Um articulista do jornal El País de Madri, escrevia, há alguns meses, que a violência indiscriminada constitui a porta de saída do túnel de populismo cínico que tomou conta do Brasil na última década. Algo semelhante tinha sido escrito, na Colômbia, pelo padre Camilo Torres (1929-1966), que era excelente sociólogo, mas que terminou se engajando na guerrilha comunista do Exército de Libertação Nacional, tendo sido colocado por ela como bucha de canhão num enfrentamento com as forças militares. Camilo terminou morto por uma patrulha do Exército colombiano chefiada pelo então coronel Alvaro Valencia Tovar (1923-2014). [1]
Sobre a gênese da violência nas sociedades, o padre Camilo escrevia: "A agressividade pode ser individual ou social. A agressividade individual é o resultado de um desejo de destruição originado em uma frustração. A destruição é buscada como uma compensação e como um meio de reconstrução do que não se conseguiu. A agressividade social possui as mesmas características, mas alargadas ao grupo social. A agressividade pode ser manifesta ou latente, segundo o desejo de destruição possa se realizar ou não. A agressividade social, em geral, encontra-se naqueles países nos quais há frustração de aspirações. Se essa frustração de aspirações forma parte da consciência social e encontramos, no interior das instituições sociais, instrumentos violentos e eficazes de realização, a agressividade tornar-se-á manifesta". [2] Ora, a violência que vemos explodir em todos os quadrantes da sociedade brasileira, é efeito dessa decomposição decorrente da perda de laços entre os cidadãos e de compromissos dos que governam em face dos governados. É uma pesada herança do Estado Patrimonial, potencializada nos tempos atuais pela tresloucada opção ideológica gramsciana dos dirigentes e dos militantes petistas.
Oliveira Vianna já apontava, nos seus ensaios sociológicos, para a origem da nossa endêmica violência, na tradicional privatização do Estado por clãs e patotas. Segundo o sociólogo fluminense, o motivo imediato que impelia a população rural brasileira a se organizar em violentos clãs, era a necessidade de defesa contra a anarquia branca praticada por portugueses e pela elite brasileira, já desde os tempos coloniais. Nessa época, só havia no Brasil um Estado organizado: o da Metrópole portuguesa cujos agentes, como se queixava o padre Antônio Vieira (1608-1697) ao Rei, “não vêm aqui buscar o nosso bem, mas os nossos bens”. A corrupta magistratura lusitana não funcionava a contento, como tampouco os tribunais superiores, que ficavam muito distantes; isso levava a população a se refugiar em clãs, para se proteger contra os excessos dos magistrados e poderosos. "Nessa situação de permanente desamparo legal, -- frisa Oliveira Vianna -- em que vivem, sob esse regime histórico de mandonismo, de favoritismo, de caudilhismo judiciário, todos os desprotegidos, todos os fracos, todos os pobres e inermes tendem a abrigar-se, por um impulso natural de defesa, à sombra dos poderosos, para que os protejam e defendam dos juízes corruptos, das devassas monstruosas, das residênciasinfamantes, das vinditas implacáveis. Faz-se, assim, a magistratura colonial, pela parcialidade e corrupção dos seus juízes locais, um dos agentes mais poderosos da formação dos clãs rurais, uma das forças mais eficazes da intensificação da tendência gregária das nossas classes inferiores". [3] Cheguei a uma etapa da vida, ao passar dos 70 anos, em que a gente não deve se dizer mentiras ou cultivar esperanças pífias. Tenho medo pelo futuro do Brasil. A minha formação liberal me levou, sempre, a aceitar as diferenças. Aceito, como coisa boa, o convívio com pessoas de orientações políticas as mais diversas. Contam-se entre os meus amigos pessoas muito diferentes pelas suas convicções políticas, religiosas, filosóficas e sociais. Numa ocasião, uma amiga me postou no Facebook o seguinte comentário: “Você não se incomoda de, entre os seus amigos nas redes sociais, aparecerem muitos marxistas?” – “Não me incomodo, respondi-lhe, faço até questão de que eles conheçam os meus pontos de vista econômicos e políticos, pois do confronto entre as várias abordagens sai algo de positivo para o nosso convívio social”.
