O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Bretton Woods revisited, 70 years later: proceedings of the conference

Eu até recebi o convite para ir, mas no mesmo momento estava atravessando por uma segunda vez os Estados Unidos, e já tinha estado no New Hampshire duas vezes, para ver os locais da conferência.
Aqui estão as transcrições do evento.
Permito-me informar que preparei um artigo: “O FMI e o Brasil:  encontros e desencontros em 70 anos de história” (Hartford, 30 julho 2014, 24 p.) que traça um itinerário histórico do FMI, desde Bretton Woods, e segue os acordos feitos pelo Brasil, com ênfase nas diferentes fases das políticas econômicas. Foi encaminhado para número especial da revista FGV-Direito, sob o título de “O Brasil e o FMI desde Bretton Woods: 70 anos de História”. 
Paulo Roberto de Almeida

The Center for Financial Stability (CFS) is grateful to many speakers and delegates for the success of the working conference
"Bretton Woods 2014: The Founders and the Future."

Delegates actively focused on the future of finance and the international monetary system to contemplate policies to foster global financial stability, growth, and cooperation.  We also honored and rested on the vision and leadership demonstrated 70 years ago at the historic Mount Washington Hotel.  Honorary Committee member Randy Quarles captured the spirit of the discussions by invoking an old Greek proverb:

"Society grows great when old men plant trees whose shade they know they shall never sit in."

For links to speeches, papers, videos, and images from Bretton Woods 2014, please visit
http://centerforfinancialstability.org/bw2014.php

Select remarks and speeches include:

Welcome Message
Jacques de Larosiére - Managing Director of the IMF (1978 - 1987)

Future Prospects for the World's Foreign Exchange System
Otmar Issing - Member of the Executive Board of the ECB (1998 - 2006)

Nice-Squared (Near an Internationally Cooperative Equilibrium)
John B. Taylor - Professor of Economics at Stanford University

A Few Thoughts on the Current International Monetary System
Liu Mingkang - Member, 17th Central Committee of the Communist Party of China

Bretton Woods Reconsidered: The Dollar Standard and the Role of China
Ronald I. McKinnon (***) - Professor of International Economics at Stanford University

Marriner Eccles: Father of the Modern Federal Reserve
Spencer F. Eccles - Chairman Emeritus, Wells Fargo Intermountain Banking Region

Critical Issues for the Bretton Woods Institutions
William R. Rhodes - President and CEO of William R. Rhodes Global Advisors

Ideas for Today from the British Delegation of 1944
Charles Goodhart - Member of the Bank of England's Monetary Policy Committee (1997 - 2000)

Mexico’s Role at Bretton Woods: An Assessment 70 Years Later
Francisco Suárez Dávila - Ambassador of Mexico to Canada

In Light of Recent Experiences: Is There a Future for International Cooperation?
Ernesto Zedillo - President of Mexico (1994 - 2000)

What Have We Learned about Bretton Woods from Recent Research?
Eric Helleiner - Author of "Forgotten Foundations of Bretton Woods"
Eric Rauchway - Author of "The Money-Makers: The Invention of Prosperity"
Kurt Schuler - Finder and editor of "The Bretton Woods Transcripts"

Thoughts on World War II in July 1944
Carole Brookins - U.S. Executive Director of the World Bank Group (2001 - 2005)

Summary and Next Steps
Randal K. Quarles - Under Secretary for Domestic Finance, U.S. Treasury (2005 - 2006)

We are grateful to the Marriner S. Eccles Foundation, BNY Mellon, the Citrone Foundation, and the Y.A. Istel Foundation in honor of André Istel for their vision and support of Bretton Woods 2014.

Sincerely yours,
Lawrence Goodman

(***) We are saddened by the loss of Professor Ron McKinnon, who enthusiastically shared his intelligence and humor with colleagues in New Hampshire earlier in the fall.

