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quinta-feira, 13 de junho de 2024

Protecionismo de países ricos ameaça economia verde: Jorge Arbache - Lu Aiko Otta (Estadão)

 Protecionismo de países ricos ameaça economia verde, afirma Arbache

Ambiente - Falta de coordenação interna também é obstáculo para que Brasil se beneficie de potencial de fornecedor de energia e alimentos, diz economista

Lu Aiko Otta

 

Falta de coordenação interna e protecionismo por parte das economias desenvolvidas são os dois maiores obstáculos a serem superados para que o Brasil possa se beneficiar do potencial que possui como fornecedor de energia sustentável e alimentos para o mundo. A avaliação é do economista Jorge Arbache, que em maio concluiu um período de quase seis anos à frente da vice-presidência do Setor Privado no Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF).

Daquele ponto de observação, no qual aprovava anualmente projetos da ordem de US$ 8,5 bilhões, Arbache se convenceu de que a região está diante de uma oportunidade única de desenvolvimento, graças à abundância de água fresca, minerais críticos e elementos para a produção de energia sustentável. Além disso, está distante das áreas de conflito geopolítico.

Na sua visão, as vantagens comparativas de América Latina e Caribe podem ajudar a contrabalançar o custo de capital ainda elevado e a falta de recursos públicos para conceder subsídios. Com isso, é possível à região tornar-se atrativa a novos negócios, a despeito dos massivos incentivos que estão sendo despejados na transição energética pelas economias centrais.

Para isso, no entanto, é preciso avançar mais rapidamente na construção de um ambiente regulatório favorável e fortalecer a articulação dentro do governo e do setor público com as empresas. As visões são coincidentes, mas falta velocidade, avaliou.

No atual cenário, há retrocesso na agenda da sustentabilidade, disse. O custo elevado da descarbonização tem levado empresas a abandonar metas e gera indisposição entre consumidores, por causa da "inflação verde". O debate também tem sido capturado por campanhas eleitorais. Abaixo, os principais trechos da entrevista concedida ao Valor.

Valor: O sr. ficou cinco anos e nove meses na vice-presidência da CAF e dedicou especial atenção à transição energética. Que avaliação faz do atual momento na região?

Jorge Arbache: Temos muitos grandes desafios: baixa produtividade, pobreza, desigualdade, de contas públicas sob pressão. Mas, ao mesmo tempo, há uma oportunidade crescente, com a economia da sustentabilidade. Eu acho que a geografia vai voltar a ser determinante da decisão de investimento.

Valor: Por quê?

Arbache: Temos as mudanças climáticas, os temas geopolíticos, os fenômenos climáticos extremos, que, no seu conjunto, fazem com que a geografia se torne muito mais relevante do que era. Estamos fisicamente distantes de questões geopolíticas intensas. Além disso, há na região fontes de água fresca, condições de produzir energia verde em muita quantidade, muita biodiversidade, florestas, minerais críticos para transição, um grande potencial para o mercado de carbono, e ainda terras que podem ser utilizadas para expansão agrícola. Tudo isso está se tornando, e vai se tornar ainda mais, fonte crítica ao longo das próximas décadas.

Valor: Sempre tivemos isso. Porque agora essas coisas são valorizadas?

Arbache: Os preços relativos de tudo isso que eu falei vão aumentar muito. Produtos intensivos em energia, que terá de ser verde. Tudo aquilo que é intensivo em água para a sua produção. A biodiversidade, da mesma forma. Temos um crescente problema de segurança alimentar em nível global, que vai se intensificar ao longo dos próximos anos e décadas. Então, é como se a região tivesse colocada para ser parte da solução dos problemas globais.

Valor: O que fazer para não perder mais essa oportunidade?

Arbache: Ter uma visão estratégica e se organizar para poder capitalizar todas essas oportunidades na forma de negócios que atendam aos interesses da região, mas também aos interesses do mundo. Esta será seguramente a grande oportunidade para resolvermos problemas de desigualdade, de pobreza, de crescimento lento, de baixa produtividade. Isso é possível, já que temos uma vantagem comparativa que pode se tornar competitiva também.

Valor: O que é a expressão que cunhou, o power shoring?

Arbache: Há produtos manufaturados que precisam muito de energia verde. Estar perto das fontes é economicamente muito mais viável do que transportar essas coisas para outro lugar. Isso cria um poder de barganha, uma condição que nunca tivemos, que é industrializar as vantagens comparativas. E daí nasce a tese do power shoring, que é a conversão da energia de que dispomos, e da água, em instrumentos de atração de investimento em direitos dos estrangeiros.

Valor: Qual o papel dos bancos multilaterais, como o CAF, o BID e o Banco Mundial nesse processo?

Arbache: Esses bancos são cada vez mais importantes, porque podem fazer três coisas que nenhuma outra instituição financeira ou do mercado de capitais pode. A primeira é coordenar agendas. Eles têm uma capacidade de mobilização de atenções que nenhum outro agente privado tem. A segunda é produzir uma agenda de conhecimento que seja de interesse de todos. E a terceira agenda é a mobilização de recursos. Muito mais do que colocar crédito, eles têm uma função ainda mais nobre, que é a de mobilizar recursos de terceiras partes.

