O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Carta Internacional: chamada para artigos

"Carta Internacional" Journal is dedicated to the publication of scientific papers related to international relations field. Its main objective is to promote qualified intellectual debate about fundamental issues of international relations that affect or are affected by Brazil.

The Journal was created in 1993 by the International Research Center of USP (University of São Paulo), and since 2011 it is under responsibility of Brazilian International Relations Association.

Carta Internacional publishes papers in Portuguese and in English that have relevant contributions to development of the international relations study in Brazil.

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Carta Internacional

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Associação Brasileira de Relações Internacionais - ABRI

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Dez grandes "derrotados" de nossa historia (agora o artigo completo) - Paulo Roberto de Almeida

Primeiro minha explicação ex-post, mas que deve ser lida previamente, depois o artigo (neste link: http://spotniks.com/dez-grandes-derrotados-da-nossa-historia-ou-como-o-brasil-poderia-ter-dado-certo-mas-nao-deu/).

Confesso que tenho duas grandes confissões a fazer: uma boa, outra menos boa. A boa é que eu gostei muito de escrever esse texto, que pode ser a base de alguma obra maior, sobre as grandes reformas nunca feitas em nosso país em 200 anos de história; ele estava há muito tempo em minha cabeça, mas nunca tinha feito sequer uma anotação para ele, pois a gente espera alguma grande oportunidade para sentar, pensar, refletir, pesquisar algumas coisas e depois elaborar algo mais estruturado. Pois bem, nunca tinha feito, pois essas oportunidades sempre são perdidas, como diria Roberto Campos. 
Foi preciso receber um convite do Rodrigo da Silva, do Spotniks, para escrever um texto sobre um assunto completamente diferente para eu me decidir finalmente a escrever; e ele veio de um só jato, como se diz; escrevi durante uma noite inteira, entre meia noite e cinco da manhã, que são as minhas melhores horas de escrita (para desconforto de alguns próximos). Eu gostei muito, portanto, de ter recebido o convite, o que me permitiu "desovar" algo que estava dormindo em minha cabeça desde algum tempo. 
Como sempre digo, quando me decido a escrever algo: o artigo (ou o livro) já está pronto, só me falta escrevê-lo, o que é a parte mais fácil (com alguma revisão posterior para corrigir os inúmeros erros de digitação e concordância que inevitavelmente surgem de uma escrita muito rápida, mas que não acompanha um pensamento duas vezes mais rápido). 
A confissão menos boa, mas que faço mesmo assim é que não gosto do título. Não gosto de ter chamado meus dez personagens de "derrotados", ainda que estas aspas possuem um enorme significado implícito, obviamente. 
Eu não considero esses brilhantes pensadores "derrotados", inclusive porque eles integram a memória coletiva de nosso povo como alguns dos melhores brasileiros que se esforçaram para fazer do país uma sociedade melhor, mais justa, mais moderna, mais conforme os valores universais do direito e da democracia. 
Mas optei por deixar "derrotados" (que devem ser lidos sempre com aspas) com o objetivo precípuo de chocar, de impactar, de incitar à curiosidade os estudantes mais jovens pela história, pela obra e pelo pensamento desses brasileiros geniais, e possivelmente estimular mestrandos e doutorandos a pesquisar sobre seus projetos de reforma, e de trazer novamente à tona uma agenda inconclusa de modernização do país, de sua política e de sua economia, enfim, projetos para "civilizar" o Brasil, como diziam os primeiros pensadores da nacionalidade. 
Estas são as minhas reflexões adicionais sobre esse texto que me deu imenso prazer ao "retirá-lo" de minha cabeça e colocar sob a forma de um arquivo eletrônico, agora à disposição dos interessados graças à generosidade do Rodrigo da Silva e do Spotniks. 
Vale!
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 14/02/2016



Dez grandes derrotados da nossa história (ou, como o Brasil poderia ter dado certo, mas não deu)

 O Brasil, já disse alguém, não é para principiantes. Vamos admitir que a frase expresse a realidade, ainda que ela seja uma mera banalidade conceitual. A verdade é que nenhuma sociedade urbanizada, industrializada, conectada, ou seja, complexa, como são quase todas as nações contemporâneas, é de fácil manejo para amadores da vida política ou para iniciantes no campo da gestão econômica. Não deveria haver nada de surpreendente, portanto, em que o Brasil, de fato, não seja para principiantes, como dito nesse slogan tão folcloricamente simpático quanto sociologicamente inócuo.

Mas atenção: a frase é, sim, relevante pelo lado do seu exato contrário. O mais surpreendente, no caso do Brasil, está em que o país não é de rápida explicação ou de fácil interpretação nem mesmo para pensadores distinguidos e intelectuais de primeira linha (eles o são, de verdade?). Ele tampouco parece ser de simples manejo mesmo para estadistas da velha guarda (nós os temos?), para políticos experientes (parece que ainda existem), sem esquecer os empresários inovadores (quantos são, alguém sabe dizer?) ou para economistas sensatos (seria uma espécie rara?). O Brasil já destruiu mais de uma reputação política, como continua desafiando as melhores vocações de “explicadores sociais” (inclusive brasilianistas), com o seu jeito sui-generis de ser. Existe, por exemplo, alguma explicação sensata para o fato de que “o país do futuro”, o “gigante inzoneiro”, a terra dos recursos infinitos, seja ainda uma sociedade desigual, ricamente dotada pela natureza, mas com muitos pobres, milhões deles, uma nação até materialmente avançada, mas (aparentemente, pelo menos) mentalmente atrasada? O que é que nos retém na rota do desenvolvimento social integrado? Quais são os formidáveis obstáculos, quantas e quais são as barreiras intransponíveis?
Não foram poucos os espíritos corajosos que tentaram vencer essas dificuldades e nos colocar num itinerário de progresso sustentado. A maior parte acabou derrotada por um conjunto variado de circunstâncias cuja identificação exata requereria um batalhão de sociólogos, dos melhores. Vamos repassar, ainda que brevemente, o itinerário de dez grandes personalidades que, em momentos decisivos da história do Brasil, viram seus projetos e propostas de reformas ou de melhorias para o país totalmente frustrados em função das condições ambientes, por força da oposição de outros personagens ou de grupos poderosos, ou pelo fato de que eles mesmos não souberam, ou não puderam, obter apoios suficientes para que suas propostas de políticas públicas fossem, em primeiro lugar, aceitas por outros dirigentes, ou pela opinião pública, depois seguidas pela coalizão dominante a cada momento e, finalmente, implementadas na forma por eles concebida inicialmente. A maior parte desses homens não foi sequer consolada, em vida, por aquele famoso dístico de bandeira estadual: “ainda que tardia”.