--
Lawrence Goodman
President
Center for Financial Stability, Inc.
1120 Avenue of the Americas, 4th floor
New York, NY 10036

www.CenterforFinancialStability.org
The Center for Financial Stability is a nonprofit, nonpartisan, independent think tank dedicated to financial markets for the benefit of investors, officials, and the public.

domingo, 2 de novembro de 2014

Diplomacia companheira, ou: como meter os pes pelas maos e sair humilhado - livro de L.F. Lampreia

Apenas transcrevendo, sem muitos outros comentários sobre esse episódio específico. Acho que o essencial já está dito aí, pelo menos no que concerne a patética aventura iraniana dos companheiros.
Mas, existem muitos outros episódios que ainda necessitam de esclarecimentos, e duvido que existam registros escritos sobre determinadas questões controversas. Não preciso citar quais, os entendidos saberão quais são, algumas na região, outras fora dela...
Um dia a história se escreverá, e ela não os absolverá...
Paulo Roberto de Almeida

COBERTURA ESPECIAL - Nuclear - Inteligência

02 de Novembro, 2014 - 13:00 ( Brasília )

Diplomacia - Aposta em Teerã: A sombra do fracasso

Em Aposta em Teerã, o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia revela que não foi por falta de aviso que o episódio mais humilhante da diplomacia lulista ocorreu

Presidente Luis Inacio Lula da Silva, Presidente Iraniano Mahmoud Ahmadinejad, em Teerã, 16 Maio 2010.

DIOGO SCHELP

Em Aposta em Teerã, o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia revela que não foi por falta de aviso que o episódio mais humilhante da diplomacia lulista ocorreu
Apolítica externa no governo de Luiz Inácio Lula da Silva ficou conhecida como "diplomacia megalonanica". "Megalo" por suas pretensões de alterar o equilíbrio de poder entre países ricos e emergentes, de solucionar conflitos que se arrastam por décadas e de reivindicar para o Brasil uma liderança não apenas regional, mas global.

"Nanica" porque, na prática, o soft poder brasileiro, ou seja, o poder de influenciar nações sem o uso da ameaça militar, é insuficiente para atingir os objetivos grandiosos pretendidos pelo lulopetismo.

Em seu livro Aposta em Teerã (Objetiva; 152 páginas; 24,90 reais), que chega nesta semana às livrarias, Luiz Felipe Lampreia evita usar expressão tão irônica — e, por isso mesmo, tão eficiente em sintetizar a visão de mundo de Lula e de seus conselheiros internacionais.

Sua análise do maior fracasso da diplomacia da era Lula, a tentativa de solucionar o impasse em torno do programa nuclear iraniano, em 2010, dá mais voltas, mas chega à mesma conclusão. Escreve Lampreia: "O governo do presidente Lula sempre foi caracterizado por um forte desejo de protagonismo diplomático. No caso do Oriente Médio, demonstrou um excesso de voluntarismo, que se revelou gratuito e inútil. No caso do Irã, fez uma leitura por demais otimista do nosso papel internacional". Eis uma descrição diplomática do que é ser megalonanico.

Lampreia chefiou o Itamaraty entre 1995 e 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso, período que Celso Amorim, o chanceler de Lula, depois afirmou ter sido marcado por uma diplomacia tímida e de subordinação "aos ditames de outras potências". Na verdade, era apenas uma política externa que não se subordinava a interesses partidários.

Com os contatos que ainda mantêm no meio diplomático, Lampreia reuniu informações de bastidores que demonstram como o anseio pelo protagonismo impediu que Amorim e Lula percebessem que as negociações com o Irã, em parceria com a Turquia, eram uma armadilha.

Um pouco antes de desembarcar em Teerã, Lula esteve na Rússia, ocasião em que o presidente Dimitri Medvedev alertou o colega brasileiro em conversa reservada que "o jogo já estava jogado" e que os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha, já haviam concordado em impor novas sanções econômicas ao Irã.

