O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Ampliação do Brics - artigo do chanceler de Lula 3 (FSP)

 O chanceler de Lula 3 tem certeza de que os “tubarões” do Brics+ querem um mundo mais justo e equilibrado?

Paulo Roberto de Almeida 

 Brics, o consenso como norma Interesse de 23 países em unir-se ao bloco é exemplo eloquente do seu êxito.
Mauro Vieira Ministro das Relações Exteriores 
Folha de S. Paulo, 14/09/2023

A recente cúpula do Brics em Joanesburgo, na qual foram anunciados convites para que seis novos países (Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã) integrem o grupo, tem gerado acalorados debates —aos quais o Itamaraty presta atenção como chancelaria de uma nação de indiscutíveis credenciais democráticas. Da posição privilegiada de quem acompanhou o processo desde sua formulação como exercício teórico pelo economista Jim O’Neill, em 2001, e sobretudo de quem viu o grupo consolidar-se como ferramenta diplomática e liderou a negociação para a ampliação do Brics, de janeiro até a semana passada, sob a orientação do presidente Lula, procuro contribuir para o debate com algumas observações. 

 Para começar, sugiro cuidado com análises que têm como pontos de partida lógicas importadas que fazem lembrar as da Guerra Fria do século passado. O Brasil e sua diplomacia sempre souberam navegar em momentos de fratura, como nas duas guerras mundiais e também na Guerra Fria, sem alinhamentos automáticos ou alianças excludentes —e não será diferente caso cenários semelhantes se repitam no futuro. Não nos faltam, para isso, experiência, acesso a todos os interlocutores, clareza sobre o interesse nacional e visão estratégica. Lógicas de soma zero, que especulam sobre diluição de poder do Brasil com a ampliação, tampouco aplicam-se, a meu ver. 

O bloco é hoje, 15 anos após sua criação, muito mais relevante, e esse capital político ampliado continuará a crescer e a render dividendos políticos para todos os integrantes. O interesse de 23 países em unir-se ao espaço é exemplo eloquente do seu êxito, somado a conquistas tangíveis como a criação do NDB (Novo Banco de Desenvolvimento), o chamado "banco do Brics". Ademais, não seria coerente que o Brasil, que advoga a reforma da governança global e a ampliação da participação dos países em desenvolvimento nos órgãos decisórios, como o Conselho de Segurança da ONU, bloqueasse o acesso ao grupo. 

 A heterogeneidade de sistemas políticos, de níveis de desenvolvimento e de escalas de cada economia nacional, apontada por alguns, agora, como um pecado capital da ampliação, é e sempre foi uma marca distintiva do Brics —e também uma de suas maiores virtudes. O que une seus membros é o interesse em forjar um sistema internacional mais justo e que priorize o desenvolvimento para todos. É essa a identidade que uniu os primeiros integrantes, Brasil, Rússia, Índia e China, com respeito às divergências em outros campos, e que foi acolhida pela África do Sul quando do seu ingresso. 

 A ampliação ensejou também interpretações equivocadas sobre a suposta supremacia de um país sobre os demais, como se isso fosse possível em um bloco no qual impera o consenso como regra. A simples aritmética desmonta essa visão de viés conspiratório: afinal, ninguém questiona que o consenso entre 11 é mais difícil construir do que entre 5, seja em uma negociação diplomática entre países ou em um grupo de WhatsApp ou mesa de bar. O Brics não tem um só dono, e a negociação em Joanesburgo demonstrou essa realidade claramente. Já a partir do processo preparatório dos últimos meses, a delegação brasileira insistiu na necessidade de critérios e compromissos a serem assumidos pelos novos membros, caso da necessidade de reforma das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança. 

Quem já se deu ao trabalho de ler a declaração da cúpula de Joanesburgo e de compará-la às declarações de encontros anteriores pôde comprovar uma evolução importante na posição do bloco e de todos os seus cinco integrantes, a ser seguida pelos países convidados que queiram ingressar. A abertura do debate técnico sobre o uso de moedas locais foi outro ponto prioritário para o Brasil plenamente atendido na mesa de negociação; e corretamente destacado pela mídia internacional pelo seu potencial impacto. 

 Por esses motivos, o governo brasileiro recebe com satisfação os resultados da cúpula, que atenderam plenamente os objetivos do Brasil. Eventuais problemas futuros, tanto os apontados agora como os que venham a surgir, serão tratados com o mesmo pragmatismo e independência que caracterizam a política externa brasileira.

Lula vê o Brasil como “bagrinho”; quer vê-lo como “tubarão” - William Waack (OESP)

  Lula torna situação do Brasil delicada ao se comportar como ‘bagrinho’ que acompanha China e Rússia 

William Waack
O Estado de S. Paulo, 14/09/2023
País depende do mundo ocidental nas mais diversas áreas e tem abandonado posição de equidistância no cenário global Lula divide o mundo entre países tubarões e bagrinhos. 

Os tubarões estão sentados no Conselho de Segurança da ONU e atacam conforme julgam necessário. Os bagrinhos obedecem a leis e aderem a entidades como o Tribunal Penal Internacional. Na visão do presidente brasileiro, o Brasil é um bagrinho com pretensões a tubarão, com boas chances de serem realizadas. Sua assessoria internacional lhe garante que o próprio eixo da Terra está mudando depois da recente expansão do Brics, comandada pela China, um dos tubarões pelos quais Lula tem grande admiração (o outro é a Rússia). 

 As mordidas que Lula distribuiu até aqui foram na direção dos Estados Unidos. Que ele tem como o principal responsável (senão o único) por uma ordem internacional que condena o Brasil a nadar como bagrinho. Mas agora o exclusivo clube ocidental do G-7, prossegue a assessoria internacional de Lula, não vale mais a mesma coisa e no G-20 o Global South fala de igual para igual com os riscos. Na verdade, a contestação da “ordem liberal” liderada pelos EUA pelo eixo autocrático China-Rússia criou para o Brasil uma situação extraordinariamente delicada. Já estamos numa guerra fria bem pior e muito mais perigosa do que a última. 