Mas confesso que com o PT perdi as esperanças. Como as perdi, em 1978, quando decidi sair da Colômbia e me radicar no Brasil, ao ensejo da campanha presidencial que então se desenvolvia no meu país natal. Participava então do Partido Liberal renovado que tinha se aglutinado ao redor do ex-presidente Carlos Lleras Restrepo (cujo mandato modernizador tinha transcorrido entre 1966 e 1970). Ele era o meu candidato nas eleições presidenciais que tiveram lugar em 78 e tomei parte ativa na campanha, percorrendo as regiões norte e noroeste do país, em companhia do meu saudoso amigo Orión Alvarez, então reitor da Universidade de Medellín, entidade na qual eu desempenhava as funções de diretor do Instituto de Postgrado e Investigación “Luis López de Mesa”.
Quando percebi que, na Costa Atlântica, os narcotraficantes estavam comprando votos em dólares e que o candidato apoiado por eles, Júlio César Turbay Ayala, do Partido Liberal oficialista, ganharia o pleito turbinado pelos “dineros calientes”, achei que tinha chegado a hora de salvaguardar a família e vir morar no Brasil, enquanto as coisas não melhorassem na minha pátria de origem. Numa das instituições de ensino em que lecionava, a conhecida Universidade de Antioquia, em Medellín, ao longo do ano de 1978 foram assassinados 18 professores de diferentes orientações políticas. Pensar e opinar tinha se tornado operação de alto risco! Foi difícil convencer a minha esposa de que deveríamos retornar ao Brasil. Ela gostava muito de Medellín (que então contava com pouco mais de um milhão de habitantes e era uma bela cidade). Ora, as coisas desandaram rapidamente na Colômbia, que mergulhou, sucessivamente, em duas guerras: a do narcotráfico e a das FARC, ambas potencializadas pela coca, deixando um negro saldo de mais de 200 mil mortos e aproximadamente 2 milhões de refugiados internos.
Volto à análise da nossa realidade brasileira. O PT conseguiu a façanha de esgarçar o tecido social e nos fazer embarcar, em treze anos de desastradas administrações, num navio sem rumo. O resultado de tudo isso é visível no terreno da violência: 50 mil assassinatos por ano cometidos com armas de fogo. Em todos os quadrantes do país sente-se essa situação de violência indiscriminada, que ataca a todos: ricos, remediados, pobres. A mais recente onda dessa dança macabra constitui o assassinato gratuito de cidadãos por arma branca, nas ruas e praias do Rio de Janeiro, cartão postal do país, que se prepara para as Olimpíadas de 2016. O Rio é a cidade onde mais cruamente aparecem os resultados de vários governos populistas, desde a época da primeira administração de Leonel Brizola (1922-2004), nos anos 80 do século passado.
Mas sob o império do lulopetismo o mal da violência se estendeu a praticamente todos os municípios brasileiros, de mãos dadas com a democratização do comércio da pedra da morte, o crack, tornado abundante e barato graças à ajuda do “companheiro” cocalero Evo Morales, da Bolívia, que duplicou a área de plantação de folha de coca para produção de cocaína e derivados. O Brasil virou a porta de exportação de narcóticos para a África Ocidental, tendo como cabeça de ponte as cidades do Nordeste, tradicionalmente mal aparelhadas no item segurança pública. Dos narco-Estados da África Ocidental, as drogas ganham os mercados europeu e norte-americano. O corredor de exportação de tóxicos estendeu-se também para a Venezuela, nova porta de saída das drogas. Esse país foi convertido pelo chavismo bolivariano num narco-Estado, que abastece regularmente o mercado norte-americano, com a intermediação dos cartéis mexicanos.
