas “excedentes” no temido DEC — sigla do informal, mas muito movimentado, “departamento de escadas e corredores”. Uma vez exilado lá, o funcionário não tinha sala, nem mesa, nem cadeira e vagava como assombração pelo Palácio dos Arcos, em Brasília, à procura de um colega capaz de abrigá-lo em algum gabinete. O DEC foi extinto quando o Tribunal de Contas da União deu um pito no Ministério das Relações Exteriores por manter funcionários sem cargo e ganhando salário, mas o conceito permanece vivíssimo. Neste governo de política externa heterodoxa e indiferença à hierarquia diplomática, o chanceler Ernesto Araújo já encaixou vários desafetos em áreas pouco nobres do palácio e reservou a sala 203 do Anexo 1 — prontamente batizada de “Parque dos Dinossauros” — para que veteranos sem cargo fixo aguardem a convocação para uma ou outra tarefa eventual (com direito a água e cafezinho).

No total, existem no momento dezesseis diplomatas no ostracismo, e a maioria não sabe direito como foi parar nessa situação e se ainda tem alguma chance de obter um posto de verdade no ministério. O custo desse desperdício de experiência é de cerca de 4,5 milhões de reais por ano.

Há os que sabem, sim, precisamente o motivo da punição. Com passagens pelo DEC original nos anos 2000, durante as gestões de Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, por causa das frequentes críticas aos governos do PT, o “contrarianistaPaulo Roberto de Almeida chegou a ser reabilitado no governo Michel Temer, quando foi promovido a embaixador — por sinal, na mesma turma de Araújo, dezessete anos mais novo. Mas viu-se deslocado neste ano para a Divisão de Arquivo, no 2º subsolo do Anexo 2 do Itamaraty, o “Bolo de Noiva”, onde celular e wi-fi não funcionam. Almeida, 42 anos de carreira diplomática, dezesseis livros publicados e doutor em ciências sociais pela Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica, responde hoje a um primeiro-secretário — a terceira das seis “patentes” da afunilada hierarquia do Itamaraty.

Para driblar o vazio tecnológico, o embaixador apossou-se de uma mesa da biblioteca do ministério, onde escreveu Miséria da Diplomacia, obra que trata da ausência de política externa na gestão de Araújo, por ele chamado de “chanceler acidental” e “diplomata utópico”. Almeida foi demitido da diretoria do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) na Segunda-Feira de Carnaval, sete horas depois de ter republicado em seu blog, o Diplomatizzando, artigos do embaixador aposentado Rubens Ricupero e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticando Araújo e do próprio chanceler desancando os outros dois. “Antes, eu já tinha publicado a nota ‘Olavices debiloides’, com declarações de Olavo de Carvalho, a quem Ernesto Araújo chama de professor”, confessa. O sogro de Araújo, o ex-secretário-geral das Relações Exteriores Luiz Felipe de Seixas Corrêa, ainda tentou interceder em favor do diretor do Ipri, que o convidara para uma palestra na semana seguinte. Não adiantou. Almeida observa quão “tóxico” se tornou quando atravessa o corredor entre os Anexos 1 e 2 do Itamaraty para visitar os “dinossauros” e, nos corredores, recebe no máximo alguns sorrisos disfarçados dos conhecidos. “Queria muito voltar para o Ipri, mas com total liberdade. Como vou me aposentar em 2022, creio que meu futuro é mesmo no porão do Itamaraty”, suspira.

Ao contrário do calejado Almeida, outros diplomatas na geladeira da atual gestão jamais haviam passado por tal situação. Dois deles foram chamados de Bruxelas e de Viena no fim de 2018 para assumir subsecretarias do Itamaraty e, no dia da posse de Jair Bolsonaro, se viram sem cargo em Brasília nem indicação para outras posições no exterior. Nesse caso, foram vítimas da decisão de Araújo de mudar o organograma da casa e reservar os principais postos a embaixadores tão novatos quanto ele. “A hierarquia, que era a coluna vertebral do Itamaraty, virou uma salada. O chanceler quer trabalhar só com quem diga amém a suas ideias e decisões”, afirma um diplomata congelado.

Enquanto os bons cargos no ministério são ocupados pela ala júnior, os embaixadores seniores lutam pela sobrevivência. Antes mesmo da posse de Bolsonaro, alguns mais espertos, antecipando a transformação do Itamaraty em um dos ministérios ideológicos do novo governo, trataram de buscar postos em embaixadas menos relevantes e em consulados, evitando assim ter de defender causas que consideram constrangedoras. Três diplomatas veteranos conquistaram cargos em outras áreas do governo — na Presidência, na Vice-Presidência e no Gabinete de Segurança Institucional —, conseguindo ao mesmo tempo livrar-­se dos ditames do ministério e adicionar 5 000 reais ao salário.