 Em termos brutalmente simples, o Brasil é parte do amplo mundo ocidental por conta de história, cultura e universo de valores (como direitos humanos). E depende da China como seu principal mercado de exportações de commodities. Mais ainda: parte relevante da tecnologia e insumos que fizeram do Brasil uma super potência na produção de alimentos depende de países ocidentais. Assim como o acesso a bens e tecnologias diretamente ligadas à segurança e defesa – Alemanha para o Exército, França para a Marinha e Suécia para a Aeronáutica, todos na Otan. Neste momento, as duas superpotências se empenham em solidificar alianças para contestar a hegemonia de uma ou a pretensão hegemônica de outra. 

Parecem deslizar para um conflito armado de consequências imprevisíveis na Ásia. A guerra na Ucrânia, que no jargão geopolítico é do tipo “localizada”, obrigou Putin e Xi Jinping a refazer cálculos estratégicos quanto à “decadência” do adversário ocidental. Mas boa parte do que Lula reproduz em seus discursos sobre a situação internacional são as mesmas avaliações que China e Rússia fazem de um ocidente em declínio e injusto com os bagrinhos. 

Acaba prejudicando o que seria o interesse óbvio do Brasil (potência regional média): manter equidistância como puder, enquanto puder. Não precisa se comportar como bagrinho.


Das assimetrias idiotas e do TPI assimétrico - Paulo Roberto de Almeida e FSP, Flavio Dino

 Desculpem dizer mas o ministro da “Justiça” também é um idiota. Qual é a assimetria que existe no TPI se mesmo um cidadão de um país que NÃO FAZ parte do TPI, como é o caso do tirano de Moscou, pode ser julgado pelo TPI como qualquer outro violador dos DH de QUALQUE PAÍS do mundo? Qual é a lógica de Dino?

Não tem lógica nenhuma: só está seguindo a idiotice do chefe dele.

Enquanto isso o ministro dos DH do país dos idiotas governamentais permanece caladinho.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 14/09/2023


Dino diz que Tribunal Penal Internacional é desequilibrado e endossa críticas de Lula Ministro afirma que Itamaraty pode debater participação do Brasil no Estatuto de Roma 

 BRASÍLIA O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), afirmou nesta quarta-feira (13) que o TPI (Tribunal Penal Internacional) hoje funciona de modo "desequilibrado" e endossou críticas do presidente Lula (PT) ao fato de o Brasil ser signatário do tratado da corte enquanto países como Estados Unidos e China não o são. "O TPI é de algumas nações e não de todas, e é esse o alerta que o presidente fez, no sentido da necessidade de haver igualdade entre os países. Ou seja: ou todos aderem ou não faz sentido um tribunal que seja para julgar apenas uns e não outros", disse o ministro. É o momento em que, nessa projeção mundial que o presidente Lula tem, quem sabe haver essa revisão do estatuto", sugeriu Dino em referência ao Estatuto de Roma, tratado fundador do Tribunal de Haia. "Ou todos os países aderirem. 

Ou, de fato, haver o reconhecimento de que é um tribunal que funciona de modo desequilibrado", completou ao participar de evento no Senado. O ministro disse que rever a participação do Brasil no TPI ainda é "um debate muito novo". Ele, no entanto, também afirmou que a diplomacia brasileira poderá avaliar a questão em "algum momento" —sem responder se ele, pessoalmente, era contra ou a favor disso. "O presidente Lula alertou corretamente que há um desbalanceamento em que alguns países aderiram à jurisdição do TPI e outros não. Isso sugere que, em algum momento, a diplomacia brasileira pode rever a adesão a esse acordo, uma vez que não houve igualdade entre as nações na aplicação desse instrumento." Na última segunda-feira (11), Lula disse que "não sabia da existência" do tribunal e que iria investigar as razões de o Brasil ser signatário do Estatuto de Roma. "Me parece que os países do Conselho de Segurança da ONU não são signatários, só os 'bagrinhos'",afirmou o petista durante entrevista coletiva em Nova Déli, na Índia, após o encerramento da cúpula do G20. 

 Na verdade, dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança —colegiado no qual a participação é uma demanda antiga do Brasil—, EUA, Rússia e China não aderiram ao TPI. França e Reino Unido, porém, são signatários do Estatuto de Roma e membros da corte. No total, a instituição reúne 123 países. A adesão do Brasil ao estatuto voltou a ser tema de debate depois de um comentário do petista a uma emissora indiana no último sábado (9). Na ocasião, ele afirmou que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, poderia ir ao Rio de Janeiro em 2024, para a cúpula do G20 sob a presidência brasileira, sem correr risco de ser preso. A questão é que o russo é desde março alvo de um mandado de prisão do TPI por supostos crimes de guerra na Ucrânia. E o Brasil, como signatário do documento fundador do tribunal, em tese deveria se comprometer a cumprir suas ordens —neste caso, prender Putin, que sempre negou as acusações. 

 O mandado do Tribunal de Haia, que acusa o presidente russo de não agir para impedir a deportação ilegal de crianças ucranianas de territórios ocupados por seu Exército, já o impediu de comparecer a pelo menos um evento internacional de peso neste ano —a cúpula do Brics, realizada em Joanesburgo, na África do Sul. Com sede em Haia, na Holanda, o Tribunal Penal Internacional foi criado em 1998 e é responsável por investigar e julgar pessoas acusadas de infrações como crimes de guerra e crimes contra a humanidade. 

 O Brasil assinou o documento em 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e o incorporou à legislação em 2002, mesmo ano em que o TPI passou a funcionar de fato —portanto, antes de o petista assumir seu primeiro mandato na Presidência, em 2003.



 

Memórias de Dorothée Duprat de Lasserre: relato de uma prisioneira na Guerra do Paraguai (1870) - Francisco Doratioto

Um novo livro do grande historiador  Francisco Doratioto: 

Memórias de Dorothée Duprat de Lasserre: relato de uma prisioneira na Guerra do Paraguai (1870

Organização e posfácio: Francisco Doratioto
Indicação editorial: José Murilo de Carvalho
Chão Editora, 2023, 168 páginas 

ISBN 978-65-80341-28-3

R$ 54,00
Lançamento: setembro de 2023

Os livros da Chão Editora são distribuídos com exclusividade pela Editora 34

A Guerra do Paraguai (1864-70) foi uma hecatombe humana, política e financeira para os países que dela participaram. A confirmação dos atos sangrentos praticados pelo ditador paraguaio Francisco Solano López, relatados por suas vítimas ou por observadores, interessava a setores políticos nos países envolvidos no conflito, e ao mesmo tempo descreve com honestidade as experiências pessoais de seus autores.

