O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Chefe do Pnud defende taxar múltis e ‘super-ricos’ - Estevão Taiar

 Chefe do Pnud defende taxar múltis e ‘super-ricos’

Para Achim Steiner, medidas permitiriam fortalecer o combate a pobreza, desigualdade e mudanças climáticas

Por Estevão Taiar — De Brasília 

Medidas que elevem a arrecadação dos países, como a taxação global de multinacionais e um imposto sobre os "super-ricos" ao redor do planeta, abrem espaço para fortalecer o combate a pobreza, desigualdade e mudanças climáticas. A avaliação é do subsecretário geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Achim Steiner. Ele está no Brasil para as reuniões do G20, grupo que reúne as principais economias do planeta, além de União Europeia e União Africana.

Em entrevista exclusiva ao Valor, Steiner destaca a importância "de os governos aumentarem receitas para realizarem os investimentos necessários" no combate aos três desafios: pobreza, desigualdade e mudanças climáticas.

"Isso depende bastante da arrecadação doméstica", diz. A ONU calcula que, para que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos em 2015 pela Assembleia Geral da entidade sejam alcançados, os países precisarão investir US$ 5,4 trilhões anualmente, dos quais US$ 2,4 trilhões em investimentos climáticos.

A taxação de multinacionais foi defendida ontem pela secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, em entrevista coletiva realizada em São Paulo - onde ela também está para as reuniões do G20. A proposta, elaborada pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), sugere taxação de pelo menos 15% sobre os lucros de multinacionais com receita anual superior a € 750 milhões, independentemente do local em que elas operem.

Para Steiner, as declarações de Yellen são "um sinal importante de que muitos países concordaram" que a proposta é "boa para todo mundo". Ele reconhece, no entanto, que a implantação do imposto "obviamente vai demorar para ser negociada".

Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou em entrevista ao jornal "O Globo" no fim de semana que apresentará nas reuniões do grupo uma proposta para a taxação global dos "super-ricos".

O subsecretário da ONU destaca que não conhece o conteúdo da proposta. Mas diz que com o aumento da arrecadação governamental talvez essa seja "uma maneira melhor" de direcionar "parte da riqueza global" para "enfrentarmos alguns dos grandes desafios" atuais. Entre os exemplos dos desafios, ele cita a "necessidade de investimentos em tecnologias que levem a economia e a criação de empregos para o futuro".

Para Steiner, a presidência brasileira do G20 também é uma notícia positiva, justamente por trazer um foco "muito bem-vindo" para o combate a pobreza, desigualdade e mudanças climáticas. A presidência começou em 1-de dezembro do ano passado e vai até 30 de novembro próximo.

Mas o subsecretário da ONU chama atenção para outros problemas que pretende tratar durante as reuniões ao longo da semana. Um é a performance desigual da economia mundial depois das elevações das taxas básicas de juros em todo o planeta. Enquanto os países ricos vêm conseguindo alcançar um "pouso suave", a mesma coisa não acontece com os países em desenvolvimento, de acordo com o administrador do Pnud.

Um segundo problema é o serviço da dívida pago também pelos países em desenvolvimento. Durante a maior parte da pandemia, o G20 suspendeu o pagamento da dívida que essas nações tinham com o grupo e organismos multilaterais. Posteriormente, criou uma espécie de tratamento comum ("common framework") para lidar com essas obrigações.

Ainda assim, números da ONU mostram as dificuldades que diversas economias vêm enfrentando: países de renda baixa gastam em média 130% a mais no serviço da dívida do que em assistência social e 40% a mais do que gastam em saúde; 48 países gastam mais de 10% de sua arrecadação com o serviço da dívida, contra 28 países uma década atrás; em 22 dos "países mais pobres do mundo" o custo do serviço da dívida externa deve superar 20% da arrecadação no futuro, o que não acontecia há mais de duas décadas.