Valor: Como isso funciona?

Arbache: Os bancos se colocam na condição de serem coordenadores de processos de financiamento. Isso reduz o custo mais visível, para que o setor privado entre em negócios que, de outra forma, não entraria.

Valor: Para onde os recursos devem ser direcionados, prioritariamente?

Arbache: Naquilo que mais aponta para o futuro. Passam pela agenda verde. E, coincidência ou não, as sub-regiões que mais têm condições de explorar as agendas do futuro, as agendas de sustentabilidade, são as mais pobres da região. Este é o caso na Colômbia, o caso do Brasil com as regiões Nordeste e Norte, é o caso do Paraguai, do Chaco.

Valor: Olhamos para esse quadro e pensamos: "agora, vai". Mas não vai. Esse cenário do qual o sr. fala já foi identificado há alguns anos. Teria algum exemplo de algo que já esteja aproveitando todo essa potência?

Arbache: Eu acho que você tem razão. Essa visão do "agora, vai", ela está sempre perto da gente. E, na verdade, nunca vai. Às vezes vai até para trás. Dito isso, eu acho que esse momento que a vivemos na região tem uma coisa que salta aos olhos. Tem uma visão convergente para a megaoportunidade única que esta região tem. A mesma visão no Chile, na Colômbia, no Uruguai, no Paraguai, aqui no Brasil. O que talvez faça falta é melhor coordenação dentro dos governos e entre o governo e o setor privado.

Valor: No Brasil também?

Arbache: No Brasil, não há como não reconhecer as muitas importantes iniciativas: o Plano de Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda ou no plano de neoindustrialização do Mdic [Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços]. Há agendas também no Ministério de Minas e Energia, no do Meio Ambiente, no Itamaraty, no BNDES, no BNB [Banco do Nordeste], no Banco do Brasil. O Congresso está discutindo essas matérias: combustível do futuro, produção de energia eólica offshore e por aí vai. Há essa visão. O que talvez falte aqui, como em outros países da região, é uma maior coordenação dentro do governo, nas suas várias áreas, para escalar os impactos e reduzir os tempos. Não existe antagonismo nas teses. É o contrário. Elas apontam para o mesmo caminho.

Valor: Quer dizer que a bola estâ conosco mesmo?

Arbache: Existe um outro ponto que funciona como obstáculo: os muitos subsídios, o protecionismo e a discriminação que estão sendo implementados por China, União Europeia, Estados Unidos, Japão. De tal forma que países ou regiões como América Latina encontram obstáculos para levar adiante e realizar todo seu potencial.

Valor: Aí, complicou.

Arbache: É um tema importantíssimo. Esse protecionismo e esses subsídios que são muito grandes e podem comprometer o potencial que a gente tem na região. O que a gente vê, na verdade, é uma mercantilização da agenda do clima. É um processo que aumenta custos e explica, ao menos em parte, a inflação verde que vemos.

Valor: Como é isso?

Arbache: Há aumento dos impostos em muitos países desenvolvidos e, portanto, há insatisfação. A mercantilização da agenda do clima tem causado endividamento público crescente. Vemos isso claramente nos EUA. Há crescente desconforto das populações nos Estados Unidos e na Europa, especialmente com relação à agenda do clima.

Valor: Insatisfação porque as coisas ficam mais caras?

Arbache: Caras e burocratizadas. Ao mesmo tempo, existe uma região como a América Latina que pode oferecer produtos e serviços verdes, a preços mais baixos e em um prazo muito mais curto. Eu acho que isso posiciona a América Latina nesse grande debate que tem que ser feito, sobre como o comércio e o investimento têm que ser vistos como ferramentas da descarbonização da economia global.

Valor: Estou entendendo que os países ricos não querem a opção que a América Latina oferece. Querem fazer o deles, ainda que seja mais caro. É isso?

Arbache: Querem fazer o deles, porque entendem que é uma agenda de negócios. Ainda que isso seja feito a um custo muito alto, muito mais lentamente e tendo que voltar para trás com os compromissos da agenda do clima. Grandes empresas estão abrindo mão de compromissos autoimpostos para a descarbonização e a agenda ESG. Há uma crescente tensão contra a agenda do clima. Isso é muito ruim. O desconforto está sendo politizado na Europa e nos Estados Unidos. Isto não pode acontecer.

Valor: Ou seja, estamos retrocedendo na agenda do clima.

Arbache: Saiu recentemente um índice internacional que mostra o nível do engajamento dos países com algumas agendas econômicas associadas ao clima. Mostra que os países desenvolvidos entraram no campo vermelho, do retrocesso. Mas são eles os que mais emitem. Aí, complica demais. E não vai terminar a curto prazo, pelo contrário. É tema de campanha eleitoral. Então, aqui entra o papel dos países em desenvolvimento, da América Latina com certeza, como parte da solução para esse tipo de tensão em nível global.

Valor: A perspectiva de eleição de Donald Trump é um complicador?

Arbache: Eu não tenho dúvida. Vemos uma narrativa de que o IRA, o Inflation Reduction Act, que criou esses protecionismos e subsídios, é favorável ao clima. Mas também é contra o clima, na medida em que se anulam o comércio e o investimento como agendas da descarbonização. Já vi em jornais menções de que uma das primeiras medidas do Trump, caso eleito, seria sair de novo do Acordo de Paris. Sei lá se isso vai acontecer, mas é o que circula.

