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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Nota sobre a inserção internacional do Brasil - Lauro Mattei (A Terra é Redonda)

Uma exposição bem feita de todos os argumentos favoráveis à diplomacia lulopetista, com os bônus atribuídos à própria, e os malus devidos unicamente ao neoliberalismo e a uma política externa "de direita", quando não reacionária e subserviente ao imperialismo. Um maniqueísmo bem construído.

Paulo Roberto de Almeida


Nota sobre a inserção internacional do Brasil

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Imagem: Aaditya Arora
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Por LAURO MATTEI*

A pobreza intelectual da mídia brasileira que parece não entender a mudança de rota da política externa do país

Desde o processo de redemocratização do país após 21 anos de ditadura militar, foi sendo construída no Brasil uma política externa assentada em uma visão multilateral do mundo, porém com foco na defesa dos interesses nacionais e em sintonia com os processos econômicos, sociais e políticos em curso em cada período histórico. Tal trajetória começou a ser alterada a partir do golpe jurídico-parlamentar de 2016, tendo sido fortemente modificada a partir de janeiro de 2019, quando o governo Bolsonaro nomeou para o Ministério das Relações Exteriores um embaixador que acreditava piamente que a terra é plana e que a grande ameaça ao país dizia respeito ao globalismo, expressão que representa um acinte para todos aqueles que já exerceram tal cargo no serviço público federal.

Em outra oportunidade (Mattei, 2016), mostramos que a política externa brasileira, embora aparentemente possa representar a cara da diplomacia do país, ressente-se de uma multiplicidade de interações sociais e de jogos de interesses das frações de classes sociais, em especial da classe empresarial; dos interesses econômicos e políticos aos quais o poder executivo esteja vinculado; da própria configuração política parlamentar originária de diferentes segmentos e atores sociais; e da possibilidade de ação da sociedade civil organizada nos debates e discussões sobre a inserção do país no cenário global.

A década de 1990 é bastante ilustrativa nesta linha interpretativa, especialmente se considerarmos que a política externa desse período promovida pelo país foi de subordinação passiva à conjuntura internacional dominado pela globalização econômica e pelo neoliberalismo político. Nesta lógica, durante o governo FHC (1995-2002) prevaleceu uma intervenção vertical que privilegiou determinados setores da burguesia brasileira, especialmente daqueles representados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e pelas entidades representativas do Agronegócio.

É verdade que muitos acordos sobre alguns produtos foram sendo postergados, assim como outros que foram celebrados, mas que acabaram sendo ignorados, bem como de alguns setores de commodities baseados nos recursos naturais, cujas demandas foram impulsionadas pela crescente presença da China no mercado mundial. De alguma forma, essa política subordinada e marcada por uma intervenção verticalizada acabou privilegiando as relações com alguns países aos quais o Brasil era muito dependente economicamente, em especial os Estados Unidos. Talvez esta seja a razão que explique porque o país nunca teve uma posição clara em relação à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) proposta pelos EUA, a qual gerou discussões conflituosas em vários países latino-americanos.

Além disso, afirmamos naquela oportunidade que o processo de inserção internacional do Brasil nos primórdios do século XXI foi sendo alterado significativamente em relação à política externa do país que vinha sendo seguida, principalmente na década de 1990, quando a ideologia neoliberal também passou a ser parte integrante da política externa brasileira. De um modo geral, pode-se dizer que o projeto político vencedor nas eleições de 2002 estabeleceu dois pontos de inflexão nessa trajetória.

Por um lado, ao implementar um projeto econômico denominado genericamente de “Novo Desenvolvimentista”, o governo Lula (2003-2010) conseguiu reduzir a dependência econômica do país em relação aos EUA e, por outro, rearticulou as ações diplomáticas mais fortemente na direção Sul-Sul. Com isso, a política externa passou também a fortalecer relações com países denominados de “não desenvolvidos” (também chamados de emergentes), o que lhe deu a característica de uma política mais horizontalizada, mesmo que as relações com as grandes potências mundiais tivessem sido mantidas (Mattei, 2016).

Para Castelan & Mattei (2016), é neste contexto que tanto o Mercosul como o bloco do BRICS foram priorizados.[i] No caso deste último, formado em 2009 e que contou com a adesão da África do Sul a partir de 2010, o Brasil teve um papel fundamental na conformação e expansão do bloco, cujas ações econômicas e políticas passaram a ser devidamente reconhecida pelas grandes potências mundiais. Seja através de mecanismos de cooperação, seja através da mobilização de investimentos e de relações comerciais mútuas, o bloco conseguiu se estabelecer como um importante player no cenário mundial, ao mesmo tempo em que propiciou uma melhor horizontalização das relações internacionais. Neste caso, merecem destaque as ações firmes do BRICS em defesa de reformas no sistema de cotas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (WB) e a constituição do G-20 no âmbito da organização Mundial do Comércio (OMC), processo este que alterou o padrão das negociações comerciais em nível mundial.

A partir de 2016, Castelan & Mattei (2016) mostraram que após o impeachment do 2º Governo Dilma e ascensão ao poder de Michel Temer (2016-2018), o viés ideológico da política externa começou a ganhar maior efetividade. Isso pode ser constatado nas declarações de posse do novo Chanceler (José Serra) no dia 18 de maio de 2016 quando, ao enumerar sua “nova política externa embasado em dez princípios e diretrizes programáticas” afirmou: “nossa política não estará mais de acordo com as conveniências e preferências ideológicas de um partido político e seus aliados no exterior”.[ii]Além disso, após criticar quase que cegamente o multilateralismo existente nas relações internacionais, que segundo o novo chanceler não aconteceu e, pior, só prejudicou, passou-se a defender o bilateralismo como o caminho da nova política externa.

