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domingo, 12 de novembro de 2017

Imperial Regulamento do Asylo dos Diplomatas da Corte - Paulo Roberto de Almeida


Imperial Regulamento do Asylo dos Diplomatas da Corte
(Cousas Diplomáticas nº 5)

Paulo Roberto de Almeida

Nota Liminar: No curso de minhas atentas pesquisas sobre a história pregressa desse nosso país sui-generis, tenho encontrado vários textos interessantes, muitos outros simplesmente curiosos e alguns francamente hilariantes, que em todo caso me fizeram refletir um pouco sobre a verdadeira natureza do processo histórico.
            No confronto de alguns deles, fui levado inclusive a estabelecer perigosas ilações, ou melhor, arriscadas aproximações com situações presentes ou passadas que afetam alguns de nós, diplomatas submetidos às agruras do salário em Brasília. Quem, em santa consciência, não aspirou, em determinado momento de sua carreira, por alguma caixa de socorro mútuo, um pecúlio geral, uma irmandade dos desvalidos, com algum lugar, enfim, onde refugiar-se das dificuldades correntes ?
            Pois bem, saibam meus distintos colegas, que nos tempos saudosos da monarquia, algumas categorias profissionais dispunham, senão de uma existência digna, pelo menos de alguma ajuda em caso de necessidade, como por exemplo, a profissão tão disseminada de mendigo. O mendigo era, guardadas as devidas proporções, um diplomata da sarjeta. Bem, com isso não quero dizer que o diplomata seja necessariamente um mendigo da Corte. Cada um que tire sua conclusão.
            À diferença de hoje em dia, qualquer má surpresa da vida e o faustoso mendigo imperial podia recorrer aos bons serviços do “Asylo de Mendicidade da Corte”, absolutamente organizado e dispondo das mais rigorosas regras de higiene, vestuário e dieta. O Regulamento abaixo, de 6 de setembro de 1884, velava pelo funcionamento desse “asylo”, podendo servir, de forma involuntária talvez, para outras iniciativas em nossa tão moderna quanto precária época.
            Minha atual leitura orientada, provavelmente maldosa, consistiu, apenas e tão somente, única e exclusivamente, em substituir, na transcrição resumida, a palavra “mendigos” por “diplomatas”. Tudo o mais se encaixa. Ou não ?
(Atenção Revisor: não mude a saborosa “graphia” da época)

Asylo de Mendicidade (dos Diplomatas) da Corte

 

Capitulo I: Da Instituição
Art. 1° - O Asylo dos Diplomatas é destinado aos diplomatas de ambos os sexos e receberá:
         - os que, por seu estado physico ou idade avançada, não podendo pelo trabalho prover às primeiras necessidades da vida, tiverem o habito de esmolar;
         - os que solicitarem a entrada, provando sua absoluta indigencia;
         - os idiotas, imbecis e alienados que não forem recebidos no Hospicio Pedro II.
Art. 3° - Não serão admitidos no Asylo os diplomatas atacados de molestias contagiosas, nem aqueles que por seu estado de saude devam ser recolhidos aos hospitaes.
Art. 4° - Haverá separação de classes, conforme os sexos, sendo ellas ainda subdivididas nas seguintes:
         - de diplomatas válidos;
         - de diplomatas inválidos;
         - de imbecis, idiotas e alienados.