"Tudo isso significa que esses recursos não estão disponíveis para educação, saúde, infraestrutura e certamente não estão disponíveis para os grandes investimentos necessários no combate às mudanças climáticas", afirma. "A nossa responsabilidade é lembrar para o G20 que as decisões deles afetam todos os países."

Um desafio adicional com o qual o grupo terá que lidar são as tensões geopolíticas. "A geopolítica imediatamente afeta a habilidade de os países se unirem no G20 e concordarem em atuarem juntos", diz Steiner, destacando que "passos mais ousados" em temas como mudanças climáticas e serviço da dívida das nações em desenvolvimento já vêm esbarrando nessas tensões.

Dentro do Brasil especificamente, ele elogia o Plano de Transição Ecológica coordenado pelo Ministério da Fazenda. De acordo com o subsecretário da ONU, "há sinais extraordinários" de que o plano traça um "bom caminho" a ser seguido por outros países. Mas, mais uma vez, Steiner reconhece que a implantação de todas as medidas não é algo simples. 

"Estamos observando como o Brasil vai avançar, porque são assuntos complexos. Alguns são de curtíssimo prazo, ligados a questões fiscais, subsídios, impostos. Outros são de longo prazo, como qual a maneira de incentivar o setor privado a investir na mitigação e na adaptação às mudanças climáticas", afirma. 


Steiner nasceu no Brasil, mas se mudou ainda na infância e também tem nacionalidade alemã. Ele é administrador do Pnud desde 2017, atualmente no segundo mandato. É graduado em filosofia, política e economia pela Universidade de Oxford e tem passagens acadêmicas, entre outras instituições, pela Universidade Harvard e pelo Instituto Alemão de Desenvolvimento.

Lei de acesso à informação: restrições de Bolsonaro e rejeição pelo STF - Ricardo Bergamini

 Cartões Corporativos 

Ricardo Bergamini

 

1 - Quando era deputado federal, o hoje presidente Jair Bolsonaro (PSL) era um dos maiores críticos da falta de transparência dos petistas. Gastos nababescos bancados com dinheiro público eram denunciados com a ferocidade que se espera de um real representante da sociedade. Um exemplo claro: em 2008, durante discurso na bancada, Jair Bolsonaro, na época do PP, desafiou o PT a abrir as despesas com cartão corporativo do governo federal. Na época, havia eclodido o escândalo dos gastos com essa modalidade de pagamento, desencadeada após a imprensa, tão criticada hoje por Bolsonaro, descobrir que o cartão corporativo foi utilizado para custear mesas de sinuca, festas com bailarinas e até uma mera tapioca na praia.

 

Em 05/11/19, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou lei de 1967 que permitia a instalação de sigilo nos gastos presidenciais, o que bloqueava acesso a informações como uso do cartão corporativo.

 

2 – Em 2020, Bolsonaro emite uma MP restringindo à Lei de Acesso à Informação, derrubada pelo STF, conforme abaixo:

 

Íntegra do voto do ministro Alexandre de Moraes em que afastou restrições à Lei de Acesso à Informação

 

04/05/2020 

 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), divulgou a íntegra do voto proferido no julgamento conjunto em que, por unanimidade, o Plenário referendou liminar concedida por ele na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6351 para impedir restrições na Lei de Acesso à Informação (LAI) durante a pandemia do novo coronavírus, introduzidas ne lei pela Medida Provisória 928/2020. A liminar foi deferida na ação ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), à qual foram apensadas outras duas ADIs (6347 e 6353), movidas pela Rede Sustentabilidade e pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), respectivamente. Segundo o ministro, as restrições ofendem os princípios constitucionais que consagram a publicidade e a transparência nos órgãos públicos.

 

Leia a íntegra do voto do ministro Alexandre de Moraes.