Quanto às relações Sul-Sul (casos do Mercosul) tratou-se apenas de uma visão meramente econômica e equivocada, segundo muitos analistas da política externa em vigor à época. Chama atenção neste caso, as menções em relação à África que expuseram a ideia central da “nova política”: abrir um acelerado processo de negociações comerciais visando abrir novos mercados para as exportações brasileiras com base em uma “reciprocidade equilibrada”, revelando um pragmatismo imediatista.

É importante assinalar que ao longo dos três anos de mandato do governo Temer essas dez diretrizes serviram apenas como “Termo de Posse do Chanceler José Serra”, uma vez que a maioria delas foi abandonada, prevalecendo apenas o ideário da “desideologização da política externa”, a ampliação das ações bilaterais, especialmente com os EUA, e o enfraquecimento das relações Sul-Sul, particularmente dos processos de integração regional.

Assim, aos poucos foram sendo abandonados os pilares básicos da política externa brasileira de décadas, a qual esteve acoplada às estratégias gerais de desenvolvimento brasileiro. Foi nesse contexto que ganharam espaços a autonomia e o multilateralismo dos governos pós-redemocratização do país. Ou Seja, a grande marca desse período (1985-2016) foi a defesa da diversificação das ações, especialmente em termos da inserção do país na nova ordem internacional, com ênfase na cooperação entre os países e regiões, fatos que reposicionaram o Brasil perante os demais países do mundo.

 

A política externa do governo Bolsonaro

Entre os anos de 2016-2018 o país vivenciou um acirramento de conflitos econômicos e políticos, cujas emulações remetem ao golpe jurídico-parlamentar de 2016 que alçou o senhor Michel Temer à condição de Presidente da República. Sua gestão geral foi marcada por grandes conflitos políticos e uma crise econômica inacabada marcada por baixo crescimento econômico, elevado grau de desemprego e aumento expressivo das desigualdades sociais. Politicamente, foi um período marcado por reformas de natureza neoliberal e fisiológica que impuseram à sociedade brasileira grandes retrocessos.

Foi nesse cenário que o país elegeu Jair Bolsonaro como presidente da República em 2018, um deputado que fazia parte do “baixo clero” do parlamento brasileiro, uma vez que em 28 anos de mandatos consecutivos aprovou apenas dois projetos políticos, além de sua presença no parlamento ser marcada pelo radicalismo de extrema direita e pelo conservadorismo social e político explicitado em seu mantra que se tornou jargão em todas as suas falas públicas como presidente: “Deus, Pátria, Família e Liberdade”. Mais do que uma ideologia conservadora, esse mantra representa a recapitulação dos lemas fascistas que antecederam à Segunda Guerra Mundial.

É nesse cenário que emerge a política externa do governo Bolsonaro, cuja ênfase se assentada em alguns eixos fundamentais: defesa intransigente do liberalismo conservador como ordem econômica e política, o que significa uma forte ideologização das ações; enfraquecimento do multilateralismo e dos processos de cooperação e integração regional, especialmente na América Latina, com a justificativa ideológica de que o Brasil não se relacionava com ditaduras, mas apenas com países que poderiam trazer vantagens econômicas ao povo brasileiro; rompimento com a autonomia da política externa ao se inserir de forma dependente com os EUA e alinhar internamente os interesses desse país junto ao Brasil; retirada do país de fóruns regionais (UNASUL e CELAC), além de constantes atritos no âmbito do MERCOSUL; estabelecimento de relações externas conflituosas com diversos países, especialmente em termos das relações comerciais e do tratamento da temática ambiental, particularmente quando o assunto dizia respeito à preservação da Amazônia; além do tratamento descortês de um Chefe de Estado em relação às autoridades de outros países.

Enfim, a lista de retrocessos ao longo dos últimos quatro anos é enorme, fazendo com que a maioria dos analistas da política externa qualifique o período de Jair Bolsonaro como de grandes retrocessos, uma vez que em seu governo foram rompidos os pilares básicos que definiam a estratégia de décadas da diplomacia brasileira, a qual construiu uma política externa soberana, autônoma e eficaz.

A seguir sistematizamos algumas dessas passagens ideológicas que estiveram sob a orientação do astrólogo Olavo de carvalho – referência teórica do Chanceler – as quais marcaram fortemente esse processo de rompimento de uma tradição de décadas da política externa do país. Em oposição à política clássica de defesa do multilateralismo aparece o discurso permanente de combate ao “globalismo”, por se entender que a política externa deveria “trabalhar pelo país”, prática que abre espaço para um alinhamento ideológico com o governo Trump (EUA), cuja marca foi a submissão do Brasil aos interesses globais norte-americanos. Neste caso, se sobressaiu a proposta do governo Bolsonaro de trocar a sede da embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, rompendo uma tradição da política externa brasileira de equilíbrio no conflito Israel-Palestina.[iii]

Outro ponto relevante desse rompimento ocorreu nos fóruns da Organização das Nações Unidas (ONU), destacando-se duas passagens. A primeira delas aconteceu na Assembleia Geral da ONU de 2019 quando o Brasil, pela primeira vez, votou a favor do embargo econômico à Cuba imposto pelos EUA. Naquele momento, o presidente do Brasil assim se manifestou: “somos favoráveis ao embargo porque aquilo é uma ditadura”. Todavia, deve-se se registrar que a política externa ideologizada aproximou o país de governos de extrema-direita na Europa (Hungria e Polônia), além de aprofundar a subserviência ao extremismo de direita praticado pelo governo Trump. A segunda menção diz respeito ao posicionamento do país durante reunião do Conselho dos Direitos Humanos da ONU realizada em 23 de março de 2021, momento em que o Brasil foi o único país da América Latina e Caribe a votar contra a resolução que condenava os impactos de medidas coercitivas, como são os casos de embargos econômicos.