1) Hipólito José da Costa

HipolitoJoseCostaRetrato
Nascido na Colônia do Sacramento, criado em Rio Grande, espírito iluminista, liberal econômico, assessor, durante algum tempo, do grande estadista português da passagem do século 19, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o conde de Linhares, para quem investigou as inovações econômicas e melhoramentos agrícolas da jovem República americana nos anos finais do século 18, e por quem foi enviado à Inglaterra para adquirir equipamentos gráficos, para modernizar a imprensa do Reino, e onde se tornou maçom, foi preso e torturado pela Inquisição ao retornar a Portugal, tendo conseguido fugir após alguns anos de cárcere. Estabelecido na Inglaterra desde então, Hipólito deu início ao primeiro jornal independente brasileiro, o Correio Braziliense, que editou sozinho em Londres desde a transmigração da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, até que fosse confirmada a independência e a separação do, até então, Reino Unido, no final de 1822. Nomeado cônsul do Brasil em Londres, por José Bonifácio, Hipólito ainda teve tempo de enviar-lhe, em fevereiro de 1823, um ofício propondo reformas nos correios, nos transportes e na colonização, mas não para tomar posse do cargo para o qual estava preparado como nenhum outro brasileiro.
Seu Correio Braziliense forneceu, durante exatos quatorze anos e sete meses ininterruptos, material de informação, de reflexão e de críticas a todos os dirigentes portugueses (que o liam à sorrelfa) e aos brasileiros ilustrados, constituindo o maior repositório de dados e análises fiáveis sobre o estado do reino de Portugal, sobre a situação da Europa napoleônica e pós-napoleônica, sobre as Américas em geral e sobre o Brasil em particular. Seu “armazém literário” constitui o mais completo manual de políticas públicas e de economia política – no sentido de estadismo para a prosperidade dos povos, como a definia Adam Smith – cujo grande objetivo era o de ajudar o Brasil e os “brazilienses” a enriquecer rapidamente, como ocorria então na Inglaterra. Muitos ministros do reino, em Portugal e no Brasil, concordavam com ele, mas às escondidas, pois não o podiam revelar, ainda que um ou outro mais ousado tentasse convencer o príncipe regente, depois D. João VI, do acertado daqueles críticas e propostas de políticas, inclusive no que se referia aos tratados desiguais com a própria Inglaterra. Infelizmente seus conselhos foram raramente seguidos e ele veio a morrer antes de poder servir de forma mais efetiva ao país que era o seu, mas que tinha abandonado ainda muito jovem para nunca mais voltar.

2) José Bonifácio de Andrada e Silva

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As mesmas ideias defendidas por Hipólito, de monarquia constitucional e de fim da escravidão, foram esposadas por José Bonifácio, grande intelectual nascido em Santos, SP, homem de ciência e de grandes luzes, membro de diversas academias europeias, combatente contra as tropas napoleônicas em Portugal, antes de retornar ao Brasil para servir ao Reino Unido e se converter no verdadeiro artífice da independência do Brasil. Proclamada esta, ele pretendia, já na Assembleia Constituinte, libertar o Brasil da mácula do tráfico escravo e, assim que possível, da nódoa da escravidão, conseguindo braços para a lavoura e para a formação de uma sólida economia agrícola entre camponeses imigrados europeus. Como Hipólito, e como tantos outros abolicionistas, José Bonifácio foi derrotado pela coalizão de mercadores de escravos e de grandes proprietários de terras, abandonado, aliás, pelo próprio Imperador, que aproveitou-se do recrudescer das turbulências políticas na Assembleia Constituinte e das divisões políticas entre os maçons para decretar o encerramento do breve exercício de ordenamento constitucional, “cassar” os seus membros e exilar ou prender toda a família dos Andradas. Bonifácio foi mais uma vez para a Europa, e só retornou ao Brasil para ser preceptor, por breve tempo, do menino Pedro de Alcântara, mas já sem condições de influenciar a política no período regencial. Foi um dos grandes derrotados de nossa lista de estadistas-idealistas.

3) Irineu Evangelista de Souza

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O gaúcho de nascimento e self-made man só adquiriu o título nobiliárquico de Barão de Mauá (depois Visconde, em 1875) na data da inauguração, em 1854, do primeiro trecho da ferrovia Rio-Petrópolis, entre o porto de Mauá, na baia da Guanabara, e o pé da serra de Petrópolis. Antes disso ele já tinha amealhado fortuna com seus empreendimentos industriais (sobretudo estaleiros) e comerciais (em especial seus bancos, no Brasil e em diversas capitais estrangeiras). Homem possuidor do mesmo espírito empreendedor e liberal de seus tutores ingleses (primeiro numa casa de importação no Rio, depois mediante viagem à Inglaterra, em 1840), ele enfrentou inúmeras dificuldades num país escravocrata e caracterizado pela mão pesada do Estado em todo e qualquer setor da economia (o governo tinha de autorizar qualquer novo empreendimento que ele desejasse fazer), e teve vários atritos com ministros de sucessivos gabinetes do Segundo Império; essas desavenças o levaram à ruina comercial e financeira, e obstaram a que suas ideias progressistas pudessem ser reconhecidas como válidas e implementadas num país em que o status de senhor de escravos ainda era sinal de distinção.
O historiador Nathaniel Leff, heterodoxo entre os intérpretes de nossa história econômica, afirma que o atraso do Brasil não se situa tanto na colônia, como afirmam vários historiadores consagrados, mesmo os da vertente marxista, mas precisamente no período do Segundo Império, quando o Brasil perde a oportunidade de implementar as reformas preconizadas por Mauá, seja no terreno da força-de-trabalho, seja na política monetária, ou no ambiente de negócios e no da infraestrutura. Não há nenhuma dúvida que, ao final do Império, o Brasil teria sido um país muito diferente se as ideias (não só econômicas) de Mauá tivessem sido implementadas como políticas públicas. Ele foi, provavelmente, o primeiro empresário derrotado de nossa história.

4) Joaquim Nabuco

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O “aristocrata” da zona da mata de Pernambuco é mais um derrotado de nossa lista, não exatamente enquanto publicista – terreno no qual ele foi brilhante – ou como diplomata do Império e da República, mas enquanto abolicionista, a despeito de suas raízes nos engenhos de açúcar do Nordeste. Intelectual blasé, ele bateu-se com denodo pela causa da emancipação, e seu livro sobre o abolicionismo (publicado em Londres em 1883) foi decisivo na intensificação da campanha, nessa mesma década. Mas ele já tinha sido derrotado antes, pois que não conseguiu reeleger-se para sua primeira cadeira de deputado, conquistada em 1878, assim como viu frustrada sua campanha pela laicização do Estado Imperial, que tinha a religião católica como oficial. Mesmo quando da abolição, por decreto imperial, suas propostas para que a emancipação dos escravos fosse acompanhada de um grande programa de reforma agrária e da universalização da educação pública, compulsória e gratuita, com vistas à elevação do padrão educacional de milhões de brasileiros pobres, e não apenas dos negros libertos, jamais foram seriamente consideradas pela República oligárquica.
Ele afastou-se da política, como monarquista que era, e dedicou-se aos livros e à história. Só retornou à vida pública para novamente dedicar-se à diplomacia, não para defender o regime, mas para servir ao país. O retorno lhe deu ainda mais desgosto, no caso da arbitragem italiana sobre a questão da Guiana, fronteira com a colônia britânica: a Grã-Bretanha abocanhou quase 50% a mais do território disputado do que foi concedido ao Brasil, nascendo aí seu acentuado monroismo, ou americanismo, ao considerar que das potências europeias o Brasil não deveria esperar nada. Do nosso ponto de vista, entretanto, o Nabuco “derrotado” que interessa registrar é o das nunca implementadas propostas de reforma agrária e de educação pública em favor de negros libertos e dos brancos pobres, na verdade para todos.
O Brasil republicano, desde o início, e provavelmente até hoje, continua a pagar muito caro pela ausência de medidas desse tipo, para elevar a capacidade produtiva do seu povo. A reforma agrária, na verdade, na prática se tornou inócua pela modernização capitalista da economia rural, mas no campo da educação continuamos a exibir atrasos, se não quantitativamente (a taxa de escolarização, no início do primário, alcançou, por fim, a dos países avançados, mas 150 anos depois), certamente em qualidade do ensino.

