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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 24 de junho de 2023

Ah, esse ambicionado Prêmio Nobel da Paz... - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

Meu artigo publicado mais recente: 

1513. Ah, esse ambicionado Prêmio Nobel da Paz...”, Brasília, 11 junho 2023, 3 p. Artigo sobre os prêmios Nobel e a pretensão de Lula de conquistar um da Paz para si. Publicado na revista Crusoé (23/06/2023; link: https://crusoe.uol.com.br/secao/paulo-roberto-de-almeida/ah-esse-ambicionado-nobel-da-paz/?utm_source=crs-site&utm_medium=crs-login&utm_campaign=redir). Relação de Originais n.  4412.

Ah, esse ambicionado Prêmio Nobel da Paz...

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo sobre os prêmios Nobel e a pretensão de Lula de conquistar um da Paz para si. Publicado na revista Crusoé

  

O testamento de Alfred Nobel, reservando uma parte de sua imensa fortuna para premiar cinco personalidades que, no ano anterior, realizaram grandes feitos em favor da humanidade, foi finalizado em 1895, prevendo a distribuição de prêmios nas seguintes áreas: física, química, medicina, literatura e a promoção da paz e da amizade entre as nações. Mas, os primeiros prêmios só foram concedidos a partir de 1901, em função de dissensões familiares quanto à repartição de seu legado. Os prêmios científicos e de literatura seriam avaliados por academias suecas dos respectivos setores, enquanto o da paz estaria a cargo do parlamento norueguês, cujo reino, naquela época, era unido ao da Suécia. Bem mais tarde, em 1968, foi introduzido um prêmio Nobel em Economia, a ser atribuído pelo Banco Nacional da Suécia. 

Ao longo dos anos, com poucas exceções, os prêmios foram sendo atribuídos, previsivelmente para cientistas, pesquisadores, literatos dos próprios países avançados, onde naturalmente estavam concentradas as pesquisas científicas e a produção intelectual. Paulatinamente, escritores e cientistas dos demais países, alguns que hoje se situam no que vem sendo chamado de Sul Global, foram sendo contemplados, alguns dos quais bem próximos do Brasil, mas jamais alguém de nacionalidade brasileira (embora alguns cientistas que viveram ou trabalharam no Brasil tenham recebido a graça). Tentativas foram feitas, candidaturas foram apresentadas, mas a sorte foi ingrata com o país abençoado por Deus, ou onde ele teria supostamente o seu lugar de eleição.

(...)

... muitas das democracias ocidentais, entre elas todos os membros da Otan, contestam, inclusive, a suposta imparcialidade do Brasil, para liderar um “clube da paz”, uma vez que Lula, mais identificado atualmente por sua simpática postura em favor de ditaduras de esquerda, tem consistentemente dado mostras de defender o lado russo. Esse posicionamento ocorre a despeito do fato de a diplomacia brasileira ter votado condenando a Rússia na Assembleia Geral da ONU, mas em resoluções puramente simbólicas da, pois que desprovidas do poder coercitivo que teria uma decisão do seu Conselho de Segurança. A proposta de “cessação de hostilidades”, agregada a uma dessas resoluções, só favoreceria a Rússia de Putin, pois que “congelando”, de certa forma, as forças sobre o terreno, sendo que a potência agressora ocupa boa parte da Ucrânia oriental e meridional. 

Não será, portanto, com qualquer manobra inovadora em torno do pior conflito militar na Europa, desde o final da Segunda Guerra Mundial, que Lula conquistará o ambicionado Prêmio Nobel da Paz. Ele terá de pensar em outras iniciativas, de grande peso na atualidade, para almejar o mítico prêmio. Que tal começar por um grande dever de casa, e fazer cessar, por completo, as hostilidades de madeireiros e garimpeiros contra a paz dos povos originários da Amazônia? Eis uma missão que poderia valer como um 13º trabalho de Hércules...


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4412, 11 junho 2023

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Ler a íntegra no site da revista Crusoé: 

 https://crusoe.uol.com.br/secao/paulo-roberto-de-almeida/ah-esse-ambicionado-nobel-da-paz/?utm_source=crs-site&utm_medium=crs-login&utm_campaign=redir

BRICS Faces a Reckoning - Foreign Policy - Online

BRICS Faces a Reckoning
Foreign Policy - Online

June 22, 2023, 1:21 PM

https://adb.empauta.com/e6/noticia/2306221687455889007?autolog=eJwzMDA1NzMzNDU2MTMwMjAyNjAzMgYAKh4D--2Fg--3D--3D%2F

In 2001, Goldman Sachs banker Jim O'Neill created the acronym "BRIC" to refer to Brazil, Russia, India, and China- countries he predicted would soon have a significant impact on the global economy. In 2006, Goldman Sachs opened a BRIC investment fund pegged to growth in these four nations. The moniker captured the global excitement about emerging powers at the time and transformed into a political grouping in 2009, when leaders of the four countries held their first summit. South Africa joined a year later.