 

Aos que desejarem conhecer a orgia ampla, geral e irrestrita, clique abaixo:

Estudo completo clique aqui http://www.portaltransparencia.gov.br/cartoesorgia

 

Evolução histórica - Gastos por meio de cartões de pagamentos

ANO

CARTÃO DE PAGAMENTO DO GOVERNO FEDERAL - CPGF

2013

R$ 283.059.220,37

2014

R$ 335.934.185,45

2015

R$ 229.506.729,42

2016

R$ 407.468.798,34

2017

R$ 453.610.036,90

2018

R$ 244.876.676,02

2019

R$ 198.415.662,89

2020

R$ 170.797.436,35

2021

R$ 241.561.989,18

2022

R$ 422.916.480,92

2023

R$ 430.631.225,99

 

 

Ricardo Bergamini

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

I traveled across Ukraine with a U.N. refugee agency - Max Boot (Washington Post)

Opinion 

I traveled across Ukraine with a U.N. refugee agency. Here’s what I saw.

Columnist|
The Washington Post, February 27, 2024 at 6:00 a.m. EST

https://www.washingtonpost.com/opinions/2024/02/27/united-nations-ukraine-refugees/?utm_medium=email&utm_source=newsletter&wpisrc=nl_popns&utm_campaign=wp_opinions_pm

Public opinion surveys suggest that, while nearly 60 percent of Americans have a favorable view of the United Nations, they are less supportive than the citizens of many other countries. Forty percent of Americans have an unfavorable impression of the global body compared with 25 percent of Britons and Germans.

Some criticism is definitely warranted. For example, the Biden administration has suspended funding for the United Nations’ Palestinian-aid group, the U.N. Relief and Works Agency (UNRWA), after some of its employees were alleged to have participated in Hamas’s Oct. 7 attack on Israel. The U.N. Human Rights Council is a sick joke: Its members include notorious human-rights abusers such as Russia, Venezuela and China. And U.N. peacekeeping troops have become notorious for abusing the very people they were supposed to protect.

But the United Nations also does a lot of important work for which it receives scant credit in the United States. I recently spent a week traveling across Moldova and Ukraine with a delegation of American experts assembled by the U.N. High Commissioner for Refugees, as the U.N. refugee agency is known, and I came away greatly impressed by UNHCR’s efforts to alleviate the refugee crisis created by the Russian invasion. Its work — which is helping Ukraine and its neighbors to weather the onslaught — deserves continuing U.S. support.

The scale of the refugee crisis is mind-boggling: Two years after the Russian invasion, nearly 6.5 million people have fled Ukraine and another 3.7 million are internally displaced. That’s roughly a quarter of Ukraine’s prewar population. And, in front-line communities, even many of those who remain in their homes are struggling to survive. In all, some 14.6 million Ukrainians require humanitarian assistance. Those needs are far beyond the capabilities of the Ukrainian government or those of its neighbors to cope with on their own; Kyiv can only fund half its own state budget and requires foreign aid for the rest.

Filling the vacuum have been myriad governmental and private relief agencies, including organizations funded by the State Department and U.S. Agency for International Development. The United Nations is often in the lead. In 2023, UNHCR provided 2.63 million people in Ukraine with assistance of various kinds. That includes repairing damaged houses, sending winter blankets and generators to front-line communities, helping displaced Ukrainians restore legal documents lost in the war, and offering psychological and social services to people traumatized by Vladimir Putin’s incessant bombing.

UNHCR sometimes delivers relief supplies; we saw a warehouse full of food, winter clothes, hygiene kits and kitchen sets in Odessa. But the agency prefers, wherever possible, to provide cash assistance via an ATM card utilizing Ukraine’s existing banks. Those grants went to nearly 900,000 Ukrainians last year. Though the average stipend is only about $120 a month, that pittance helps displaced Ukrainians get whatever they need the most, whether it’s housing, health care, transportation, food or clothing. It also boosts the local economy rather than creating a parallel “aid economy.”