Valor: A América Latina está se colocando como alternativa viável? Aqui no Brasil, ainda estamos discutindo marcos regulatórios do mercado de carbono, do combustível do futuro.

Arbache: Esses sistemas normativos e regulatórios, e até de políticas públicas mais ofensivas, estão na mesa. Só que não no ritmo que deveria. Estamos seguramente atrasados. Não tem aqui a visão do bosque, tem a visão da árvore. Discutem-se temas isolados. A visão do bosque tem que estar no Congresso, no governo federal, nas agências reguladoras, nos bancos. Eu acho que isso pode ser importante para acelerar essa discussão.

Valor: Há muitos anos, o Brasil tem uma matriz energética limpa. Por que os produtos brasileiros não são chamados de "verdes" no mercado global?

Arbache: Não temos sabido transformar isso numa bandeira, não temos trabalhado numa taxonomia, não temos criado um rótulo para capitalizar o produto verde. Seria preciso sair mundo afora vendendo esses padrões e as nossas certificações. Mas aqui entra um campo supercomplexo. O que os outros países fazem, especialmente os europeus, é criar ou desenvolver padrões que, na verdade, não reconhecem as nossas condições.

Valor: A velha barreira não-tarifâria. Como sair dessa armadilha?

Arbache: Eu acho que a saída está especialmente na maior e melhor coordenação dos governos da região e entre os governos e o setor privado. Eu acho que falta também uma maior integração com o capital estrangeiro. Eles têm muito a contribuir nessa agenda. E seguir buscando uma atuação para o setor público que seja condizente com a sua capacidade fiscal.

Valor: Mas, com tantas vantagens naturais, vai precisar de impulso fiscal?

Arbache: Não podemos nos ancorar essa agenda em subsídios e incentivos, porque não temos condição fiscal para isso. Mas alguns subsídios terão que ser dados, especialmente para setores emergentes. Teriam que ser subsídios transitórios com prazo definido e condições definidas.

Valor: Para quê?

Arbache: Por exemplo, no caso do hidrogênio. É possível que se precise de algum tipo de apoio no financiamento, de apoio de BNDES e outras fontes, como o BNB. De forma a reduzir ao menos parcialmente o custo do capital. Os grandes empecilhos a se produzir aqui são: custo do capital, número um e, número dois, a parte regulatória. Número três, os obstáculos internacionais que desviam investimentos que po-deriam vir para cá. O custo de capital elevado tem que ser compensado pelas demais vantagens que oferecemos. E essas deveriam ser geográficas e regulatórias.

Valor: O sr. falou do papel dos bancos de desenvolvimento como chamarizes de investimento privado. Pode dar alguns exemplos de negócios desse tipo que fez no CAF?

Arbache: Vou te dar alguns exemplos. Uma planta de celulose verde no centro do Uruguai, que foi o maior negócio da história do país, precisava de uma ferrovia para que se pudesse escoar a produção até o porto de Montevidéu. Entramos para botar de pé essa ferrovia, que foi inaugurada há um mês e meio. A produção está em vento e popa. No Paraguai, a CAF está trabalhando em uma agenda também múltipla de plantas de hidrogênio verde, plantas de fertilizantes, plantas de papel e celulose e outras. Tomando como base a disponibilidade de água e de energia verde. Isso já está acontecendo, não é que vai acontecer no futuro.

Valor: E no Brasil?

Arbache: A produção da Ace-len, que vai fazer diesel verde e SAF [Sustainable Aviation Fuel, "combustível do futuro"] em grande escala. A produção de fertilizantes em Uberaba [Minas Gerais], que vai precisar de uma planta de hidrogênio.

 


sábado, 13 de abril de 2024

O peso do passado na política industrial - Lu Aiko Otta (Valor Econômico)

O peso do passado na política industrial 

A recente experiência brasileira envolvendo o uso do poder do Estado para fortalecer a economia recomenda cautela

Lu Aiko Otta

Valor Econômico, 10/04/2024


Como parte da nova política industrial, o governo federal aceitará pagar até 10% mais caro em suas compras de produtos e serviços, se forem nacionais. O adicional poderá chegar a 20% se, além disso, houver desenvolvimento tecnológico local.

Parece bom, se o objetivo é fortalecer empresas nacionais e, melhor ainda, a pesquisa e a inovação. No entanto, a recente experiência brasileira envolvendo o uso do poder do Estado para fortalecer a economia recomenda cautela.

Na administração federal direta (que não envolve estatais), a definição de quais produtos e serviços poderão ser comprados com a margem de preferência de 10% a 20% ficará a cargo de uma comissão interministerial instalada há duas semanas.

“Com a instituição da comissão, busca-se melhorar a governança e dar maior transparência às políticas públicas desenhadas para potencializar o uso do poder de compra do Estado para a promoção do desenvolvimento sustentável”, disse à coluna o presidente do colegiado, Emílio Chernavsky. “Deve-se pontuar que tais políticas têm sido largamente utilizadas ao redor do mundo, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento.”