Na seara internacional, cabem ainda os seguintes destaques: os conflitos permanentes com a China, o principal parceiro comercial do país; o rompimento do princípio de não intervenção e de respeito à autodeterminação dos povos ao reconhecer equivocadamente Juan Guaidó como presidente da Venezuela, atitude que com o passar do tempo se revelou em um grande fiasco diplomático, uma vez que se tratava de uma invenção política do governo Trump; o não comparecimento à cerimônia de posse do Presidente da Argentina Alberto Fernandez, simplesmente pelo fato de que o candidato apoiado por Jair Bolsonaro perdeu as eleições presidenciais naquele país, o principal parceiro comercial do Brasil no âmbito do Mercosul; as grandes controvérsias e conflitos estabelecidos com outros chefes de Estado em relação à problemática da Amazônia; etc.

Enfim, o conjunto desses fatos (e muitos outros) impôs ao país um isolamento regional e internacional. Tal situação ficou evidente quando Jair Bolsonaro participou de algumas reuniões e fóruns internacionais, momentos em que sequer era procurado para se reunir com os principais líderes mundiais. É justamente esse cenário que começou a ter novos ares a partir de 2023, quando Lula inaugura seu terceiro governo do Brasil.

 

A primeira viagem oficial

Ainda no dia da posse o Lula anunciou que sua primeira viagem oficial iria ser para a Argentina, o principal parceiro comercial do Brasil no continente Sul-Americano. Considerando-se os problemas e os conflitos causados pelo governo Bolsonaro nessa relação com a Argentina, a visita de Lula em 23 de janeiro de 2023 sinalizou uma mudança de rumo da política externa brasileira que estava em curso em relação ao país vizinho. Portanto, mais que manter a tradição do novo presidente do Brasil de visitar primeiramente o país vizinho, essa viagem buscou resgatar e aprofundar os laços com a Argentina diante de sua importância econômica, social e política na região.

Especificamente em termos econômicos, o Brasil só tem a ganhar com essa reaproximação, uma vez que a Argentina ainda é um dos três principais destinos das exportações brasileiras. Já em termos políticos, uma melhor sintonia entre esses dois países poderá beneficiar bastante o andamento das negociações no Mercosul, bem como auxiliar nas negociações finais do acordo entre esse Bloco e a União Europeia, processo que praticamente entrou em “stand by” durante o Governo Bolsonaro. Ou seja, tanto o reposicionamento do Mercosul como os possíveis avanços na escala global dependem fortemente de uma relação política normalizada entre os governos do Brasil e da Argentina.

Registre-se, também, que no dia 25 de janeiro de 2023 (logo após a reunião da CELAC) Lula viajou ao Uruguai para uma reunião com o presidente Uruguaio Luis Lacalle Pou, cuja finalidade foi debater o futuro do Mercosul diante da insistência do Uruguai de celebrar acordos diretos com a China, o que fere mortalmente as regras do Bloco. Governado atualmente por um presidente caracterizado como neoliberal, o Uruguai está buscando se colocar unilateralmente no comércio chinês por meio de sua produção agrícola e pecuária, mesmo que bastante limitada.

Registre-se que esse posicionamento do presidente do Uruguai está gerando certos descontentamentos entre os demais membros do Bloco, os quais foram manifestados durante a última reunião dos líderes do Mercosul realizada em dezembro de 2022. Naquela data, o presidente da Argentina afirmou que o Uruguai estava descumprindo as regras do Bloco, comportamento que poderia levar a um rompimento entre os Estados-membros. Dois aspectos merecem destaque nesse debate. O primeiro diz respeito à nota enviada ao Uruguai em novembro de 2022 pelos coordenadores da Argentina, Brasil e Paraguai criticando o pedido desse país de adesão ao Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CPTPP), tratado que busca estabelecer uma área de livre comércio envolvendo os seguintes países: Austrália, Brunei, Canadá, Chila, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura e Vietnã. Na essência, esse tratado se propõe a remover em 95% as tarifas dos produtos e bens comercializados entre esses países. O segundo diz respeito à defesa de um acordo unilateral do Uruguai com a China, sem qualquer mediação pelo Mercosul.

Segundo o novo chanceler brasileiro (embaixador Mauro Vieira), esse posicionamento poderá representar, no limite, a destruição do Mercosul por uma razão muito simples: o Bloco possui uma Tarifa Externa Comum e se algum Estado-membro negociar tarifas diferentes (mais baixas, por exemplo), essas mercadorias chegariam mais baratas nesse país, mas acabariam circulando também pelos demais países porque há um acordo de livre circulação de bens e mercadorias entre os país do Bloco. Isso acabaria gerando um forte desequilíbrio entre as importações e exportações porque não haveria mais a coordenação da política tarifária.

Neste sentido, é importante registrar literalmente a posição do Brasil defendida pelo Presidente Lula em reunião com o presidente do Uruguai: “quero dizer ao presidente e à imprensa uruguaia que os pleitos do presidente Lacalle são mais que justos. Primeiro, porque o papel de um presidente é defender os interesses de seu país, os interesses de sua economia e os interesses do seu povo. Segundo, porque é justo querer produzir mais e querer vender mais e, por isso, é preciso se abrir o quanto for possível para o mundo dos negócios. Todavia, o que precisamos fazer para modernizar o Mercosul? Queremos sentar à mesa primeiramente com nossos técnicos, depois com nossos ministros e, finalmente, com os presidentes para que a gente possa renovar aquilo que for necessário renovar”.