In 2001, Goldman Sachs banker Jim O'Neill created the acronym "BRIC" to refer to Brazil, Russia, India, and China- countries he predicted would soon have a significant impact on the global economy. In 2006, Goldman Sachs opened a BRIC investment fund pegged to growth in these four nations. The moniker captured the global excitement about emerging powers at the time and transformed into a political grouping in 2009, when leaders of the four countries held their first summit. South Africa joined a year later.

BRICS as a political body has faced countless critics and doubters from the start. Analysts in the Western press largely described the outfit as nonsensical and predicted its imminent demise. In 2011, the Financial Times' Philip Stevens announced it was "time to bid farewell" to the "BRICS without mortar." A year later, another columnist at the paper, Martin Wolf, asserted that BRICS was "not a group" and that its members had "nothing in common whatsoever." BRICS has also been described as a "motley crew," "odd grouping," "random bunch," and "disparate quartet." In 2015, Goldman Sachs decided to close the BRIC fund (which never grew to include South Africa) due to its low returns.

BRICS member countries have numerous differences and disagreements. While Brazil and Russia are commodity exporters, China is a commodity importer. Brazil, India, and South Africa are democratic countries with vibrant civil societies, but China and Russia are autocratic regimes. Brazil and South Africa are nonnuclear powers, in contrast to China, India, and Russia, which boast nuclear arsenals. Perhaps most seriously, China and India face an ongoing border conflict.

And yet, despite their differences, not one BRICS leader has ever missed the group's annual summits. (Meetings took place virtually during the COVID-19 pandemic.) Instead of unraveling, diplomatic and economic ties have strengthened, and BRICS membership has become a central element to each member's foreign-policy identity. Even significant ideological shifts- including the election of right-wing populist leaders such as India's Narendra Modi in 2014 and Brazil's Jair Bolsonaro in 2018- have not significantly altered countries' commitment to the club.

Yet as BRICS approaches its 15th summit in Johannesburg this August, the grouping is experiencing an unprecedented disagreement over enlargement. The outcome will be a test of BRICS identity in the face of rising Chinese influence.

Despite the many disagreements and tensions among them, BRICS members have more in common than Western analysts often appreciate. The strategic benefits the outfit produces for its participants still far exceed its costs. Four aspects stand out.

First, all BRICS members see the emergence of multipolarity as both inevitable and generally desirable- and identify the bloc as a means to play a more active role in shaping the post-Western global order. Member states share a deep-seated skepticism of U.S.-led unipolarity and believe that the BRICS nations increase their strategic autonomy and bargaining power when negotiating with Washington. As Indian Foreign Minister Subrahmanyam Jaishankar said in opening remarks at the BRICS foreign ministers' meeting in Cape Town, South Africa, on June 1, the concentration of economic power- presumably in the West- "leaves too many nations at the mercy of too few."

Second, the BRICS grouping also provides privileged access to China, a country that has become enormously relevant for all other members. Brazil and South Africa in particular, which had only limited ties to Beijing prior to the group's founding, have benefited from BRICS as they adapt to a more China-centric world. It's not just the summits attended by heads of state: Ministers and other officials frequently gather to discuss issues such as climate, defense, education, energy, and health. And, largely under the radar, the grouping has organized countless annual meetings- in some years more than 100- involving government officials, think tanks, universities, cultural entities, and legislators. BRICS membership also granted countries a founding stake in the Shanghai-based New Development Bank (NDB), created during the fifth BRICS summit in 2013.

Third, BRICS members have generally treated each other as all-weather friends. The group has created a powerful diplomatic life raft for member countries that temporarily face difficulties on the global stage: Fellow BRICS states protected Russian President Vladimir Putin from diplomatic isolation after Russia annexed Crimea in 2014 and stood by Bolsonaro when he found himself globally isolated after his close ally Donald Trump's failed reelection bid for the U.S. presidency. After Russia's full-scale invasion of Ukraine in 2022, Putin could again rely on the other BRICS countries to provide him explicit diplomatic and economic support (China), help circumvent sanctions (India), participate in military exercises (South Africa), or embrace his narratives about the war (Brazil). Without BRICS support, Russia would find itself in a far more difficult situation today.

Finally, being a member of the BRICS creates considerable prestige, status, and legitimacy for Brazil, Russia, and South Africa, which for years have stagnated economically and are now anything but emerging powers. Even as Brazil has fallen behind in its share of global GDP, analysts continue to describe it as an emerging power- which facilitates investment and allows the government in Brasília, the capital, to punch above its weight diplomatically. That some 20 countries are now seeking membership in the group only confirms the notion that the BRICS seal remains powerful.