Os estudos que darão base às decisões da comissão serão tornados públicos. É uma opção mais transparente do que deixar a cargo de cada ministério a aplicação das margens, explicou um técnico.

Nos bastidores, é citada a frase atribuída a Louis Brandeis, que integrou a Suprema Corte dos EUA de 1916 a 1939. Disse ele que a publicidade é o melhor remédio para doenças sociais e industriais, a luz do sol é tida como o melhor dos desinfetantes e a luz elétrica é o melhor dos policiais.

Prevista em leis de 2010 e 2021, a margem de preferência é criticada por especialistas por admitir que o setor público pague mais caro em suas compras.

Os técnicos do governo relativizam essa avaliação. Sustentam que os produtos e serviços nacionais recolhem impostos aqui, o que também tem impacto fiscal.

Além disso, a margem de 10% seria uma forma de dar isonomia competitiva às empresas brasileiras, por juros e tributos mais altos aqui do que os cobrados no exterior.

Um estudo elaborado pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda em 2015 comprovou que a aplicação de margens de preferência ajudou a elevar a concorrência nas licitações, o que reduz preços. É algo que se observa em outros países que adotaram a ferramenta, disse um técnico. Outro efeito detectado em estudos é trazer mais micro e pequenas empresas para a disputa.

Uma dificuldade que se viu no passado, conta um integrante do governo, era determinar se o produto era mesmo fabricado no Brasil. A ideia agora é recorrer às bases de dados já existentes no governo para fazer a checagem. Por exemplo: o Credenciamento de Fornecedores Informatizado (CIF), do BNDES, ou cadastros da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Samuel Pessôa, chefe de pesquisa da Julius Baer Brasil e associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), comentou que, se as compras com margem de preferência envolvem um custo adicional, devem trazer retorno para a sociedade. No entanto, observou, o interesse público foi pouco defendido no passado.

As falhas ocorridas aqui são, possivelmente, referências mais relevantes do que o Inflation Reduction Act (IRA) dos Estados Unidos, lembrado pelo governo como uma prova de que não estão sendo criadas novas jabuticabas por aqui.

Mas é preciso ver no que vai dar o IRA, disse Pessôa. É algo novo, que se assemelha à política de formação de grandes empresas, na qual foram injetados 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no BNDES. Aqui, os resultados não foram bons, avaliou.

Um ponto que diferencia atual política industrial de suas antecessoras é seu pequeno impacto fiscal, destacou o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso. Enquanto o IRA despeja US$ 1 trilhão anualmente, aqui os empréstimos com subsídios somam R$ 25 bilhões ao ano.

No global, a atual versão contém outras características que Velloso considera necessárias a uma boa política: mira o topo da tecnologia, privilegia a inovação, foca no bem-estar da sociedade.

“Mas estamos aplainando o terreno, apenas”, comparou. “E a casa vai demorar a ficar pronta.”

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse há duas semanas em entrevista à CNN que o poder público passa por um processo de reeducação.

“Nós perdemos, lá atrás, a mão. Tínhamos uma construção que foi feita a partir do segundo mandato do presidente Fernando Henrique - não do primeiro, mas a partir do segundo mandato - que perdurou até 2013. A partir desse momento, eu acredito que foi-se... testando hipóteses que não promoviam o desenvolvimento e que depois eram difíceis de abandonar.”

Com um pouco de boa vontade, é possível ver sinais de que ajustes estão sendo feitos para não repetir desta vez o desastre econômico que se viu no segundo mandato de Dilma Rousseff. É cedo, porém, para saber se os cuidados serão suficientes.

 

 



quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

"Quase-moeda" que deu vida ao real, URV completa 30 anos, Edmar Bacha, entrevista - Lu Aiko Otta (Valor Econômico)

"Quase-moeda" que deu vida ao real, URV completa 30 anos

Depois de seis planos fracassados, país encontrou alternativa em ideia de dez anos antes, que favoreceu estabilidade e elegeu um presidente

 

Lu Aiko Otta/ Valor Econômico/ 27 de fevereiro de 2024


Não muito tempo atrás, funcionários de uma fazenda no interior de São Paulo pediram ao patrão para receber os salários em datas variadas. Era uma tentativa de driblar os supermercados, que sempre subiam os preços na véspera dos pagamentos. Assim era a vida no período da hiperinflação: uma corrida maluca entre salários e preços, na qual os trabalhadores sempre saíam perdendo.

Mal comparando, é a triste realidade vivida na Argentina nos dias de hoje. Enquanto aqui no Brasil a batalha é para colocar a inflação dentro da meta de 3% ao ano, lá a taxa chegou a 254% nos 12 meses encerrados em janeiro.

Porém, não é o caso de fazer como algumas torcidas de times brasileiros, que tripudiam dos hermanos queimando as desvalorizadas cédulas de peso. O Brasil passou por processo pior, com a taxa anual batendo nos 3.000%. Só se livrou da hiperinflação com a edição do Plano Real, em 1994, após uma sequência de seis tentativas fracassadas de estabilizar os preços (Cruzado, Cruzado II, Bresser, Verão, Collor I e Collor II) ao longo de cinco anos.

