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quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Ampliação do Brics - artigo do chanceler de Lula 3 (FSP)

 O chanceler de Lula 3 tem certeza de que os “tubarões” do Brics+ querem um mundo mais justo e equilibrado?

Paulo Roberto de Almeida 

 Brics, o consenso como norma Interesse de 23 países em unir-se ao bloco é exemplo eloquente do seu êxito.
Mauro Vieira Ministro das Relações Exteriores 
Folha de S. Paulo, 14/09/2023

A recente cúpula do Brics em Joanesburgo, na qual foram anunciados convites para que seis novos países (Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã) integrem o grupo, tem gerado acalorados debates —aos quais o Itamaraty presta atenção como chancelaria de uma nação de indiscutíveis credenciais democráticas. Da posição privilegiada de quem acompanhou o processo desde sua formulação como exercício teórico pelo economista Jim O’Neill, em 2001, e sobretudo de quem viu o grupo consolidar-se como ferramenta diplomática e liderou a negociação para a ampliação do Brics, de janeiro até a semana passada, sob a orientação do presidente Lula, procuro contribuir para o debate com algumas observações. 

 Para começar, sugiro cuidado com análises que têm como pontos de partida lógicas importadas que fazem lembrar as da Guerra Fria do século passado. O Brasil e sua diplomacia sempre souberam navegar em momentos de fratura, como nas duas guerras mundiais e também na Guerra Fria, sem alinhamentos automáticos ou alianças excludentes —e não será diferente caso cenários semelhantes se repitam no futuro. Não nos faltam, para isso, experiência, acesso a todos os interlocutores, clareza sobre o interesse nacional e visão estratégica. Lógicas de soma zero, que especulam sobre diluição de poder do Brasil com a ampliação, tampouco aplicam-se, a meu ver. 

O bloco é hoje, 15 anos após sua criação, muito mais relevante, e esse capital político ampliado continuará a crescer e a render dividendos políticos para todos os integrantes. O interesse de 23 países em unir-se ao espaço é exemplo eloquente do seu êxito, somado a conquistas tangíveis como a criação do NDB (Novo Banco de Desenvolvimento), o chamado "banco do Brics". Ademais, não seria coerente que o Brasil, que advoga a reforma da governança global e a ampliação da participação dos países em desenvolvimento nos órgãos decisórios, como o Conselho de Segurança da ONU, bloqueasse o acesso ao grupo. 

 A heterogeneidade de sistemas políticos, de níveis de desenvolvimento e de escalas de cada economia nacional, apontada por alguns, agora, como um pecado capital da ampliação, é e sempre foi uma marca distintiva do Brics —e também uma de suas maiores virtudes. O que une seus membros é o interesse em forjar um sistema internacional mais justo e que priorize o desenvolvimento para todos. É essa a identidade que uniu os primeiros integrantes, Brasil, Rússia, Índia e China, com respeito às divergências em outros campos, e que foi acolhida pela África do Sul quando do seu ingresso. 

 A ampliação ensejou também interpretações equivocadas sobre a suposta supremacia de um país sobre os demais, como se isso fosse possível em um bloco no qual impera o consenso como regra. A simples aritmética desmonta essa visão de viés conspiratório: afinal, ninguém questiona que o consenso entre 11 é mais difícil construir do que entre 5, seja em uma negociação diplomática entre países ou em um grupo de WhatsApp ou mesa de bar. O Brics não tem um só dono, e a negociação em Joanesburgo demonstrou essa realidade claramente. Já a partir do processo preparatório dos últimos meses, a delegação brasileira insistiu na necessidade de critérios e compromissos a serem assumidos pelos novos membros, caso da necessidade de reforma das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança. 

Quem já se deu ao trabalho de ler a declaração da cúpula de Joanesburgo e de compará-la às declarações de encontros anteriores pôde comprovar uma evolução importante na posição do bloco e de todos os seus cinco integrantes, a ser seguida pelos países convidados que queiram ingressar. A abertura do debate técnico sobre o uso de moedas locais foi outro ponto prioritário para o Brasil plenamente atendido na mesa de negociação; e corretamente destacado pela mídia internacional pelo seu potencial impacto. 