It is precisely on this last issue that the grouping is facing its biggest disagreement since its inception 14 years ago. Beijing, which does not need to preserve the grouping's exclusivity to retain its global status, has for years aimed to integrate new members and slowly transform the bloc into a China-led alliance. Since 2017, when it presented the "BRICS Plus" concept- a mechanism to bring countries closer to the outfit before eventually granting them full membership- Beijing has sought to put expansion on the agenda. Following Russia's invasion of Ukraine, expansion has also been of interest to Moscow, as it could help create a Russia-sympathetic bloc to counter Western attempts to isolate the country.

Brazil and India, on the other hand, have long been wary of adding new members to BRICS, as they have less to gain from a diluted club that includes smaller powers. Both Brasília and New Delhi fear that expansion would entail a loss of Brazilian and Indian influence within the group. In their eyes, new members would join largely to gain easier access to Beijing, making BRICS positions more China-centric and potentially less moderate. This explains why Jaishankar recently cautioned that deliberations on expansion were still a "work in progress," and Brazilian Foreign Minister Mauro Vieira said that "BRICS is a brand and an asset, so we have to take care of it, because it means and represents a lot." South Africa, which traditionally has the least influence within BRICS, has sought to hedge its bets.

There is no formal application process- or specific criteria- to become a BRICS member. Some countries have simply been added to the list of potential future members after an informal expression of interest. But in last year's BRICS summit declaration, member countries vowed to promote "discussions among BRICS members on BRICS expansion process" and stressed "the need to clarify the guiding principles, the standards, criteria and procedures." The debate about BRICS expansion is not directly related to the NDB, which in 2021 added Bangladesh, Egypt, the United Arab Emirates, and Uruguay as new members and announced that at least 30 percent of loans would be provided in the currencies of member states rather than the U.S. dollar.

In theory, each BRICS member has a veto over the group's decisions, which explains why yearly summit declarations have often been vague. In practice, the grouping's profound asymmetries- China's GDP is larger than that of all other members combined- creates informal hierarchies. South Africa's 2010 accession was led by China to bolster Beijing's engagement on the African continent. It also made the IBSA grouping (of India, Brazil, and South Africa) superfluous. If killing IBSA was a desired side effect of South Africa's BRICS membership- to show that three large democracies in the developing world discussing can't discuss the future of the global south without China- Beijing succeeded: The 10th IBSA leaders' summit, scheduled to take place in 2013, has been postponed indefinitely.

China and Russia may therefore succeed, despite Brazilian opposition and Indian skepticism, in adding new members to the club, particularly since Brazilian President Luiz Inácio Lula da Silva- to his advisors' chagrin- recently expressed support for inviting Venezuela to BRICS during improvised remarks.

Disagreements over whether to expand BRICS are about more than exclusivity and status. Several potential accession candidates- such as Iran, Syria, and Venezuela- have largely pursued an anti-Western foreign policy. Their integration could complicate Brazil's and India's efforts to preserve a nonaligned strategy amid growing tensions between the West and the Beijing-Moscow axis.

The key to BRICS' success since 2009 has been its capacity to circumvent internal disagreements and focus on unifying themes, such as the desire to build a more multipolar world and strengthen south-south relations. India-China ties are notoriously fraught and, despite New Delhi's decision to help Moscow export its oil, India has systematically sought to reduce its dependence on Russian weapons and increased its arms purchases from Europe. The status quo may be the best BRICS can achieve without exposing its rifts. While Russia has long attempted to position the BRICS grouping as an anti-Western bloc, Brazil and India have steadily sought to prevent Moscow from doing so.

The uncertainty about how the South African government in Pretoria should handle hosting the upcoming BRICS summit in Johannesburg reflects the dilemmas it and Brasília currently face in the context of growing tensions between Moscow and the West. Since South Africa is a party to the Rome Statute, the founding charter of the International Criminal Court (ICC), it would be obligated to arrest Putin- whom the ICC has indicted- if he attends. For months, South Africans have debated how to handle the delicate situation. As former South African President Thabo Mbeki recently pointed out: "We can't say to President Putin, please come to South Africa, and then arrest him. At the same time, we can't say come to South Africa, and not arrest him- because we're defying our own law- we can't behave as a lawless government."

While hosting Putin without arresting him would strain South Africa's ties to the West, not hosting him- or organizing the summit elsewhere- would dilute BRICS' commitment to being all-weather friends. The most likely scenario is that South Africa finds a legal loophole to host Putin without detaining him- representing a diplomatic triumph for the Russian president.

Still, it is largely a lose-lose dilemma for South Africa, and means that being part of BRICS has started to have a tangible cost for the country by negatively affecting its ties to the United States and Europe. Pretoria has already had a taste of this: After South Africa drew closer to Russia after its invasion of Ukraine- including by allegedly supplying Moscow with weapons- the G-7 decided not to invite it as a guest to a recent summit, for the first time since South African President Cyril Ramaphosa took office in 2018. Unless the Russia-Ukraine war ends soon, Brazil- which has also signed the Rome Statute and is slated to host the G-20 summit in 2024 and the BRICS summit in 2025 - will soon face the same problem.