Na sexta-feira, 1-de março, completam-se 30 anos da entrada em vigor da Unidade Real de Valor (URV), uma "quase-moeda" que preparou o terreno para a chegada do real. Foi uma inovação que permitiu ao país migrar de uma economia com inflação muito alta, acima de 40% ao mês, para um cenário de taxas bem menores, sem choques nem congelamento de preços. Em julho de 1994, quando a URV deu lugar ao real, a taxa havia recuado para 6,84%. No mês seguinte, estava em 1,86%.

O Plano Real não só estabilizou preços como também foi ponto de partida para uma série de reformas que estão até hoje na base da economia brasileira. Além disso, elegeu um presidente: Fernando Henrique Cardoso, senador eleito pelo PSDB de São Paulo e ministro da Fazenda na elaboração do plano.

Nas palavras de um dos "pais" do Real, o economista Edmar Bacha, Fernando Henrique foi o "milagre" que viabilizou o plano. "Sem ele, nada disso teria acontecido", afirmou, em entrevista ao Valor. Outro "pai", Pérsio Arida, diz que a existência de uma liderança política capaz e de uma boa equipe técnica tomou possível o que parecia não ser.

O plano foi gestado no governo de Itamar Franco, que assumiu a Presidência da República em definitivo em dezembro de 1992, quando Fernando Collor de Mello renunciou ao cargo, às vésperas de o Congresso decidir seu impeachment. Itamar estava no cargo desde outubro daquele ano, quando Collor foi afastado em função do julgamento.

De início, Fernando Henrique chefiou o Ministério das Relações Exteriores. Mas, em maio de 1993, ficou sabendo por seu secretário-geral, Luiz Felipe Lampreia, que Itamar o havia anunciado como ministro da Fazenda. Perplexo,

telefonou para o presidente e ouviu como resposta: "Sua nomeação foi bem recebida". A história está no livro de memórias do ex-presidente: "A Arte da Política - A História que Vivi" (Civilização Brasileira, 2015).

FHC seria o quarto ministro da Fazenda de Itamar em oito meses de governo. Sua equipe trabalhava apenas aguardando a próxima crise para ir para casa.

De início, conta Bacha, integrante da equipe, a ideia era fazer um ajuste fiscal, algo que faltara nos planos de estabilização anteriores, e esperar o fim do mandato de Itamar. O ajuste veio com o Plano de Ação Imediata (PAI), cujo foco foi atacar o excessivo "engessamento" do Orçamento brasileiro. Na época, o Congresso concordou que 20% das verbas com destino obrigatório fossem livremente alocadas pelo governo.

"O pessoal fala que o PAI foi a preparação do Real, não foi nada", afirma Bacha. "O PAI era o que achávamos que dava para fazer, até que tivéssemos na Presidência alguém que entendesse do riscado, com quatro anos pela frente."

Essa ideia de deixar a estabilização para depois foi abandonada porque Fernando Henrique percebeu que estava diante de uma oportunidade política única, revela Bacha. "Ele era muito respeitado no Congresso, na sociedade e tinha uma relação especial com o Itamar."

A equipe precisava ser reforçada. Isso, porém, pareceu desnecessário no início de setembro de 1993, quando Itamar demitiu o então presidente do Banco Central, Paulo César Ximenes, por divergência envolvendo uso de cheques pré-datados.

"Quando o Itamar demitiu o Ximenes, eu falei: "Bom, ok, vamos embora para casa. Acabou a brincadeira"", conta Bacha. "E aí que aconteceu essa coisa maluca, inexplicável, um milagre."

FHC foi conversar com o Itamar. "Deve ter dito que ia se demitir", arrisca. Naquele momento, o risco que Itamar corria, caso perdesse seu ministro da Fazenda, era entrar em um processo de enfraquecimento político que poderia terminar em impeachment. Independentemente do diálogo que possa ter havido, o fato é que Fernando Henrique saiu da audiência com carta branca para tocar o plano.

Nessa condição, foi possível a ele trazer para seu time o economista Pedro Malan, então negociador da dívida externa brasileira, para comandar o Banco Central. E Pérsio Arida para a presidência do BNDES.

A URV foi inspirada em um paper que havia sido escrito dez anos antes, em 1984, pelos economistas Pérsio Arida e André Lara Resende. Eles propuseram um plano de estabilização que ficou conhecido como "Larida". A ideia era romper a dinâmica de alta de preços criando um sistema com duas moedas: a antiga, inflacionada,  e uma nova, que teria seu valor corrigido diariamente. No Plano Real, a moeda corrigida foi a URV, inicialmente, e depois o real.

Em 1º de março, uma URV valia 647,50 cruzeiros reais, equivalente à cotação de um dólar. Salários, benefícios previdenciários e contratos do setor público foram convertidos em URVs. Assim, ficaram com seu valor protegido contra a inflação, enquanto os preços seguiram na moeda antiga. Os assalariados perceberam vantagem com o plano. Frango e iogurte entraram no carrinho das famílias de baixa renda.

Bacha aponta para uma espécie de simbiose: o Plano Real pavimentou o caminho para que Fernando Henrique vencesse as eleições. Por outro lado, o plano não teria sobrevivido sem a vitória do tucano.

