O Itamaraty corrigiu um erro colossal. Depois de quase dez anos de ostracismo, o embaixador José Alfredo Graça Lima, brilhante negociador comercial brasileiro e diplomata com profunda vocação de servidor público, retomou uma função no alto escalão do Ministério das Relações Exteriores. Graça Lima conduz desde a semana passada a Subsecretaria-Geral de Assuntos Políticos 2, área responsável pelas relações políticas e econômicas do Brasil com a Ásia. O diálogo brasileiro com China, Japão e Índia estarão em suas mãos competentes.
Graça Lima foi apontado como o exemplo mais gritante da “caça às bruxas” promovida pelo ex-chanceler Celso Amorim no Itamaraty. O embaixador manteve-se na carreira, apesar dos dissabores, e com humildade acatou sua indicação para postos bastante distantes de sua experiência profissional. Da chefia da missão do Brasil em Bruxelas, cargo ocupado no final do governo de Fernando Henrique Cardoso, ele poderia tranquilamente ter assumido a Missão do Brasil em Genebra ou um posto bilateral de primeira linha.
Mas não foi essa a escolha de Amorim.
Graça Lima foi enviado para os consulados do Brasil em Nova York e em Los Angeles. Seu talento e experiência como negociador comercial não foram totalmente desperdiçados porque a OMC o chamou para compor painéis de solução de controvérsias. No retorno a Brasília, o embaixador foi nomeado pelo então ministro Antônio Patriota para a obscura Inspetoria do Serviço Exterior. Coube ao atual chanceler, Luiz Alberto Figueiredo, seu resgate, em benefício do Itamaraty e de seus quadros, e sua indicação para o comando de uma das áreas mais desafiadoras da política exterior.
Não há indicação de tendência de o Itamaraty, sob a batuta de Figueiredo, tirar do ostracismo ou chamar de volta à Casa de Rio Branco outros embaixadores punidos durante desde 2003. O embaixador Sérgio Amaral, ex-titular do MDIC e ex-porta-voz de FHC, antecipou sua aposentadoria logo no início do governo Lula. Anos mais tarde, essa foi a opção de Pedro Luiz Rodrigues, braço direito de Celso Lafer no MDIC e no Itamaraty e ex-diretor da Sucursal de Brasília de O Estado de S Paulo. O embaixador Marcos Caramuru aceitou o posto de cônsul em Xangai, oferecido por Amorim, depois de ter sido secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, na gestão de Pedro Malan. Mas preferiu licenciar-se da diplomacia, ao terminar seu período no consulado, e fixar-se na China.
Há muitos outros exemplos de vítimas dessa mais recente “caça às bruxas” – a anterior deu-se nos anos duros da ditadura militar, quando diplomatas de esquerda, homossexuais e boêmios foram sumariamente demitidos. Poucos dos que se destacaram na execução da política externa de FHC tiveram examinados suas vocações e compromissos com o serviço público na gestão de Lula antes de serem punidos. Muitos foram limados nos processos de promoção – o ministro Paulo Roberto Almeida, um dos maiores especialistas nas relações bilaterais Brasil-Estados Unidos, jamais ascendeu ao grau de embaixador – e outros foram preteridos de posições no Brasil e no exterior por não se “comprometerem” com a linha ideológica em vigor desde 2003.
O investimento em tempo e dinheiro público na formação desses profissionais foi parcialmente abortado por causa desses julgamentos apressados e de vaidades pessoais. Nem falar sobre os esforços pessoais e os sacrifícios das famílias desses diplomatas. No período, a tradição do Itamaraty de fazer de seus embaixadores seniores os mestres das novas gerações foi minimizada, assim como tantos outros costumes da Casa de Rio Branco.
Graça Lima expressou sua simplicidade e simpatia características ao assumir, no dia 7, seu novo posto. A honra de exercer essas novas funções se mescla a dois sentimentos que se completam e mutuamente se apoiam: a imprescindível humildade, para seguir aprendendo, e a indispensável coragem, para encarar o desafio de contribuir, da melhor forma possível, para o cumprimento da tarefa que Vossa Excelência (o chanceler Figueiredo) se impôs de ´enfrentar as variadas e complexas questões internacionais que cabem a um país do porte do Brasil’.”
Não mencionou nada sobre sua experiência. Não precisava. Os que o conhecem sempre se lembrarão de sua coragem ao criticar publicamente as medidas argentinas que feriam as regras básicas do Mercosul, no final dos anos 90, quando foi Subsecretário-Geral de Assuntos Econômicos do Itamaraty. Nessa mesma época, defendeu o regime automotivo brasileiro diante dos demais membros da OMC, apesar de saber que seu conteúdo contrariava as normas do GATT. Meses mais tarde, contornou a ameaça da União Europeia, da Coreia do Sul e do Japão de iniciar uma controvérsia contra o mesmo regime – da qual sairiam certamente vitoriosos – com a oferta de cotas tarifárias de importação de seus automóveis. Engoliu suas convicções mais de uma vez em favor do interesse nacional.
Ao bom trabalho, senhor embaixador.