Capitulo II: Da Entrada, Matricula e Sahida dos Diplomatas
Art. 6° - Todo diplomata que entrar para o Asylo, forçada ou voluntariamente, será inscripto em livro proprio, um para cada sexo.
Art. 7° - Despirá o fato que levar e vestirá o uniforme da Casa, depois de cortar o cabelo, aparar as unhas, barbear-se e tomar um banho geral, tepido ou frio, a juizo do medico.
Art. 10° - Os diplomatas só poderão sahir da Casa, precedendo ordem da autoridade a cuja disposição se acharem:
         - quando readquiram a possibilidade de trabalhar fora do estabelecimento, ou pela obtenção de meios ou proteção de pessoa idonea possam viver sem mendigar;
         - quando por qualquer delito tenham de passar à disposição de autoridade criminal; voltando porém ao Asylo depois de cumprida a pena.
Art. 11 - A pessoa que requerer a sahida do diplomata, para tel-o sob sua protecção, assignará termo em seu livro, que para este fim haverá no Asylo, obrigando-se a tratal-o bem e pagar-lhe um salario correspondente.
Art. 12 - Todos os diplomatas tomarão pelo menos dous banhos geraes por semana e cortarão o cabelo, a barba e as unhas, pelo menos, uma vez por mez.
Art. 13 - Os diplomatas terão tres calças, tres camisas e tres blusas de algodão azul trançado, uma camisa de lã para os dias frios e humidos, um par de sapatos grossos, dous lenços de chita e dous pares de meias.
         As diplomatas terão tres vestidos de algodão azul trançado, tres camisas e tres saias de algodão branco trançado, um chale ou paletot de lã para os dias frios...
Art. 15 - Os diplomatas mudarão de roupa às quintas-feiras e domingos, depois do banho geral, e todas as vezes que for necesssario.
Art. 16 - O trabalho é obrigatorio no Asylo e portanto nenhum diplomata póde recusar-se ao que lhe for determinado, segundo a sua aptidão, forças e estado de saude.

Capitulo III: Dos Usos Ordinarios dos Diplomatas
Art. 19 - Os diplomatas se deitarão às 8 horas no inverno e às 9 horas no verão, depois de recitarem a oração da noite.
Art. 20 - Erguer-se-hão às 5 horas da manhã no verão e às 6 no inverno, arrumarão a cama e depois de se lavarem, segundo as prescripções estabelecidas; se pentearão e vestirão para irem ao almoço.
Art. 23 - As dietas serão distribuidas segundo a tabella n. 3 [A “tabella 3” previa: canja adoçada, caldo de galinha, mingão, caldo de galinha, chá, matte e pão, caldo de galinha, carne assada ou cozida com batatas e pirão, bifes de grelha ou ensopados, caldo de galinha, mas “o medico, extraordinariamente, poderá conceder 60 grammas de vinho generoso, uma ou duas laranjas, um ou dois limões azedos, 60 grammas de marmelada ou goiabada, biscoutos, etc...”].
Art. 25 - As horas de visita aos diplomatas são das 10 ao meio-dia e das 2 às 5 horas da tarde.

Capitulo IV: Da Administração
Art. 26 - No Asylo dos Diplomatas haverá: um director, um capellão, um medico, um porteiro, um escrevente, um enfermeiro, uma enfermeira, um servente ordinario e um guarda de material.
Art. 27 - O augmento do numero de enfermeiros e serventes depende de approvação do Governo. Para esses logares, serão escolhidos os diplomatas asylados cujo procedimento garanta o bom desempenho das funcções.
Art. 34 - O director deverá propor à autoridade competente a sahida dos diplomatas que não se achem em condições de continuar no Asylo.

Capitulo V: Do Director
Art. 36 - Ao director compete:
         - remetter à Secretaria da Justiça um mappa da distribuição geral das rações; uma relação dos diplomatas existentes, dos que entraram aos hospitaes de Misericordia, Socorro e Saude, dos que tiveram alta ou falleceram;
         - visitar uma vez por dia os salões de trabalho, afim de observar os procedimentos dos diplomatas, attender às suas reclamações e dar-lhes conselhos;
         - aplicar aos diplomatas as penas disciplinares marcadas neste Regulamento.

Capitulo VII: Do Capellão
Art. 40 - Ao capellão compete:
         - administrar os socorros espirituaes aos diplomatas que os pedirem.


Capitulo IX: Do Porteiro
Art. 42 - Ao porteiro compete:
         - tocar a sineta às horas de abrir a portaria, afim de se levantarem os diplomatas;
         - vigiar para que, na occasião das visitas aos diplomatas, não se introduzam bebidas alcoolicas ou quaesquer outros objectos que possam ser prejudiciaes à ordem e disciplina do Asylo.


Capitulo XI: Do Cozinheiro e Serventes
Art. 44 - Ao cozinheiro compete:
         - ter cuidado na preparação das comidas para evitar justas reclamações da parte dos diplomatas asylados.
Art. 45: Aos serventes incumbe:
         - dirigirem nos banhos geraes os diplomatas asylados;
         - vestirem os defuntos e levarem o caixão para o carro;
         - tratarem com respeito os diplomatas asylados.