As Memórias de Dorothée Duprat de Lasserre são o único depoimento de uma mulher a respeito do conflito. A autora não só assistiu à violência da guerra, mas viveu na pele os desmandos da ditadura de López. Seu relato, escrito no calor dos acontecimentos, expõe os sofrimentos causados pela guerra na população civil, particularmente nas mulheres paraguaias.

A pesquisa de Francisco Doratioto em arquivos brasileiros, argentinos e paraguaios revela fatos inéditos sobre a vida de Dorothée, que durante a guerra fez parte de um grupo de mulheres chamadas de destinadas. Arbitrariamente tachadas de traidoras por López, foram obrigadas a caminhar, sob escolta de soldados, para o interior do Paraguai. Doentes, maltrapilhas e à beira da inanição, as sobreviventes da extenuante jornada foram libertadas em dezembro de 1869, já no final do conflito, pelo Exército imperial brasileiro.

Exausta, física e psicologicamente, ainda assim Dorothée aceitou o desafio de escrever suas memórias, a pedido do coronel Francisco Pinheiro Guimarães, no início de 1870. Finda a guerra, teve ainda uma intensa vida pública em Chivilcoy, na Argentina, onde morreu em 1932.

Sobre Dorothée Duprat de Lasserre

Dorothée Duprat (1845-1932), nascida na França, imigrou com os pais em 1856 para a colônia agrícola de Nueva Burdeos, no Paraguai. Em 1859, casou-se com o comerciante Narcise Lasserre. Em 1868, durante a Guerra do Paraguai, seu pai, irmão e marido foram sequestrados e assassinados pelas forças de Francisco Solano López. No ano seguinte, junto com a mãe, Dorothée tornou-se prisioneira de guerra. O grupo das chamadas destinadas chegou a reunir 2800 prisioneiros, em sua maioria mulheres, mas também crianças e anciãos. No fim desse ano, as destinadas foram libertadas pelo Exército imperial brasileiro. Dorothée mudou-se para Chivilcoy, Argentina, em 1872.

Sobre Francisco Doratioto

Francisco Doratioto é bacharel em história e em ciências políticas pela Universidade de São Paulo e mestre e doutor em história das relações internacionais do Brasil pela Universidade de Brasília, onde é professor nos cursos de graduação e pós-graduação em história. É autor, entre outros livros, de Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai General Osorio: a espada liberal do Império.

Trecho

Acabaram-se novamente as laranjas, então a sra. Leite determinou-se; também chegou um soldado da guarda contando que o sargento tinha ido denunciar todas as destinadas que fugiam. Isso fez com que muitas se decidissem, e voltamos a fazer trato com outro índio. Nós o carregamos de roupa, redes, ponchos... e fomos embora. Essa noite era o 14 de dezembro; ao cruzar o estuário cortei-me num lado da perna, atrás de mim vinha a sra. Jaona, que machucou as duas pernas. Para nos salvar, nos desvencilhamos da roupa, estávamos banhadas em sangue. Em poucos instantes ouviu-se um pedido de socorro, a sr.a Leite havia entrado no barro até metade do corpo, pareceu-me um mau agouro, mas seguimos o índio em silêncio [...]. Caminhamos até meia-noite, alcançamos uma ponta de monte, nosso guia ordenou que sentássemos em silêncio e o aguardássemos.

Informações para imprensa:

Gabriela Toledo
(11 98227-0770 / obaramail@gmail.com)

Informações para professor:

Mariana Mendes professor@chaoeditora.com.br


quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Videocast Rio Bravo: As Instituições Estão Funcionando? - Paulo Roberto de Almeida fala sobre o Itamaraty a Fábio Cardoso

Fui entrevistado pelo jornalista Fabio Cardoso para uma série que já teve outras emissões – uma com Gustavo Franco, por exemplo – sempre em torno da funcionalidade das instituições. 

A entrevista tem o seu link abaixo. Mas antes da entrevista, eu tinha preparado algumas notas em torno do assunto principal, que transcrevo abaixo. 

4464. “Itamaraty: uma instituição de Estado, pouco independente de governos”, Brasília-São Paulo, 27-30 agosto 2023, 6 p. Nota elaboradas para entrevista na Rio Bravo Investimentos, com o jornalista Fábio Cardoso, em 1/09/2023; revisão: Brasília, 9/09/2023. Divulgada no dia 13/09/2023, sob o título de “Videocast Rio Bravo: As Instituições Estão Funcionando? - Paulo Roberto de Almeida” (29m-56s; link: https://www.youtube.com/watch?v=1JJC4Q9eB7E); disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/106584032/4464_Itamaraty_uma_instituição_de_Estado_pouco_independente_de_governos_2023_). Relação de Publicados n. 1522.  



Itamaraty: uma instituição de Estado, pouco independente de governos

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota para entrevista na Rio Bravo Investimentos em 1/09/2023.

  

O Itamaraty, conhecido por esse nome apenas a partir da República, é uma das mais antigas e importantes instituições de Estado, tanto no regime colonial português, como na transição da coroa portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, e nos dois séculos desde o estabelecimento do Estado brasileiro independente. A antiga secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros sempre disputou com Marinha, Fazenda e Justiça a primazia entre os ministérios mais relevantes para a preservação do Estado e seu funcionamento normal em face de tantas ameaças internas e externas nas diversas dinastias lusitanas, até chegar aos Braganças, que ainda governaram os dois reinos até o final do século XIX. 