Há veteranos, porém, alinhados com o bolsonarismo desde a campanha eleitoral. O embaixador em Paris, Luís Fernando Serra, que chegou a ser cogitado para o cargo de chanceler, pôs mais lenha na fervura dos incêndios na Amazônia ao defender veementemente o governo em entrevistas à imprensa francesa. No último grupo militam os vira-casacas, que fizeram carreira nos governos petistas e hoje são só elogios à diplomacia da era Araújo. A embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, ex-chefe de gabinete de Amorim, que criou para ela a missão brasileira na ONU em Genebra, tanto se empenha agora em combater a diversidade de gênero que protagonizou um memorável bate-boca com o ex-deputado Jean Wyllys na Suíça. Fascinado pelo chavismo na década passada, Antônio Simões, embaixador do Brasil em Montevidéu, pediu recentemente à organização de um festival de cinema na cidade que vetasse a exibição do documentário Chico — Artista Brasileiro, sobre o compositor Chico Buarque de Hollanda.

Os diplomatas exilados por Araújo, seja em ambientes pouco salutares do ministério, seja no Parque dos Dinossauros, recebem 23 000 reais brutos para trabalhar muito pouco e reclamam da subutilização de seus talentos — encontram-se nessa ingrata condição especialistas em meio ambiente, desarmamento, relações com a União Europeia, negociações políticas, assuntos de Oriente Médio e África, entre outros. “Agora, fazemos bico”, queixa-se um congelado. O embaixador Flávio Macieira, 67 anos, 42 de carreira, desembarcou em Brasília no fim de 2018, vindo do Panamá, a economia que mais cresce na América Latina, depois de cumprir dez anos no exterior. Não tinha cargo reservado e caiu no Parque dos Dinossauros, mas não perdeu a esperança de ainda fazer algo útil antes da aposentadoria compulsória, aos 75 anos. “Creio que, com o tempo, todo esse grupo experiente vai acabar sendo aproveitado”, diz, otimista. O Palácio do Itamaraty, hoje sede do Escritório de Representação no Rio de Janeiro (Ererio), abriga cinco veteranos sem funções. Na representação de São Paulo (Eresp), três embaixadores estão na mesma condição.

Para o Ministério das Relações Exte­riores, o gelo de diplomatas não passa de “rodízio e renovação de chefias”. “Como ocorre em todas as instituições, públicas e privadas, há profissionais que podem não estar inteiramente satisfeitos com as posições que ocupam ou que considerem não ter sido atendidas suas expectativas”, declarou o ministério em nota a VEJA. O embaixador Mário Vilalva, demitido da Agência de Promoção de Expor­tações e Investimento (Apex) em abril passado, depois de ter denunciado um “golpe” de Araújo para mudar o estatuto do órgão, é dos poucos insatisfeitos que resolveram quebrar o gelo: está fechando contrato com uma empresa privada e vai abandonar a diplomacia. Dinossauro, nem pensar.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Itamaraty: o novo chanceler e o Itamaraty - Denise Chrispim Marin

Itamaraty: o novo chanceler
Ex-embaixador na Argentina e nos EUA, Vieira é saída de Dilma para não magoar Lula

Denise Chrispim Marin
O Estado de S. Paulo, 12/01/2015

Em doses suaves, novo chanceler tentará revalorizar Itamaraty
Do novo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, não se espera mudanças abruptas, dizem antigos colaboradores

Ao se sentar na cadeira do Barão de Rio Branco, fundador da diplomacia do Brasil republicano, o embaixador Mauro Vieira enfrentará a agenda interna mais pesada para o Ministério das Relações Exteriores nos últimos 20 anos. Habituado ao trabalho nos bastidores e à sombra das principais autoridades da casa, Vieira não encontrará maior desafio do que convencer a presidente Dilma Rousseff a observar o Itamaraty com apreço e a listar a política externa brasileira entre as prioridades de seu segundo mandato.

De seu gabinete, Vieira não desencadeará mudanças abruptas na política externa nem confrontos com seus pares no exterior ou na Esplanada. Nada será abandonado – como a política Sul-Sul – e tudo será considerado – como a retomada das relações entre Brasil e Estados Unidos –, avisam seus antigos colaboradores. Dele não se ouvirá declarações agressivas nem manifestações de irritação ou atitudes revanchistas. A mudança, se houver, se dará em doses suaves.

O Itamaraty tradicionalmente reflete a personalidade do chanceler. Sob a liderança de Vieira, parecerá mergulhado em águas mornas, enquanto o novo ministro e seus principais auxiliares atuarão silenciosamente nos bastidores do governo e no exterior. Um velho observador de sua carreira o define como um “peixe de águas profundas”.