Este posicionamento do Presidente Lula deixou claro dois pontos: primeiro, que o Brasil concorda que o Mercosul precisa ser renovado (como defende o Presidente do Uruguai); segundo, que qualquer acordo com a China deve ser feito em Bloco. Para tanto, Lula destacou que, apesar da China ser o maior parceiro comercial brasileiro, o país defende que o melhor neste momento é fazer acordos comerciais via Mercosul.

 

A reunião da CELAC realizada em Buenos Aires

O ano de 2023 começou, para a América Latina e Caribe, com um grande encontro do principal fórum de articulação política da região, uma vez que todos os chefes dos estados-membros estiveram presentes, destacando-se o retorno do Brasil, país que há anos não participava mais do encontro.

A CELAC (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) é um bloco composto por 33 países da América Latina e Caribe e que atualmente se constitui no principal fórum de articulação política dos países dessa imensa região geográfica. É importante registrar que a conformação atual dessa organização deriva de um conjunto de ações políticas que inicialmente eram mais localizadas e bastante restritas, mas que foram, com o passar do tempo, ganhando corpo, capacidade de articulação e densidade política. Por isso, é importante resgatar alguns aspectos relevantes desse processo histórico.

O primeiro passo foi dado no início da década de 1980 (1983) que resultou na formação do Grupo de Contadora[iv] por iniciativa do México, Panamá, Colômbia e Venezuela, todos contrários à política intervencionista do Governo Reagan (EUA), especialmente na América Central. Ainda na mesma década (1985), Peru, Brasil, Argentina e Uruguai se reuniram em Lima e formaram o Grupo de Apoio ao Grupo de Contadora. Com isso, cresceu o processo de articulação mais autônoma dos países latino-americanos em relação aos poderosos interesses norte-americanos.

Dessa iniciativa decorre o segundo momento importante com a formação, em 1986, do Grupo do Rio, o qual contou com as presenças dos países originários (Grupo Contadora) mais o Grupo de Lima. Tal Fórum nasceu com o objetivo de fortalecer a democracia e o desenvolvimento econômico e social da região. É importante ressaltar que a partir daí se constituiu um fórum político que articulava as Américas (Sul e Central), sendo composto exclusivamente por países latino-americanos. Além disso, o Grupo do Rio impôs a responsabilidade de se transformar em um mecanismo permanente de consulta política sobre os problemas latino-americanos e caribenhos, além de promulgar uma maior cooperação entre as nações.

Com a chegada da “Onda Rosa” na América Latina na primeira década dos anos 2000 (eleições de presidentes de centro-esquerda em vários países da região), o clima ficou mais favorável para se ampliar as articulações políticas em escalas maiores. Assim, em 2008 o Presidente Lula organizou, na Costa do Sauípe (BA), o primeiro encontro com governantes Latino-Americanos e Caribenhos, porém sem a participação dos EUA. Na verdade, naquele momento se encontraram integrantes do Mercosul, da Unasul e das demais nações Latino-Americanas e Caribenhas para debater o futuro da Organização dos Estados Americanos (OEA), organização que no entender de muitos dos participantes representava fortemente os interesses dos EUA porque sempre era mantida sob a influência desse país imperialista. Esteve evento teve como resultado a criação da CALC (Cúpula da América Latina e do Caribe), cujo objetivo retomava a questão da cooperação e do desenvolvimento de todos os países da região.

Esse processo foi ganhando corpo nos anos seguintes com uma maior integração entre as diversas iniciativas (Grupo do Rio e CALC), sendo que nas reuniões realizadas entre os dias 22 e 23 de fevereiro de 2010, optou-se pela fusão dos diversos grupos, processo esse que deu origem à CELAC, a qual foi oficializada em 2011 com o objetivo de buscar uma maior integração entre as nações, além de fortalecer os processos econômicos, políticos e sociais de todas as nações integrantes. Para alguns analistas, esse foi um marco na luta por autonomia por parte da América Latina e do Caribe.

Particularmente no caso do Brasil, país que sempre exerceu uma forte liderança nesse processo, foi um grande retrocesso registrar que em 2020, sob o Governo Bolsonaro, o país se afastou da organização e não participou mais das reuniões alegando divergências políticas com Cuba e Venezuela. Com isso, o Brasil perdeu seu protagonismo, sendo que a organização passou a ser liderada pela Argentina e pelo México desde então. Com isso, a volta de Lula ao poder poderá possibilitar que o país retome seu papel no Continente, uma vez que é praticamente impossível pensar uma América Latina e Caribe com estabilidade e desenvolvimento sem a presença do Brasil. Por isso, a reunião da CELAC realizada em Buenos Aires (Argentina) no dia 24 de janeiro de 2023 foi um novo marco para a organização política do Continente.

 

O retorno do Brasil à CELAC e ao cenário Latino-Americano e Caribenho

Em sua fala na reunião oficial, Lula destacou ter afirmado, em seu primeiro pronunciamento após vencer as eleições presidenciais em outubro de 2022, que o Brasil estava de volta ao mundo. E nada melhor do que começar esse caminho de retorno pela reunião da CELAC. Registrou, ainda, que desde a redemocratização do país a partir de 1985 sempre houve empenho dos governos brasileiros em prol da integração regional, exceto no último governo (2019-2022) quando, sem qualquer justificativa plausível, o Brasil deixou de participar de todos os debates promovidos e organizados pela CELAC.

Neste sentido, destacou que seu retorno é para renovar o espírito de 2008 quando, na Costa do Sauípe (BA), realizou-se a primeira reunião da Cúpula da América Latina e Caribe, a qual teve continuidade e resultou na criação da CELAC em 2011. Registrou também que o sentido histórico daquele momento segue bastante atual, uma vez que agora se reúnem sem a tutela estrangeira para discutir os problemas do conjunto de países da região visando buscar soluções próprias embasadas em três princípios fundamentais: solidariedade, diálogo e cooperação.