For all its ongoing challenges, BRICS generates many benefits for its members and is here to stay. Yet if the group announces the inclusion of new members during the upcoming summit in Johannesburg, it would be simplistic to interpret it as a sign of strength. Rather, expansion should be read as a sign of China's growing capacity to determine the bloc's overall strategy- and may reflect the emergence not of a multipolar order, but of a bipolar one.


sexta-feira, 23 de junho de 2023

O futuro do Brasil NÃO está ao lado da China - Sergio Fausto (Estadão)

 O Brasil diante de dois gigantes globais

Sérgio Fausto

O Estado de S. Paulo, 23/06/2023 - 03h00

Pela importância do tema e posição institucional do entrevistado, mereceu menos atenção do que deveria uma entrevista publicada no jornal Zero Hora em 1/6/2023. Nela, Elias Khalil Jabour, indicado por Dilma Rousseff para uma das diretorias do banco dos Brics, expõe sua visão sobre qual deva ser a estratégia do Brasil diante da crescente rivalidade entre os Estados Unidos e a China: “O futuro do Brasil está ao lado da China”, diz ele em frase síntese que dá título à entrevista.

Seria exagero afirmar que o professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) tem grande influência sobre a definição da política externa brasileira. Ainda assim, suas palavras merecem atenção porque expressam, de modo sistemático, um pensamento difuso que predomina nos partidos de esquerda em geral e no PT, em particular. E, nessa medida, afetam a política externa e a percepção sobre ela.

Começo pelas concordâncias. Em grandes linhas, está correto o diagnóstico de que há um rebalanceamento acelerado do poder mundial, que nos últimos 500 anos se concentrou no Ocidente e desde a 2.ª Guerra Mundial, em especial depois do colapso da União Soviética, nos Estados Unidos. A questão é como um país como o Brasil deve atuar num cenário de rivalidade estratégica cada vez mais acirrada (e potencialmente beligerante) entre a potência ascendente, a China, e a que esteve até aqui sozinha no topo, os Estados Unidos. O desafio requer realismo, razoável nível de consenso interno sobre o que queremos e boa capacidade de coordenação entre os diversos agentes da política externa. As preferências ideológicas não podem ser a nossa estrela-guia.

Embora se apresente como cientista, Jabour faz apologia do socialismo com características chinesas. Canta em verso e prosa a “maior transformação social da história da humanidade” e, num arroubo, afirma que o modelo híbrido chinês representa “o grau máximo que a inteligência humana pode alcançar hoje”. Faltou pouco para decretar o “fim da História”, como precipitadamente o fez Francis Fukuyama, em livro publicado em 1992, logo após a dissolução da União Soviética. Fukuyama, um grande intelectual, quebrou a cara. Jabour deveria ser mais cauteloso.

No embalo apologético, o historiador omite os desastres econômicos e humanitários provocados pelo delírio ideológico e coercitivo de Mao Tsé-tung, entre as décadas de 50 e 70 do século passado. “O Grande Salto à Frente” e “A Revolução Cultural” não foram invenções hollywoodianas. Provocaram fome, prisões, linchamentos e fuzilamentos em massa. Jabour se esquece de dizer que as reformas econômicas de Deng Xiaoping, que avançaram entre os anos 80 e a primeira década deste século, não são um desdobramento do maoismo, mas uma resposta ao legado ruinoso que ele deixou na sociedade e na economia chinesas. Como se fosse pouco, não se acanha de afirmar que não há nem ditadura nem presos políticos na China, fatos notórios, sobretudo depois que Xi Jinping assumiu o poder. A sua liderança marca um retorno político ao totalitarismo da era Mao e um retrocesso econômico em relação às reformas de Deng Xiaoping.

A alma de torcedor aparece também, embora com maior rigor analítico, na avaliação sobre a projeção externa da China. Para Jabour, ela teria um interesse intrínseco no fortalecimento da economia brasileira, não apenas como fornecedora de commodities agrícolas e minerais, porque o Brasil seria – ao lado de Taiwan e Ucrânia – um país-chave na disputa entre os Estados Unidos, líder do Ocidente, e a China, líder da Eurásia, pela hegemonia global. Trata-se de uma proposição audaciosa. Em primeiro lugar, porque pressupõe – como um dado inquestionável – que a China está interessada (e os Estados Unidos e Europa, não) em que o Brasil fortaleça a sua indústria sob novas bases. Em segundo, porque eleva o País à condição de arena estratégica da competição, um exagero evidente. Por fim, porque apresenta o mundo em lentes binárias: de um lado, a China, coadjuvada pela Rússia, formando um bloco, a Eurásia, contra o bloco Ocidental.