Não à toa, Vieira escolheu dois colaboradores diretos de sua total confiança e de ampla aceitação pela casa. O embaixador Sérgio Danese, um dos mais experientes e preparados de sua geração, será o secretário-geral das Relações Exteriores – segundo cargo da hierarquia do Itamaraty. O chefe de gabinete de Vieira será o embaixador Júlio Bitelli, que atuou na equipe que escrevia os discursos de Fernando Henrique Cardoso no Palácio do Planalto e, mais tarde, na de Marco Aurélio Garcia, assessor internacional de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff.

Danese e Bitelli trabalharam com Vieira na Embaixada do Brasil em Buenos Aires. Nos últimos anos, Danese conduzia a Subsecretaria das Comunidades Brasileiras no Exterior, e Bitelli era embaixador em Tunis (Tunísia). O trio terá a missão de recuperar o orçamento do Itamaraty neste período de ajuste nas contas públicas.

Celso Lafer, ex-chanceler de FHC e de Itamar Franco, sublinha ser Mauro Vieira um diplomata experiente, com bom conhecimento da casa, e ter vindo do comando das duas mais importantes embaixadas brasileiras – Buenos Aires, de 2004 a 2010, e Washington, de 2010 ao fim de 2014. “Mauro conhece os ambientes político, social e econômico do País, o que é um ativo importante para o reposicionamento e a valorização do Itamaraty.”

Surpresa. Dilma surpreendeu todos os implicados diretamente na escolha de seu chanceler em 31 de dezembro, véspera da posse de seu segundo mandato. O então ministro Luiz Alberto Figueiredo esperava permanecer no posto, mas foi frustrado apenas 30 minutos antes do anúncio oficial do nome de Vieira. O ministro da Defesa, Celso Amorim, contava com uma recondução à cadeira de Rio Branco, com as bênçãos de Lula, e não escondeu sua decepção na cerimônia de transmissão do cargo, no dia 2.

Mauro Vieira, por sua vez, aspirava o posto de Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais desde 2003, que não pretendia continuar no governo no segundo mandato de Dilma. Ao ser chamado a Brasília, no dia 31, deduziu que sua missão seria acompanhar o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, representante de seu governo na posse. Mas foi nomeado chanceler.

A decisão de Dilma, na leitura de um embaixador experiente, revelou sua habilidade para descartar a sugestão do ex-presidente Lula sem desapontá-lo totalmente. Nem ao favorito do líder petista. Vieira é tido em alta conta por ambos.

O chanceler é leal amigo de Amorim há mais de 30 anos. Em 1985, quando foi designado secretário executivo adjunto do Ministério de Ciência e Tecnologia, Vieira resgatou Amorim do ostracismo ao sugerir seu nome ao então ministro da pasta, Renato Archer. Amorim assumiu o posto de secretário de Assuntos Internacionais, no qual se manteve até 1988. Em 2003, ao ser nomeado chanceler pela segunda vez – a primeira fora com Itamar Franco –, Amorim designou Vieira como chefe de gabinete, mesmo depois de ele ter exercido a mesma função com os embaixadores Osmar Chohfi e Luiz Felipe Seixas Corrêa, os últimos secretários-gerais das Relações Exterior do governo FHC.

O ex-chanceler também foi o responsável pela nomeação de Vieira como embaixador em Buenos Aires – decisão avalizada por Lula. Ao ver abortado seu projeto de continuar no posto no primeiro mandato de Dilma, no fim de 2010, Amorim indicou Vieira para Washington. O posto estaria vago com a designação do embaixador Antônio Patriota para o comando do Itamaraty. Na época, a permanência de Vieira na capital americana foi avaliada como temporária. Vieira e Patriota não tinham um convívio fácil. O embaixador, porém, assumiu essa posição estratégica por quatro anos.

Garcia ficou no governo e deverá manter sua influência na formulação de políticas para a América Latina. Mas caberá a Vieira conciliar a sobrevivência do Mercosul à necessidade, destacada por Dilma em seu discurso de posse, de ampliar a inserção comercial do Brasil. Ele dificilmente se chocará com Garcia nessa tarefa. O assessor de Dilma foi uma das autoridades petistas cativadas pelo chanceler: era seu hóspede frequente quando embaixador na Argentina.

Tanto em Brasília como em Buenos Aires e em Washington, Vieira valeu-se do que mais soube fazer ao longo de sua carreira: cativar figuras relevantes para sua atuação e montar uma rede de contatos de primeira qualidade.

Na capital argentina, tornou-se interlocutor frequente do casal Kirchner e dos governadores de províncias – todas visitadas por ele. Em Washington, teve o mesmo cuidado de explorar os contatos com governadores estaduais e em circular pelo Capitólio.