5) Rui Barbosa

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Conselheiro do Império, primeiro ministro da Fazenda do novo regime, no governo provisório de Deodoro, quando empreendeu algumas boas reformas e outras menos boas, o homem mais inteligente do Brasil (segundo os baianos), foi, antes de tudo, um pensador, um doutrinário e um publicista (e um dos mais prolíficos do Brasil, que nunca publicou um livro sequer, mas que tem obras completas em dezenas de volumes). Ele é usualmente definido como um polímata, pois suas atividades e escritos abrangiam os mais diversos domínios do conhecimento humano, com especial predileção pelo direito. Logrou sucesso em muitos dos empreendimentos que lhe foram oferecidos ou para os quais ele se voluntariou, em virtude de seus vastos conhecimentos jurídicos; voltou da Segunda Conferência Internacional da Paz da Haia, em 1907, como um herói, o “Águia de Haia”, como exageradamente seus conterrâneos chamaram-no.
Mas também acumulou vários insucessos, entre eles a mal concebida reforma bancária do início da República, que acabou resultando numa violenta especulação, o chamado Encilhamento. Opôs-se a Rio Branco na compra do Acre à Bolívia, e saiu ruidosamente da delegação negociadora. Sua maior derrota, porém, não para ele, mas para o Brasil, foi ter perdido o pleito presidencial de 1910 para o Marechal Hermes da Fonseca, militarista como seria de se esperar, mas sobretudo prepotente, mandando submeter a golpes de canhão os governadores recalcitrantes dos estados que não o obedeciam. Por isso mesmo, o chanceler Rio Branco, angustiado, pensou em se demitir do seu cargo, sucessivamente renovado em quatro governos: coitado, morreu logo após.
A derrota para Hermes da Fonseca foi uma derrota para o Brasil, no sentido em que representou a consolidação do arbítrio como norma de governo, um golpe de Estado permanente contra vários princípios constitucionais, a ofensa aos adversários políticos (considerados inimigos) como coisa corriqueira, o despotismo do Executivo sobre os demais poderes. Rui se exasperava em face do desprezo que o governo exibia contra os mais comezinhos valores da democracia, entre eles as liberdades individuais e o pleno vigor do Estado de direito. Seus artigos, conferências e palestras dos últimos anos revelam justamente sua revolta contra o desrespeito demonstrado pela maior parte dos políticos – e dos militares – às normas mais elementares do sistema democrático. Como seu amigo Nabuco, ele faria um excelente ministro – talvez até primeiro – de um sistema parlamentar ao estilo inglês (se possível de uma monarquia constitucional, pois a despeito do seu republicanismo, Rui, a exemplo de Oliveira Lima, se decepcionou rapidamente com aquela república), ou de um governo congressual ao estilo americano, como preconizado pelo professor de Princeton Woodrow Wilson, mais tarde presidente. Como os anteriores, Rui também foi um derrotado, não apenas nos seus princípios e convicções, mas também em suas tentativas práticas de democratizar plenamente e de enquadrar o Brasil num Estado de direito efetivo.

6) Monteiro Lobato

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O filho de fazendeiros do Vale do Paraíba se espantou desde cedo com a inacreditável miséria dos caboclos do interior, que ele imortalizou na figura emblemática do Jeca Tatu. Ele constatou as condições sanitárias abomináveis dos matutos do interior e, sobretudo, a ignorância abismal desses homens que sequer tinham consciência de sua condição ou da existência de um país chamado Brasil. Seus muitos artigos de imprensa, sua atividade de editor, seus diálogos imaginários sobre nossos problemas com um inglês da Tijuca – Mister Slang e o Brasil –, todos eles batem na mesma tecla: o Brasil é um país profundamente atrasado, tão arcaico a ponto de ser derrotado pelas saúvas e por endemias eternas, e só teria salvação se empreendesse um vigoroso esforço de modernização, de preferência modelado no exemplo americano.
O fordismo lhe parecia a solução ideal para nossa débil industrialização, e o petróleo seria o combustível indispensável à redenção da nação. Lobato está na origem do “petróleo é nosso”, mas ele não era um chauvinista, um patriota rústico que queria afastar o capital estrangeiro do esforço de capacitação industrial e tecnológica. Ele se batia contra os “trustes estrangeiros” não porque fossem estrangeiros, mas porque via neles uma conspiração contra a prospecção de poços no Brasil, ao preferirem as jazidas mais fáceis do Oriente Médio. Achava que o governo não fazia esforços suficientes nessa direção, e denunciou o “entreguismo” da ditadura Vargas: por isso foi processado e preso. Mas a sua concepção de progresso era indiscutivelmente americana: ele foi mais um derrotado pelo nacionalismo rastaquera e pelo estatismo arraigado nos corações e mentes das elites políticas e industriais. Só o fato de proclamar o valor dos livros na construção da nação já lhe valeria a entrada num panteão da pátria. Pena…

7) Oswaldo Aranha

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Paradoxalmente, só foi derrotado quando finalmente chegou ao momento de maior glória, e pelo próprio homem que ajudou a colocar no poder. A “estrela da revolução liberal” de 1930, foi de fato o homem que “liquidou” a República Velha, ante as hesitações e dúvidas de Getúlio Vargas quanto às chances de vitória do movimento contra Washington Luís e seu presidente eleito do bolso do colete. Não fossem os esforços decididos de Aranha, no sentido de unir gaúchos e mineiros, e de aliciar forças decisivas no Exército e nas tropas estaduais militarizadas, a revolução de 1930 não seria o marco da modernização do Brasil e da construção de um Estado moderno, não mais a “República carcomida” das oligarquias do café-com-leite. Sucessivamente ministro da Justiça, da Fazenda (quando ele encaminha os problemas da dívida externa e dos estoques de café) e embaixador em Washington, Aranha estava no auge de sua glória quando decide abandonar, por desgosto, seu posto diplomático, na sequência do Estado Novo, em novembro de 1937, que repudiou imediatamente.
Foi apenas sua amizade com Vargas, e a necessidade que este tinha de manter as melhores relações possíveis com os americanos – a despeito de suas notórias simpatias pelos regimes fascistas da Europa – que explicam seu retorno à política, como chanceler do Estado Novo, de março de 1938 a agosto de 1944. Sua ação à frente do Itamaraty foi decisiva para conter a inclinação de muitos dos expoentes do regime por uma aliança com as potências nazifascistas, aparentemente invencíveis no início dos anos 1940, e para ancorar vigorosamente o Brasil no grupo das Nações Aliadas.
Aranha sempre foi um candidato natural das forças democráticas à presidência da República: hipoteticamente em 1934, numa eventual escolha alternativa pela Constituinte (e provavelmente por isso, Vargas decidiu manda-lo para Washington); talvez em 1938, se as eleições previstas não tivessem sido cortadas pelo golpe de Estado; possivelmente ao final do Estado Novo, quando Vargas ainda manobrava para continuar, depois indicando um sucessor de sua escolha; em 1950, quando foi sondado, mas preferiu deixar o terreno livre para o ex-ditador; ou ainda, e finalmente, à morte deste, nas eleições de 1955, disputadas por muitos candidatos bem menos qualificados do que ele. Foi uma pena que sua falta de ambição, e sua fidelidade irrestrita ao “irmão maior” que era Vargas, obstaram que ele galgasse o posto mais alto da República.
Para se ter uma ideia de como o Brasil poderia ter sido diferente, se ele tivesse ascendido ao comando da nação, basta ler a carta que Aranha enviou a Vargas para que este discutisse os assuntos da guerra e da paz no encontro que o ditador teria em Natal com Franklin Roosevelt, em janeiro de 1943. O maquiavélico ditador não só o afastou traiçoeiramente dessas conversações, mas também impediu um encontro especial que se realizaria em Washington com o presidente americano no mesmo mês em que Aranha foi humilhado pela polícia política do regime, no triste episódio da Sociedade das Américas, em agosto de 1944, o que acabou determinando sua saída da chancelaria.
Naquela carta, Aranha delineou não apenas um esquema de aliança com os EUA, para ganhar a guerra, mas também uma estreita cooperação para participar da nova ordem mundial a partir da restauração da paz; ele incluiu, sobretudo, um programa inteiro de modernização industrial e de capacitação do Brasil, com ajuda americana, de molde a realmente impulsionar o grande deslanche do país à condição de potência regional (num esquema não muito diferente da aliança não escrita defendida por Rio Branco, e mais enfaticamente por Nabuco, no começo do século). O Brasil teria sido um país muito diferente do que foi o caso, e certamente melhor, se Oswaldo Aranha tivesse ascendido à presidência e imprimido um estilo de governança e de políticas econômicas bem mais abertas e propensas à integração na política e na economia mundiais.