O mapa mental do professor é mais rígido e esquemático que a realidade. A história dos investimentos diretos da China no exterior não autoriza a afirmação taxativa de que obedecem a um padrão favorável ao desenvolvimento sustentado dos países de destino. Nem a Eurásia conforma um bloco homogêneo nem o Ocidente se resume aos Estados Unidos e à Europa. Seriam Japão, Índia, Indonésia, Vietnã parte da Eurásia? Não seria a América Latina parte do Ocidente?

Ninguém analisa as relações internacionais com 100% de neutralidade. Também eu tenho as minhas preferências. Não hesito em afirmar que prefiro as imperfeições das democracias liberais à suposta eficiência máxima do “socialismo com características chinesas”. O problema é permitir que essas inclinações se cristalizem em esquemas intelectuais fechados. Pior ainda quando utilizados como bússola para navegação num mundo que não comporta respostas binárias para os desafios que apresenta.

Diretor-Geral da Fundação FHC, é membro do GACINT-USP

https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/o-brasil-diante-de-dois-gigantes-globais/

“ O futuro do Brasil está ao lado da China", diz Elias Khalil Jabbour” - Entrevista (Zero Hora)

 

COM A PALAVRA

"O futuro do Brasil está ao lado da China", diz Elias Khalil Jabbour

Estudioso do país asiático analisa influência global chinesa, diz que a terceira guerra mundial já está em curso ("e é pela Ucrânia") e que o Brasil é um dos três grandes pontos de tensão mundial hoje.

Jabbour: prestes a ser nomeado diretor do Banco do Brics
Jabbour: prestes a ser nomeado diretor do Banco do Brics
Um dos autores do livro China: O Socialismo do Século XXI, Elias Khalil Jabbour é professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e um dos principais especialistas brasileiros sobre o gigante asiático. Ele desfruta da confiança da ex-presidente Dilma Rousseff, atual dirigente máxima do Banco do Brics, para o qual Jabbour está por ser nomeado diretor. Nesta entrevista, concedida no início de maio, ele apresenta a tese de que a Revolução Chinesa, em 1949, desdobrou-se na “maior transformação social da história da humanidade”, comenta os riscos iminentes de uma guerra convencional entre Estados Unidos e China e projeta uma futura ordem mundial com o declínio da hegemonia norte-americana e ocidental. Para Jabbour, o desenvolvimento chinês representa, atualmente, o grau máximo que a inteligência humana pode alcançar. Ele ainda rechaça críticas ocidentais que apontam censura, restrições à liberdade e governo ditatorial do Partido Comunista Chinês.

Alguns analistas consideram que estamos no início de uma Guerra Fria 2.0. Porém, há divergências. E havia, na Guerra Fria original, dois campos ideológicos singulares. Hoje, as economias de China e EUA estão entrelaçadas e há dúvidas se a China deseja ampliar sua influência. Há semelhanças?
Há uma tensão, mas é diferente porque envolve algo que o Ocidente tem medo desde o século 15: uma união Eurásica. E isso está se concretizando agora. Esse é o grande ponto de receio do Ocidente porque, pela primeira vez nos últimos 500 anos, o que se chama de Ocidente (Europa e América do Norte) já deixou de ser o agente dinâmico do mundo, do ponto de vista econômico. Isso é uma novidade: desde que Cristóvão Colombo chegou à América, o momento que estamos vivendo hoje talvez seja o grande turning point. Lenin, no final da vida, trabalhava com a ideia de retirar a guerra do campo militar e trazê-la para o campo comercial. Os chineses conseguiram isso seguindo o que o Lenin procurava: investimento estrangeiro para atrair tecnologia e concessões ao setor privado interno. O que Lenin não conseguiu completar: integrar a União Soviética ao resto do mundo e, com suas riquezas naturais, ligar o resto do mundo à União Soviética. A China fez isso com o Ocidente. O destino do Ocidente está umbilicado com a indústria chinesa ou mesmo com a tecnologia consumida na China. A China se integrou à economia global. Consegue ter o governo americano contra ela, mas há empresas dos EUA que não aceitam isso. Isso não aconteceu com a União Soviética, que foi isolada em um bloco, fazendo comércio consigo mesma. E, quando ela começou a fazer parte da divisão internacional do trabalho, entrou como exportadora de petróleo e gás, e não como a China, que é exportadora de produtos de alta complexidade. É uma guerra híbrida, comercial e convencional.

Em um artigo, o senhor avaliou que teremos uma Terceira Guerra Mundial, possivelmente entre EUA e China, e que o estopim será a questão de Taiwan. Acredita que essa tensão pode levar a um conflito de fato?
Já está acontecendo, e é pela Ucrânia. Esse conflito pode se espalhar para o restante da Europa. A China vai fazer o possível para que não chegue à Taiwan. Mas há luz no fim do túnel: as forças separatistas de Taiwan perderam as últimas eleições. Agora, isso significa que os americanos irão entregar Taiwan? Significa que os americanos vão deixar de usar Taiwan para provocar a China e elevar a escalada da provocação? Acho que pode virar uma guerra convencional, mas não sei quando. A China tem margem de manobra em Taiwan. A população taiwanesa é contra a guerra. Não é fácil arrumar uma confusão na região. Uma guerra ali vai destruir 10 das 30 maiores cidades do mundo. Não é brincadeira.