 Por esses motivos, o governo brasileiro recebe com satisfação os resultados da cúpula, que atenderam plenamente os objetivos do Brasil. Eventuais problemas futuros, tanto os apontados agora como os que venham a surgir, serão tratados com o mesmo pragmatismo e independência que caracterizam a política externa brasileira.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Artigo do chanceler Mauro Vieira sobre a guerra na Ucrânia

 É hora de dar voz aos que querem a paz na Ucrânia; leia o artigo do chanceler Mauro Vieira


Países relevantes não diretamente envolvidos no conflito têm papel construtivo a desempenhar agor

Por Mauro Vieira
24/02/2023 | 05h00
Atualização: 24/02/2023 | 07h29

Um ano após a invasão do território ucraniano por forças russas, que deu início à guerra, o impasse armado no terreno, a retórica triunfalista de ambas as partes e as informações de inteligência sobre a perspectiva de novas ofensivas militares predominam. A cobertura da mídia reflete essa realidade, a de um conflito cujas perspectivas de solução imediata são – é preciso reconhecer – escassas.

O presidente Lula tomou posse neste contexto internacional desafiador, e desde então tem deixado clara a posição do Brasil, fiel à nossa tradição diplomática. Como ponto de partida, é inequívoca a condenação da invasão russa e da violação territorial de um Estado soberano, a Ucrânia.

Mas, um ano depois, a compreensão do governo brasileiro é a de que, em meio ao coro mais estridente, e de vozes poderosas, focadas na guerra e na sua forte dimensão geopolítica, chegou a hora de também dar voz aos que querem falar em caminhos para a construção da paz. O presidente Lula fez uma opção clara e pública nesse sentido.

O atual governo não desconhece que esforços anteriores em favor de um entendimento lograram apenas avanços pontuais, em questões humanitárias ou na possibilidade de retomada de exportação de grãos a partir dos portos ucranianos. O Brasil não chega para o debate em curso, portanto, com a pretensão de apresentar uma solução pronta. Chega, sim, para ouvir e para dialogar com os países e blocos dispostos a explorar o caminho do entendimento – e há vários países relevantes entre eles. Estou convencido de que a busca de novos avanços, ainda que pontuais, é passo necessário para iniciativas mais ambiciosas em matéria de paz.

A eventuais críticas internas a essa posição brasileira, em geral por um alegado excesso de protagonismo no cenário internacional a esta altura do conflito, respondo com fatos: seja nos contatos mantidos até agora pelo presidente Lula com 15 Chefes de Estado e de governo, seja nas mais de 40 reuniões que mantive com chanceleres, dirigentes de organismos internacionais e com outros chefes de Estado e de governo, a posição brasileira no conflito é bem compreendida. E vários desses interlocutores chegam a sugerir que ela é bem-vinda a esta altura, ainda que sejam pessimistas quanto ao fim do conflito no futuro mais imediato.

Papel construtivo
Da minha recente participação na Conferência de Segurança de Munique, na semana passada, à margem da qual mantive 21 encontros bilaterais em dois dias, trouxe – e transmiti ao presidente Lula – a convicção de que países relevantes como o Brasil, que não estão diretamente envolvidos no conflito, têm um papel construtivo a desempenhar no debate a partir de agora. Em nenhum dos encontros citados, entre eles com os chanceleres da Ucrânia e de vários outros países, ouvi qualquer crítica à disposição brasileira de explorar, em conjunto com outros interlocutores, caminhos que busquem criar as condições para o fim do conflito. Nossa atuação na deliberação sobre a mais recente resolução da Assembleia Geral da ONU sobre a guerra foi nesse sentido, o de conclamar as partes a cessarem hostilidades, termo que aparece pela primeira vez nos debates, por sugestão do Brasil.

Essa linha de atuação não perde de vista, em nenhum momento, o drama humano que chega diariamente às casas de todos, em especial das comunidades de imigrantes ucranianos e russos e de seus descendentes aqui radicadas. E tampouco ignora o impacto macroeconômico nacional e global da guerra, em particular no que se refere à elevação de custos de insumos para a produção agrícola e dos alimentos.

O Brasil continuará a perseverar nesse caminho, já a partir da reunião ministerial do G-20 em Nova Délhi, na semana que vem, da qual farei parte. E conta, neste momento, com suficiente massa crítica na comunidade internacional para que as vozes em favor do entendimento ganhem maior poder de influência nos movimentos e conversações capazes de evitar, no futuro, novas datas sobre a duração da guerra, como a triste marca de um ano completada hoje.