O Real escapou da sina dos planos anteriores, de funcionar por um tempo e depois naufragar, porque as circunstâncias políticas permitiram que fosse consolidado. Foi um trabalho que durou os oito anos dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Envolveu uma série de medidas para modernizar a economia, como as privatizações, a criação das agências reguladoras e adoção do tripé macroeconômico que persiste até hoje: câmbio flutuante, o uso da taxa de juros para combater a inflação e superávit fiscal.

Nesse sentido, o Real foi uma política de Estado, avalia Joelson Sampaio, professor da Fundação Getulio Vargas. "É um legado que nenhum governo teve a ousadia de mudar", afirma. O sistema de metas de inflação baseado na taxa de juros é alvo de críticas, diz, mas é algo que traz o benefício de controlar a inflação.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Seleção para novo presidente do BID prossegue e Ilan é sabatinado - Lu Aiko Otta (Valor)

 Seleção para novo presidente do BID prossegue e Ilan é sabatinado


Processo de escolha que tem o brasileiro Ilan Goldfajn como candidato não foi adiado, como queria o ex-ministro Guido Mantega

Por Lu Aiko Otta — De Brasília
Valor, 14/11/2022 05h00  Atualizado há 3 horas

O processo de escolha do novo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) prosseguiu normalmente, apesar da articulação do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega para adiar a eleição. Os cinco candidatos foram sabatinados por integrantes dos 48 países sócios. Foi uma reunião que durou seis horas e na qual o candidato brasileiro, o expresidente do Banco Central Ilan Goldfajn, se sobressaiu, segundo avaliou um espectador. Não sendo mais possível adiar a eleição, marcada para domingo, ou trocar candidatos, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta o seguinte dilema: ou apoia Ilan ou apoia um candidato estrangeiro.

Segundo se avalia nos bastidores, o Brasil nunca esteve tão perto de presidir o BID. Seria uma oportunidade para Lula iniciar o governo com o país no comando da maior instituição financeira multilateral da América Latina.

Na sabatina, Ilan foi o único dos candidatos a fazer uma apresentação estruturada sobre como o BID pode ajudar os países da região, disse a fonte. Os demais leram discursos. 

No momento em que as mudanças climáticas são tema urgente, por causa de seu impacto econômico no Caribe, Ilan trouxe sua experiência como embaixador da Fundação Amazônia Sustentável e expôs ideias de preservação.

Falou sobre programas de combate à pobreza e à desigualdade e sobre inclusão financeira. Expôs planos para fazer com que o capital do banco, insuficiente ante as necessidades da região, seja usado para alavancar projetos de investimento com participação privada.

A larga experiência de Ilan nos setores financeiros público e privado é um ponto que eleva as chances de ele ter sua candidatura apoiada pelos Estados Unidos.

O país é decisivo no processo eleitoral, pois detém a maior parcela do capital do banco, o que determina que seu voto tem mais peso. O país não se posicionou oficialmente.

Nos bastidores, integrantes do governo norte-americano deram sinais favoráveis a Ilan. Eles buscam um perfil de alta qualificação e eminentemente técnico, depois do desgaste de ver seu indicado para o cargo, Maurício Claver-Carone, ser demitido por problemas éticos.

Também disputam o posto: Cecilia Todesca Bocco, pela Argentina, Gerard Johnson, por Trinidade e Tobago, Gerardo Esquivel Hernández, pelo México, e Nicolás Eyzaguyirre Guzmán, pelo Chile.

https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/11/14/selecao-para-novo-presidente-do-bid-prossegue-e-ilan-e-sabatinado.ghtml

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Ingresso na OCDE: etapas iniciais do Brasil - Lu Aiko Otta (Valor)

 Países ricos reavaliam relação com Brasil, afirma Guedes

Na visão de ministro, país nunca foi tão respeitado no exterior

Por Lu Aiko Otta — De Brasília
Valor Econômico, 07/10/2022

Os países mais avançados estão reavaliando as relações com o Brasil, que em breve poderá ser o único a integrar o G20, o Brics e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), disse ontem ministro da Economia, Paulo Guedes.

A afirmação foi feita durante solenidade no Palácio do Planalto em que foi anunciada a entrega do “memorando inicial”, um relatório de mais de mil páginas que informa o quanto o Brasil está de acordo com as práticas adotadas pelos países-membros da OCDE. Isso é parte do processo de ingresso no organismo.

“Já é quase outro portal de entrada de acesso, quem sabe, ao Conselho de Segurança da ONU”, disse o ministro. A conquista de uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU foi um dos pilares da política externa dos governos do PT. Já o ingresso na OCDE não era prioridade. No de Michel Temer e no de Jair Bolsonaro, a acessão à OCDE tem funcionado como espécie de guia para as principais reformas econômicas.

Encaminhado ontem, o “memorando inicial” informa que, dos 230 instrumentos definidores para o ingresso do Brasil na OCDE, o país já aderiu a 108. Outros 45 estão em avaliação pela organização. Faltam, portanto, 77. “O Mathias Cormann insinua que o Brasil está bem à frente dos demais candidatos”, disse Guedes, referindo-se ao secretário-geral da OCDE.

A partir da entrega do memorando inicial, começa uma interação entre o Brasil e a organização. É um processo que normalmente levaria de dois a cinco anos, afirmou o ministro. “Temos confiança de que será substancialmente encurtado.”