As relações exteriores sempre foram estratégicas na defesa dos interesses e da própria sobrevivência do Estado português, desde antes e sobretudo após a Restauração de 1640. Tanto foi que um dos tratados de defesa possivelmente mais antigos teoricamente ainda em vigor foi aquele contraído entre os dois soberanos, o de Portugal e o da Inglaterra, poucos anos depois da retomada da soberania portuguesa em face dos vizinhos espanhóis, do tempo dos Habsburgos. Registre-se, também, que o território da América portuguesa representava menos de 1/3 das atuais dimensões do Brasil, sendo que significativos ganhos territoriais foram adquiridos pacificamente pela excelente diplomacia portuguesa, no caso pelo súdito santista Alexandre de Gusmão, que negociou o tratado de Madri, de 1750, aposentando a linha de Tordesilhas e adquirindo vastos espaços no planalto central, na Amazônia e no Sul (com a exceção da Colônia do Sacramento, fundada pelos portugueses, mas por esse tratado cedida definitivamente aos espanhóis). 

O tratado de Madri conformou o Brasil no mapa que conhecemos hoje, com outras pendências arbitradas ou negociadas diretamente com os vizinhos sul-americanos, acordos geralmente alcançados pelo Barão do Rio Branco, inclusive a compra do Acre à Bolívia. O Barão chegou inclusive a fazer um tratado preventivo de limites com o Equador – seguido de um tratado secreto de defesa mútua –, não implementado pelo fato de o país amazônico, andino e pacífico ter perdido terras interiores para seus dois grandes vizinhos. As relações exteriores do Brasil, durante tudo o Império e no começo da República, foram justamente dominadas por questões de fronteiras, felizmente resolvidas pacificamente, não incluída aqui a guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, que se deu por outros motivos, e certamente provocada pelo ditador paraguaio Solano Lopes. Outras pendências que nossa primeira diplomacia teve de resolver logo em seus primeiros momentos foi a guerra da Cisplatina e os conflitos com a Grã-Bretanha em torno do tráfico escravo, duas heranças portuguesas que ocuparam os diplomatas – vários nascidos em Portugal – durante o primeiro Reinado. 

José Bonifácio, nosso primeiro chanceler, além de ministro do Império, tinha concebido uma política externa brasileira e americanista, mas os interesses de D. Pedro na sucessão portuguesa desviaram a atenção da Secretaria dos Negócios Estrangeiros durante o seu período, finalmente terminado em 1831; vários historiadores acreditam que esse foi o ano em que finalmente se consolidou a independência do Brasil. As regências conduziram efetivamente uma política americanista, enviando encarregados de negócios para várias repúblicas sul-americanas, mas as pendências com a Grã-Bretanha sobre o tráfico, e com outras potências em torno de acordos comerciais, continuaram ocupando a diplomacia até o início do Segundo Império. Agiganta-se, nos anos 1840 e 1850, a figura de Paulino José Soares de Souza, o visconde do Uruguai, que moldou institucionalmente o corpo diplomático, inclusive instituindo concursos de seleção – não muito diferentes dos que são feitos ainda hoje – e resolvendo a questão do tráfico com a Lei de 1850, conjuntamente com Eusébio Queiroz; Paulino também atuou nos conflitos do Prata, entre o ditador Rosas, da Argentina, e os demais caudilhos da região, inclusive na própria Argentina e no Uruguai. 

A diplomacia imperial foi muito eficiente, tanto nas relações regionais, como no confronto com as grandes potências, pois que chegamos a romper relações diplomáticas com a principal potência da época, a Grã-Bretanha, nosso principal parceiro comercial. A dependência financeira não foi afetada, porque contratos de empréstimos e investimentos estrangeiros eram resolvidos diretamente com os banqueiros ingleses da City, em especial os Rothschild, banqueiros oficiais do Brasil até praticamente as vésperas da Segunda Guerra Mundial (quando saímos da esfera da libra britânica para a do dólar). O Visconde do Rio Branco e outros estadistas do Segundo Reinado conduziam as principais negociações externas, havendo, de toda forma, uma grande rotação de chanceleres, dada a sucessão de gabinetes. Aliás, Rio Branco foi um dos únicos chanceleres diplomatas (ele era originalmente apenas cônsul, até ser designado ministro em Berlim em 1990, como prêmio à sua atuação), pois todos os demais chanceleres eram parlamentares eleitos, segundo o modelo inglês.

O serviço exterior estava segmentado em três carreiras: a diplomática propriamente dita, que circulava principalmente entre postos no exterior; a dos funcionários da Secretaria de Estado, trabalhando no Rio de Janeiro, e raramente indo servir em postos no exterior; e, finalmente, a classe consular, exclusivamente dedicada a assuntos consulares típicos (vistos, permissões e documentos de direito internacional privado), além de assunto comerciais, como estampilhas em notas e faturas de comércio, dando direito ao recebimento de uma fração dos emolumentos consulares. Rio Branco, por exemplo, foi cônsul durante 20 anos em Liverpool, o mais ativo do comércio exterior britânico e mais importante no comércio bilateral com o Brasil, o que lhe facultava receber emolumentos suficientes para manter casa e família em Paris, para onde viajava frequentemente.

Procedimentos e métodos de trabalho foram evoluindo paulatinamente à construção do Estado brasileiro no século XX, notadamente a partir da era Vargas. Ao longo do século XX, o Itamaraty aperfeiçoou o processo de seleção dos quadros do Serviço Exterior, embora o próprio Barão do Rio Branco não tenho feito nenhum concurso: ele preferia, ele mesmo, selecionar os candidatos, entre muitos “indicados” pelas autoridades costumeiras. Importante reforma institucional ocorreu entre o governo provisório, sob o chanceler Afrânio do Melo Franco, e o Estado Novo, sob o chanceler Oswaldo Aranha, no sentido de unificar as três vertentes das carreiras do Serviço Exterior: o pessoal diplomático, servindo no exterior, os funcionários da Secretaria de Estado e o pessoal consular. Numa primeira etapa, sob o governo provisório, se procedeu à unificação dos funcionários diplomatas lotados em postos no exterior e o pessoal da Secretaria de Estado; mais adiante, os cônsules passaram a ser equiparados aos diplomatas, 

O Estado Novo instituiu o DASP, Departamento Administrativo do Serviço Público, que passou a organizar processos de seleção para cargos públicos, inclusive para o Itamaraty. Roberto Campos, por exemplo, passou no primeiro exame de seleção do Itamaraty pelo DASP, em 1938, com a peculiaridade de que não se exigia diploma de curso superior: ele só tinha feito seminário e estava dando aulas no interior de São Paulo. Seu colega José Oswaldo de Meira Penna, que passou no mesmo concurso, afirmou que além dos que passaram no concurso, entraram alguns “pela janela”, por indicação política. Ao final do Estado Novo, em 1945, ocorreram falcatruas similares, seja pelas mãos do ditador – que só foi derrubado em outubro desse ano, pelo fato de que pretendia se manter na presidência, como comprovado pelo movimento “queremista”, “Queremos Vargas” –, seja pelo presidente interino, José Linhares, presidente do STF. Este, no espaço de poucos meses, colocou dezenas de amigos e familiares em cargos públicos, inclusive no Itamaraty. Na época se repetia o bordão, segundo o qual “os Linhares eram milhares”. 