Our group visited a Kyiv apartment building two days after it was hit by a Russian missile to see how quickly and effectively UNHCR and its local and international partners can swing into action. Four people had been killed, 39 injured and hundreds forced out of their homes. By the time we arrived, laborers were already repairing the damage while, in a nearby school gymnasium, UNHCR and other aid agencies had set up shop to help the affected families. The gym was emptying out because most of the people had already received what they needed, whether food or medicine or a place to sleep. Such rapid response operations occur all the time across Ukraine, and they are helping that country to survive the Russian onslaught.

UNHCR also has been an indispensable lifeline in European countries struggling to cope with a massive refugee influx. We visited Ukraine’s neighbor Moldova (population 2.5 million), which has been inundated by more than 1 million Ukrainians since the start of the war in 2022. Yet there are no tent cities for Ukrainian refugees in Moldova or anywhere else in Europe; all the newcomers either move on or get absorbed by the local population. That’s one of the hidden success stories of the past two years. In part, that speaks to the generosity of European nations in dealing with the continent’s biggest refugee crisis since 1945. But it is also a reflection of the international aid effort spearheaded by UNHCR.

UNHCR is far from perfect; it is subject to some of the same problems as other U.N. agencies. Its Uganda operation was rocked by a corruption scandal in 2018, and in Ukraine it was initially criticized by government officials for being slow to respond to the Russian invasion.

But I was impressed by the UNHCR employees I met in Ukraine, a combination of local and foreign hires who appear intensely committed to the mission and work long hours under grueling and often dangerous conditions. The UNHCR country director, Karolina Lindholm Billing, is a no-nonsense Swede who has been in Ukraine since 2021. She manages 370 staff in 10 different locations, employing a combination of firmness and compassion.

Lindholm Billing had to evacuate her husband and three teenage children from Kyiv when the Russians invaded and sees them only on occasional home visits to Stockholm. “If I didn’t believe that the work my colleagues and I do, often seven days a week and in risky situations, was meaningful to the people we serve, then I would never sacrifice these years with my teenagers,” she told me. “Because we are on the ground where the brutal war hits people every day, we see the positive impact that humanitarian support has on people’s lives.”

I saw it, too, as we visited the refugee-assistance sites that UNHCR operates for grateful Ukrainians who are eager not only for material aid but a sign that the world cares about their plight.

UNHCR spent nearly $1 billion in 2023 responding to the Ukrainian refugee and displacement crisis. The U.S. government was the single biggest donor, giving $200 million, but European nations gave more in aggregate, while also incurring substantial costs in handling millions of refugees in their own countries. This year, UNHCR is asking for a similar contribution from the United States to continue its lifesaving work.

But that money may not be forthcoming. It is part of the $95 billion foreign aid bill — which includes $60 billion for Ukraine — that passed the Senate but is stalled in the House by Republican isolationists. Even some House members who support military aid for Ukraine are talking about removing humanitarian aid and budgetary support for Ukraine.

That would be foolish and heartless. Humanitarian and budgetary aid allows Ukraine to keep functioning in the face of continuing Russian aggression, and makes it possible for refugees to return to their own country — as roughly 2 million Ukrainians have already done. Without that international support, Ukraine could become a failed state no longer able to defend itself and millions more refugees could flee the country, destabilizing its neighbors.

Congress needs to provide both military and budgetary aid to Ukraine as that country battles not only for its own survival but also the security of the entire West. And it needs to keep supporting UNHCR as part of the U.S. response to refugee crises not only in Ukraine but also as far afield as Lebanon, Sudan, Afghanistan and Bangladesh. The United Nations makes its share of mistakes, but UNHCR is an unheralded success story.


Opinion by 

Max Boot is a Washington Post columnist and a senior fellow at the Council on Foreign Relations. A Pulitzer Prize finalist in biography, he is the author of the forthcoming “Reagan: His Life and Legend.  