Segundo o ministro da Economia, o Brasil nunca esteve tão respeitado no exterior. Ele disse que o desempenho do país tem sido reavaliado, pelo fato de haver vacinado uma elevada parcela de sua população e atravessado as ondas da covid e da recessão pós-pandemia.

“Estamos crescendo”, disse. “Tirando o Japão, teremos inflação menor do que os países do G7.” O Brasil criou mais empregos do que EUA, Alemanha e o Reino Unido juntos, frisou. O ministro das Relações Exteriores, Carlos França, disse que a acessão à OCDE é um antigo sonho do Itamaraty, que deu os primeiros passos nessa direção em 1991.

O país terá acesso às melhores práticas no mundo em áreas que não são só a econômica, mas também no meio ambiente, nuclear e outras, comentou. Com isso, segundo França, governo e iniciativa privada estarão equipados para fazer as reformas internas necessárias.

A entrada do Brasil na OCDE é importante também para a organização, disse o chanceler. Ele afirmou que o país tem muito a contribuir com sua política ambiental, seu peso econômico e comercial. O desmatamento tem sido um ponto de resistência ao Brasil entre os demais membros da OCDE.

O governo deverá editar “nas próximas semanas” uma medida provisória tratando das regras de preços de transferência, disse o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys. Ele afirmou que esse é um ponto “importantíssimo” e “dos mais difíceis de superar”. Por isso tem sido tratado com prioridade por toda a equipe do Ministério da Economia, inclusive a Receita.


quarta-feira, 22 de outubro de 2014

A destruicao dos bancos publicos pelos companheiros incompetentes...

Digo destruição sem a menor hesitação. Quando se fizer a devassa, vai se constatar que houve uma verdadeira "derrama", no sentido inverso, na maior parte desses bancos.
Provavelmente, o Tesouro, mais uma vez, e isto significa todos nós, vai ter de cobrir os rombos que os companheiros, não contentes de assaltar a Petrobras, fizeram na Caixa e, em parte, no Banco do Brasil. No BNDES a situação é diferente, mas não menos preocupante.
Não tenham nenhuma dúvida.
Os CRIMES ECONÔMICOS do lulo-petismo vão deixar uma herança pesada para todos nós. Provavelmente vai se passar todo o primeiro ano de governo tentando limpar as estrebarias que os petistas deixaram regurgitando de esterco corrupto.
Paulo Roberto de Almeida

Tucanos planejam auditoria na Caixa e no BNDES
Lu Aiko Otta
O Estado de S. Paulo, 21 Outubro 2014

Economistas da equipe de Aécio consideram a medida fundamental para conhecer a real situação dos dois bancos

A equipe econômica do candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, já escolheu a primeira coisa a fazer, caso ele vença as eleições: uma devassa nas contas da Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo auxiliares do candidato, a ordem é começar a trabalhar nisso “já na próxima segunda-feira”.

Os integrantes da equipe econômica do tucano estão convencidos de que esses dois bancos públicos acumulam um grande volume de valores a receber do Tesouro Nacional, sem que se saiba exatamente quanto.

Esses créditos são fruto de programas que cobram juros abaixo do mercado como o Minha Casa Minha Vida e o Programa de Sustentação de Investimentos (PSI).

Para manter o juro baixo, governo precisa pagar um subsídio. Ou seja, ele “banca’’ parte da bondade com recursos públicos, saídos do Tesouro Nacional, que são entregues aos bancos que fazem o empréstimo. Mas, já há alguns anos, a área econômica vem segurando o repasse dos subsídios. Isso é facilitado pelo fato de ficar tudo “em casa’’, pois quem deixa de receber são bancos públicos.

Especialistas de fora do governo acreditam que o maior volume de subsídios não pagos esteja no BNDES. O economista Felipe Salto, da consultoria Tendências, calcula que sejam R$ 28,8 bilhões. Mas há, na equipe de Aécio, grande preocupação com a Caixa, cuja contabilidade é menos transparente.

Ajuste. “A primeira coisa é saber o tamanho da encrenca’’, diz um auxiliar tucano. Essa informação é fundamental para dar aos agentes de mercado a informação mais aguardada: o plano de voo do ajuste das contas públicas.

Em outras palavras, o que será feito para atingir o objetivo já anunciado de, no prazo de dois a três anos, produzir um saldo nas contas públicas grande o suficiente para conter o crescimento da dívida pública.

Depois de duas décadas comportada, a dívida começou a aumentar este ano. Em setembro, ela estava em 35,9% do Produto Interno Bruto (PIB), depois de haver iniciado o ano em 33,1% do PIB. Esse crescimento se dá porque a economia que o setor público faz não é suficiente para pagar nem os juros.

Para controlá-la, será preciso apertar o cinto ou arrecadar mais.  Pelos cálculos do economista Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica e atual vice-presidente do Insper, a economia, chamada de resultado primário, teria de ser da ordem de 2,5% do PIB. No dado oficial mais recente, o saldo acumulado em 12 meses estava em 0,94% do PIB. Mas há suspeita generalizada entre os especialistas de que, na ponta do lápis, o resultado esteja negativo.