Sua atuação nos EUA, porém, foi prejudicada pelo desinteresse da presidente no aprofundamento das relações bilaterais. “O desempenho de Mauro Vieira refletiu a política brasileira sobre os EUA, desinteressada em maior cooperação e em projetos conjuntos”, afirmou Peter Hakim, presidente honorário do Diálogo Interamericano. “É mais fácil ser um Rubens Barbosa no governo de FHC do que um Vieira no governo de Dilma”, completou, referindo-se ao embaixador brasileiro em Washington entre 1999 e 2004, gestão que deu prioridade à política externa.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Mercosul desmoralizado? - Blog Denise Chrispim Marin

Mercosul desmoralizado

Blog Denise Chrispim Marin

O Estado de S. Paulo, 24/07/2014


Mercosul é irrelevante, dizem. É mesmo? Então, deve acabar, ser demolido, desmontado? Deve desaparecer? Ou ser fortalecido? Mas, como? Fato é que essas perguntas não são há muitos anos respondidas, e o debate sobre o Mercosul não tem passado do nível  superficial. Ninguém sabe o que fazer com o patrimônio de acordos entre os quatro [...]
Mercosul é irrelevante, dizem. É mesmo? Então, deve acabar, ser demolido, desmontado? Deve desaparecer? Ou ser fortalecido? Mas, como? Fato é que essas perguntas não são há muitos anos respondidas, e o debate sobre o Mercosul não tem passado do nível  superficial. Ninguém sabe o que fazer com o patrimônio de acordos entre os quatro sócios originais, que vai além do comércio, e com os compromissos do bloco com outros países. O velho Mercosul pode ser tudo, menos irrelevante. Que o diga a indústria brasileira.  A dificuldade em saber que destino dar a ele deve-se à pobreza das políticas econômica e exterior dos governos de seus países-membros.
A reunião de Cúpula do Mercosul em Caracas, nos dias 28 e 29, será a de número 46. Deveria ser a 47ª. Não será a 47ª por causa do desleixo e da negligência dos seus sócios plenos, que descuidam há mais de 10 anos dos objetivos de aprofundar e dar mais consistência à integração regional. O Mercosul tornou-se um bloco isolado do mundo e internamente fraco. Suas regras têm sido contornadas, dilapidadas, ignoradas.
A reunião de cúpula de dezembro de 2013, na qual Caracas deveria ter entregue à Argentina a presidência pró-tempore do bloco, foi tão postergada que acabou esquecida. A Venezuela, justo o país que ingressou no Mercosul pela porta dos fundos em 2012, ficou um ano inteiro na presidência do bloco, que por regra deve ser semestral. Nenhum dos outros sócios se queixou, e poucos analistas se importaram com essa falha. Caracas avançou sobre o período da Argentina. Buenos Aires, que desafiou tantas vezes o Brasil na formulação e na aplicação das regras comerciais do bloco, deixou passar seu período sem uma única crítica.
O Brasil cederá seu direito ao semestre, e a presidência pro tempore será entregue ao Paraguai, o sócio suspenso do bloco em 2012 e punido com a negação de seu direito de votar sobre a adesão plena da Venezuela.
O Mercosul vem perdendo suas forças desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que muito acudiu à sua defesa retórica, mas que o preteriu em favor do lançamento da Unasul. Já estava falho e combalido pelos sucessivos desacertos entre Brasil e Argentina e pelas pressões paralisantes do Paraguai e do Uruguai, embrulhadas no conceito de “assimetria”. Nos últimos três anos e meio, o Mercosul teve destino pior: foi desmoralizado pelo governo da presidente Dilma Rousseff.
O ingresso da Venezuela, sem a conclusão prévia de sua adequação à Tarifa Externa Comum (TEC), às regras do livre comércio e ao patrimônio histórico do Mercosul, derrubou por terra o sentido original desse projeto de integração. O procedimento foi um dos mais tristes episódios da história diplomática do Brasil. A adesão da Bolívia, possivelmente na próxima semana, não se dará de forma muito diferente. Virão outros, igualmente pelos fundos e pelas janelas.
O comunicado final da 45ª reunião de cúpula, em Montevidéu, deu vazão a manifestações políticas que fariam melhor figura nas declarações da Alba, o bloco político bolivariano. Houve rechaço à vistoria do avião do presidente boliviano Evo Morales, em Viena. Cinco dias depois, as forças policiais bolivianas vistoriaram o avião que levara o ministro da Defesa, Celso Amorim, a La Paz. Houve também rechaço à espionagem e violação de privacidade pela agência americana NSA. Houve ainda clamor para a “preservação” do crescimento econômico dos países do Mercosul – algo que nem Brasil, nem Argentina e nem Venezuela poderão cumprir em 2014.
O único tema importante não negligenciado foi a reincorporação do Paraguai, que jamais deveria ter sido suspenso. O Banco do Sul, iniciativa tão reverenciada nos dias de lançamento do banco dos Brics, pode vir a entrar em operação em breve e ser aclamado como a grande iniciativa de integração. Mas não está vinculada ao Mercosul e, mais do que alavancar a integração física da América do Sul e diminuir as assimetrias, tenderá a servir de boia de salva-vidas aos países que erraram e insistiram no erro ao conduzir sua economia. A 46ª cúpula deve repetir promessas. Mas certamente não dará mais peso nem destino sensato ao Mercosul.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Toda censura se torna sumamente ridicula - Blog Do Triste Tropico - Denise Chrispim Marin