De nada adiantava, portanto, Lula arriscar a sua projeção externa em um acordo pífio com o Irã. Depois, durante as duras negociações em Teerã, em diversos momentos os representantes iranianos perguntavam aos brasileiros e aos turcos se os americanos aprovavam o que estava sendo discutido ali.

Afinal, sem o consentimento dos Estados Unidos, a suspensão das sanções, objetivo maior dos iranianos, jamais poderia ocorrer. Amorim garantia-lhes, enfaticamente, que sim. Ele estava se baseando em uma carta que o presidente Barack Obama escreveu para Lula, discorrendo sobre os planos do brasileiro de negociar com o Irã.

 Lampreia demonstra de maneira muito didática que Amorim fez uma interpretação equivocada da carta de Obama. Em 17 de maio de 2010, divulgou-se a Declaração de Teerã, pela qual os aiatolás entregariam 1200 quilos de urânio enriquecido para ser guardado na Turquia. No dia seguinte, Amorim recebeu uma ligação de Hillary Clinton, secretária de Estado americana, desautorizando o acordo. Lula saiu humilhado do episódio.

 Foi a última grande aventura diplomática de seu governo. A sombra do fracasso em Teerã acompanha a diplomacia petista desde então.

Dados Livro

Aposta em Teerã
Editora Objetiva
152 páginas
R$ 24,90

Nota DefesaNet


A aventura diplomática de Lula, Amorim e Marco Aurélio Garcia teve e tem consequências diplomáticas muito profundas.

O Brasil, por muito pouco, não foi colocado em quarentena pela comunidade internacional devido a aproximação com o Irã.

Até o momento pairam grandes suspeitas sobre as ações diplomáticas do Brasil. Vários projetos estratégicos brasileiros são monitorados mais de perto devido a esta aventura.

Dicionário Político dos Novos Pecados Capitais (2006) - Paulo Roberto de Almeida


Um texto ainda mais antigo, da época do Mensalão, que, visto retrospectivamente, parece brincadeira de criança perto do Petrolão e de outras coisas ainda piores, das quais sequer desconfiamos.
Enquanto o castigo não vem, nossa única arma é a denúncia, a demonstração de que estamos conscientes de que eles são patifes, e sempre serão.
Paulo Roberto de Almeida
 
Dicionário Político dos Novos Pecados Capitais

Paulo Roberto de Almeida

Como todos sabem, os sete pecados capitais da tradição cristã são, sem ordem particular de prioridade, os seguintes:
1) inveja
2) avareza
3) cobiça
4) orgulho (ou soberba)
5) preguiça
6) luxúria e
7) gula

Sobre eles não precisamos nos alongar indevidamente, tendo em vista toda a exegese já registrada na história, a começar por São Tomás de Aquino até exemplos mais recentes na literatura. Pode-se questionar, inclusive se esses “pecados” continuam sendo “capitais” ou se a sua presença na vida diária já não vem sendo admitida com alguma tolerância pelos mais diversos personagens da vida pública. Afinal de contas, todos eles, com alguma discrição para a luxúria, vêm sendo exibidos por esses personagens, até mesmo com certa desfaçatez, sem que autoridades morais ou religiosas venham a público condenar atos e atores com a veemência que seria de se esperar.
Deixando de lado esses pecados da velha tradição, proponho-me agora listar alguns novos pecados da moderna vida política, da brasileira em particular. Os políticos, em geral, exibem uma penca deles, não todos os políticos, em bloco, nem todos os pecados, ao mesmo tempo, mas vários desses  personagens da vida pública ostentam alguns de forma cumulativa e, o que é pior, de maneira reincidente.
Não vou deter-me agora sobre casos concretos da vida pública brasileira, tanto porque eles estão sendo expostos de maneira recorrente, nas comissões parlamentares de inquérito e nas páginas da imprensa e em outros meios de comunicação.
Parafraseando uma frase famosa, pode-se dizer que nunca, tantos podres da vida pública foram assumidos de forma tão aberta, para o conhecimento de tantos cidadãos, estupefatos. Assistimos, desde vários meses, a uma enxurrada de denúncias, várias delas já substanciadas por provas contundentes, sem que se tenha visto, até aqui, nenhuma condenação moral, ou qualquer condenação de fato. Resta saber se velhos e novos pecados serão, de alguma forma, julgados e condenados no futuro previsível.
Esperando que chegue o “dia do julgamento final”, proponho-me, assim, a apresentar alguns novos pecados da vida política brasileira que, numa lista não exaustiva, poderiam ser identificados com os seguintes:

1) corrupção
2) hipocrisia
3) fraude
4) desfaçatez
5) volubilidade
6) inconstância
7) mentira
8) mediocridade
9) transferência de encargos para terceiros
10) ignorância deliberada de fatos de sua competência
11) irresponsabilidade quanto ao desempenho de funções
12) pretensão
13) eleitoralismo desenfreado
14) propaganda indireta, com meios públicos
15) uso da máquina estatal para fins particulares
16) populismo (velho e novo)
17) demagogia (aparentemente, uma segunda natureza)
18) arrogância
19) clientelismo
20) fisiologia
21) nepotismo
22) fuga da realidade (autismo político)
23) esquizofrenia (defesa de objetivos conflitantes na vida política)
24) ofensa à inteligência alheia (“eu não sei”, “eu não vi”, “não estou sabendo”...)

Paro provisoriamente por aqui, e não pretendo, no momento, elaborar sobre cada um desses novos pecados, esperando ao menos que eles sejam auto-explicativos. Os fatos que poderiam substanciar cada um desses verbetes do novo dicionário de costumes políticos da vida brasileira são conhecidos de todos e não requerem nova descrição.
Termino parafraseando Dante Alighieri (1265-1321), o poeta italiano autor de “A divina comédia”, que numa de suas frases memoráveis disse o seguinte: “Não menos do que saber, me agrada duvidar.”

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 de janeiro de 2006

Costumes petistas: comparar com ma-fe e iludir com os numeros - Paulo Roberto de Almeida

Passei uma parte da noite argumentando com um desses jovens e ingênuos companheiros, que armados apenas dos panfletos mentirosos da sua tribo, tentava mais uma vez me provar como o ancien régime neoliberal dos tucanos foi um horror econômico, e como tudo melhorou na gestão lulo-petista, para maior felicidade de todos neste país tão unido em torno das maravilhas que eles realizaram nesse novo regime do Nunca Antes.
Já sei que não adianta tentar convencer um petista: convertidos nunca se convencem, pois eles têm a verdade revelada, a luz imbatível das certezas incorrigíveis, e alguns números na mão, que eles torturaram para desvendar o reino das realizações mirabolantes.
Como eu conheço também todos os números, me seria seria fácil provar que eles estão errados. Seria fácil, mas custoso, pois primeiro precisaria demonstrar, com outros números à mão, que eles fazem "comparações" com base em valores nominais, não deflacionados, ou não corrigidos, que eles retiram as estatísticas do contexto para simplesmente agitar dois números discrepantes, que eles constroem, enfim, dados que não existem sem as muletas da má-fé e da distorção quantitativa.
Eu conheço isso de longe, e já assisti desde o início.
Aliás, todos nós, ou quase todos, saudamos o advento da era da justiça social, da ética na política e de todas aquelas promessas que iriam, finalmente, redimir o país da desigualdade, da corrupção, do fisiologismo, enfim, das trapaças habituais dos políticos.
Mal sabíamos o que nos esperava, que aliás começou em seguida, com a tal história da "herança maldita", uma das coisas mais sórdidas e mais desonestas que eu já vi, sendo proclamada o tempo todo, contra todas as evidências.
A desonestidade continuou, durante todo o primeiro mandato daquele que passou a ser chamado de Apedeuta, por Janer Cristaldo (a quem pago o copyright pela criação da expressão). Na campanha de 2006, os petistas soltaram uma das brochuras comparativas mais mentirosas que me foi dado ver com estes olhos de simples professor de economia, acostumado a lidar com os números das contas nacionais e das transações externas todos os dias, por força de ofício e de interesse intelectual.
Essa brochura, que devo ter ainda entre meus pertences me convenceu, em definitivo, que estávamos em face de um partido e de pessoas profundamente desonestas, que não hesitariam diante de nada para falsear a realidade para suas finalidades políticas.
Escrevi, então, o texto que vai abaixo, que ficou praticamente sem divulgação na ocasião, e que recupero agora de meus arquivos eletrônicos. Lamento não ter achado a brochura original do PT, para demonstrar como o exercício de mistificação era realmente escandaloso.
A partir daí, confesso que cansei de desmentir os companheiros, inclusive porque seria inútil: eles continuam, como vimos ainda agora, na campanha de 2014 (e foi assim também na de 2010), a mentir sobre a base de construções estatísticas manipuladas, e distorcendo os números.
Creio que por força do Apedeuta, eles têm uma obsessão pscicológica contra o FHC, pois não adianta estarmos há mais de 12 anos distante daqueles anos, eles voltam repetidamente a falar dos anos FHC, como se tivessem sido o horror na Terra, e eles tivessem vindo para inaugurar o Eden. Deve ser algum problema mental do chefe, um ódio incontido do sociólogo ex-presidente, que só o Apedeuta pode explicar de onde vem exatamente.
Em todo caso, parei de desmentir bandidos dessa laia, pois não adiantaria muito.
Mas, como passei metade da noite, hoje, tentando justamente educar um ingênuo, e tendo achado este texto nos meus arquivos, permito-me transcrevê-lo aqui apenas como registro histórico, já que ele fala de uma patifaria de oito anos atrás (mas elas continuaram no mesmo estilo, até piorando).
Fico por aqui, mas prometo escrever um dia um ensaio de cunho kafkiano, para tratar da questão.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 2/11/2014