Isso porque o atraso no pagamento de subsídios é apenas uma das manobras a que o governo recorreu para melhorar artificialmente o resultado oficial das contas públicas, segundo demonstraram várias reportagens que o Estado publicou ao longo deste ano. Outra foi exigir dos mesmos bancos, Caixa e BNDES, o pagamento antecipado de dividendos.

Segundo informações da área técnica, a Caixa teria sido levada também a pagar benefícios sociais, como abono e seguro-desemprego, sem haver recebido do Tesouro os recursos para isso - um mecanismo batizado de “pedalada’’. Nos bastidores, a informação é que o fluxo teria sido regularizado em agosto.

Meta. O propósito da equipe de Aécio Neves é limpar as contas públicas de todos os truques desse tipo, conforme consta do programa econômico divulgado pelo candidato. “Esta é uma necessidade absoluta para a construção de um regime macroeconômico robusto e para que se cumpra a Lei de Responsabilidade Fiscal’’, diz o documento.

Paralelamente ao levantamento da real situação das contas públicas, a ordem é acelerar a elaboração da proposta de reforma tributária, que Aécio prometeu enviar ao Congresso no início de seu mandato.

A proposta já está delineada do ponto de vista técnico. Mas como o candidato aparecia em terceiro lugar nas pesquisas às vésperas do 1.º turno, os trabalhos foram desacelerados.

A ideia agora é dialogar com os especialistas que já estiveram envolvidos nas tentativas anteriores. E, assim, saber quais são os principais obstáculos.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

BNDES: seu desmantelamento na gestao companheira

Patrimônio do BNDES recua 38% com dividendos ao governo e perda na Bolsa

Lu Aiko Otta
O Estado de S.Paulo07 de julho de 2013 

Em dois anos, patrimônio líquido do banco caiu de R$ 75,6 bilhões para R$ 46,8 bilhões, o que, segundo economistas, pode ter impacto no mercado de crédito


BRASÍLIA - Na contramão do mercado, o patrimônio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) encolheu 38% entre março de 2011 e março de 2013, enquanto a média de cinco grandes bancos públicos e privados registrou crescimento de 25%. É o que mostra levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Para os economistas José Roberto Afonso e Gabriel Leal de Barros, ambos do Ibre, essa é uma clara evidência de que o governo está enfraquecendo os bancos públicos, principalmente o BNDES, com sua política de recolher dividendos antecipados. Essa é a tese que eles defendem no estudo Receitas de Dividendos, Atipicidades e (Des) Capitalização.
"O governo fala em capitalização, mas na verdade o que está acontecendo é descapitalização", frisou Afonso. "O Tesouro sacou reserva de lucro acumulado sem um aumento de capital compatível com o crescimento do crédito." Outra causa para esse desempenho são as "violentas" perdas sofridas pelo banco com ações de Petrobrás, Embratel e Vale, por exemplo. Para ele, essa perda de fôlego pode ter consequências negativas no mercado de crédito.
Questionado, o BNDES apontou as perdas no mercado acionário como a principal causa para a redução do patrimônio. "O impacto negativo dessa oscilação no patrimônio líquido do BNDES foi de R$ 23 bilhões, quase o dobro do que foi pago em dividendos líquidos de aumento de capital no mesmo período", diz o banco. "Portanto, é equivocado atribuir a redução do patrimônio líquido, majoritariamente, à distribuição de dividendos nos anos citados."
Queda. De acordo com o levantamento, o patrimônio líquido do BNDES caiu de R$ 75,602 bilhões em março de 2011 para R$ 46,799 bilhões em março passado, uma redução de 38%. No mesmo período, o Itaú Unibanco registrou aumento de 17% em seu patrimônio e o Bradesco, de 35%. O patrimônio líquido do Banco do Brasil teve expansão de 19%.
O patrimônio menor diminui a capacidade de o banco emprestar. As instituições brasileiras precisam seguir regras internacionais de prudência na concessão de crédito. Elas seguem o Acordo de Basileia, cuja norma básica é que, para cada R$ 100 emprestados pelo banco, ele precisa ter um patrimônio de pelo menos R$ 11. Nesse exemplo, o banco teria um Índice de Basileia de 11%.
No caso do BNDES, esse índice recuou de 21,9% em março de 2011 para 14,5% em março deste ano. "Eu não questiono o índice, que ainda está acima do mínimo permitido, mas a trajetória", observa Afonso. Foi uma queda de 34% em apenas dois anos.
De acordo com informações da área econômica, o índice do BNDES caiu ainda mais. Não foi por acaso que o governo editou, no início de junho, a Medida Provisória 618, que autoriza o Tesouro a aumentar o capital da instituição em R$ 15 bilhões. A explicação oficial é exatamente de que o dinheiro será injetado para melhorar o Índice de Basileia do banco.
Um eventual estreitamento na possibilidade do BNDES de emprestar afetaria a principal aposta do governo para "virar" o humor na economia: o programa de concessões em infraestrutura.
Apenas em rodovias e ferrovias, o investimento previsto é de R$ 133 bilhões, dos quais R$ 79,5 bilhões ocorreriam nos próximos cinco anos. A promessa é que o banco de desenvolvimento financiará 70% dos empreendimentos - ou o equivalente a R$ 93,1 bilhões.