 Twitte


Janus.Net special issue on Brazil

 Dear friends and colleagues,


Special Issue 1: Brazil, China and International Relations

Submission of article ready for review by June 2024

 

Brazil is a major economy of Latin America that acts with increasing prominence on the global economic and political stage. Brazil has over 200 million people. It is a member of international groups as diverse as G20, Mercosur and BRICS. Brazil has diversified sectors and abundant natural resources. It continues to be a global leader in the export of agricultural commodities and present promising economic growth indicators. The country has also in recent decades managed to expand its industries and service sector, attracting both domestic and foreign investments. The political landscape of Brazil is a complex one. While the country has witnessed economic growth and social progress, it has also been confronted with major challenges related to social inequality, corruption and political trust. Against this background, JANUS.NET, e-journal of International Relations will be publishing a special issue that discusses Brazil in a greater context. It is hoped that this initiative will bring together experts and scholars interested in the Federative Republic of Brazil and its international forays, asking what the future holds for emerging partners hailing from as far as the People’s Republic of China.

 

We call for:

  • New approaches for the study of Brazil with a focus on world engagement preparedness
    • Novel epistemologies and conceptualizations that advance our knowledge of Brazil and its preparedness for engagement;
    • Studies of Brazil that address “the modern international” using innovative and unconventional IR methods;
    • Up-to-date studies of Brazil by humanistic social sciences scholars that also pertain to “the modern international”;
    • Studies of Brazil that actively engage with the latest Global South, Feminist and Post-Humanist epistemologies;
  • Studies on Brazil with a focus on Chinese presence, engagement and interests;
  • Studies that highlight the knowledge produced in Brazil / the South Atlantic that is also applicable to our understanding of Chinese action in the world;
  • Studies that advance our understanding of Global China and its global engagement;
  • Studies that put Asian Studies, Latin American Studies, Lusophone Studies and other area studies in conversation;
  • Historicized transcontinental studies of agency and identity that promote greater awareness of world connectivity and interdependence.

Scholars may use qualitative, quantitative and mixed method approaches. They may be interested in different subjects and based in different parts of the world. While we may expect greater interest from International Relations scholars, we are open also to submissions from other members of the learned community. They are expected to place Brazil and its connections with the outside world, especially Asian partners such as China, at the center of their analysisIt is hoped that the special issues will be published in December 2024.

We are looking forward to receiving your valuable contribution!


Francisco José Bernardino da Silva Leandro

Associate Professor with Habilitation - Deputy Director of Institute of Global and Public Affairs - Faculty of Social Sciences -  Department of Government and Public Administration (DGPA) - University of Macau  - E21B Building - Office 4051

Avenida da Universidade – Taipa - Macau SAR (China)

Times Higher Education (2023) Ranking: 193th in the world and 33rd in Asia

 

利天佑

副教授(已獲特許任教資格)

全球與公共事務研究所 副主任

澳門大學 社會科學學院 政府與行政學系E21B-4051

澳門氹仔大學大馬路


Comércio Exterior de 1 trihão de dólares - Rubens Barbosa (OESP)

                     COMÉRCIO EXTERIOR DE 1 TRILHÃO DE DÓLARES

Rubens Barbosa, 

O Estado de S. Paulo, 27/02/2024

 

O comércio exterior brasileiro ultrapassou meio trilhão de dólares em 2023. A notícia foi saudada com um grande sucesso do comércio brasileiro no mundo. A corrente de comércio subiu a mais de US$ 580 bilhões, com US$339,7 bilhões de exportação, com um aumento de 1,7% em relação a 2022, e US$ 240,8 bilhões de importação, com queda de 11,7, em relação a 2022. O superavit recorde chegou a US$ 98,8 bi. crescimento de 60% em relação a 2022 (mais da metade com um único país, China). O Brasil se consolidou como um dos maiores exportadores mundiais de alimentos e minério com mais de 18% e 26% das exportações totais do país respectivamente. Cresceu o número de empresas exportadoras, que hoje chegam a 28.500. Acentuou-se a importância do mercado asiático (mais de 50% das exportações totais), em especial o da China, Hong Kong e Macau, que representaram US$ 105,75 bi, mais de 30% das exportações totais brasileiras.