Todos saem perdendo?
O mundo todo vai perder. A China sabe da sua incapacidade militar diante dos EUA. O atual chefe da diplomacia chinesa disse isso. Não interessa para a China o conflito. Agora, se houver, e acho provável que aconteça, a resposta vai ser just in time. No mais alto calibre. A China pode destruir Washington e Nova York. Tem capacidade militar para isso. A mesma coisa os americanos em relação a Pequim, Xangai, Guangzhou. Pode acabar em uma guerra nuclear também.

Qual a sua avaliação sobre a atuação dos EUA em Taiwan. O senhor fala em provocações. Qual seria o objetivo?
Há hoje 42 tecnologias sensíveis no mundo, e a China está à frente em 37. A grande fronteira tecnológica é a infraestrutura de semicondutores, que a China está duas gerações atrás dos EUA. E quem tem essas infraestruturas hoje instaladas em seu território é Taiwan. Ou seja, o que está em jogo não é somente Taiwan, e sim a TSMC, que é a empresa taiwanesa que exporta para a China os elementos de semicondutores. Essa fábrica é o que pode trazer para a China independência tecnológica em relação a semicondutores. A China hoje tem 2 mil startups patrocinadas pelo Estado voltadas à produção de semicondutores. Esse bullying tecnológico que a China sofre está tendo efeito contrário: ela está deslocando toda a sua energia nacional para superar a barreira dos semicondutores. O que pode ocorrer com o mundo na medida em que a China alcançar os americanos nessa tecnologia? É evidente que o Estreito de Taiwan é uma região ultrassensível. Assim como o Brasil é uma região ultrassensível. Se a Ucrânia é um local de disputa hoje na Europa, se Taiwan é um local de disputa no Leste Asiático, o Brasil também é um local de disputa na América Latina. Acho que Ucrânia, Taiwan e Brasil são os três grandes pontos de tensão mundial hoje.

(A terceira guerra mundial) já está acontecendo, e é pela Ucrânia. Esse conflito pode se espalhar para o restante da Europa. A China vai fazer o possível para que não chegue à Taiwan.

No século 20, tivemos a consolidação de uma ordem global liberal: o american way of life, o dólar como lastro do comércio internacional, as organizações comandadas pelos EUA, única superpotência emergente da Guerra Fria. A China ganha espaço e contesta essa ordem. É possível imaginar uma ordem global sinocêntrica? A China quer isso?
A China não quer governar o mundo. Não tem essa pretensão. A financeirização é um fenômeno interessante, porque foi fragilizando os países capitalistas centrais a tal ponto que a distância entre a China e eles diminuiu rapidamente. O mundo entrou em crises financeiras sucessivas, enquanto a China reduzia a distância em relação aos americanos. A financeirização foi corroendo por dentro o sistema, e isso foi possibilitando que a China alcançasse os objetivos que seriam de longo prazo no curto e médio prazos. Outro ponto: o custo de você ser hegemon no mundo é muito alto. As pessoas me perguntam: “A China quer que o Brasil seja um país forte?”. É evidente que sim, porque ela não quer ter o ônus de instalar bases militares na América Latina. Para ela, um Brasil forte, industrializado, com tecido social reconstruído, com uma base industrial tecnológica é importante. Não quer ter o ônus de ser polícia do mundo, isso não é nem o perfil dos chineses. A ordem multipolar que a China prega conta com uma América Latina com papel central, com Brasil, Argentina e México; a África com papel central; e a própria Ásia, com China, Índia e Rússia, idem. Mais: o lugar da China não é o Norte Global. Ela nunca será aceita no clube dos países desenvolvidos. O lugar histórico dela é o Sul Global, o Terceiro Mundo. Eles se veem nessa condição. Querem o Sul Global fortalecido porque isso, para eles, é uma muralha também.

A esquerda critica as bases da Otan próximas à Rússia e as movimentações dos EUA perto da China. Por outro lado, no Ocidente, os críticos da China dizem que ela avança comercialmente, com compras de propriedades em setores estratégicos, e que isso pode ser também uma ameaça. Diante disso, vivemos o ápice da sinofobia, potencializada pela pandemia de covid-19?
A sinofobia está a mil por hora até por uma questão de decadência moral no Ocidente e de ter que se colocar a culpa em alguém. A China se declara um Estado socialista, e há 30 anos se falava que o socialismo tinha morrido. Isso, por si só, já é motivo para que o Ocidente fique em polvorosa. A gente tem de dar nome aos bois: é racismo. É essa visão europeia e americana de despotismo oriental que julga a China como ditadura. Você pega 5 mil anos de história da China e resume a um conceito de ditadura ou democracia quando, na verdade, o mais inteligente seria observar quais são as formas históricas de propriedade e sistema de governo e políticos que advêm disso. O Ocidente vive uma crise da democracia liberal. No fundo, é a crise de uma democracia que nunca existiu. O Ocidente é uma plutocracia. Nos últimos 30 anos, cerca de cem países adotaram democracias liberais e mais de 60 estão em crise por algum motivo: fome, falta de governança, dívida. A sinofobia é racismo, só que os ocidentais não se olham no espelho. O Ocidente está se desmanchando.