Desconstruindo o Brasil: como iludir com números

Paulo Roberto de Almeida 

A liderança do PT na Câmara dos Deputados anunciou o lançamento, em 12 de julho de 2006, do livro “Governo Lula: a construção de um Brasil melhor - a verdade dos números”. Com ele, a bancada do PT na Câmara pretende fazer, com fins nitidamente eleitoreiros, um balanço das realizações do governo Lula, comparando-as com os dois mandatos do governo FHC.
Já se sabia que o PT, em geral, e Lula, em particular, eram obsecados por uma suposta herança “maldita” que lhes teria sido legada pelo antecessor de oito anos. O que não se sabia era que eles se dedicariam a arranjar números e a fabricar comparações para “provar” que o governo atual faz muito melhor do que tudo que se fazia antes, aliás, desde o descobrimento do Brasil.
O líder petista naquela casa legislativa pretende que são “dados à prova de balas” e que o PFL e o PSDB pretendem deles fugir “como o diabo foge da cruz”. Ele esqueceu-se apenas de mencionar que a maior parte dos dados negativos no período imediatamente anterior à eleição e posse de Lula pode ser justamente explicada pela deterioração sensível experimentada pela economia brasileira em face da perspectiva da vitória eleitoral do partido que prometia “mudar tudo isso que (estava) aí”, inaugurando uma era de ruptura econômica e de revisão fundamental dos compromissos externos do Brasil. 
O livro talvez seja mais relevante pelo que ele NÃO mostra do que pelo que ele efetivamente mostra, ou seja, um conjunto de dados estatísticos e de séries históricas habilmente arranjados – em gráficos, histogramas e tortas coloridas – para dar essa impressão de progresso notável nos números e nas tendências nos últimos três anos e meio. O PSDB vai provavelmente arranjar outros números e um conjunto alternativo de fatos para “provar” que muito do que se apresenta hoje como sucesso econômico  e conquistas sociais representa, na verdade, uma herança “bendita” das sementes plantadas anos atrás, com o que os dois principais partidos brasileiros terão dado sua contribuição original para a velha arte de enganar com os números e de iludir com argumentos construídos.
A arte da comparação é sem dúvida alguma um velho procedimento das ciências sociais e, mais ainda, das mágicas eleitorais, bastando, no entanto, que seus praticantes se dediquem, efetivamente, a comparar elementos comparáveis entre si – isto é, “animais” pertencentes a uma mesma “família” – e que eles consigam construir argumentos que não ofendam o leitor pela sua apresentação especiosa e, sobretudo, que eles não incidam naquilo que se poderia chamar de desonestidade intelectual.
Ora, ao pretender que a “análise criteriosa dos dados mostra que o Brasil mudou para melhor de 2003 em diante”, o líder do PT na Câmara quer nos fazer acreditar que o Brasil, até então obstruído pelo mar de sargaços do não crescimento e da desigualdade social absoluta, despertou em 1º de janeiro daquele ano para um destino glorioso de desenvolvimento econômico e social, com crescimento acelerado dos empregos e a distribuição generosa dos frutos de um crescimento que só o partido do presidente Lula foi capaz de prover. A desfaçatez só é comparável à ignorância deliberada que o PT continua a exibir em relação aos “recursos não contabilizados”, ao esquartejamento das agências regulatórias, ao loteamento do Estado e à alienação de soberania em diversos lances de sua diplomacia partidária. Aliás, vários dos dados compilados foram extraídos do livro do líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante, “Brasil Primeiro Tempo: análise comparativa do governo Lula”, no qual já compareciam muitos dos golpes de ilusionismo econômico que a liderança na Câmara pretende agora nos impingir.
Por acaso, uma única frase do líder petista na CD deve receber nosso total assentimento, a de que “o Brasil de hoje, o Brasil de julho de 2006, é bem melhor que o de 1º de janeiro de 2003, quando o governo Lula iniciou-se". 
De fato, o Brasil de hoje não apresenta todo o cortejo de números negativos que foram sendo criados ao longo de 2002, a partir da ameaça de vitória, concretizada em outubro, do candidato do partido que sempre prometeu alterar fundamentalmente os dados da economia brasileira. O que ocorreu, naquele ano, utilizando-se de conhecida metáfora brasileira, foi a introdução de um “bode” na sala; sua retirada gradual, a partir de janeiro de 2003, melhorou sensivelmente o ambiente na “casa Brasil”, tornando-o mais respirável e sobretudo menos sombrio, tal como então se antecipava, em função da eventual perspectiva de que os novos inquilinos pretendessem “chutar o pau da barraca”.