 

O comércio exterior se beneficiou de medidas tomadas pelo governo em 2022 para desburocratizar procedimentos e reduzir custos das transações. O BNDES voltou a apoiar as exportações aumentando a competitividade dos produtos nacionais. A promoção comercial e a cultura exportadora foram fortalecidas por ações da APEX e SEBRAE. Acordos de comércio, como o assinado com Singapura, e o de liberalização e simplificação com os EUA, inclusive com o fim da sobretaxa as exportações brasileiras de aço, foram positivas. A reforma tributária contribuirá para a melhoria da competitividade.

 

Como disse o Vice-Presidente e Ministro do MDICS, Geraldo Alkmin, “os resultados nos desafiam a fazer mais para abrir novos mercados e melhorar a competitividade e incluir produtos de maior valor agregado”.

 

Os desafios para o comércio exterior brasileiro vão além do que corretamente mencionou o ministro Alckmin. Os números realmente impressionantes geraram um sentimento ufanista (Brasil celeiro do mundo), mas escondem vulnerabilidades que um país do porte do Brasil (9ª. Economia global) não poderia aceitar, em função das incertezas geradas pelas transformações da economia e da geopolítica global.

 

A dependência do agronegócio para o sucesso econômico do país preocupa pelo fato de o setor agrícola se ter tornado o motor da economia. Os EUA e a Europa também são grandes produtores agrícolas, mas o setor industrial tem sua força própria, ao contrário do que ocorre no Brasil.

 

A concentração no comércio exterior brasileiro de poucos produtos (soja, petróleo e minério de ferro representam 37% das exportações, 5 produtos (incluindo açúcar e milho), 46% e 8 produtos, 2/3 do total exportado) e poucos mercados (Asia, Oriente Médio e Norte da África, representam 65% do total exportado) expõe o crescimento da economia, caso haja desaceleração do mercado externo (em especial o da China) e redução da produção agrícola nacional por fatores climáticos, como está ocorrendo este ano. A China concentra 75% das exportações da soja nacional.

 

As transformações da nova economia global criam outros tipos de vulnerabilidade, em consequência da ênfase em políticas industriais nos países desenvolvidos e crescentes restrições externas para garantir autonomia soberana em virtude das mudanças geopolíticas e para atender as novas prioridades de políticas ambientais, como as medidas tomadas na Europa para eliminar as importações de produtos agrícolas provenientes de áreas desmatadas e as taxas de carbono (CBAN).

 

A crescente perda de importância do setor industrial, em termos de PIB, (que chegou a ser 28% do PIB e que agora, na indústria de transformação, pouco passa de 10%) fez cair o nível de investimento interno e as importações se reduziram significativamente (11%). A participação de produtos manufaturados brasileiros no mercado internacional está pouco acima de 0,5%).

 

Vulnerabilidade adicional da área externa é a ausência de um instrumento de financiamento das exportações. Como todos os principais países, urge a criação de um Eximbank para apoiar uma politica de ampliação dos mercados na América Latina e na África, inclusive com a criação de cadeias regionais de produção de valor e com o necessário respaldo para os produtos da indústria de Defesa.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  

 

O governo divulgou as linhas gerais de um programa de política industrial para fortalecer o setor e torná-lo mais competitivo no mercado externo. Com metas até 2033, o plano dá grande ênfase ao papel do governo, como estão fazendo os EUA e países europeus. Subsídios e conteúdo local aparecem ao lado de incentivos, linhas de crédito e compras governamentais em seis setores, entre os quais saúde, defesa, infraestrutura, saneamento, mobilidade. Transformação digital da indústria, bioeconomia, descarbonização e transição energética são prioridades para a modernização do setor.

 

Com maior valor agregado, o aumento das exportações dos produtos industriais reduziria a dependência da economia do setor das commodities, agrícolas, minerais e energéticas. Dado o potencial de crescimento do comércio exterior em função do dinamismo do agronegócio e da recuperação gradual da competitividade industrial, caso as vulnerabilidades sejam reduzidas, será possível colocar como meta de US$ 1 trilhão nos próximos 5 anos, com a coordenação entre governo e setor privado.