Graças a toda essa atividade marginal, os índices de violência quintuplicaram nas cidades e no interior dos Estados nordestinos, os mais pobres da União. Empresários brasileiros corruptos se associaram aos cartéis da coca, notadamente às FARC, que agem livremente em território venezuelano, para exportar a cocaína produzida no eixo andino e que já é refinada em laboratórios brasileiros. De outro lado, em 98 % dos municípios se comercializa o mais destrutor subproduto da coca, o crack, que é capaz de tornar dependente quem o consume uma só vez. Grande façanha dos lulopetralhas! Consequência direta: a violência disparou em cidades do nordeste e do interior do Brasil.
No poder, os lulopetralhas se especializaram na “honrosa” tarefa de facilitar as coisas para a implantação no Brasil da indústria da morte. A nossa vigilância de fronteiras, missão das Forças Armadas, simplesmente tem sido inviabilizada pela alta administração federal, mediante a conhecida prática do “contingenciamento” de gastos. Hoje os mais de 16 mil quilômetros de fronteira seca não conseguem ser vigiados a contento. As verbas solicitadas pelo Exército ao longo dos últimos dez anos para implantar o Sisfron, a fim de cumprir com a sua patriótica missão, simplesmente foram reduzidas a uma ridícula quantia, que mal dá para manter a tropa. Enquanto isso, o Instituto Lula e os petralhas enchem os bolsos com o dinheiro desviado dos cofres públicos, repassado inescrupulosamente pelas empreiteiras cooptadas pelo governo.
O PT conseguiu potencializar as raízes da violência, que já estavam presentes na formação patrimonialista do nosso Estado e que se reforçaram com o narcotráfico, mediante a disseminação, ao longo dos últimos treze anos, de uma perniciosa ideologia que já vinha inspirando a ação política do Partido dos Trabalhadores. Refiro-me à “revolução cultural gramsciana”.
Misturados no caldo de cultura do peleguismo, o princípio macunaímico do culto ao herói sem nenhum caráter e os imperativos revolucionários do cientificismo gramsciano, deram ensejo a amplo projeto de desconstrução de tudo que cheire à cultura das elites. Subiram ao cadafalso da guilhotina cultural os heróis nacionais, a moral familiar, a religiosidade tradicional. Tudo, como nos prolegômenos jacobinos da Revolução Francesa, passou a ser objeto da sanha revolucionária dos novos messias “orgânicos”, encarregados de garantir a hegemonia das classes populares. A antiga jurisprudência, consolidada em séculos de tradição legislativa, é substituída pelo denominado “direito alternativo”. Os heróis de antanho perdem lugar no pedestal da história, para novas figuras saídas das sombras do populismo. Dom João VI já tinha sido defenestrado por Carla Camurati no seu filme “Carlota Joaquina”, numa típica desconstrução gramsciana dos nossos valores nacionais. Nada presta, somente ficando em pé a retórica vazia da “revolução cultural”, em agressiva ascensão. As “místicas” encenadas habitualmente nas Escolas do MST são prova desse esforço da pedagogia salvadora. Os novos heróis serão todos aqueles que ameaçarem a ordem burguesa. O funk que embala as noitadas patrocinadas pelo narcotráfico, com ostensiva apologia do crime, do sexo entre adolescentes e do consumo de drogas, é guindado ás alturas de manifestação cultural autêntica. Nesse espaço de barbárie não é difícil imaginar a ascensão de novos próceres ligados à quebra de valores, como Marcola, Fernandinho Beira-Mar ou Champinha.
É fácil observar como esse contexto de “revolução cultural” fomenta a violência entre as pessoas e os grupos sociais. Os índices de violência e insegurança jamais decresceram durante os governos petistas. Muito pelo contrário: aumentaram, até chegar ao paroxismo em que nos encontramos, sendo que os cidadãos hoje são reféns do banditismo travestido de “direitos humanos” ou “movimentos sociais”. O único caminho para sair desse impasse consiste num duplo esforço, político e cultural, para tirar terreno dos petralhas e abri-lo à sociedade civil. É essencial que a sociedade brasileira continue pressionando os políticos para que as investigações da operação “Lava-Jato” cheguem a um término satisfatório, com a prisão dos corruptos e dos corruptores. Estes, ao contrário do que apregoa o PT, não estão entre os empresários, mas na cúpula do Partido dos Trabalhadores e nos altos escalões do governo.