8) Eugênio Gudin

gudin
Um personagem nascido no século 19, que quase atravessou todo o século 20, pregando sempre as mesmas ideias liberais em economia e de simples sensatez na gestão pública. Formado em engenharia, mas economista por gosto, Gudin foi um aderente da escola neoclássica, mas de fato um eclético, e o responsável pela institucionalização dos cursos de economia nas faculdades brasileiras de humanidades e de ciências sociais em 1944. No mesmo ano, e no seguinte, foi protagonista do mais importante debate jamais ocorrido na história intelectual do Brasil; este representou, na verdade, um anticlímax, no sentido em que sua importância tanto teórica quanto prática foi deixada de lado pelo “curso natural das coisas”, ou seja, pela continuidade, em nossa governança, das mesmas inclinações e tendências estatizantes e intervencionistas que caracterizam o universo conceitual das lideranças políticas e empresariais do país.
O debate ocorreu quando se discutia abandonar os mecanismos intervencionistas em vigor durante o período bélico para adotar novos instrumentos capazes de guiar a ação do Estado no apoio ao processo de industrialização (sinônimo de desenvolvimento na concepção da época). Gudin, que naturalmente defendia princípios liberais e mecanismos de mercado para guiar a ação do Estado no fomento desse processo, teve como contendor no debate o industrial e intelectual – professor na Escola Paulista de Sociologia e Política – Roberto Simonsen. Em 1930, fez traduzir e publicar pelo CIESP, o Centro da Indústria do Estado de São Paulo, que ele tinha criado em oposição à FIESP, o livro do economista romeno Mihail Manoilescu, Teoria do Intercâmbio Desigual e do Protecionismo, uma atualização “científica” das ideias de Friedrich List. Simonsen, obviamente, se bateu pelo planejamento estatal, pelo protecionismo tarifário e pelos subsídios oficiais à “indústria infante”, enfim, todo o contrário do que pensava e preconizava Gudin, que era pela adesão do Brasil aos princípios das vantagens comparativas, que recomendavam incrementar o esforço de modernização agrícola, melhorar a infraestrutura e o capital humano, e manter uma governança econômica em bases sólidas e fiscalmente equilibradas.
O resultado do debate foi mais uma vez paradoxal: Gudin saiu-se como o seu vencedor teórico, ao demonstrar a inconsistência lógica e a escassa solidez prática dos argumentos de Simonsen. Mas este foi, ao fim e ao cabo, o vencedor efetivo do debate, uma vez que, no decurso das décadas seguintes, todos os governos, apoiados pelos industriais e pelos empresários em geral, seguiram as recomendações dos estatizantes, dos nacionalistas primários, dos protecionistas declarados, que sempre foram legião em todas as esferas da administração pública e na vida civil do país. Mais uma vez, o derrotado foi o Brasil, único país no mundo a ter conhecido oito (OITO) moedas sucessivas no espaço de pouco mais de meio século: mil-réis, cruzeiro, cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo, cruzeiro, cruzeiro real, real. Não é preciso referir-se aos números astronômicos dos nossos processos inflacionários para constatar os desastres criados pelos êmulos de Roberto Simonsen, que eliminaram na prática as receitas mais equilibradas e ponderadas do longevo Gudin. Ele continuou, até o final de sua vida secular, a preconizar as mesmas receitas, sempre para ser derrotado pela realidade.

9) Roberto Campos

roberto campos
O ex-seminarista que se fez diplomata às vésperas da Segunda Guerra, teve a chance de servir em Washington quando se realizou a célebre conferência de Bretton Woods, em 1944, na qual ele era um simples assessor, e não um delegado. O mesmo ocorreu na conferência de Havana, sobre comércio e emprego, em 1947-48, quando ele continuou a aperfeiçoar seu conhecimento prático de economia, ao mesmo tempo em que fazia um mestrado nessa área na George Washington University, quando defendeu uma tese sobre os ciclos econômicos, de tinturas tanto neoclássicas quanto precocemente keynesianas. Ele ainda era um partidário do Estado promotor do desenvolvimento econômico, quando exerceu o cargo de diretor no BNDE, nos anos 1950, quando colaborou na arrancada dos “cinquenta anos em cinco” do governo JK, que também elevou a inflação a patamares nunca antes vistos no Brasil, inclusive com a construção de Brasília (que foi feita sem orçamento, à margem do orçamento e contra o orçamento, à razão de 1,5% de déficit fiscal durante quatro anos).
Não surpreende, assim, que o Brasil fosse levado a uma situação de grave desequilíbrio orçamentário e de enormes problemas de balanço de pagamentos no início dos anos 1960, quando ele foi, durante três anos, embaixador em Washington. Ele se demitiu do posto, exasperado com a inépcia de Jango, três meses antes do golpe de 31 de março de 1964, cujos líderes o guindaram à função de ministro do planejamento, em dobradinha com o ministro da Fazenda Octávio Gouveia de Bulhões. Ambos, entre 1964 e 1967, conduziram o mais importante processo de reformas econômicas e administrativas jamais empreendido no Brasil, um conjunto ambicioso de mudanças constitucionais e de medidas infraconstitucionais que abriram o caminho para o mais vigoroso ciclo de crescimento de nossa história econômica.
Paradoxalmente, porém, os dois, ainda que liberais em espírito e em intenção, foram também os responsáveis pelo início da mais imponente escalada econômica estatal jamais vista nessa mesma história. Não só eles, pois que seus sucessores, em especial os acadêmicos Delfim Netto e Mário Henrique Simonsen, impulsionaram, com o apoio entusiasta dos militares reformistas, esse engrandecimento inédito do ogro estatal, elevando enormemente a carga fiscal – a pretexto de aumentar o investimento público –, criando dezenas de estatais em todos os setores considerados “estratégicos”, não apenas para a economia, mas também para a “segurança nacional”. De certa forma, o Brasil do regime militar conduziu uma espécie de “stalinismo para os ricos”, uma industrialização “num só país” que respeitava inteiramente o vezo nacionalista rústico dos militares e sua preferência pela mais acabada autarquia produtiva, essa introversão míope que tinha sido a marca dos regimes fascistas da Europa dos anos 1930 (por acaso, um período no qual muitos dos líderes da “revolução de 1964” estavam estudando nas academias militares e aprendendo rudimentos econômicos de “independência e de soberania nacional”).
Roberto Campos detectou desde muito cedo essa deriva do Estado reformista-modernizador dos militares para um “complexo industrial-militar” orientado mais pelos princípios da “segurança nacional” do que pelos saudáveis valores da economia de mercado; passou o resto de sua vida tentando reverter o intervencionismo exacerbado do regime militar e o nacionalismo tosco dos políticos da redemocratização. Sem sucesso, porém: como Raymond Aron, na França, que durante anos lutou contra os instintos socialistas da intelectualidade parisiense, Campos lutou contra a indigência mental de nossos políticos e a ignorância econômica da maior parte da intelligentsia nacional (que Millor Fernandes chamava de “burritsia” acadêmica). Como Aron, igualmente, só foi reconhecido como visionário ao final da vida, e ainda assim, nem um, nem outro, conseguiu recolocar os respectivos países no caminho das reformas liberais e pró-mercado. A despeito de ter acertado em praticamente 90% do que escreveu durante toda a sua vida, Campos foi ironicamente derrotado por uma de suas mais conhecidas ironias: “o Brasil é um país que não perde oportunidade de perder oportunidades”.