À margem dos muitos números, figuras e gráficos otimistas, uma única comparação – que seria absolutamente singela – não é jamais feita na pequena brochura montada pelos “economistas” do PT: a de que a política econômica conduzida pelo governo Lula é fundamentalmente diferente – em mecanismos, instrumentos, natureza e orientação – da política econômica neoliberal que eles diziam combater na era FHC. Se esses economistas conseguirem provar, a todos nós, leitores da brochura ou simples cidadãos, que a atual política econômica difere radicalmente em propósitos, nas modalidades e no ferramental utilizado daquela que era aplicada antes de sua gloriosa assunção ao poder, então eles merecem um prêmio Nobel de economia, ou melhor, talvez um prêmio de lata de prestidigitação econômica.
O fato é, como sabem todos, que em nenhuma das políticas macroeconômicas tidas como fundamentais – na área monetária, fiscal ou cambial – ocorreu qualquer ruptura com tudo o que “estava ali antes”. Se mudanças ocorreram, nas políticas setoriais, elas foram para pior, quando não para o absolutamente negativo em termos de desempenho ou de regulação de setores importantes para o crescimento do Brasil: na área agrícola, houve ameaça sobre ameaça de “desconstrução” do agronegócio, com os constantes ataques do ministro do subdesenvolvimento agrário à agricultura de exportação e as frequentes ameaças de invasão de terras pelos neobolcheviques do MST; na área da pesquisa agrícola, os impasses criado pelos opositores fundamentalistas dos transgênicos foi dramática para o progresso dos experimentos no setor; na infraestrutura, todos assistiram á tragédia das estradas esburacadas e aguardam apreensivos a possibilidade de um novo apagão energético; todas as agências reguladoras foram literalmente castradas em seu poder de monitoramento e de implementação de normas apolíticas, substituídas estas por decisões governamentais que deixam os investidores sem condições de se precaver contra a possível volatilidade e o caráter errático das novas regras.
Nada na brochura nos lembra a não-reforma política, a não-reforma trabalhista, a não-reforma previdenciária, a não-reforma educacional (a não ser para constranger as universidades privadas e introduzir critérios dúbios de “justiça social”, de caráter racial, nas públicas. Em nenhum momento se diz que a carga fiscal, já pesadamente aumentada na gestão anterior, foi ainda mais reforçada, sem que qualquer reforma tributária no sentido do alívio impositivo tenha sido ensaiada nestes últimos três anos e meio. Tampouco se menciona o crescimento expressivo das despesas públicas, muito acima da inflação e da própria taxa de crescimento, tão pífia quanto ela tinha sido na administração tucana.
A brochura tampouco menciona que a política externa “ativa e altiva”, como gosta de repetir o chanceler a serviço da diplomacia partidária absolutamente canhestra e amadora do PT, sofreu derrota após derrota em todas as suas pretensões terceiro-mundistas e integracionistas. Quando Lula assumiu, a prioridade estava com o reforço do Mercosul e a “união da América do Sul”, para melhor negociar a – na verdade opor-se à – Alca. Não é preciso sequer mencionar o estado atual do Mercosul e a efetiva desunião regional para evidenciar o fracasso dessa política de “liderança” brasileira na região, recusada por todos e obstaculizada por muitos. Todas as candidaturas brasileiras para organismos internacionais – OMC, BID e sobretudo a obsessão com uma cadeira permanente no CSNU – sofreram derrotas fragorosas, causadas sobretudo por aqueles que tinham sido aprioristicamente definidos como “parceiros estratégicos”, a começar pela Argentina e pela China. A alienação da soberania nacional e a rendição a interesses estrangeiros da diplomacia petista tornaram-se patentes quando foi um governante estrangeiro – no caso o presidente Chávez – que definiu onde se instalaria uma nova refinaria de petróleo (e não estudos técnicos conduzidos no próprio Brasil) e quando o governo dobrou-se vergonhosamente à imposição da nacionalização dos recursos energéticos da Bolívia, em frontal oposição a tratados assinados entre os dois países e a acordos concluídos entre aquele governo e a Petrobras.