No terreno cultural, é necessário criticar com assiduidade as perniciosas propostas do gramscismo, que constitui a ponta de lança dos petralhas para destruir os valores que dão sustentação à sociedade brasileira e que se situam na defesa da família, da livre empresa, da religião, do saneamento do governo representativo e da política em geral, da valorização das Forças Armadas e do culto aos verdadeiros heróis da nossa história, que não são os subversivos nem os larápios (como pretende fazer crer a intelligentsia petralha), mas as figuras de prol da nossa história, tão vilipendiada pelos doutrinadores de plantão.
Felizmente aparece no horizonte da sociedade brasileira progressivo movimento de grupos e de pessoas tendente à formulação de novas propostas políticas, que nos libertem da onda de desfaçatez e cinismo totalitário da petralhada. Nas manifestações dos últimos dois anos uma coisa fica clara: a sociedade brasileira está cansada com o PT e a sua ação destruidora. Os brasileiros querem, cada vez mais, novas instituições, que lhes garantam o tranquilo exercício da liberdade e o espaço pluralista necessário para formação dos seus filhos. Essa força crescente se faz sentir no Congresso, que tem acolhido, a partir da pressão das ruas e dos movimentos cívicos, propostas para melhorar a representação (como a do voto distrital, já aprovado no Senado e com debate marcado na Câmara dos Deputados). Contrariando a cultura gramsciana que permite atos de ódio contra a religião cristã (como se observou nas cenas cristofóbicas ocorridas na última parada Gay em São Paulo), a sociedade brasileira reivindica hoje o respeito aos símbolos da nossa tradição religiosa e a defesa do sadio pluralismo.
Do ângulo do debate de ideias aparecem no horizonte novas propostas liberais e conservadoras que lutam pela defesa de valores tradicionais da civilização ocidental, como o respeito à família, além do já mencionado apelo para a preservação dos símbolos religiosos caros à tradição brasileira. Não se trata de misturar religião e política, mas de abrir um espaço de liberdade para os cultos religiosos, longe da intolerância e respeitando o pluralismo de crenças. Formata-se, no seio da sociedade brasileira, forte movimento de organização de siglas partidárias que preservem esses elementos importantes da nossa cultura, com propostas de inspiração política liberal e conservadora. As próximas décadas verão surgir novas propostas políticas e partidos afinados com a atual realidade complexa e dinâmica da nossa sociedade, com a defesa da liberdade individual, a preservação dos valores caros à civilização cristã ocidental e a derrubada das tendências totalitárias que, fincadas no imperativo categórico de que “os fins justificam os meios”, têm tornado tão convulsa a vida social com a consequência direta dos índices crescentes de violência e criminalidade.
[1]Em encontro que tive em São Paulo, em Setembro de 1979,com o general Valencia Tovar, contou-me que ordenou aos soldados sob seu comando que poupassem a vida de Camilo Torres, caso o encontrassem. O ex-sacerdote terminou sendo morto na localidade de Patio Cemento (Departamento de Santander), num enfrentamento com uma coluna do Exército. Segundo os integrantes da mesma, o padre guerrilheiro praticamente se abalançou atirando sobre a coluna de militares, tendo sido baleado. Os seus restos mortais foram colocados provisoriamente, por ordem do general Valencia Tovar, no Panteão Militar de Bucaramanga, tendo sido postos à disposição da família. [2] TORRES, Camilo. "La violencia y los cambios socioculturales en las áreas rurales colombianas". In: Vários autores, Once ensayos sobre la violencia. Bogotá: CEREC/ Centro Gaitán, 1985, pgs. 106-107. [3]VIANNA, Francisco José de Oliveira. Populações meridionais do Brasil: vol. I - Populações rurais do centro-sul. 6ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1973, p. 142.