Capitulo XIII: Do Peculio
Art. 47 - O peculio será formado pelo producto do trabalho dos diplomatas.
         - dous terços desse peculio e o rendimento do patrimonio do Asylo entrarão para a Caixa Geral;
         - o terço [restante] do peculio será dividido em duas partes, uma das quaes será mensalmente entregue aos diplomatas asylados.

Capitulo XIV: Da Associação Protectora
Art. 48 - Poderá ser instituida uma associação de homens e senhoras, com approvação do Governo, tendo por fim concorrer para a prosperidade do Asylo dos diplomatas e angariar donativos de toda a especie.
         - os donativos em dinheiro serão convertidos em apolices da divida publica;
         - os donativos de generos alimenticios serão dados logo para o consumo dos diplomatas asylados;
         - os de vestuario, calçado, colchões, travesseiros, cobertores e roupas de cama entrarão logo no uso dos diplomatas asylados, si estes tiverem necessidade immediata delles.

Capitulo XV: Das Penas e Recompensas
Art. 49 - São expressamente prohibidos os castigos corporaes, ficando somente admittidas, para punição das faltas e infracções commettidas pelos diplomatas asylados, as penas disciplinares seguintes, a prudente arbitrio do director:
         - augmento do trabalho por tarefa, segundo as forças physicas do diplomata;
         - restricção alimentaria;
         - jejum de pão e agua de até tres dias, com audiência do medico;
         - prisão cellular até oito dias
         - suspensão do passeio por 15 dias a tres mezes.
Art. 50 - O director poderá dar licença para sahirem do Asylo, por algumas horas, sós ou acompanhados de pessoas de confiança, aos diplomatas asylados que tiverem bom comportamento.

Capitulo XVI: Disposições Geraes
Art. 51 - Além dos empregados do Asylo, das autoridades policiaes e judiciarias, dos Ministros de Estado e das pessoas commissionadas pelo Ministro da Justiça, ninguém poderá penetrar no interior do Asylo sem permissão do director.
Art. 53 - É vedado aos empregados negociar por qualquer forma com os diplomatas asylados.
Art. 54 - É prohibida a entrada de bebidas alcoolicas, e todo o qualquer jogo dentro do Asylo.
Art. 61 - A venda do producto do trabalho dos diplomatas asylados será feita, com approvação do Governo, pelo modo que parecer mais economico ao director, o qual prestrará contas semestralmente à Secretaria da Justiça.
Art. 63 - Ficam revogadas as disposições em contrario.

Palacio do Rio de Janeiro em 6 de setembro de 1884
aprovado pelo Conselheiro de Sua Majestade, o Imperador D. Pedro II,
o Ministro de Estado dos Negócios da Justiça

Apud Coleção das Leis do Império do Brasil de 1884
            (Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1885), pp. 432-446: Decreto n° 9274.

Moral: Toda e qualquer semelhança, com fatos, personagens ou situações passadas, presentes ou futuras, nada mais será senão uma involuntária coincidência.

Pela transcrição (maldosa), vosso escriba:
Paulo Roberto de Almeida


Nota conclusiva: A adaptação do regulamento acima foi efetuado em 16 de agosto de 1994, quando o autor se encontrava “asylado” temporariamente em Paris, e o texto foi encaminhado ao Boletim ADB, logo depois. Ele não foi contudo publicado, provavelmente em função de sua extensão, crucial quando se trata de suporte impresso, distribuído a assinantes, permanecendo rigorosamente inédito desde então. O advento dos boletins eletrônicos em muito vem facilitar a publicação de originais, razão pela qual resolvi “desenterrá-lo” e incluí-lo na série “Cousas Diplomáticas”.

[1ª: Paris, 448, 16/08/1994]
[2ª: Washington, 840, 16/12/2001]

Publicado nos boletins eletrônicos:
revista Espaço Acadêmico (Maringá: UEM, Ano I, n. 9, fevereiro de 2002, link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/35904/21028)
nº 181, 17.7.02, seção “Speculum”).
Relação de Publicados nºs 303 e 337.