Mas, nesse mesmo ano de 1945, na data comemorativa dos 100 anos de nascimento de Juca Paranhos, filho do Visconde do Rio Branco, foi criado o Instituto Rio Branco, que passou a exercer o monopólio da seleção, formação e treinamento dos candidatos à carreira, constituindo seu corpo de professores, que no Rio de Janeiro incluíam grandes nomes da intelectualidade nacional: José Honório Rodrigues, Carlos Delgado de Carvalho, Américo Jacobina Lacombe, Afonso Arinos de Melo Franco e grandes sumidades do Direito e da Magistratura, da própria Academia Brasileira de Letras e do IHGB. 

Essa seleção, primeiro dentro de um círculo mais restrito, de grandes famílias tradicionais e nas metrópoles mais importantes, depois, sobretudo a partir de Brasília, com pessoas recrutadas em estratos mais amplos e socialmente mais representativos da sociedade brasileira (filhos de imigrantes, por exemplo, pessoas de classe média-média, ou até baixa) aproximou o Itamaraty do universo estatal da fase nacional-desenvolvimentista (inclusive durante o regime militar) e imprimiu ao corpo profissional a mesma ideologia do desenvolvimento nacional que marcou o cerne do pensamento político e econômico das elites dominantes e dos setores dirigentes do Brasil.

O Itamaraty, como instituição nacional no Brasil do pós-guerra, combina elementos tradicionais, retirados da memória da Casa – os grandes estadistas do Império, a patrono incontornável na figura de Rio Branco – e os novos padrões criados a partir da fase do desenvolvimentismo nacionalista, que também reforçaram a endogenia típica do Itamaraty, sobretudo depois que os militares – irmãos estatais dos diplomatas – deixaram a Casa dirigir-se a si própria, nomeando funcionários da carreira como chanceleres (um ao início do regime, Vasco Leitão da Cunha, depois três na sequência: Gibson Barbosa, Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro). FHC e Lula preservaram esse encapsulamento burocrático, o que, de certa forma, reforçou o ethos corporativo dos diplomatas.

Por outro lado, a intensa competição interna também atuou no sentido de reforçar a dependência da trajetória individual dos diplomatas ao sabor das maiorias políticas ocasionais no plano congressual e do executivo, com o recurso ao tradiciona “pistolão” nos momentos das promoções (duas vezes por ano) e nas designações para os bons postos no exterior. Por outro lado, a estrutura decisória da Casa – que reproduz a hierarquia típica da carreira militar – e os comportamentos pessoais a ela subordinados – a disciplina, que lhe é associada – foram elevados a dogmas intocáveis no ethos coletivo, o se revela no caráter híbrido do Itamaraty: ele é, ao mesmo tempo, weberiano, no sentido de serem os rituais e métodos de trabalhos altamente formalizados e burocratizados, e feudal, no sentido em que os barões da Casa têm o comando incontestável e incontestado de todos os demais funcionários do Serviço Exterior. Desde os bancos escolares do Instituto Rio Branco, os jovens secretários são primeiro instruídos, depois relembrados, em praticamente todas as cerimônias oficiais do Itamaraty, dos dois dogmas sobre os quais supostamente se funda a excelência do corpo da diplomacia profissional: a hierarquia e a disciplina, exatamente como na vida militar. A estrita obediência aos cânones de comportamento explica a postura submissa da Casa.

Tais características contribuem para uma notável coesão interna no Itamaraty, uma adesão praticamente obrigatória aos métodos de trabalho e uma grande eficiência uma vez adotada uma linha de trabalho pelas autoridades dotadas de poder: o presidente e o chanceler. O resultado é que o Itamaraty se converte num operador muito obediente de toda e qualquer ordem que venha do chefe de Estado, o formulador da diplomacia, e do operador-condutor da diplomacia, ou seja, o chanceler. Raramente se desenvolvem, ou ganham corpo, dissensões internas, divergências ou contestações diretas às orientações dadas, mesmo se elas discrepam, por vezes fortemente, das práticas e opções anteriormente em curso. 

É verdade que as continuidades são mais presentes do que as rupturas no itinerário da política externa, em função de compromissos firmados, de tratados assinados e da imagem de credibilidade institucional da própria diplomacia, mas elas também existem. A mais notável, desde a redemocratização, foi a orientação partidária e a condução ideológica sob o chamado lulopetismo diplomático, ainda assim combinadas aos padrões habituais de trabalho do Itamaraty: multilateralismo, desenvolvimentismo, nacionalismo, protecionismo, soberanismo e um antiamericanismo moderado. O lulopetismo partiu dessa base para construir suas prioridades, centradas não apenas no terceiro-mundismo dos anos 1960, mas também na visão sindicalista marcada pela oposição entre ricos e pobres, poderosos e oprimidos, centro e periferia, burgueses e proletários, daí a inclinação míope por uma diplomacia Sul-Sul e até a preferência por regimes de esquerda no continente e alhures.

A maior ruptura foi obviamente representada pelo mal designado de bolsonarismo diplomático, mas ele não correspondeu a nenhuma ideologia formalmente estabelecida, apenas a uma mixórdia de preconceitos emprestados a teorias conspiratórias da extrema-direita americana, importada acriticamente pela franja lunática que dominou o Itamaraty durante a primeira metade do governo Bolsonaro. No plano interno da Casa, se tratou de movimento marginal, que não ganhou a adesão sincera de praticamente nenhum diplomata profissional, a não ser dos poucos oportunistas de ocasião, que sempre existem. 