10) Gustavo Franco

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Um dos mais jovens expoentes da equipe que idealizou, montou e administrou o lançamento do Plano Real, o mais bem sucedido esforço de estabilização macroeconômica conhecido em nossa história econômica – hoje, infelizmente, ameaçado pela Grande Destruição lulopetista –, que exibe a distinção adicional de ter concebido o regime de transição da antiga e desvalorizada sétima moeda de nossa história monetária para o Real, mediante a indexação monetária via URV, cuja inspiração lhe tinha sido dada ao estudar a experiência alemã de saída da inflação, em 1923. Ele também foi o defensor de uma política de capitais e de câmbio bem mais livre do que o normalmente admitido tradicionalmente, não apenas nas faculdades de economia, mas sobretudo nos escalões governamentais, não obtendo inteiro sucesso nessa área, em razão, como sempre, dos azares da política.
A primeira versão do Plano Real previa um esforço de ajuste fiscal bem mais severo do que o efetivamente realizado, não implementado porque o presidente Itamar Franco queria uma “estabilização sem recessão”. Foi preciso, assim, manter os juros num patamar bem mais elevado do que o adequado, pois que a âncora fiscal, que deveria ter sido implantada, foi substituída por uma âncora cambial, que redundou, contra a vontade de muitos economistas, numa excessiva valorização do Real (daí os desequilíbrios de transações correntes acumulados na segunda metade dos anos 1990). O resultado foi a crise de 1998-99, ainda assim provocada por fatores externos: as crises asiáticas de 1997 e a moratória russa de agosto de 1998, que impactou diretamente o Brasil; a situação foi enfrentada mediante um programa de apoio financeiro das instituições de Bretton Woods e de países credores, com sucesso relativo até a década seguinte, quando a crise argentina, o apagão elétrico e as eleições de 2002 (e os efeitos econômicos do PT) agravaram o quadro de turbulências no Brasil.
Gustavo Franco, que tinha sido secretário de política econômica na gestão Itamar e depois diretor de assuntos internacionais do Banco Central, ao iniciar-se a gestão FHC, foi elevado à condição de presidente do BC em meio às turbulências financeiras da crise asiática; conduziu um meticuloso programa de ajustes cambiais que, teoricamente pelo menos, permitiriam ao Brasil compensar a valorização por etapas, para evitar uma grave crise e mais inflação. A pressão dos mercados, e do próprio jogo político, foi entretanto mais forte, e Gustavo se viu constrangido a sair do BC no auge da desvalorização cambial do início de 1999, e antes do estabelecimento dos regimes de metas de inflação e de flutuação cambial, finalmente adotados por Armínio Fraga, levado à presidência do BC pouco depois. Uma história completa desses episódios, do ponto de vista da política cambial, ainda está para ser escrita e o próprio Gustavo é um bom candidato para empreender a tarefa. Mas esse é apenas um detalhe num itinerário de reformas tentativas que Gustavo Franco tentou impulsionar e que aguardam ainda hoje para serem continuadas e completadas.
A importância de Gustavo Franco, como economista e intelectual, está em sua condição de debatedor, de publicista, ao defender em seus muitos artigos, entrevistas e palestras, e em diversos livros, o Plano Real como apenas o início de um processo de reformas e de mudanças estruturais no Estado e na economia do Brasil que o levariam da condição de adepto eterno de um keynesianismo de botequim e de um cepalianismo tosco ao status de “país normal”, ou seja, simplesmente aderente de regras claras, estáveis e transparentes de gestão econômica, como compete a qualquer país dotado de uma economia de mercado digna desse nome. Infelizmente, a gestão econômica companheira fez o Brasil retroceder pelo menos vinte anos economicamente, e muito mais ainda moralmente falando. Gustavo Franco também foi um derrotado, ainda que temporariamente, uma vez que as reformas que ele preconizava não foram, senão minimamente, implementadas nos anos seguintes, e muitas delas revertidas na gestão irresponsável dos lulopetistas. Seus escritos e declarações indicam o que está aberto nessa agenda de “work in progress” (na verdade, evoluindo para trás, atualmente).