Abaixo, transcrição do post mais recente do blog da jornalista do Estadão Denise Chrispim Marin, sobre a censura à imprensa, especificamente sobre os jornais dos irmãos Mesquita, Estadão e Jornal da Tarde, durante a ditadura militar.
Como os censores são subordinados submissos, e não querem parecer distraídos, desatentos, ou complacentes com as vítimas, eles sempre acabam cortando bem mais do que pretendiam os seus chefes, os gorilas no poder.
Daí cortarem notícias anódinas, que vistas no contexto são sumamente ridículas.
Toda censura é burra, estúpida, uma ofensa à inteligência dos cidadãos.
Tem muito companheiro por aí que adoraria censurar notícias sobre suas patifarias e crimes.
Paulo Roberto de Almeida

Os príncipes e a imprensa livre

Denise Chrispim Mariin
Do Triste Tropico, 24/01/2014
      O Estado de S Paulo trouxe em sua edição de 10 de outubro de 1972, inusitadamente, a seção carta ao editor em sua primeira página. O Jornal da Tarde optou por sair com um espaço em branco na capa. O recado ao leitor fora evidente: o material escolhido fora censurado. Tratava-se de reportagem sobre o discurso do então diretor responsável do Estado, Júlio Mesquita Neto, contra a censura aplicada pelo governo militar brasileiro.
 O palco das críticas do “doutor Julio Neto” fora um encontro da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), em Santiago, Chile. Quase quarenta anos depois, a instituição prossegue na tarefa de condenar e desmontar os sistemas de restrição à liberdade de expressão vigentes nos vizinhos do Brasil na América Latina.
 O relato sobre esse caso específico de censura ao Estado e ao JT consta da correspondência diplomática (telegrama) 497 do Consulado dos Estados Unidos em São Paulo daquele mesmo dia. O documento explica ter o Estado enfatizado a mensagem sobre a censura sofrida, em sua segunda edição, ao publicar uma fotografia de Júlio Mesquita Neto no espaço. “Os censores disseram também a outros jornais de São Paulo que a publicação de relatórios da SIP sobre a censura no Brasil está proibida”, completou o telegrama.
 Em pesquisa no Arquivo Nacional dos Estados Unidos, o Estado encontrou outros três documentos diretamente relacionados à resistência dos jornais paulistas e de seus responsáveis à restrição da liberdade de imprensa e à proibição do debate e da crítica sobre temas considerados sensíveis pelo governo militar. O telegrama de outubro de 1972 encontrado no arquivo está incompleto. Parte de seu conteúdo continua submetido às regras americanas de confidencialidade. Apenas a primeira página foi liberada à consulta pública 40 anos depois, em 30 de julho de 2012.
 Os telegramas cobrem um período de relativa instabilidade política, em meados do mandato presidencial do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Com o aparato de repressão e de restrição às liberdades civis sustentado pelo AI-5 (Ato Institucional Número 5, de 1968) e pela ação das forças de segurança, o governo havia ampliado o escopo dos temas sob censura. A candidatura do general Ernesto Geisel, então presidente da Petrobrás, havia sido lançada pela Arena, o partido oficial, à revelia de Médici. O então presidente pretendia manter-se por mais tempo no poder.
Os quatro textos encontrados no Arquivo Nacional não chegam a informar o grau de censura aplicada pelo governo militar sobre o  Estado e o JT. Desde 12 de dezembro de 1968, a véspera da edição do AI-5, ambos sofrera censura prévia. Toda a edição do dia 13 fora apreendida por decisão do general Sílvio Correia de Andrade, chefe da Polícia Federal em São Paulo. Andrade não gostara do editorial “Instituição em Frangalhos”, escrito por Júlio Mesquita Filho.
“Façam as reportagens e escrevam; os censores que cortem”, fora a orientação dos Mesquitas aos jornalistas da casa. Por sugestão do redator Antônio Carvalho Mendes, versos de “Os Lusíadas”, de Luís de Camões, passaram a ser publicados no lugar do material censurado. O JT preferiu preencher os espaços com receitas culinárias.
 Camões apareceu no Estado 655 vezes e, entre 29 de março de 1973 e 3 de janeiro de 1975, 1.136 textos do jornal foram cortados, segundo reportagem de José Maria Mayrink. Repórteres dos dois jornais foram perseguidos e intimidados. O chefe da sucursal de Recife, Carlos Garcia, foi preso e torturado em março de 1974. Um ano e meio depois, Luiz Paulo Costa, correspondente em São José dos Campos, passou pela mesma experiência.
 Apenas em 3 de janeiro de 1975, na véspera do centenário do  Estado, a censura foi oficialmente eliminada, em cumprimento de promessa eleitoral do general Geisel (1974-1979). Mas, na prática, os censores continuaram seu trabalho na redação, e as restrições só acabaram com o fim da vigência do AI-5, em dezembro de 1978.