O fato é que o lulopetismo combina bem mais com a propensão dos diplomatas de serem condutores de iniciativas na frente externa, dado o grande protagonismo da diplomacia presidencial, falando a seus pares do mundo em desenvolvimento, um perfil mais parecido com o do próprio Brasil do que o dos países avançados da OCDE. Por sinal, os diplomatas se sentem bem mais confortáveis com a ideologia desenvolvimentista – e seus derivativos, como o cepalianismo, com o unctadianismo, o terceiro-mundismo, a latino-americanidade – do que com o mundo aparentemente distante das potências ocidentais, a cujo universo civilizatório estamos vinculados, mas numa posição de relativa inferioridade, dados os patamares insatisfatórios de desenvolvimento econômico e social. Os diplomatas continuam aderentes à divisão onusiana do mundo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, fazendo questão de defender o princípio do tratamento diferencial e mais favorável a estes últimos, como se devêssemos pertencer eternamente a este universo dicotômico.

Finalmente, o patrimonialismo inerente à sociedade brasileira, o peso das oligarquias econômicas e políticas, o compadrio e o nepotismo característicos de relações baseadas mais em vínculos afetivos do que na impessoalidade burocrática das normas legais fazem com que o Itamaraty seja especialmente sensível a padrões de conduta fundados no “quem manda?” e no “quem indica?”, em lugar da autoridade racional-legal da dominação weberiana pura. Por isso mesmo, o Itamaraty continuará a ser esse corpo eficiente de funcionários colocados a serviço das ideias politicamente dominantes ao sabor da conjuntura vivida pela nação. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília-São Paulo, 4464, 27-30 de agosto de 2023, 6 p.; revisão: Brasília, 9/09/2023

 

Intelectuais na diplomacia brasileira: a cultura a serviço da nação - Paulo Roberto de Almeida (organizador) - Livro pronto, esperando editor

 Um livro pronto, à procura de algum editor: 

Intelectuais na diplomacia brasileira

A cultura a serviço da nação

Paulo Roberto de Almeida

(organizador)

 

Índice

 

Prefácio   11

 

Introdução: intelectuais brasileiros a serviço da diplomacia   13

            Paulo Roberto de Almeida

     Nas origens da feliz interação entre o Itamaraty e a cultura brasileira

     Por que uma nova iniciativa juntando Itamaraty e cultura, muitos anos depois?

     Um novo projeto cobrindo outros intelectuais associados à diplomacia brasileira

 

Intelectuais na cultura e na diplomacia, no mundo e no Brasil  25

            Paulo Roberto de Almeida

     O que é o intelectual? Qual o seu papel social? 1

     Os intelectuais e o poder: relações sempre ambíguas 7

     Intelectuais no Brasil: papel político e institucional 13

     Intelectuais brasileiros na diplomacia: o que precede o que? 16

     A produção intelectual dos diplomatas: o mercado dos livros 25

     Da República das Letras aos ensaios econômicos e sociais 29

     Uma longa continuidade, na cultura e na diplomacia 31-32

 

Rui Barbosa e os fundamentos da diplomacia brasileira  59

            Carlos Henrique Cardim

     Uma trajetória impecável de internacionalista

     Rui Barbosa defendendo o Brasil na Conferência da Haia de 1907

     O Incidente Martens

     A criação de um Tribunal Arbitral Permanente

     O último discurso na Haia: despedida em grande estilo

     A posição do Brasil: “moderada e circunspecta, mas firme e altiva”

     “O novo descobrimento da América”

     Outras questões de política externa e internacional tratadas por Rui Barbosa

     A força de uma nova mentalidade

     Os dois patronos

 

Bertha Lutz: feminista, educadora, cientista  81

            Sarah Venites

     Não tão breve nota introdutória

     Uma formação cosmopolita

     A ciência, a educação e o Museu Nacional

     Política feminista, no Brasil e no mundo

     O legado de Bertha e considerações finais

 

Afonso Arinos de Melo Franco e a política externa independente  105

            Paulo Roberto de Almeida

     Um membro do patriciado mineiro, de uma família de estadistas e intelectuais

     Vida intelectual de Afonso Arinos, de uma família de escritores

     Um diplomata natural, chanceler num período atribulado

     A solução parlamentarista, sempre no horizonte...

     A crise brasileira e seu caráter permanente

     De volta ao planalto, como senador e constituinte

 

San Tiago Dantas e a oxigenação da política externa     131

            Marcílio Marques Moreira

     Marcos de uma vida intensa

     San Tiago Dantas e os apelos do autoritarismo

     A trajetória na luta democrática

     Uma fina sensibilidade cultural

     O ingresso na vida política

     San Tiago e a reforma do Itamaraty

     San Tiago, diplomata

     Uma visão original da política externa e da política internacional

     San Tiago, o pacifista

     Em busca de uma esquerda “positiva”: San Tiago e Merquior

 

Roberto Campos: um humanista da economia na diplomacia 153

            Paulo Roberto de Almeida 

     Uma vida relativamente bem documentada, senão totalmente devassada

     O diplomata enquanto economista e, ocasionalmente, homem de Estado

     Além da economia: um observador sofisticado do subdesenvolvimento brasileiro e latino-americano

     Além da economia: o humanismo na sua versão irônica e política

     A premonição das catástrofes evitáveis, um fruto de sua racionalidade

     Um longo embate contra sua própria instituição

     A Weltanschauung evolutiva de Roberto Campos: do Estado ao indivíduo

 

Meira Penna: um liberal crítico do Estado patrimonial brasileiro    191

            Ricardo Vélez-Rodríguez

     Breve síntese biográfica

     A crítica de Meira Penna ao Estado patrimonial

     O Brasil e o liberalismo

     Patrimonialismo, o mal latino

     Patrimonialismo e familismo clientelista

     Patrimonialismo e formalismo cartorial

     Patrimonialismo e estatismo burocrático

     Patrimonialismo e mercantilismo

     Patrimonialismo e corrupção

     Alternativas ao Patrimonialismo

     Um Tocqueville brasileiro

 

Lauro Escorel: um crítico engajado 217

            Rogério de Souza Farias

Esperançosa inteligência

Retórica militante

Escolástico inútil

Cultura da política

 

Wladimir Murtinho: Brasília e a diplomacia da cultura brasileira  239

            Rubens Ricupero

       Colocar o Estado a serviço da cultura

       As origens e os episódios latino-americanos

       A história de Wladimir é um romance de aventuras

       As marcas de Murtinho na cultura do Brasil

       Brasília como nova capital da cultura brasileira

       O legado de Wladimir Murtinho em Brasília e para o Brasil

 

Vasco Mariz: meu tipo inesquecível   253

            Mary Del Priore

       Uma infância carioca

       Como se fabrica um escritor e musicólogo?