A desonestidade intelectual transparece, por exemplo, na comparação de  taxas anuais de inflação, quando se menciona que quando Lula assumiu, algumas projeções indicavam que a inflação poderia chegar em 2003 a 42,9% e que agora a inflação de 2006 será de 4,5% ao ano. Desonestidade ainda maior vem associada à lembrança de que em outubro de 2002, o risco-país (calculado com base na aceitação dos títulos do governo brasileiro no exterior) estava em 2.035 pontos. Em maio deste ano [2006], estava em 216 pontos. Não é preciso dizer que não se tratava, absolutamente do risco-Brasil, mas única e exclusivamente do risco-Lula e do risco-PT.
Um outro “esquecimento virtual” comparece na questão cambial: jamais comparece na brochura a noção de “populismo cambial”, antes assacada permanentemente contra o ex-presidente do BC Gustavo Franco, quando a taxa real do dólar, em sua época, estava abaixo, em termos reais, da que hoje é suportada pelos exportadores e setores industriais. Tampouco se lembra que o governo Lula cumpriu obedientemente os acordos com o FMI, aumentando inclusive de forma totalmente voluntária o nível do superávit primário (de 3,75% do PIB para 4,25%), honrando todos os compromissos e terminando por devolver antecipadamente, num gesto claramente demagógico, os empréstimos de baixo custo concedidos por aquele organismo financeiro apenas para lançar títulos no mercado comercial a taxas de juros mais altas.
A questão do emprego é outro sintoma da desonestidade intelectual da brochura do PT, uma vez que se sabe que mais da metade do mais de um milhão de “empregos criados” corresponde, de fato, a empregos existentes que foram simplesmente formalizados, sem que fosse efetivamente gerados novos postos de trabalho. A redução das desigualdades é apresentada como outra das “vitórias” deste governo, quando os estudos indicam claramente que se trata de uma tendência dos últimos doze anos, pelo menos, quando a redução da inflação permitida pelo Plano Real eliminou o “imposto inflacionário” sobre os pobres e investimentos em infraestrutura e em educação do governo FHC contribuíram para a melhoria de diversos indicadores sociais. O coeficiente de Gini baixou sim, mas não exclusivamente em virtude do bolsa-família, esse “mensalão” governamental que está criando um exército de assistidos do tamanho de uma Argentina que mais se assemelha a um curral eleitoral do que a uma comunidade de cidadãos que deveria ser paulatinamente inserida no mercado de trabalho.
A produção agrícola, por sua vez, ameaça novamente entrar em crise neste ano e no próximo, em virtude do pouco caso revelado pelo partido aliado do MST em relação ao agronegócio, que grande parte dos petistas despreza e pretende ver substituído por uma agricultura familiar não mercantil. A cartilha também mente quanto ao número de assentados da reforma agrária de Lula, misturando número de candidatos a lotes com assentamentos efetivos.
Finalmente, nada se menciona quanto à bomba fiscal que está sendo armada para 2007 pelos aumentos irresponsáveis dos salários dos funcionários públicos feitos nesta conjuntura eleitoral pelo governo Lula. Esses aumentos, travestidos de “correções de planos de carreira” para não serem sumariamente vetados pela justiça eleitoral, ofendem claramente os preceitos legais em matéria de legislação eleitoral, uma vez que são aumentos claramente acima dos índices oficiais de inflação, têm por fim contemplar os interesses de várias categorias do funcionalismo nesta época pré-eleitoral e são feitos mediante medidas provisórias, quando nada indica que eles apresentem urgência e relevância substantiva, como recomendariam os preceitos constitucionais regulando a emissão desse tipo de medida. 