 Uganda. Em 20 de setembro de 1972, a Embaixada dos EUA em Brasília enviou ao Departamento de Estado o telegrama 835, com detalhes sobre a expansão da censura no momento de tensão entre o presidente Médici e o candidato Geisel. O texto informou o governo americano que a nova cartilha do Ministério da Justiça proibira também textos sobre a situação econômico-financeira do país e o mercado de ações e, particularmente, que o Estado entrevistasse o economista Roberto Campos. Havia rumores sobre o propósito de Campos de criticar duramente o regime, que ele inicialmente apoiara.
 Tanto a cartilha como a resposta “emocional” ao então ministro da Justiça Alfredo Buzaid escrita por Ruy Mesquita, então diretor do JT e atualmente diretor de Opinião do Estado, circularam e foram lidas no plenário do Congresso, diz o telegrama, “criando tensões em torno do que muitos vêem como divergências dentro do ‘sistema’”. Em um comentário final, o telegrama avalia que, se não foi uma refutação a Geisel, a carta de Ruy Mesquita “seria pelo menos um chamado aos que apoiam Geisel para que ele suavizasse as presentes restrições políticas” no País.
 Trechos da carta foram copiados no telegrama, para acentuar a indignação do diretor do JT com os rumos adotados pelo regime, seus meios arbitrários e a censura aos meios de comunicação. “Mesquita disse que ele está ‘profundamente humilhado e envergonhado’ porque ‘o Brasil foi trazido à condição de uma república de bananas ou uma espécie de Uganda por um governo que parece ter perdido a compostura’”, diz o texto.
 Houve destaque, no telegrama, à comparação feita por Ruy Mesquita do governo Médici aos da “Alemanha de Hitler, Itália de Mussolini e Rússia de Stalin” e a sua crítica aos rumos tomados pelo regime. “O Brasil vai aprender a história verdadeira desse período, quando foram abandonados os objetivos traçados pelo grande líder da Revolução de 64, Marechal Castelo Branco, e passou a ser conduzida pelos objetivos do caudilhismo militar, que estão ultrapassados até mesmo nas repúblicas hispano-americanas”, reproduz o telegrama.
 Príncipes. No telegrama 911, intitulado “Censura contra a Imprensa Brasileira – Uma Noite com Júlio Mesquita”, o Consulado Americano em São Paulo traz a avaliação do diretor do Estado sobre a situação política do País durante um jantar informal de empresários dos dois países, promovido pelo Conselho das Américas.  O documento foi enviado em 22 de setembro de 1972.
 Mesquita relatara que, ao final de encontros com os então ministros Leitão de Abreu (Casa Civil) e Buzaid, estava convencido de que eles e outros colaboradores do governo estavam promovendo a extensão do mandato de Médici ou um novo mandato para o presidente. “Ele enfatizou o papel da família Mesquita e de O Estado nos destinos do Brasil e que eles eram duradouros guardiães da liberdade de imprensa no País”, afirmou o redator do telegrama.
 “Os Mesquitas não podiam aceitar o continuísmo, e Júlio não escondeu sua simpatia pela candidatura de Ernesto Geisel”, mencionou, para em seguida citar novamente a carta de Ruy Mesquita a Buzaid.
 “Príncipes, Orgulho e Poder” foi o título do telegrama A-61, do Consulado Americano em São Paulo, sobre “uma das maiores instituições brasileiras, o jornal O Estado de S Paulo“. Diz o texto que o jornal se guiava pelas tradições e orientações filosóficas de seus fundadores e então proprietários – todos diretamente envolvidos produção jornalística.
 Naquele momento, o Estado tinha “poderosos inimigos e amigos fieis” e estava em constante conflito com o governo por causa da censura à imprensa, explica o telegrama. Seus leitores eram da “elite bem-informada e demandante”, mas o jornal fazia poucas concessões a eles. Os donos zelavam pela independência e segurança financeira do Estado, por necessidade editorial e por seus interesses econômicos, completa o texto.
 “As pessoas que conduzem e trabalham para o  Estado o fazem com seriedade. Eles estão convencidos de que o  Estado é um dos jornais diários preeminentes no mundo e que é missão deles preservar suas tradições e mantê-lo grande”, diz o telegrama. “Sua rígida independência é muito conhecida, como também seus contenciosos, contradições e desavergonhados preconceitos profundamente arraigados”, critica.
 Júlio e Ruy Mesquita são descritos como  ”príncipes”, os herdeiros da família de jornalistas proprietária até o dias de hoje da empresa de comunicação. Dr. Julio Mesquita, diretor responsável entre 1891 e 1927, é comparado a James Reston (1909-1995), colunista e editor do New York Times. Julio Filho, seu sucessor na condução do jornal, entre 1927 e 1969,  ”carregou sua tradição”, e Julio Neto (1969-1996) “é mais distante que seus predecessores, porém ainda envolvido ativamente no dia-a-dia das decisões editorais”, diz o texto.
 O telegrama A-61 detalha o estilo operacional adotado pelo irmão de Júlio Neto, Ruy Mesquita, à frente do JT naquela época. “Sua escrivaninha está no centro da redação, de onde ele conduz sua equipe, escreve editoriais, manchetes e reportagens e é ativo quanto à distribuição do jornal”, afirma o telegrama.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Novo blog sobre Diplomacia - jornalista Denise Chrispim Marin (Estadao)