       Itinerários na diplomacia: Porto e Belgrado

       De volta à América Latina e novos desafios diplomáticos

       A obsessão pela música

       Um longevo diplomata-escritor

       Vasco: demasiadamente humano

 

José Guilherme Merquior, o diplomata e as relações internacionais 281

            Gelson Fonseca Jr. 

       O intelectual e o diplomata

       Encontros com Merquior

       Os textos sobre questões diplomáticas

       O intelectual antes do diplomata

 

A coruja e o sambódromo: sobre o pensamento de Sergio Paulo Rouanet  311

            João Almino

       Diplomacia

       Literatura

       Filosofia

       Iluminismo e universalismo

       Universalismo e etnocentrismo

       Relativismo e particularismos

       Civilização ou barbárie

       A permanência da obra

 

Apêndices:

Sumário da obra O Itamaraty na cultura brasileira (2001) , 329

Sobre os intelectuais , 335

Sobre os autores , 333

 

 

 

Perguntas múltiplas aos companheiros (política externa e diplomacia) - Paulo Roberto de Almeida

Perguntas múltiplas aos companheiros:

1) Vcs tem certeza de que essa mania de Lula de confortar e de defender o criminoso de guerra Putin, em todas as circunstâncias, mesmo em face de provas irrefutáveis de que ele violou a Carta da ONU, já perdeu a guerra, e está agora unicamente interessado em destruir a Ucrânia e matar o seu povo, tudo isso serve realmente aos interesses nacionais do Brasil, aos de sua diplomacia, ao próprio Lula?

2) Vcs não desconfiam que ele já passou dos limites do aceitável nessas matérias?

3) Vcs não têm uma leve desconfiança que, depois do isolamento do Brasil sob o governo anterior, o atual governo também possa levar o Brasil a um novo isolamento?

3) Vcs acham, de fato, que o tal do Sul Global e as duas grandes autocracias do momento vão ajudar o Brasil a se tornar um país desenvolvido, plenamente integrado na economia mundial e dispondo de acesso a todas as tecnologias necessárias ao seu processo de crescimento econômico e de desenvolvimento social?

4) Vcs realmente acham que essa tal de "Nova Ordem Global", não-ocidental, é uma boa ideia?

5) Vcs acham possível uma "desdolarização" rápida, assim apenas na base do fiat money das moedas locais, e dependendo unicamente da vontade dos governantes?

6) Vcs acham que os exportadores e negociantes globais vão seguir essas ideias de "moeda comum" sem qualquer estudo técnico abalizado, e ainda afirmando que seu uso vai "baratear" as transações no tal de Sul Global?

7) Vcs realmente acreditam em tudo o que vem sendo dito nas altas esferas da política brasileira?

Parabéns! Vcs são grandes crédulos!

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 13/09/2023

A tragédia educacional brasileira - relatório da OCDE

 Eu sempre disse que a tragédia educacional brasileira é muito pior do que é possível imaginar. (PRA)

Brasil vai mal em ranking da OCDE: 3 urgências para o País melhorar na educação (e na economia)


O Brasil aparece mal no relatório Education at a Glance, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que avalia dados e políticas educacionais. O documento, divulgado nesta terça-feira, 12, mostra o Brasil com um dos mais baixos gastos com ensino básico, altos índices de jovens que não trabalham nem estudam e desinteresse pelo ensino técnico.

De acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão, os dados revelam um cenário desafiador, sobretudo diante das nossas profundas desigualdades sociais. Pesa também a transição demográfica, em que o País vê cair a proporção de crianças e adolescentes e precisa ter ganhos de produtividade para fazer crescer a economia.

Entre as várias demandas para o Brasil ter um salto de qualidade na educação, os educadores apontam três urgências:

Educação profissional e olhar para o mercado de trabalho
“Não teremos um desenvolvimento inclusivo se não olharmos para a questão do primeiro emprego do jovem, da inclusão produtiva. O jovem terá de ir pro mundo do trabalho, seja logo após o ensino médio, enquanto cursa, ou depois do ensino superior”, diz a presidente do Instituto Singularidades, Claudia Costin, que foi diretora de Educação do Banco Mundial.

Segundo o relatório, o Brasil está entre os cinco países com menor porcentual de matriculados na educação profissional, considerando 45 nações analisadas. A taxa de alunos brasileiros nessa modalidade é 11%, bem abaixo da média dos países da OCDE (44%).

“Essa ideia muito brasileira de não levar tão a sério o ensino técnico profissional - ou fazer com que os institutos técnicos ambicionem virar universidades com todo seu academicismo - é parte dos problemas do País para gerar inserção produtiva dos jovens”, completa Claudia.

Para Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho, o desenvolvimento econômico do País será consequência de ter uma juventude criativa, e atuante. “Temos de nos preocupar em cuidar das nossas juventudes. Eles serão os adultos que vão cuidar da democracia, da Amazônia, da economia, do judiciário, do futuro do País”, resume.

O estudo da OCDE também mostra que o País registra alto índice de jovens de 18 a 24 anos que não estudam nem trabalham, os chamados “nem-nem”. Cerca de 24,4% estão nessa situação, enquanto nos países desenvolvidos esse índice é de 14,7%. Além disso, as mulheres aparecem em maior número no Brasil entre os nem-nem (30%), muito mais do que é visto nos outros países (14%).

“É um resultado da sobrecarga nas mulheres de afazeres domésticos e cuidados, especialmente as que têm filhos até 7 anos e são pobres”, diz a coordenadora de pesquisa e avaliação do Instituto Unibanco, Raquel Souza.