Dez obras fundamentais para um diplomata - Paulo Roberto de Almeida (2006)

Fui recentemente consultado por alguém que se lembrava vagamente de uma postagem que fiz, bastante tempo atrás, sobre uma lista de leituras indicadas para candidatos à carreira diplomática, ou para qualquer pessoa inteligente desejosa de ler grandes obras clássicas.
Eu também me lembrava vagamente dessa lista, feita a pedido de alguém, e até tive dificuldade em localizar a relação em causa, até que ela apareceu na ficha que segue abaixo:

1670. “Dez obras fundamentais para um diplomata”, Brasília , 29 setembro 2006, 2 p. Lista elaborada a pedido de aluno interessado na carreira diplomática: obras de Heródoto, Maquiavel, Tocqueville, Pierre Renouvin, Henry Kissinger, Manuel de Oliveira Lima, Pandiá Calógeras, Delgado de Carvalho, Marcelo de Paiva Abreu e Paulo Roberto de Almeida, para uma boa cultura clássica e instrumental, no plano do conhecimento geral e especializado. Colocada no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2006/09/625-dez-obras-fundamentais-para-um.html). Revisto e ampliado, com explicações e links para cada uma das obras, em 14 de outubro de 2006 (6 p.) e publicado em Via Política em 15/10/2006 (link descontinuado).

Fui verificar e constatei que o link para a postagem original no blog Diplomatizzando ainda se mantém, mas como já se passaram mais de dez anos, eu provavelmente faria hoje uma lista diferente, e atualizaria comentários e links para o acesso a essas ou outras obras que entrariam no lugar de algumas que poderiam ser suprimidas, ou indicaria novas edições dos mesmos livros, eventualmente com edições brasileiras já disponíveis.

Não disponho de tempo, neste momento, para fazer uma nova lista comentada, provavelmente suprimindo alguns dos livros, substituindo-os por outros, eventualmente remetendo a novos links para acesso, ou materiais pertinentes, correlatos ou diretamente relacionados.
Permito-me, neste momento, tão somente reproduzir sinteticamente a lista original, e acrescentar uma ou outra observação necessária.
Paulo Roberto de Almeida 

1) Heródoto: História (440 a.C.)
2) Maquiavel: O Príncipe (1513; divulgado pela primeira vez em 1532)
3) Tocqueville: A Democracia na América (1835)
4) Pierre Renouvin (org.): Histoire des relations internationales (1953-58)
5) Henry Kissinger: Diplomacy (1994; várias edições posteriores)
6) Manuel de Oliveira Lima: Formação histórica da nacionalidade brasileira (1912; nova edição: Rio de Janeiro: Topbooks, 1997)
7) Pandiá Calógeras: A política exterior do Império (3 volumes, 1927-1933; reedição fac-similar, 1989; Brasília: Câmara dos Deputados; Nota 2017: Não recomendaria mais este livro, substituindo-o pela obra de Rubens Ricupero: A Diplomacia na Construção do Brasil, 175-2016; Versal Editores, 2017)
8) Carlos Delgado de Carvalho: História Diplomática do Brasil (1959; reedição fac-similar, 1998; Brasília: Senado Federal; Nota 2017: parcialmente substituído pelo livro de Rubens Ricupero acima referido, mas ainda válido para conteúdo mais detalhado relativo ao periodo colonial e imperial)
9) Marcelo de Paiva Abreu (org.). A Ordem do Progresso: cem anos de política econômica republicana, 1889-1989 (Rio de Janeiro: Campus, 1989; várias reedições; Nota 2017: a edição de 2014 trata de dois séculos de política econômica)
10) Paulo Roberto de Almeida: Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (publicado em primeira edição em 2001; reedição em 2005 pela Senac-SP; Nota 2017: uma nova edição, exclusivamente pela Funag, foi publicada em 2017, em dois volumes, e encontra-se livremente disponível nestes links:  Volume I, 516 p.; ISBN: 978-85-7631-668-8 (link: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=907) e Volume II, 464 p.; ISBN: 978-85-7631-669-5 (link: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=908).
 
Assim que puder, pretendo retomar em novas bases uma lista similar a esta, talvez dividida em livros de cultura geral, e livros voltados especificamente para a carreira diplomática.
No momento é tudo o que posso dizer.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de novembro de 2017