A China não quer governar o mundo. Não tem essa pretensão. Não quer ter o ônus de ser polícia do mundo. A ordem multipolar que a China prega conta com a América Latina, a África e a própria Ásia com papel central.

E o avanço da China sobre propriedades e setores estratégicos do Ocidente?
A China faz o que qualquer país do mundo com projeto nacional faria. Isso não é expansionismo, é ocupação de espaço geopolítico. Agora, se o Brasil permite isso, é outra história. Quem está errado somos nós (brasileiros).Todo mundo fala que a China avança, mas ela o faz porque os países permitem. E você não vai fazer comércio ou manter uma relação de investimento com um país que faz comércio há 3,6 mil anos e achar que está sendo esperto com eles. Você não pode entrar no jogo com a China sem que tenha um projeto de longo prazo. Porque você vai ser engolido. Isso independe se a China é socialista, capitalista, de direita ou de esquerda. A capacidade que os chineses têm de fazer comércio e de usar o comércio como arma política é impressionante. Temos de lidar com a China com um projeto nacional, não como um país que quer vender commodity, não como Michel Temer fez colocando um monte de empresas para os chineses comprarem. Jair Bolsonarotambém o fez. O Brasil tem de ter uma legislação dura em relação a isso. Agora, nós não vamos pedir para que chineses tenham complacência em relação a nós. Não vão ter. Qualquer país respeita quem se respeita. Está na hora de o Brasil se respeitar nesse aspecto. Até porque uma das características da China e do governo chinês é se adaptar a projetos sociais autônomos. A China não é um país imperialista, nem colonialista, nem neocolonialista. 

Pode dar exemplos?
A Bolívia. A China poderia muito bem importar o lítio boliviano e fabricar baterias no seu próprio território. A Bolívia exigiu da China a industrialização do lítio em território boliviano. A Etiópia está exigindo da China a instalação de zonas econômicas especiais lá, não quer mais exportar commodity para a China. Paquistão e Irã fizeram a mesma coisa: “Queremos infraestrutura, transferência de tecnologia”. A China está fechando um negócio com a Tailândia, de trens de alta velocidade, que prevê transferência de tecnologia.

A China censura a internet e tem presos políticos. Como você classifica o país em termos de liberdade?
A China é uma democracia não liberal porque tem suas próprias formas históricas de representação popular. Qualquer vila, distrito ou aldeia tem o Partido Comunista e uma assembleia popular local. Na última reunião da Assembleia Popular Nacional, foram mais de 3 mil destaques vindos das bases. Não existe isso em outra parte do mundo. A gente tem de compreender que a China tem suas próprias formas históricas de representação popular, que remontam há 2 mil anos, a uma antiga prática de democracia à base da aldeia. Não acredito que um trabalhador alemão, americano ou brasileiro seja mais livre do que um chinês. Outra coisa: a China tem preso político? Quem? Os EUA têm presos políticos em Guantánamo.

Na China não há presos políticos?
Se alguém me mostrar que tem, vou falar que tem. E lamentarei isso.

Todos sabem no Ocidente que as big techs se transformaram em instrumento de desestabilização de sociedades. Por que a China tem de se dar o direito de ser desestabilizada como foi o Brasil, o Irã, por conta de uma liberdade de acesso à internet? A restrição na China não é à internet. É às big techs.

Na sua visão, isso é parte do discurso do Ocidente de vilanizar a China?
Não tenho problema em assumir que há presos políticos na China, desde que me provem. Sou cientista, não torcedor. Até onde sei, não há. Restrição à internet: no mundo inteiro há restrição à internet, não só na China. Nós, aqui, trabalhamos 24 horas por dia para o Twitter, para o Google, a Meta. E todos sabem no Ocidente que as big techs se transformaram em instrumento de desestabilização de sociedades. Eu coloco a pergunta: por que a China tem de se dar o direito de ser desestabilizada como foi o Brasil, o Irã, por conta de uma liberdade de acesso à internet? A restrição na China não é à internet. É às big techs, que não são chinesas. Até porque, hoje, o ouro do mundo não é o petróleo. São os dados. E Mark Zuckerberg (dono da Meta) já confessou que trabalha para o governo americano. Então, como a China vai permitir, em meio ao bullying comercial e tecnológico, que suas empresas e seus cidadãos entreguem para os EUA os seus dados? Não é uma questão moral, é política e geopolítica.