Os “derrotados” do desenvolvimento brasileiro: um balanço frustrante

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Todas as personalidades brevemente referidas aqui foram, em primeiro lugar, pensadores, intelectuais com distintas formações acadêmicas – ou na vida prática, como Irineu Evangelista de Souza – e com diferentes situações sociais, de atuação no setor público e de responsabilidade nos governos aos quais serviram ou com os quais trabalharam – ou não, caso de Hipólito e Monteiro Lobato. Vários conceberam planos mais ou menos arrojados para o futuro do Brasil, alguns com projetos ambiciosos de mudanças estruturais, outros – como Gudin – com um cuidado mais prosaico com uma gestão simplesmente responsável da coisa pública. Todos eles preconizaram reformas corajosas para eliminar obstáculos e enfrentar os problemas e desafios que constatavam existir no itinerário do desenvolvimento brasileiro.
De certa forma, muitos deles foram visionários, mas sensatos, no sentido em que nenhum deles concebeu qualquer projeto utópico de reforma integral, revolucionária, da sociedade brasileira. Nenhum deles foi um “engenheiro social”, no sentido várias vezes criticado por um pensador liberal como Isaiah Berlin: todos eles preconizaram atuar nos quadros dos regimes constitucionais em vigor, respeitando as mais amplas liberdades – sobretudo a de empreender – e os princípios e valores dos regimes democráticos. Não por acaso, as propostas por eles formuladas se aproximavam do modelo constitucional e de governança de corte britânico, de amplo sucesso prático nos Estados Unidos e nos países que institucionalmente e culturalmente pertencem ao mesmo arco civilizatório.
Nenhum deles teve sucesso – no máximo parcial – nas reformas e nas medidas preconizadas para levar o Brasil a um patamar mais alto de desenvolvimento político, econômico e social, num processo de total respeito às regras elementares do jogo democrático, como diria Norberto Bobbio. Aliás, o jurista e filósofo italiano, a despeito de seu imenso sucesso intelectual e do prestigio cívico alcançado, foi outro derrotado em seu próprio país, por acaso caracterizado por uma governança quase tão corrupta quanto a brasileira.
Todos os brasileiros, se tivessem logrado sucesso na implementação das medidas propostas – se tivessem sido por acaso guindados a posições de mais alta responsabilidade governativa, o que ocorreu unicamente com José Bonifácio, mas ele foi rapidamente “podado” pelo seu soberano – teriam provavelmente mudado o Brasil de uma forma mais profunda, mais intensa, e mais positiva do que efetivamente ocorreu nos dois séculos que levam de Hipólito José da Costa a Gustavo Franco. Este último continua um batalhador incansável pelas reformas necessárias, e o único “sobrevivente” (com perdão pela palavra) nesta nossa seleção: a ele cabe manter a tocha das reformas, em primeiro lugar como publicista, eventualmente, e novamente, como reformador.
No momento em que o Brasil enfrenta a mais grave crise de sua história – certamente na esfera econômica, mas também, e sobretudo, no plano moral – é útil refletir sobre todas essas oportunidades perdidas, sobre a ação, em grande medida frustrada, de todos esses “derrotados” na prática. Do meu ponto de vista, eles são vitoriosos morais, gigantes intelectuais da modernização e do progresso brasileiro, que, por um conjunto variado de circunstâncias, não puderam conduzir suas propostas a bom termo, ou que não tiveram a oportunidade, em virtude de um ambiente particularmente negativo para os reformistas de qualquer quilate, de vê-las implementadas pelos tomadores de decisões de cada momento. A “agenda conjunta” de reformas modernizadoras – e corretoras de nossos grandes defeitos sociais –, que todos eles preconizavam, permanece inconclusa: na verdade, ela só existe no papel, num exercício como este de levantamento das nossas lacunas e omissões, uma vez que não pudemos contar, ainda, com estadistas que as implementassem verdadeiramente, com base num consenso necessário e no respeito das liberdades democráticas.
A pergunta final é inevitável: quando vamos contar com personalidades que se apoiem nas propostas desses gigantes intelectuais para arregaçar as mangas e “civilizar o Brasil”, na linguagem dos próceres da independência? Não sabemos ainda. Mas seria útil retomar cada uma das propostas desses pioneiros, para ver o que ainda falta fazer no Brasil. Mãos à obra, pesquisadores e ativistas: a agenda já existe. Cabe agora debater os meios de implementá-la, para passarmos da condição de “derrotados” à de vencedores.
Que tal começar pelo levantamento do que falta fazer?

**Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas. Foi ministro-conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington (1999-2003). Trabalhou entre 2003 e 2007 como Assessor Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

[Texto PRA:  Brasília 7 fevereiro 2016, 14 p.]

Republica podre dos petralhas: uma delação quase inútil de Delcidio Amaral

O mais interessante é que tudo o que ele pode relatar, nós já sabemos, ou presumimos. Toda a roubalheira, todos os atos criminosos dos petralhas são "normais", esperados, inexoráveis e inevitáveis: ele vai chover no molhado, digamos assim. Ele sabe, ainda assim, só uma parte do iceberg de corrupção e de roubalheira generalizada dos petralhas, mas o seu depoimento oferece elementos de que a Justiça precisa para incriminar e condenar muitos deles, a começar pelo chefão mafioso e seus pupilos amestrados.
Paulo Roberto de Almeida 

O limite de Delcídio

Sentindo-se traído pelo PT e pelo Planalto, que prometeu por meio de um ministro livrá-lo da cadeia, senador já tem preparado um esboço de delação

Mel Bleil Gallo Revista IstoÉ, 12/02/2016

Na última semana, depois de oitenta dias preso numa cela improvisada de menos de 20 metros quadrados na sede do Batalhão de Trânsito em Brasília, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) era um pote de mágoas. Mostrava irritação especial com a cúpula do PT e do governo. Ainda nos primeiros dias de cárcere, um ministro de Dilma fez chegar a ele um recado de que sua prisão não perduraria. A promessa era de que o governo interferiria junto ao Judiciário, nos bastidores, para afrouxar a prisão preventiva decretada pelo Supremo, após gravações mostrarem que ele estava interferindo nas investigações da Lava Jato. Em troca, o petista pouparia o partido e seus principais líderes de novos constrangimentos. O acordo não foi honrado. O rancor somado às pressões de familiares, principalmente de sua esposa Maika, levou Delcídio ao seu limite. Agora, pessoas próximas a ele dizem que o acordo de delação premiada é cada vez mais inevitável e que ele já teria estipulado até mesmo uma data para a decisão: depois do julgamento de um agravo regimental interposto contra a decisão do ministro do STF Teori Zavascki, que impediu a sua soltura no fim do ano. Se sofrer outro revés no pedido - que deve ser apreciado em breve pelo tribunal – a delação se tornará uma realidade.

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PACIÊNCIA ESGOTADA 
Delcídio do Amaral prepara arsenal contra o PT e o Planalto

Os advogados responsáveis pelo caso já começaram a relacionar as informações que ele poderá acrescentar às investigações. Ocorreram até negociações preliminares com procuradores. Um esboço do que poderá ser a delação de Delcídio está redigido e em posse de membros da força tarefa da Lava Jato. Os apelos para que o senador entre no time dos delatores e assim possa adquirir o direito à prisão domiciliar são feitos principalmente pela sua mulher, Maika. Empresária que costumava frequentar as colunas sociais de Campo Grande e os mais badalados endereços em Brasília, no Rio e em São Paulo, vem sendo hostilizada. Ao lado das filhas, se mudou do Mato Grosso do Sul para Florianópolis, onde a família possui um imóvel. Em suas conversas com o senador, Maika faz questão de lembrar o que chama de abandono a que o marido vem sendo submetido.

As visitas na prisão são autorizadas às quintas, sábados e domingos, por uma hora e meia pela manhã e pela mesma quantidade de tempo à tarde. Nenhum politico de peso ou autoridade do Planalto visitou o senador. O horário disponível é preenchido em sua maioria por seus advogados, sobretudo Maurício Leite e Antônio Figueiredo Basto, pela esposa e pelas filhas. Os dias na prisão têm sido agoniantes para Delcídio. Na cela improvisada há uma cama, um armário e uma escrivaninha, à qual o petista se senta para ler - exaustivamente, segundo relatam policiais do batalhão - as peças relacionadas a seu processo no STF. Vez por outra, tem à disposição um espaço para tomar sol, além de uma sala e um banheiro.

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Conhecido pelos hábitos de bon vivant, agora Delcídio convive com uma dieta especialmente preparada de acordo com as restrições médicas alegadas por sua defesa. Um forte contraste, sobretudo se comparado a ocasiões como a festa de 15 anos da filha caçula, na qual seis chefs de cozinha diferentes prepararam mais de 30 iguarias aos presentes, regadas a champagne Veuve Clicquot e whisky Johnny Walker. Conforme relataram colunistas locais, os pratos iam de tornedores de pupunha grelhados na manteiga de sálvia a camarões da Escócia com purê de macaxeira e wasabi, além de queijos importados, foie gras e todo o mais que pudesse impressionar a elite campograndense.

A provável delação de Delcídio tem potencial devastador. Ele não deve apenas confirmar o relato de outros delatores. Deverá ir além. Próximo do governo dos últimos três presidentes, ex-militante tucano e profundo conhecedor da área de energia no País, Delcídio tem conhecimento, de fato, para confirmar se os mandatários do Planalto sabiam da existência do Petrolão e, mais ainda, se apoiaram ou se beneficiaram diretamente do esquema.

