Eu, normalmente, sou radicalmente antiprotecionista e, portanto, contra as posições da FIESP. Mas, admito discutir com pessoas inteligentes.
Admito, por exemplo, que os industriais dizem que não podem abrir aos "inimigos" externos, porque já existe um "inimigo interno" aqui dentro, que é o chamado "custo Brasil", e o Estado brasileiro em geral, com sua carga tributária expoliativa.
Aliás, proponho que se pare de chamar "custo Brasil", pois fica parecendo que é uma maldição própria ao país, ou seja, não estamos identificando o culpado exatamente.
Eu proponho que se chame "custo Estado brasileiro", pois quem deve ser atacado, contido, retrocedido é esse ogro famélico, esse ladrão da riqueza criada pela sociedade, para distribuir em primeiro lugar aos seus próprios mandarins, entre os quais eu coloco a minha própria corporação.
Paulo Roberto de Almeida
MADE IN CHINA EM 2025
Rubens Barbosa
O Estado de São Paulo, 28/03/2017
O governo chinês aprovou estratégia de política industrial, para tornar o pais auto-suficiente em uma série de importantes setores até 2025 e, para isso, abrirá linhas de financiamento de mais de $300 bilhões de Yuans.
Embora o objetivo seja modernizar a indústria em geral, o plano indica dez setores prioritários: nova tecnologia avançada de informação; robótica e maquinas automatizadas; aeroespaço e equipamento aeronáutico; equipamento naval e navios de alta tecnologia; equipamento de transporte ferroviário moderno; veículos e equipamentos elétricos; equipamento de geração de energia; implementos agrícolas; novos materiais, biofármacos e produtos médicos avançados.
Um dos aspectos mais importantes dessa estratégia consiste na produção doméstica de partes e componentes de alto valor agregado, aumentando a porcentagem do conteúdo nacional utilizado nos produtos tecnológicos para 40% dos componentes até o ano de 2020, chegando a 70% dos componentes criados através de manufaturas chinesas em 2025, com critérios e indicadores específicos para se medir os avanços nos diferentes setores industriais abordados. O plano governamental prevê que as empresas que se beneficiarem desse apoio deverão ter uma participação de pelo menos 80% do mercado doméstico em apenas oito anos.
O primeiro ministro Li Keqiang, no início de março, apresentou na Sexta Sessão Plenária do Comitê Central do Partido Comunista, alguns desdobramentos do XIII Plano Quinquenal para a economia chinesa. Uma das metas é estimular a ampliação das áreas de serviço e de alta tecnologia que estão crescendo, mas não tem ainda peso suficiente para substituir os atuais (cada vez menos eficientes) motores do crescimento da economia chinesa: infraestrutura e construção civil. "Vamos acelerar a pesquisa e o desenvolvimento e comercialização de novos materiais, inteligência artificial, bio-farmacêutica, comunicação móvel e outras tecnologias, além de apoiar a criação de “clusters” industriais nessas áreas”.
O governo oferecerá empréstimos de grande monta e juros baixos subsidiados e originários de fundos estatais e bancos de desenvolvimento; assistência financeira para a aquisição de concorrentes estrangeiros e incentivos para pesquisa. Além da política de subsídios domésticos, o programa prevê também apoio para a internacionalização de empresas chinesas a partir de compras de ativos no exterior.
O investimento chinês em alta tecnologia, que pretende transformar o país em uma superpotência manufatureira, deve ser interpretado como apenas uma das etapa de um amplo programa de expansão econômica e politica. A ”inovação nativa” objetiva identificar, digerir, absorver e reinventar tecnologias estrangeiras nos domínios civil e militar. “ Made in China em 2025” representa uma politica industrial sofisticada e estratégica, que rapidamente aumentará a competitividade global das companhias chinesas. Essas companhias vão escolher seletivamente os mais importantes setores industriais do futuro e passarão a representar um desafio para as principais economias de hoje.
Não é difícil imaginar as consequências para a produção e o intercâmbio comercial global, caso o referido plano seja bem sucedido. As companhias industriais do mundo inteiro começam a preocupar-se porque a política de auto-suficiência em tecnologia de ponta dará às empresas chinesas uma vantagem no mercado doméstico e no resto do mundo. Segundo relatório da Câmara de Comércio da União Europeia na China, "Made in China em 2025", com fortes incentivos do governo de Pequim para as indústrias dos setores que forem privilegiados, deverá inviabilizar os concorrentes do exterior e fortalecerá as empresas chinesas subsidiadas no mercado global.
Trata-se da versão chinesa da nossa conhecida política de campeões nacionais, talvez com melhores perspectivas de êxito. Em vista dos ambiciosos objetivos e recursos financeiros envolvidos, o programa pode levar a um gasto extraordinário dos governos provinciais pelos investimentos ineficientes e duvidosos.
A divulgação dessa política acontece em um momento delicado para a China no comércio internacional. Na campanha eleitoral, Donald Trump confrontou o gigante chinês em questões de comércio, ameaçando impor altas tarifas para reduzir o déficit dos EUA na balança comercial bilateral, atribuído em grande parte à manipulação cambial. Embora nada tenha sido anunciado até aqui, está sendo discutida nos EUA a redução de tributos sobre as empresas norte-americanas e a imposição de tarifa de 20% (border tax) sobre todas as importações, não apenas sobre o produtos chineses. Os EUA não reconhecem a China como economia de mercado para fins de medidas de defesa comercial, como anti-dumping, o que poderá fazer com que Pequim recorra à Organização Mundial de Comércio (OMC), como já o fez contra a UE. Certamente, a estratégia “Made in China em 2025 “ de substituição tecnológica e a de participação governamental no mercado interno poderá ser questionada por violação das regras da OMC sobre conteúdo local, tal como vem ocorrendo com a questão aberta pela UE e Japão contra a política julgada discriminatória de subsídios na indústria automobilística e na de informática no Brasil.
Para o Brasil, uma das dez maiores economias do mundo, a “Made in China em 2025 “ apresenta muitos desafios. Trata-se talvez do mais recente e dramático exemplo de como os limites entre política econômica e comercial interna e externa desapareceram, não sendo mais possível definir uma delas sem que se leve em conta a outra. Essa realidade torna urgente a discussão de políticas de médio e longo prazo que redefinam o papel do Brasil em um mundo em tão rápida transformação.
Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da FIESP