Além disso, podem ser destacados diversos pontos da fala do Presidente Lula, os quais revelam a retomada da política externa brasileira, tão maltratada nos últimos quatro anos. Retomando a trajetória histórica, o Presidente destacou que os países do Continente são marcados por muitos pontos comuns: o passado colonial; a presença intolerável da escravidão e as tentações autoritárias que desafiam as democracias. Mesmo diante de tudo isso se sobressaem a imensa riqueza cultural dos povos indígenas e da diáspora africana, as diversidades das raças, origens e credos, bem como a história compartilhada de resistência e de luta por autonomia.

Partindo do pressuposto de que há uma clara contribuição a ser dada pela região para a construção de uma ordem mundial pacífica, baseada no diálogo, no reforço do multilateralismo e na construção coletiva da multipolaridade, o Presidente declarou que o Brasil está de volta à região e pronto para trabalhar lado a lado com todos porque o país volta a olhar para seu futuro com a certeza de que estará associado aos vizinhos bilateralmente, tanto no Mercosul como na Unasul e na Celac. Também mereceu destaque neste campo o diálogo com consórcios extrarregionais, como a União Europeia, a união Africana, a China, a índia e a ASEAN.

Além disso, destacou-se que a comunidade da CELAC é uma região pacífica que repudia o extremismo, o terrorismo e a violência política. Neste momento, Lula agradeceu o apoio de todos em relação aos atos terroristas contra o país praticados por uma horda de bolsonaristas no dia 08 de janeiro de 2023 que invadiram e depredaram as sedes dos três poderes da República em Brasília.

Do ponto de vista energético, o Presidente Lula afirmou que se localizam em nossos territórios alguns dos principais biomas do mundo; recursos naturais estratégicos; parcelas significativas da biodiversidade do planeta, além do potencial dos recursos aquíferos, questão chave para o futuro da humanidade. Por isso, a região tem uma capacidade especial para participar de forma vantajosa da transição energética global, dado o grande potencial em energias renováveis e limpas.

Em sua fala o presidente também mencionou que a recente pandemia da Covid-19 evidenciou os riscos associados à excessiva dependência dos insumos fundamentais para o bem-estar das sociedades. Por isso, essas crises acabam revelando a importância dos processos de integração dos países, pois é necessário unir esforços visando buscar melhorar a infraestrutura física e digital, além de ampliar os in


Em sua fala o presidente também mencionou que a recente pandemia da Covid-19 evidenciou os riscos associados à excessiva dependência dos insumos fundamentais para o bem-estar das sociedades. Por isso, essas crises acabam revelando a importância dos processos de integração dos países, pois é necessário unir esforços visando buscar melhorar a infraestrutura física e digital, além de ampliar os investimentos em pesquisa e inovação em todos os países da região visando à criação de cadeias globais de valor.

Por fim destaca-se o ápice da fala presidencial: “é com esse sentimento de destino comum e de pertencimento que o Brasil regressa à CELAC, com a sensação de quem se reencontra consigo mesmo”. Certamente, essa é uma frase bem refletida para uma reestreia em um fórum político onde o país nunca deveria ter se ausentado. Isto porque, seguindo o legado do Barão do Rio Branco, a política externa brasileira vinha atuando fortemente no Continente Latino-Americano desde a redemocratização em prol do bem-estar de todos os povos. Na verdade, essa fala, ao finalizar homenageando o pensador Darci Ribeiro – o maior pensador/defensor dos povos originários – pode ser considerada uma das melhores manifestações de um presidente em todos os eventos da CELAC.

 

Algumas repercussões da presença de Lula na reunião da CELAC

A reunião da CELAC, com a presença do Brasil, mereceu destaque em diversos órgãos da imprensa mundial. Um jornal francês destacou a nova ofensiva diplomática do Brasil e suas influências na região, cujo retorno à CELAC revela o papel preponderante do Brasil para o conjunto dos estados-membros da organização. Além disso, destaca-se que a grande novidade foi a discussão de uma proposta de moeda para viabilizar o comércio externo entre Brasil e Argentina, assunto que foi considerado pelo periódico econômico como uma “pedra no sapato” nas pretensões e interesses norte-americanos.

Também foi destacado por vários correspondentes internacionais que a participação do Presidente Lula, além de simbólica, representou um aceno para a retomada de relações políticas com outros países para além da fronteira do Mercosul, com o intuito de exercer toda sua influência na região, bem como reorganizar a diplomacia Sul-Sul que marcou suas passagens anteriores pela presidência do Brasil. Tudo isso sem esquecer de seu protagonismo na esfera global.

Para tanto, mencionou-se três agendas iniciais no âmbito internacional: no final de janeiro de 2023 Lula recebeu a visita do Chanceler Alemão; no início do mês de fevereiro foi aos EUA e em breve estará na China. Ou seja, além do protagonismo na região, o governo Lula recoloca o Brasil novamente nos debates no cenário mundial. Também já estão sendo agendadas possíveis visitas na Europa, particularmente em Portugal, ainda no primeiro semestre de 2023. Essa é grande diferença da trajetória da política externa brasileira em relação ao que ocorreu nos últimos quatro anos.

Na essência, essas novas incursões da política externa brasileira em um mundo fortemente bipolar e dominado pelo eixo Pequim-Washington simboliza a intenção do governo atual de ampliar seus raios de influências para além das fronteiras latino-americanas. Sem dúvida alguma, a discussão da temática ambiental e das mudanças climáticas é um dos grandes trunfos do Brasil neste cenário bipolarizado.

 

Enquanto isso, a ressentida imprensa brasileira…. 