Primeiro senador encarcerado em exercício desde a redemocratização, Delcídio teve sua prisão preventiva determinada após o Supremo ter acesso à gravação de uma conversa entre o petista e Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. No encontro, realizado no dia 04 de novembro do ano passado, no Hotel Royal Tulip em Brasília, Delcídio ofereceu a Cerveró uma fuga do País além de uma mesada de R$ 50 mil, para que em troca seu nome fosse preservado na delação premiada do ex-diretor à Polícia Federal.

Economia: "Esperança decrescente no Brasil" - Arminio Fraga

Entrevista. Armínio Fraga

Arminio Fraga diz que, caso estivesse no governo, promoveria uma ‘grande mudança no regime econômico’ e alerta que o Brasil ‘está correndo bastante risco’

'Levy jogou na defesa, eu ia jogar no ataque'

FERNANDO DANTAS / RIO - O ESTADO DE S.PAULO

Ex-presidente do Banco Central e apontado para ser ministro da Fazenda caso Aécio Neves vencesse as eleições de 2014, Arminio Fraga considera o atual momento político-econômico brasileiro pior do que o início dos anos 90, quando, em plena hiperinflação e moratória, entrou na vida pública como diretor do Banco Central. Para Fraga, o Brasil perdeu o rumo durante o governo Lula, e acordou num “pesadelo de um país paralisado, com um modelo ruim que não está sendo corrigido”.

Cético em relação ao novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, ele diz que o antecessor, Joaquim Levy, aceitou o cargo por “coragem, com um pinguinho de sonho e loucura”. Fraga mantém-se convicto de que a situação do País seria outra em caso de vitória tucana, pois ele “jogaria no ataque”, com uma “grande mudança de regime econômico”, enquanto Levy “jogou na defesa”, para “segurar a barra e ver se conseguia ganhar tempo”. A seguir, trechos da entrevista à Agência Estado, concedida na quinta-feira, na sede no Rio da gestora Gávea Investimentos, da qual é sócio fundador.

Saída para a crise. Não acho que a CPMF vá resolver coisa alguma, precisamos é de uma recauchutagem geral da política econômica, diz Fraga
Saída para a crise. Não acho que a CPMF vá resolver coisa alguma, precisamos é de uma recauchutagem geral da política econômica, diz Fraga

Quais são os principais focos de preocupação econômica no mundo?

Acho que o epicentro ainda está mais na China, mas há também a sensação de que, se as economias principais derem para trás, não tem mais muito o que fazer, não há muito espaço fiscal e monetário. Não acredito que dê para ir tão longe no juro negativo, o que já vem ocorrendo em diversos países. Tem até relatórios de mercado falando que daria para ir até 4% de juro negativo, mas sou cético. Não há muita folga se tiver um problema. E todo o esforço dos bancos centrais até agora parece ter tido como efeito principal evitar outra depressão. Mas não muito mais. Do ponto de vista de inflação, pouquíssimo. Essas mudanças todas também estão afetando os bancos, que lidam com dinheiro, que está rendendo juro negativo. É uma margem de remuneração que desaparece. E aí há temores sistêmicos, envolvidos com problemas políticos de se proteger os bancos, é complicado. Outra questão é a alavancagem, que, ao contrário do que alguns suporiam, cresceu muito de 2007 para cá. Na China, por exemplo, as empresas aumentaram a alavancagem de 2007 para cá em 80 pontos porcentuais do PIB, mesmo com todo o crescimento do PIB chinês. 

O sr. entrou na vida pública no governo Collor, um dos piores momentos econômico-políticos desde a redemocratização. Como compara aquela crise com a de hoje?

Sim, fui diretor do Banco Central em 1991 e 1992. O Brasil vinha de mais de dez anos de queda no PIB per capita, moratória, hiperinflação, uma situação caótica. Mas havia certa esperança de que poderia virar, já havia uma reflexão sobre a hiperinflação. Agora é muito diferente. Com a chegada do presidente Lula, parecia que o Brasil havia achado um caminho bom, com mudanças no lado social, e sem seguir a cartilha do PT, sem quebrar o Brasil. A frustração hoje é muito grande porque o Brasil chegou a bater na trave, fez vários gols nessa sequência de FHC 1 e 2 e Lula 1. Havia a sensação de que o País tinha uma agenda e de repente isso sumiu. Em algum momento, o País se perdeu completamente. Algo que veio junto com uma deterioração de costumes e da nossa política, que hoje é caótica, com quase 30 partidos. A sensação é que ninguém quer fazer qualquer passo mais ousado, qualquer sacrifício. O Brasil desembocou nessa situação meio fragilizado, dobrou as apostas todas, de expansão de crédito e fiscal, desleixo com a inflação, e acordou num pesadelo de um país paralisado com um modelo ruim, que não está sendo corrigido. É uma dinâmica econômica trágica, triste, algo inusitado para mim. Então, eu diria que, a meu ver, hoje está pior do que lá atrás, no início dos anos 90.

Como vê a questão da dívida pública?

Acho que nosso Estado está cheio de problemas, é grande, ineficaz e a dinâmica financeira é inacreditavelmente complicada. E isso em meio a uma brutal recessão. São os astros se alinhando negativamente, mas não vamos culpar o zodíaco – nós mesmos alinhamos esses astros de uma forma inimaginável, fora de qualquer proporção. Então, há essa evolução galopante da dívida federal, os Estados estão em péssima situação, e o pior é o meu querido Rio de Janeiro, porque somos de certa maneira um emirado petrolífero. O governo bloqueou as contas do Rio Grande do Sul outra vez. O governo federal não tem como ajudar. E o mal-estar vai aumentando, desordem urbana, insegurança, agora essa incrível epidemia de zika. É um quadro dramático.

O Brasil voltará a crescer num ritmo compatível com a convergência para os padrões dos países mais avançados?

Do jeito que a economia está hoje desenhada, mesmo que este ciclo passe – e não vai passar fácil –, não está com cara de que o País vai crescer muito. Há essa ideia de que possa ser cíclico, de se fazer um ajuste gradual. Na verdade, tem de ajustar muita coisa, porque senão não vai ser cíclico, não: isso é uma queda de padrão, é um degrau. Caiu e acabou. Para voltar, vamos ter de trabalhar muito. 

Como viu a substituição de Joaquim Levy por Nelson Barbosa?

Achei estranho o Joaquim ter ido, e manifestei isso na época, como amigo dele. Acho que foi coragem, com um pinguinho de sonho e de loucura. Motivos bons, mas ele me surpreendeu. Infelizmente, deu no que parecia que ia dar. Porque um ministro da Fazenda, por melhor que seja, não é o presidente. Hoje, temos um novo ministro da Fazenda que foi o arquiteto de um modelo que deu errado. Portanto, tem de se provar em dobro. Como se a situação já não fosse complicada o suficiente, ele traz essa bagagem. Não é nada pessoal, tenho certeza de que ele quer acertar, mas parte em desvantagem no placar.

Barbosa tem defendido a CPMF e a reforma da Previdência. O que acha?

Não acredito que a CPMF vá resolver coisa alguma, é um imposto de péssima qualidade, cumulativo, causa distorções. O ministro está dando alguns sinais positivos, mas sem muita convicção, e tem vários públicos para agradar, inclusive o próprio PT. Nós precisamos é de uma recauchutagem geral da política econômica para dar a virada, o que passa por uma profunda reforma do Estado, que não deve acontecer sem uma importante reforma política.

O sr. não foi ministro da Fazenda por uma diferença pequena de votos entre Dilma e Aécio Neves. O que faria se Aécio tivesse ganhado?

