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sexta-feira, 23 de junho de 2023

O futuro do Brasil NÃO está ao lado da China - Sergio Fausto (Estadão)

 O Brasil diante de dois gigantes globais

Sérgio Fausto

O Estado de S. Paulo, 23/06/2023 - 03h00

Pela importância do tema e posição institucional do entrevistado, mereceu menos atenção do que deveria uma entrevista publicada no jornal Zero Hora em 1/6/2023. Nela, Elias Khalil Jabour, indicado por Dilma Rousseff para uma das diretorias do banco dos Brics, expõe sua visão sobre qual deva ser a estratégia do Brasil diante da crescente rivalidade entre os Estados Unidos e a China: “O futuro do Brasil está ao lado da China”, diz ele em frase síntese que dá título à entrevista.

Seria exagero afirmar que o professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) tem grande influência sobre a definição da política externa brasileira. Ainda assim, suas palavras merecem atenção porque expressam, de modo sistemático, um pensamento difuso que predomina nos partidos de esquerda em geral e no PT, em particular. E, nessa medida, afetam a política externa e a percepção sobre ela.

Começo pelas concordâncias. Em grandes linhas, está correto o diagnóstico de que há um rebalanceamento acelerado do poder mundial, que nos últimos 500 anos se concentrou no Ocidente e desde a 2.ª Guerra Mundial, em especial depois do colapso da União Soviética, nos Estados Unidos. A questão é como um país como o Brasil deve atuar num cenário de rivalidade estratégica cada vez mais acirrada (e potencialmente beligerante) entre a potência ascendente, a China, e a que esteve até aqui sozinha no topo, os Estados Unidos. O desafio requer realismo, razoável nível de consenso interno sobre o que queremos e boa capacidade de coordenação entre os diversos agentes da política externa. As preferências ideológicas não podem ser a nossa estrela-guia.

Embora se apresente como cientista, Jabour faz apologia do socialismo com características chinesas. Canta em verso e prosa a “maior transformação social da história da humanidade” e, num arroubo, afirma que o modelo híbrido chinês representa “o grau máximo que a inteligência humana pode alcançar hoje”. Faltou pouco para decretar o “fim da História”, como precipitadamente o fez Francis Fukuyama, em livro publicado em 1992, logo após a dissolução da União Soviética. Fukuyama, um grande intelectual, quebrou a cara. Jabour deveria ser mais cauteloso.

No embalo apologético, o historiador omite os desastres econômicos e humanitários provocados pelo delírio ideológico e coercitivo de Mao Tsé-tung, entre as décadas de 50 e 70 do século passado. “O Grande Salto à Frente” e “A Revolução Cultural” não foram invenções hollywoodianas. Provocaram fome, prisões, linchamentos e fuzilamentos em massa. Jabour se esquece de dizer que as reformas econômicas de Deng Xiaoping, que avançaram entre os anos 80 e a primeira década deste século, não são um desdobramento do maoismo, mas uma resposta ao legado ruinoso que ele deixou na sociedade e na economia chinesas. Como se fosse pouco, não se acanha de afirmar que não há nem ditadura nem presos políticos na China, fatos notórios, sobretudo depois que Xi Jinping assumiu o poder. A sua liderança marca um retorno político ao totalitarismo da era Mao e um retrocesso econômico em relação às reformas de Deng Xiaoping.

A alma de torcedor aparece também, embora com maior rigor analítico, na avaliação sobre a projeção externa da China. Para Jabour, ela teria um interesse intrínseco no fortalecimento da economia brasileira, não apenas como fornecedora de commodities agrícolas e minerais, porque o Brasil seria – ao lado de Taiwan e Ucrânia – um país-chave na disputa entre os Estados Unidos, líder do Ocidente, e a China, líder da Eurásia, pela hegemonia global. Trata-se de uma proposição audaciosa. Em primeiro lugar, porque pressupõe – como um dado inquestionável – que a China está interessada (e os Estados Unidos e Europa, não) em que o Brasil fortaleça a sua indústria sob novas bases. Em segundo, porque eleva o País à condição de arena estratégica da competição, um exagero evidente. Por fim, porque apresenta o mundo em lentes binárias: de um lado, a China, coadjuvada pela Rússia, formando um bloco, a Eurásia, contra o bloco Ocidental.

O mapa mental do professor é mais rígido e esquemático que a realidade. A história dos investimentos diretos da China no exterior não autoriza a afirmação taxativa de que obedecem a um padrão favorável ao desenvolvimento sustentado dos países de destino. Nem a Eurásia conforma um bloco homogêneo nem o Ocidente se resume aos Estados Unidos e à Europa. Seriam Japão, Índia, Indonésia, Vietnã parte da Eurásia? Não seria a América Latina parte do Ocidente?

Ninguém analisa as relações internacionais com 100% de neutralidade. Também eu tenho as minhas preferências. Não hesito em afirmar que prefiro as imperfeições das democracias liberais à suposta eficiência máxima do “socialismo com características chinesas”. O problema é permitir que essas inclinações se cristalizem em esquemas intelectuais fechados. Pior ainda quando utilizados como bússola para navegação num mundo que não comporta respostas binárias para os desafios que apresenta.

Diretor-Geral da Fundação FHC, é membro do GACINT-USP

https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/o-brasil-diante-de-dois-gigantes-globais/

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