Soube apenas hoje, a despeito de sempre consultar o Estadão todos os dias, do lançamento desse blog, por uma chamada na página de acesso ao jornal (o que talvez não tenha ocorrido antes, ou foi distração minha, ocupado nos últimos dias tentando colocar em ordem a inacreditável bagunça de todos os meus escritos e publicações), e aproveito para cumprimentar sua responsável e redatora, jornalista experiente, ex-correspondente do Estadão em Washington.
O primeiro post que li, trata de um assunto importantíssimo, pois tem a ver com o inacreditável desperdício de talentos humanos ocorrido durante os dez primeiros anos do poder companheiro, marcado por um viés político típico dos anos de chumbo -- não da ditadura no Brasil, pois durante o regime militar muitos esquerdistas trabalhavam para o governo desde que fossem competentes -- mas das ditaduras comunistas ao estilo soviético ou castrista, onde só são chamados a trabalhar aqueles que concordam com o regime, e a ele demonstram submissão.
Esperemos que seja a primeira reparação de uma série de discriminações prejudiciais à própria instituição.
Paulo Roberto de Almeida


Blog da denise chrispim marin: 
20.janeiro.2014 16:47:47

A volta do Graça

      O Itamaraty corrigiu um erro colossal. Depois de quase dez anos de ostracismo, o embaixador  José Alfredo Graça Lima, brilhante negociador comercial brasileiro e diplomata com profunda  vocação de servidor público, retomou uma função no alto escalão do Ministério das Relações  Exteriores. Graça Lima conduz desde a semana passada a Subsecretaria-Geral de Assuntos  Políticos 2, área responsável pelas relações políticas e econômicas do Brasil com a Ásia. O  diálogo brasileiro com China, Japão e Índia estarão em suas mãos competentes.
Graça Lima foi apontado como o exemplo mais gritante da “caça às bruxas” promovida pelo  ex-chanceler Celso Amorim no Itamaraty. O embaixador manteve-se na carreira, apesar dos dissabores, e com humildade acatou sua indicação para postos bastante distantes de sua experiência profissional. Da chefia da missão do Brasil em Bruxelas, cargo ocupado no final do governo de Fernando Henrique Cardoso, ele poderia tranquilamente ter assumido a Missão do Brasil em Genebra ou um posto bilateral de primeira linha.
Mas não foi essa a escolha de Amorim.
Graça Lima foi enviado para os consulados do Brasil em Nova York e em Los Angeles. Seu talento e experiência como negociador comercial não foram totalmente desperdiçados porque a OMC o chamou para compor painéis de solução de controvérsias. No retorno a Brasília, o embaixador foi nomeado pelo então ministro Antônio Patriota para a obscura Inspetoria do Serviço Exterior. Coube ao atual chanceler, Luiz Alberto Figueiredo, seu resgate, em benefício do Itamaraty e de seus quadros, e sua indicação para o comando de uma das áreas mais desafiadoras da política exterior.
Não há indicação de tendência de o Itamaraty, sob a batuta de Figueiredo, tirar do ostracismo ou chamar de volta à Casa de Rio Branco outros embaixadores punidos durante desde 2003. O embaixador Sérgio Amaral, ex-titular do MDIC e ex-porta-voz de FHC, antecipou sua aposentadoria logo no início do governo Lula. Anos mais tarde, essa foi a opção de Pedro Luiz Rodrigues, braço direito de Celso Lafer no MDIC e no Itamaraty e ex-diretor da Sucursal de Brasília de O Estado de S Paulo. O embaixador Marcos Caramuru aceitou o posto de cônsul em Xangai, oferecido por Amorim, depois de ter sido secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, na gestão de Pedro Malan. Mas preferiu licenciar-se da diplomacia, ao terminar seu período no consulado, e fixar-se na China.
Há muitos outros exemplos de vítimas dessa mais recente “caça às bruxas” – a anterior deu-se nos anos duros da ditadura militar, quando diplomatas de esquerda, homossexuais e boêmios foram sumariamente demitidos. Poucos dos que se destacaram na execução da política externa de FHC tiveram examinados suas vocações e compromissos com o serviço público na gestão de Lula antes de serem punidos. Muitos foram limados nos processos de promoção – o ministro Paulo Roberto Almeida, um dos maiores especialistas nas relações bilaterais Brasil-Estados Unidos, jamais ascendeu ao grau de embaixador – e outros foram preteridos de posições no Brasil e no exterior por não se “comprometerem” com a linha ideológica em vigor desde 2003.
O investimento em tempo e dinheiro público na formação desses profissionais foi parcialmente abortado por causa desses julgamentos apressados e de vaidades pessoais. Nem falar sobre os esforços pessoais e os sacrifícios das famílias desses diplomatas. No período, a tradição do Itamaraty de fazer de seus embaixadores seniores os mestres das novas gerações foi minimizada, assim como tantos outros costumes da Casa de Rio Branco.
Graça Lima expressou sua simplicidade e simpatia características ao assumir, no dia 7, seu novo posto. A honra de exercer essas novas funções se mescla a dois sentimentos que se completam e mutuamente se apoiam: a imprescindível humildade, para seguir aprendendo, e a indispensável coragem, para encarar o desafio de contribuir, da melhor forma possível, para o cumprimento da tarefa que Vossa Excelência (o chanceler Figueiredo) se impôs de ´enfrentar as variadas e complexas questões internacionais que cabem a um país do porte do Brasil’.”
Não mencionou nada sobre sua experiência. Não precisava. Os que o conhecem sempre se lembrarão de sua coragem ao criticar publicamente as medidas argentinas que feriam as regras básicas do Mercosul, no final dos anos 90, quando foi Subsecretário-Geral de Assuntos Econômicos do Itamaraty. Nessa mesma época, defendeu o regime automotivo brasileiro diante dos demais membros da OMC, apesar de saber que seu conteúdo contrariava as normas do GATT. Meses mais tarde, contornou a ameaça da União Europeia, da Coreia do Sul e do Japão de iniciar uma controvérsia contra o mesmo regime – da qual sairiam certamente vitoriosos – com a oferta de cotas tarifárias de importação de seus automóveis. Engoliu suas convicções mais de uma vez em favor do interesse nacional.
Ao bom trabalho, senhor embaixador.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Um americano tranquilo: Robert Pastor (1947-2013)