O que eu faria é o que publiquei em artigos, inclusive no Estadão. É uma grande mudança de regime econômico, não é apertar um botão aqui e outro acolá. Precisamos de uma resposta muito mais abrangente e mais forte. Desvinculação de receitas; uma profunda reforma da Previdência, mexendo na idade e desvinculando o piso do salário mínimo; profunda reforma tributária; reforma trabalhista; abrir gradualmente a economia; desmontar a nova matriz econômica. Em paralelo a outros esforços, que trariam os juros para baixo para todo mundo. Um BNDES mais transparente e com mais rigor na análise do impacto social. 

2015 foi um ano muito mais terrível do que o previsto. Isto não comprometeria também o desempenho de Aécio caso vocês ganhassem?

Nós sabíamos com bastante precisão o quadro fiscal geral. Estava claríssimo que, já durante a campanha, o governo tinha chutado o pau da barraca. O resultado disso é bem conhecido hoje. O Aécio acreditava que seria possível fazer um arranjo político bom e nós tínhamos uma proposta que creio que teria um impacto muito positivo nas expectativas, criando um círculo virtuoso. Que ia ser difícil eu não tenho dúvida, mas o clima ia mudar muito rapidamente.

O sr. diz que a vitória de Aécio poderia dar uma virada na confiança. Mas não foi isso que se tentou, sem sucesso, com a nomeação de Levy?

O Joaquim era ministro, não era presidente. E ele estava razoavelmente consciente de que a missão dele era mais defensiva do que ofensiva. Segurar a barra, ver se conseguia ganhar um tempo. Trouxe boas propostas, falou do patrimonialismo. No meu caso, ia ser diferente. Eu iria com uma equipe extraordinária, muito completa, com o presidente alinhado, com a proposta apresentada em campanha. Eu fui contratado para jogar no ataque, e não na defesa. O Joaquim foi jogar na defesa, uma opção que ele fez. Eu respeito.

Qual sua visão sobre o impeachment?

A minha posição é institucional. Acho que é legítimo, desde que ocorra dentro do devido processo. Se acontecer, é porque tinha de acontecer, e eu não teria medo, desde que fosse assim. 

Como avalia a situação inflacionária?

Estamos falando de dois, três anos de profunda recessão com a inflação alta. Alguns preços que estavam represados foram liberados, isso foi importante, e o câmbio se depreciou, como tinha de acontecer. Feitos esses ajustes, daqui para a frente a inflação tenderia a cair. Isso é possível, mas não é certo. As expectativas ainda estão muito voláteis. Esse estado de estagflação pode se prolongar, inclusive com pressões no câmbio. Estamos correndo bastante risco. Com essa recessão, a inflação deveria estar caindo bem mais.

E a atuação do Banco Central?

Entendo a dificuldade do BC nos anos recentes, num quadro bastante esquizofrênico. Você quer segurar a inflação, e o governo expande mais o crédito dos bancos públicos, expande o fiscal, faz pedalada, etc. É uma tarefa muito inglória. Nesse contexto, o Banco Central teve, sim, alguns momentos de fraqueza, lamentavelmente. Mas muitos BCs têm. O Banco Central não é o nosso maior problema.

O sr. tem alguma esperança no Brasil?

Decrescente.


Impeachment: existe luz no fim do túnel do TSE? - Revista IstoÉ

Pessoalmente, eu duvido. Mesmo que o Ministro Gilmar Mendes queira simplesmente seguir as evidências, a maioria dos seus colegas são adequadamente cegos, surdos e relaxados...
Paulo Roberto de Almeida 
 

  • Brasil
    |  N° Edição:  2410 |  Atualizado em 13.Fev.16 - 19:18

    O novo pesadelo de Dilma

    Situação da presidente nunca foi tão desfavorável no TSE. Enquanto processos da Lava Jato se avolumam, o ministro Gilmar Mendes prepara-se para assumir o tribunal e conduzir o processo com o devido rigor

    A decisão do Supremo Tribunal Federal de alterar o rito do processo de cassação na Câmara dos Deputados jogou uma ducha de água fria no impeachment, mas não representou o fim de outro pesadelo para a presidente Dilma Rousseff. A partir de maio, um novo fantasma voltará a assombrar o Planalto: o ministro que tem defendido o necessário rigor na apreciação das contas eleitorais presidirá o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mendes chegará ao comando da Corte no exato momento em que lá se julgará a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) contra Dilma e seu vice, Michel Temer. A denúncia, uma das quatro ingressadas pelo PSDB, acusa a chapa da petista de abuso de poder econômico, político e uso de recursos desviados de estatais na campanha. Foi justamente Gilmar Mendes que fez com que o processo prosperasse. Em outubro do ano passado, Mendes convenceu a maioria dos integrantes do tribunal a reabrir o caso, que havia sido arquivado pela ministra Thereza de Assis de Moura por falta de provas. O problema para o governo é que de lá para cá a situação de Dilma no tribunal só se agravou graças ao compartilhamento de informações obtidas pela Lava Jato. Técnicos do tribunal esquadrinham delações, documentos, interceptações telefônicas e sentenças do Petrolão para encontrar elos com recursos que ingressaram ou saíram das contas da chapa da petista ao Planalto. Mensagens de Ricardo Pessoa, dono da empreiteira UTC, sugerem que parte do suborno por contratos da Petrobras abasteceu o caixa oficial da campanha de Dilma. O próprio empreiteiro também confirmou, em depoimentos de delação premiada, a prática irregular. Disse que sofreu coação para doar R$ 10 milhões. A UTC doou 7,5 milhões. Só não deu mais, porque seu dono foi preso. A defesa de Dilma e Temer maneja para que este material não seja usado. Argumentam não haver relação entre os processos penais do Petrolão e a ação sobre irregularidades eleitorais, justificativas rechaçadas pelo procurador Eugênio Aragão. Agora, terão de convencer o colegiado do Tribunal Superior Eleitoral, presidido por Gilmar Mendes. Uma eventual condenação pode levar o País a uma nova eleição – e é nisso que a oposição hoje aposta suas fichas.

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    O FATOR GILMAR 
    O ministro convenceu colegas a desarquivar processo contra a chapa petista. 
    Em entrevista disse que o PT instalou a cleptocracia no País

    A ascensão de Gilmar Mendes em um momento tão decisivo acende o sinal de alerta no Planalto. Em decisões e entrevistas, ele já condenou a forma com que o Partido dos Trabalhadores e seus aliados montaram um esquema de desvios de recursos públicos para financiamento de campanha eleitoral. “Ladrões de sindicato transformaram o País em um sindicato de ladrões”, chegou a declarar. Na presidência do TSE, Gilmar Mendes poderá comandar mais de perto o andamento dos processos de cassação da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer que tramitam na Corte. O principal deles, em que Dilma já recebeu intimação para produzir provas de defesa, questiona uma série de irregularidades. A chapa de Dilma e Temer teria mentido nos programas eleitorais. Beneficiou-se do uso de cadeia nacional. Não conseguiu comprovar despesas de campanhas, como o uso de gráficas fantasmas, entre outras práticas ilícitas. Aos procuradores, o dono da UTC indicou que parte dos R$ 26,8 milhões que o PT pagou a VTPB Serviços Gráficos e Mídia Exterior teve origem no Petrolão. Só a campanha de Dilma desembolsou para a VTPB quase R$ 23 milhões, dinheiro que daria para imprimir 368 milhões de santinhos. O montante é duas vezes e meia o total de eleitores habilitados no País. Não será fácil explicar.