Em reportagem do jornal Folha de S. Paulo, assinada por Renato Machado, Victória Azevedo e Matheus Teixeira, também divulgada no portal UOL em 29 de janeiro de 2023 cravou-se o seguinte título: “Lula enfrenta desgastes para se consolidar como líder da América Latina”. E são impressionantes os argumentos utilizados para sustentar tais afirmações, muito das quais referendando mais pelas posições bolsonaristas do que por análises do que de fato ocorreu durante os três dias da primeira viagem oficial do Presidente Lula. Na sequência ficam claros que esses argumentos midiáticos são desprovidos de qualquer análise da questão principal: a mudança de rota da política externa brasileira.

O primeiro argumento bolsonarista parte do pressuposto de que o Presidente Lula procura se firmar junto aos países vizinhos e como líder da América Latina utilizando-se, novamente, do BNDES para financiar projetos no exterior. Qual foi a fonte desse argumento? O Twitter do Senador Flávio Bolsonaro: “caridade com chapéu alheio, com o seu, com o nosso chapéu. Querem transformar o BNDES no que era antes do Governo Bolsonaro: um ralo de dinheiro de espertalhões”.

O segundo argumento é mais evasivo ainda, uma vez que se afirma que “outros parlamentares já pediram explicações sobre essas iniciativas”, porém sem citar quem são os tais de “outros”. Além disso, afirma-se que “há ações no Congresso para tentar desarquivar projetos que visam impedir empréstimos para governos estrangeiros”. Novamente, essas passagens revelam o caráter ideológico-conservador da reportagem, uma vez que está amparada em suposições e sem citar os agentes em ação.

O terceiro argumento da reportagem é um atestado de quem efetivamente sequer entendeu o que aconteceu na viagem oficial do presidente Lula à Argentina e ao Uruguai, uma vez que se afirma que a “ida de Lula à Argentina e ao Uruguai expôs a estratégia do petista de priorizar o Mercosul, mesmo que em casos impopulares, para tentar se firmar como protagonistas”. Essa é a ignorância de parte da mídia brasileira, uma vez que se os responsáveis pela matéria tivessem dedicado um tempinho mínimo para ler o discurso de Lula na CELAC poderiam ter compreendido o que estava sendo exposto aos demais Chefes de Estado da América Latina e do Caribe.

O quarto argumento despeja a soberba e a ignorância política. Critica-se o Presidente Lula pelo fato de que ele se diz defensor da democracia, mas ao mesmo tempo faz “sinalizações às ditaduras de Cuba e da Venezuela, além de propor a reabertura da embaixada na Venezuela”. Também não escapou desse besteirol o fato de que Lula elogiou a “Argentina – que é governada por seu aliado Alerto Fernandez – mas que a economia em 2022 apresentou uma inflação próxima a 5%”. Neste caso, vemos o quanto uma aula básica de relações internacionais faz falta a esses jornalistas!

O quinto argumento apresentado na reportagem – de forma descontextualizada – crítica abstratamente a fala de Lula quando este afirmou que “Bolsonaro fez uma coisa abominável ao aceitar o Guiadó como presidente da Venezuela”. Ou seja, ainda procuram defender um sujeito que nem sequer seus apoiadores na própria Venezuela o reconhecem como tal.

Finalmente, a reportagem apresenta o óbvio quando afirma que “a estratégia é similar à adotada em seus primeiros oito anos de governo, quando Lula foi um dos entusiastas da criação da CELAC, estreitando relações com os países vizinhos”. Esse desfecho mostra o quanto faz falta uma leitura mais séria do que de fato aconteceu em Buenos Aires entre os dias 23 e 24 de janeiro de 2023. Essa é a pobreza intelectual da mídia brasileira, da qual não poderia se esperar nenhum comportamento diferente! [v]

*Lauro Mattei é professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC.

Referências


Castelan, D.; Mattei, L. A política externa do Governo Temer. Florianópolis (SC); NECAT-UFSC (Texto para Discussão Nº 021), 2016.

Mattei, L. O governo interino e os impasses políticos no Mercosul. Florianópolis (SC); NECAT-UFSC (Texto para Discussão Nº 019), 2016.

Notas


[i] Aqui também poderiam ser mencionadas as iniciativas de criação da UNASUL e o IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), o que caracteriza o multilateralismo na política externa.

[ii] Registre-se que essa é uma crítica típica da direita neoliberal que vê partidarismo somente quando também ocorrem relações com partidos de esquerda. Agora quando se segue cegamente a cartilha neoliberal e conservadora não se qualifica essas relações como partidarização.

[iii] Ao final essa proposta não foi executada, sendo que em 15.12.2019 o Brasil instalou apenas um escritório comercial em Jerusalém. Se a mesma tivesse sido executada como originalmente pensada, significaria que o Brasil estaria reconhecendo Jerusalém como capital de Israel.

[iv] Contadora é uma pequena ilha no Panamá onde foi realizada a primeira reunião.

[v] Versão Original publicada como Texto para Discussão nº 51/2023 NECAT-UFSC.



RUSSIAN WAR CRIMES AND HUMAN RIGHT VIOLATIONS IN THE WAR AGAINST UKRAINE - Commissioner for Human Rights of Ukraine

 Putin merece um Nuremberg só para si...


RUSSIAN WAR CRIMES AND HUMAN RIGHT VIOLATIONS IN THE WAR AGAINST UKRAINE 

The use of weapons of mass destruction against civilians is a crime against humanity and a viola- tion of the four Geneva Conventions of 1949.
By killing civilians, the aggressor's forces continue to commit crimes against humanity as defined by the Statute of the International Military Tribunal and the Rome Statute of the International Criminal Court, cynically disregarding all the requirements of the Geneva Convention relative to the Protection of Civilian Persons in Time of War. 
According to these norms, deliberate attacks on civilians who are not directly involved in hostilities are equated to war crimes. The taking of civilian hostages is a direct violation of Articles 3 and 34 of the Geneva Convention with regard to the Protection of Civilian Persons in Time of War, Article 9 of the International Covenant on Civil and Political Rights and Article 5 of the European Convention on Human Rights.