Um jovem na Casa Branca contra a tortura na região
Assessor de Carter que pressionou por aberturas na América Latina foi vítima de um câncer; ele estava afastado do poder
DENISE CHRISPIM MARIN - O Estado de S.Paulo, 12/01/2014

Em uma época crítica para o Brasil e outros países latino-americanos submetidos a ditaduras, o final dos anos 70, os EUA mudaram sua política exterior para pressionar essas nações a abrirem seus regimes e a banir as prisões e as torturas. Essa guinada foi conduzida pelo presidente Jimmy Carter e teve como operador o jovem cientista político Robert Pastor, então conselheiro de Segurança Nacional para América Latina e Caribe. No dia 8, Pastor morreu em Washington, aos 66 anos, vítima de câncer.
Pastor preparou a emblemática visita de Carter ao Brasil, entre os dias 29 e 31 de março de 1978, na qual presidente americano defendeu os "princípios de Justiça econômica e de direitos humanos". O banquete no Itamaraty foi limado do programa oficial, a pedido da Casa Branca, para evitar seu discurso ao lado do presidente Ernesto Geisel.
Geisel advertiu o líder americano que seu governo não aceitava interferência externa nesse tema. No ano anterior, o general rompera um acordo de cooperação militar com os EUA em razão das pressões do Congresso americano contra abusos. A oposição de Carter ao acordo nuclear Brasil-Alemanha agregava tensão à relação entre Brasília e Washington.
Com a ajuda de Fernando Henrique Cardoso, Pastor organizou o encontro de Carter com setores críticos ao regime militar - os arcebispos dom Paulo Evaristo Arms e dom Eugênio Salles, o diretor do Estado, Julio de Mesquita Neto, o empresário José Mindlin, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Raymundo Faoro. A reunião deu-se no Rio Janeiro em 31 de março, quando o governo comemorava 14 anos do golpe de Estado de 1964. Julio de Mesquita mencionou a Carter a "falta de garantia para o exercício da liberdade de imprensa".

A amizade de Pastor com FHC começara em 1977, quando o convidou para visitar a Casa Branca. Na ocasião, descobriu que o futuro presidente brasileiro não podia ingressar nos EUA sem obter antes um visto especial, em razão de sua oposição ao regime militar brasileiro. Pastor pediu ao Departamento de Estado para derrubar essa exigência. Findo o governo Carter, em 1981, Pastor voltou a dedicar-se à Ciência Política. No Centro Carter, organizou e comandou o programa de monitoramento de eleições.