 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comercio Exterior (IRICE) e membro da Academia Paulista de Letras

 

 

 

"Quase-moeda" que deu vida ao real, URV completa 30 anos, Edmar Bacha, entrevista - Lu Aiko Otta (Valor Econômico)

"Quase-moeda" que deu vida ao real, URV completa 30 anos

Depois de seis planos fracassados, país encontrou alternativa em ideia de dez anos antes, que favoreceu estabilidade e elegeu um presidente

 

Lu Aiko Otta/ Valor Econômico/ 27 de fevereiro de 2024


Não muito tempo atrás, funcionários de uma fazenda no interior de São Paulo pediram ao patrão para receber os salários em datas variadas. Era uma tentativa de driblar os supermercados, que sempre subiam os preços na véspera dos pagamentos. Assim era a vida no período da hiperinflação: uma corrida maluca entre salários e preços, na qual os trabalhadores sempre saíam perdendo.

Mal comparando, é a triste realidade vivida na Argentina nos dias de hoje. Enquanto aqui no Brasil a batalha é para colocar a inflação dentro da meta de 3% ao ano, lá a taxa chegou a 254% nos 12 meses encerrados em janeiro.

Porém, não é o caso de fazer como algumas torcidas de times brasileiros, que tripudiam dos hermanos queimando as desvalorizadas cédulas de peso. O Brasil passou por processo pior, com a taxa anual batendo nos 3.000%. Só se livrou da hiperinflação com a edição do Plano Real, em 1994, após uma sequência de seis tentativas fracassadas de estabilizar os preços (Cruzado, Cruzado II, Bresser, Verão, Collor I e Collor II) ao longo de cinco anos.

Na sexta-feira, 1-de março, completam-se 30 anos da entrada em vigor da Unidade Real de Valor (URV), uma "quase-moeda" que preparou o terreno para a chegada do real. Foi uma inovação que permitiu ao país migrar de uma economia com inflação muito alta, acima de 40% ao mês, para um cenário de taxas bem menores, sem choques nem congelamento de preços. Em julho de 1994, quando a URV deu lugar ao real, a taxa havia recuado para 6,84%. No mês seguinte, estava em 1,86%.

O Plano Real não só estabilizou preços como também foi ponto de partida para uma série de reformas que estão até hoje na base da economia brasileira. Além disso, elegeu um presidente: Fernando Henrique Cardoso, senador eleito pelo PSDB de São Paulo e ministro da Fazenda na elaboração do plano.

Nas palavras de um dos "pais" do Real, o economista Edmar Bacha, Fernando Henrique foi o "milagre" que viabilizou o plano. "Sem ele, nada disso teria acontecido", afirmou, em entrevista ao Valor. Outro "pai", Pérsio Arida, diz que a existência de uma liderança política capaz e de uma boa equipe técnica tomou possível o que parecia não ser.

O plano foi gestado no governo de Itamar Franco, que assumiu a Presidência da República em definitivo em dezembro de 1992, quando Fernando Collor de Mello renunciou ao cargo, às vésperas de o Congresso decidir seu impeachment. Itamar estava no cargo desde outubro daquele ano, quando Collor foi afastado em função do julgamento.

De início, Fernando Henrique chefiou o Ministério das Relações Exteriores. Mas, em maio de 1993, ficou sabendo por seu secretário-geral, Luiz Felipe Lampreia, que Itamar o havia anunciado como ministro da Fazenda. Perplexo,

telefonou para o presidente e ouviu como resposta: "Sua nomeação foi bem recebida". A história está no livro de memórias do ex-presidente: "A Arte da Política - A História que Vivi" (Civilização Brasileira, 2015).

FHC seria o quarto ministro da Fazenda de Itamar em oito meses de governo. Sua equipe trabalhava apenas aguardando a próxima crise para ir para casa.