As of February 15, 2023, since the beginning of the Russian invasion of Ukraine, 461 children were killed and more than 923 children have been injured. Due to the active hostilities in affected regions, there is no possibility to inspect the areas of shelling and destruction.

Sources: Commissioner for Human Rights of the Verkhovna Rada of Ukraine, Office of the Prosecutor General, Ministry of Defense, Ministry of Internal Affairs, State Emergency Service, National Police.

Who blew up Nord Stream? - Ian Bremer (ZeroSignal Newsletter)

 Who blew up Nord Stream?

   

The controversial Nord Stream gas pipelines connecting Russia to Germany and Europe made headlines last September when several sections mysteriously exploded deep underwater, causing the surface of the Baltic Sea to bubble.

Multiple investigations determined the explosions were an act of sabotage, but they failed to identify a culprit. Most experts in the West pointed the finger at Russia, suspecting it was an attempt to worsen the winter prospects of an already energy-starved Europe to weaken its resolve to support Ukraine.

But I never fully bought into that theory.

Why would Russia blow up its own multi-billion-dollar infrastructure and destroy its biggest source of leverage over Germany, Europe, and the West? While the pipelines were already offline, the Russians were counting on the Europeans eventually getting weary of going without their cheap gas. The ability to turn the tap back on was Moscow's best bet to undercut Western support for Ukraine.

Most importantly, it's been nearly five months without a shred of evidence linking Russia to the sabotage. If there were anything at all that pointed to the Kremlin, US intelligence would have found it and we would already know about it. The fact that we don't tells me the Russians probably didn't do it.

Enter veteran investigative reporter Seymour Hersh, who last week published an explosive piece on his Substack blog alleging the United States blew up the pipeline in a joint covert operation with Norway behind Germany's back and deliberately hidden from Congressional oversight.

The US and Norway categorically denied any involvement, calling Hersh's article "utterly false" and "nonsense." Still, the story was a propaganda gift to Vladimir Putin and his cronies, giving ammunition to US critics in Russia, China, and parts of the developing world.

If true, not only would it give Russia justification to escalate its asymmetric attacks against the West (which they were going to do regardless) — but also it would drive a wedge in the NATO coalition and have massive political (and even legal) ramifications for the Biden administration.

Does Hersh's theory hold up?

The man is a journalistic legend, having earned a Pulitzer Prize for his reporting of the My Lai massacre and cover-up. But much of his work since then has been shoddy and — worst of all — rife with motivated reasoning. His (understandable) biasagainst the US intelligence community and national security establishment colored his widely discredited claims that the Osama bin Laden killing was a cover-up and that the Syrian government didn't use chemical weapons.

The fact that this latest story aligns so neatly with Hersh's ideological prism should invite skepticism. And indeed, a look under the hood of Hersh's report reveals a whole lot of holes — and no smoking gun.

First, the explanation he lays out for hiding the operation from Congress isn't internally consistent. Hersh initially claims the operation was devised without special operations personnel to avoid having to notify Congress. But any covert action pursued under Title 50 authority — the section of US code governing covert and direct action undertaken by the intelligence community — would have had to be briefed to Congress regardless of what assets were used.

Hersh then suggests that the operation was actually "downgraded" to avoid Congressional notification. But that's not a thing: If it was a covert action, the government was legally required to notify Congress, end of story.

Second, Hersh's interpretation of President Joe Biden's and Under Secretary of State for Political Affairs Victoria Nuland's pre-invasion remarks as unambiguous threats of military sabotage is self-serving and disingenuous. If, as Hersh claims, the administration went through so much trouble to hide the operation from Congress, why would it foreshadow it publicly not once but twice?

The most logical reading is that they were instead referencing diplomatic engagements with Germany to halt pipeline operations, which were already underway.

Third, the publicly verifiable facts don't align with Hersh's timeline. He specifies that US Navy divers supported by a Norwegian Alta-class minesweeper planted the explosive charges during BALTOPS — the NATO military exercises conducted annually in the Baltic Sea — in June 2022. But publicly available data shows that none of Norway's five Alta-class ships were in the region during that exercise.

Hersh further claims that a Norwegian P-8 Poseidon — a maritime control aircraft — dropped a sonar buoy on the day of the blast to trigger the explosives. But according to flight tracking, none of the five P-8s that Norway operates were in the area that day.

That neither of these assets shows up on tracking data is critical because Hersh's core claim is that Norwegian assets were used precisely so these maneuvers wouldn't need to be covert.

More broadly, the very contention that the US would sabotage infrastructure partially owned by a key ally (Germany) in concert with another shared ally (Norway) without alerting Berlin beggars belief given what we know about Washington's strategic interests.

At the time, the Biden administration was pursuing closer ties with Germany on a range of issues, including tech regulation, China decoupling, and reversing the pullback in transatlantic cooperation initiated by the Trump administration. Blowing up Nord Stream would have jeopardized all those initiatives and invited Russian retaliation for a questionable benefit: definitively ending Germany's already-dwindlingdependence on Russia to strengthen NATO unity.

Targeting Germany in cahoots with Norway also would've risked fracturing the NATO coalition Biden had explicitly focused on bolstering from day one — a risky move for a generally risk-averse administration.

To be clear, none of this means the US didn't do it. After all, Washington had been critical of these pipelines for years. And very few countries on Earth could pull off such a challenging operation, with the United States topping the list. Hersh could plausibly be wrong about the how while being right about the who, but his article doesn't prove anything.

If not Russia or the US, then who?

Who else had the motive, the means, and the opportunity to pull off such a risky, complex, and fingerprint-free operation?