O senhor defende que houve na China, a partir da Revolução de 1949, a maior transformação social na história da humanidade, por tirar um grande contingente de pessoas da miséria. Pode explicar a abordagem?
A China é hoje produto da maior revolução social da história da humanidade, que foi a Revolução Chinesa, em 1949: uma imensa revolta camponesa, após mais de cem anos de humilhação dos mesmos países que hoje dizem que a China é uma ditadura. De um dos países mais ricos do mundo, a China passou a ser um dos 10 mais pobres em 1949. A expectativa de vida era de 35 anos. O analfabetismo beirava os 90%. Em 72 anos, isso mudou completamente graças a essa revolução social. É evidente que o socialismo é um sistema social muito novo. Tem apenas cem anos. Isso não é nada, um embrião na História. O capitalismo tem 600 anos. O feudalismo tem mais de 2 mil anos, a escravidão, mais de 2 mil anos. A China é um socialismo embrionário, que vai se reinventando ao longo do tempo. Advogo no meu livro que, a partir de 1978, o socialismo chinês se reinventa, algo fora da ortodoxia marxista. A China construiu seu próprio caminho ao socialismo. Hoje o governo usa big data, 5G, inteligência artificial para ter uma intervenção mais rápida na economia. Como entender que a China conseguiu gerir, elaborar e executar milhares de projetos simultaneamente após a crise de 2008? Isso significa uma elevação da capacidade de planejar e executar a partir da plena utilização das inovações tecnológicas disruptivas. Falta uma ciência social para entender a China hoje. Ela tem de ser descoberta cientificamente. O grau máximo que a inteligência pode alcançar hoje no mundo é o que estamos vendo na China.

Falta uma ciência social para entender a China hoje. Ela tem de ser descoberta cientificamente. O grau máximo que a inteligência pode alcançar hoje no mundo é o que estamos vendo na China.

Diante da aproximação entre China e Brasil, há risco de desagradar os EUA? Em algum momento, o Brasil vai ser forçado a escolher um lado?
O Brasil é muito grande para caber no quintal de alguém. O Brasil tem de tirar o melhor que os americanos podem nos entregar. Eles têm condições de entregar grandes empresas, na forma de joint ventures? Se tiverem, eu aceito. A China tem. O Brasil, na década de 1950, planejou sua economia a partir da tendência do automóvel. Nós não temos autonomia de lançar tendência para planejar a economia. Temos de aproveitar as tendências de fora. A tendência naquela época era o automóvel. Por isso, Juscelino Kubitschek traz as montadoras, ao lado delas surgem de 2 mil a 3 mil empresas metalmecânicas. Hoje, vemos a destruição das ligações brasileiras, um problema de soberania, inclusive: você não vai de Porto Alegre até Manaus de carro, ônibus ou caminhão. O Brasil está com suas infraestruturas destruídas. O básico de um país capitalista é ter infraestruturas que unifiquem seu mercado nacional. O Brasil não tem mais isso. E qual o país do mundo que entrega uma tendência para isso? A China. Falo de trens, rodovias, portos. O futuro do Brasil está ao lado da China.

Japão e Austrália, vizinhos da China próximos aos EUA, anunciaram investimento em forças militares. A China tem como aliados a Coreia do Norte e a Rússia. Há desvantagem em relação a aliados e isso deve ser prioridade na política externa chinesa?
A China hoje é a maior parceira comercial de 140 países. O problema da China não é falta de aliados. Ela tem praticamente toda a Eurásia, a África e a América Latina a seu lado. O problema dela não é o isolamento. Ao contrário: as pessoas não percebem que quem está se isolando é o Ocidente. Houve uma reunião da Organização para a Cooperação de Xangai, em que metade do mundo estava lá em termos de população, e cujo informe final foi muito claro: “Não aceitamos ingerência ocidental nos nossos países, e não aceitamos bullying econômico ao Irã”. Quem está sofrendo um problema de isolamento é o Ocidente. O Ocidente está desmoralizado em todos os aspectos.

Uma crítica que se faz é sobre a questão ambiental. A China precisa avançar nesse ponto? Como está o debate internamente?
Se você juntar os investimentos em tecnologia verde de Europa e EUA, a China dobra. A China é o país que mais investe em tecnologia limpa. A resposta que o mundo está dando hoje à questão climática não é feita pelo Ocidente, e sim pela China. É que as informações não chegam para nós.

As narrativas do Oriente não chegam aqui?
Qual foi a última notícia boa que vocês viram sobre a China? Nenhuma. Não chega. A gente fala de repressão à internet na China, e não fala (do mesmo problema) no Brasil. Nós vivemos uma tempestade semiótica integral contra a China no Brasil.