De início, conta Bacha, integrante da equipe, a ideia era fazer um ajuste fiscal, algo que faltara nos planos de estabilização anteriores, e esperar o fim do mandato de Itamar. O ajuste veio com o Plano de Ação Imediata (PAI), cujo foco foi atacar o excessivo "engessamento" do Orçamento brasileiro. Na época, o Congresso concordou que 20% das verbas com destino obrigatório fossem livremente alocadas pelo governo.

"O pessoal fala que o PAI foi a preparação do Real, não foi nada", afirma Bacha. "O PAI era o que achávamos que dava para fazer, até que tivéssemos na Presidência alguém que entendesse do riscado, com quatro anos pela frente."

Essa ideia de deixar a estabilização para depois foi abandonada porque Fernando Henrique percebeu que estava diante de uma oportunidade política única, revela Bacha. "Ele era muito respeitado no Congresso, na sociedade e tinha uma relação especial com o Itamar."

A equipe precisava ser reforçada. Isso, porém, pareceu desnecessário no início de setembro de 1993, quando Itamar demitiu o então presidente do Banco Central, Paulo César Ximenes, por divergência envolvendo uso de cheques pré-datados.

"Quando o Itamar demitiu o Ximenes, eu falei: "Bom, ok, vamos embora para casa. Acabou a brincadeira"", conta Bacha. "E aí que aconteceu essa coisa maluca, inexplicável, um milagre."

FHC foi conversar com o Itamar. "Deve ter dito que ia se demitir", arrisca. Naquele momento, o risco que Itamar corria, caso perdesse seu ministro da Fazenda, era entrar em um processo de enfraquecimento político que poderia terminar em impeachment. Independentemente do diálogo que possa ter havido, o fato é que Fernando Henrique saiu da audiência com carta branca para tocar o plano.

Nessa condição, foi possível a ele trazer para seu time o economista Pedro Malan, então negociador da dívida externa brasileira, para comandar o Banco Central. E Pérsio Arida para a presidência do BNDES.

A URV foi inspirada em um paper que havia sido escrito dez anos antes, em 1984, pelos economistas Pérsio Arida e André Lara Resende. Eles propuseram um plano de estabilização que ficou conhecido como "Larida". A ideia era romper a dinâmica de alta de preços criando um sistema com duas moedas: a antiga, inflacionada,  e uma nova, que teria seu valor corrigido diariamente. No Plano Real, a moeda corrigida foi a URV, inicialmente, e depois o real.

Em 1º de março, uma URV valia 647,50 cruzeiros reais, equivalente à cotação de um dólar. Salários, benefícios previdenciários e contratos do setor público foram convertidos em URVs. Assim, ficaram com seu valor protegido contra a inflação, enquanto os preços seguiram na moeda antiga. Os assalariados perceberam vantagem com o plano. Frango e iogurte entraram no carrinho das famílias de baixa renda.

Bacha aponta para uma espécie de simbiose: o Plano Real pavimentou o caminho para que Fernando Henrique vencesse as eleições. Por outro lado, o plano não teria sobrevivido sem a vitória do tucano.

O Real escapou da sina dos planos anteriores, de funcionar por um tempo e depois naufragar, porque as circunstâncias políticas permitiram que fosse consolidado. Foi um trabalho que durou os oito anos dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Envolveu uma série de medidas para modernizar a economia, como as privatizações, a criação das agências reguladoras e adoção do tripé macroeconômico que persiste até hoje: câmbio flutuante, o uso da taxa de juros para combater a inflação e superávit fiscal.

Nesse sentido, o Real foi uma política de Estado, avalia Joelson Sampaio, professor da Fundação Getulio Vargas. "É um legado que nenhum governo teve a ousadia de mudar", afirma. O sistema de metas de inflação baseado na taxa de juros é alvo de críticas, diz, mas é algo que traz o benefício de controlar a inflação.