My money is on Ukraine. Ukrainians had the most to gain from blowing up this multi-billion dollar, Russian-owned cudgel. They were also the most risk-tolerant. Russia poses an existential threat to them, so they are willing to do almost anything to prevail. They knew they couldn't win without a strong and united NATO behind them, and they knew the alliance would be vulnerable as long as Russia could leverage its gas against Germany.

Five months ago, I would've been skeptical that the Ukrainians had the technical and operational capabilities to do something like this. But I also didn't think they'd be able to blow up the Kerch Bridge connecting Crimea to Russia, itself quite a sophisticated operation. Nor did I imagine they could assassinate Darya Dugina just outside of Moscow. So it's clear the Ukrainians are eminently willing and able to plan and execute high-risk reasonably complex operations.

Is it possible Ukraine had help from one or several NATO members? Poland, for instance, has been the most strident Russia hawk in the coalition, aware that it's next on Putin's wishlist should Ukraine fall. It's not inconceivable that the highly competent Polish special forces could have pulled off such an attack. Of course, as far as means go, the Americans would have had the most operational capability to help Kyiv with this. That's what made Hersh's theory compelling at face value.

Absent any proof, though, it's speculation all the way down. And make no mistake: There's no proof of anything — not yet at least.

Beware of anyone who claims otherwise.

Ian Bremer

Zero Signal Newsletter

February 15, 2023

Mais realismo na diplomacia, presidente - Editorial Estadão

 Mais realismo na diplomacia, presidente


Por Notas & Informações
O Estado de S. Paulo, 15/02/2023

O saldo diplomático do governo Lula tem sido positivo. Dentre as primeiras visitas, três são para os maiores parceiros comerciais do Brasil: Argentina, EUA e China. Lula tem dado preeminência à agenda ambiental, na qual o Brasil pode e deve ser um protagonista-chave. Mas o presidente precisa parar de gastar capital diplomático com questões que o País não tem condições de influenciar e que servem apenas ao seu apetite por autopromoção. O encontro com o presidente norte-americano, Joe Biden, ilustra esses aspectos da diplomacia lulista.

Que não tenha havido resoluções bilaterais concretas é natural. Com pouco mais de um mês de governo, o objetivo do encontro era simbólico: marcar a reaproximação após os atritos provocados por Jair Bolsonaro. Nesse contexto se deram as conversas sobre as ameaças à democracia e os compromissos genéricos contra a desigualdade e pelos direitos humanos.

Até certas omissões foram positivas. Mesmo que divergências, como, por exemplo, sobre a Organização Mundial do Comércio, tenham sido levantadas, o foram de passagem, evitando confrontos contraproducentes. Felizmente, Lula não insistiu em suas críticas aos embargos dos EUA a Cuba ou Venezuela, que dizem respeito às relações entre esses países e não têm relação direta com o Brasil. Mais importante, a China não foi assunto, o que sinaliza a prudência de Lula em manter equidistância entre as duas potências.

O resultado mais relevante foi o aceno dos EUA de integrar o Fundo Amazônia. As cifras sinalizadas (US$ 50 milhões) foram irrisórias, mas há um imenso espaço para cooperação: na campanha presidencial, Biden chegou a prometer US$ 20 bilhões para a Amazônia.

Como de hábito, porém, Lula perdeu uma oportunidade de ficar calado, ao embutir na conversa a guerra na Ucrânia. Biden se restringiu diplomaticamente a desconversar. Coube à repórter da CNN Christiane Amanpour enquadrá-lo: “O senhor fala muito sobre democracia, mas por que está tão comprometido com a democracia em seu país e não fora?”. Tão melíflua era a peroração de Lula sobre a “paz”, que Amanpour se viu obrigada a interrompê-lo: “Isso é legal, mas o senhor acredita que um país soberano, democrático e independente tem direito à legítima defesa?”. As respostas de Lula, recorrendo às mesmas platitudes, mais que uma demonstração de idealismo, foram um atestado de ingenuidade. Tudo se passa como um mal-entendido: “Precisamos explicar ao presidente (Vladimir) Putin o erro que cometeu”.

Mais importante que o quimérico “clube da paz” de Lula, seria tratar de oportunidades para o Brasil, como o ingresso na OCDE. Mas Lula não só evitou essa pauta, como a sabotou: a diplomacia americana ofereceu reforçar no comunicado oficial o apoio à entrada do Brasil, mas o trecho foi vetado pela comitiva brasileira. As gestões petistas deixaram na geladeira o ingresso na OCDE, desdenhada como o “clube dos ricos”. Na verdade, ela é um clube de boas práticas em políticas públicas. O ingresso implica adesão a instrumentos que garantam um ambiente de negócios amigável e transparência e racionalidade à governança pública. Por razões óbvias, tudo isso incomoda o PT.

Mesmo os pontos positivos do encontro, como a defesa da democracia ou do meio ambiente, foram maculados. Em nome do último, Lula traiu a primeira, deixando transparecer seus instintos autoritários ao conclamar Biden a fazer alguma coisa “para que a gente obrigue os países, os nossos Congressos, os nossos empresários, a acatar as decisões que nós tomamos a níveis globais”.

Após o nanismo diplomático de Bolsonaro, não seria difícil para qualquer presidente fazer boa figura no plano internacional, auferindo ganhos para o País. Seja por oportunismo ou convicção, Lula percebeu que o Brasil tem um grande ativo na questão ambiental. Mas, até para que não o desperdice, o presidente faria bem em traduzir para a diplomacia a atitude atribuída a São Francisco de Assis: “Senhor, dai-me coragem para mudar as coisas que posso mudar, serenidade para aceitar as que não posso, e sabedoria para distinguir umas das outras”.