Segundo ela, as políticas públicas devem considerar a forte desigualdade de gênero entre os jovens nem-nem. “Para assegurar o direito dessa população de continuar os estudos e entrar no mercado de trabalho, precisamos de redes de apoio para as mulheres. A creche é uma delas”, completa.

Os especialistas também defendem mais investimento por aluno, mas reforçam importância de usar o dinheiro em políticas com evidências sólidas de melhora na aprendizagem. O Brasil aparece mais um vez no relatório da OCDE entre as nações com baixos investimentos no ensino básico: US$ 3.583 por aluno/ano, ante média de US$ 10.949.

Desde o início do século, o Brasil triplicou o valor investido por aluno no ensino infantil, fundamental e médio, mas ainda está distante de outros países. No mesmo período, a Coreia do Sul passou de cerca de US$ 3 mil para US$ 14 mil por aluno/ano; Portugal, de US$ 3,5 mil para US$ 10 mil; Austrália, de US$ 5 mil para US$ 12 mil.

“É a confirmação do cenário desafiador histórico da educação, com baixo nível de investimento por aluno, o que é incongruente com nossas necessidades de desenvolvimento educacional e socioeconômico”, diz Caio Callegari, coordenador de Inovação e Políticas do Instituto Unibanco,

Para educadores, modelos internacionais e nacionais mostram que mais recursos na educação básica devem ir para um grupo de políticas que conjuntamente trazem resultados, como escola em tempo integral, alfabetização, formação de professores, primeira infância e educação profissional e tecnológica. Além disso, é preciso olhar para a estrutura das escolas, com mais conectividade, livros atualizados para as bibliotecas e recursos de tecnologia.

“O desafio brasileiro é bastante complexo porque é preciso garantir o investimento adequado por aluno, e que esse recurso seja destinado adequadamente, para a aprendizagem dos estudantes”, diz a diretora executiva do Instituto Península, Heloisa Morel. Segundo ela, muitas vezes, os recursos são absorvidos por burocracias e ineficiências do sistema.

“É preciso não só aumentar o investimento, mas fazê-lo de forma planejada e por meio de políticas públicas estratégicas e assertivas, com o entendimento de que o resultado será colhido não no curto prazo, mas sim num projeto de país a longo prazo”, diz ela.

Para o diretor geral da ONG Parceiros da Educação, Rafael Machiaverni, além do investimento baixo em educação, o Brasil se preocupa com isso faz pouco tempo. “Enquanto algumas nações estão na briga pela educação de qualidade há mais de 50 anos, só viramos essa chave há cerca de 20”, diz “A boa notícia é que há hoje grande consenso entre especialistas sobre o que fazer e isso pode evitar desperdício e uso inadequado dos recursos.”

Claudia Costin ainda destaca a falta de investimento em professores, seja na preparação docente inadequada ou nos salários baixos, o que torna a carreira menos atrativa ou incapaz de reter talentos. “Hoje não formamos para a prática, porque investimos em formação precarizada, com educação a distância”, afirma.

Educação em tempo integral
Ainda segundo Claudia, o tempo reduzido que as crianças ficam na escola também é uma das razões pelas quais o Brasil gasta menos, revela o relatório da OCDE. Como mostrou o Estadão, alguns países desenvolvidos, como Austrália e Dinamarca, chegam a ter 50% mais tempo de aula no ensino fundamental do que é oferecido no Brasil. No País, são quatro horas por dia.

Pesquisas mostram que o modelo reduz o abandono escolar, aumenta a empregabilidade e a conexão do professor e do aluno com a escola. O investimento inicial, no entanto, por estudante é o dobro.

Para Claudia, é necessário escapar de um ensino conteudista, semelhante à sala de aula que outras gerações frequentaram. “Quatro horas são insuficientes para aulas mais dialogadas, mais mão na massa, necessárias em tempos de inteligência artificial e Chat GPT”, afirma.

Para os educadores, é necessário que crianças e adolescentes desenvolvam competências que serão úteis para profissões e desafios que ainda nem conhecemos. Entre essas habilidades, estão o pensamento crítico, a autonomia, a empatia, a criatividade e o trabalho em equipe

Para Caio Callegari, do Instituto Unibanco, o poder público mirar em políticas que favoreçam a recomposição de aprendizagem, problema que se agravou após o longo período de escolas fechadas na pandemia. “O governo federal em 2023 tem feito avanços nesse sentido com os programas anunciados, como o de fomento ao tempo integral e alfabetização”, avalia.

Hoje, 24% das escolas de ensino médio do País são de tempo integral e o Ministério da Educação (MEC) lançou em julho um programa para incentivar o aumento no número de vagas em 1 milhão. A intenção é a de que o período de aula seja de pelo menos 7 horas diárias.

Nos últimos anos, alguns Estados se tornaram referência na ampliação da jornada escolar. Ceará e Pernambuco, segundo o Censo Escolar 2022, têm cerca de metade dos alunos no ensino médio de tempo integral.

https://www.estadao.com.br/educacao/brasil-vai-mal-em-ranking-da-ocde-3-urgencias-para-o-pais-melhorar-na-educacao-e-na-economia/

Sobre a necessidade de História para os diplomatas:-George Kennan

 Uma citação que vale um frontspicio:


George Kennan, sobre a necessidade de História para os diplomatas:

Enviado pelo embaixador Rubens Ricupero: 

“… artigo de Kennan em The Atlantic Monthly (Training for Statesmanship, 191, maio 1953, p.40/43). 

A opinião de Kennan me impressionou por resumir o que também sinto em relação ao estudo da diplomacia e das relações internacionais. Citando o artigo de GFK, Gaddis dizia: 

“The only useful preparation for diplomacy came from history, as well ‘from the more subtle and revealing expressions of man’s nature’ found in art and literature. Students should be reading ‘their Bible and their Shakespeare, their Plutarch and their Gibbon, perhaps even their Latin and their Greek’. These alone would build those qualities of ‘honor, loyalty, generosity [and] consideration for others’ that had been the basis for effectiveness in the Foreign Service”.

A História continua sendo a mãe de todas as ciências: nasceu na Grécia, com Herodoto e sobretudo Tucidides.