Em suma, o PT continua fazendo da propaganda seu principal instrumento político, mediante uma maquiagem nos números dos últimos anos, esperando que a maior parte dos cidadãos se deixe iludir quanto a uma suposta “excelência de resultados” do governo petista. Em matéria de magia eleitoral, para não falar de desonestidade intelectual, não poderia ser mais ilustrativo de tudo o que se tem assistido nos últimos três anos e meio.
Brasília, 14 de  julho de 2006

sábado, 1 de novembro de 2014

Os dez mandamentos da politica (em certos governos) - Paulo Roberto de Almeida

Revisando uma lista de trabalhos, acabei encontrando este aqui, praticamente esquecido.
Gostaria, em todo caso, de aproveitar esta oportunidade, para me desculpar com Moisés, e seus colaboradores, publicitários, escriturários e outros aspones, por interpretar de maneira assim tão pouco respeitosa os mandamentos tão sábios e tão politicamente corretos que ele nos legou.
Acho que algumas pessoas, companheiros, como não poderia deixar de ser, colocariam a lei mosaica na mesma categoria da "herança maldita" que eles acusam ter recebido de outros, numa inacreditável demonstração de má fé. Um dia a fúria do senhor, isto é, do povo, se abaterá sobre eles...
Paulo Roberto de Almeida


Os dez mandamentos da política (em certos governos)

Paulo Roberto de Almeida
(com alguns agradecimentos a Moisés e seus escribas)

1. Não reconhecerás nenhum deus, personagem inexistente em nossa república laica, salvo o comandante em chefe, também chamado de Nosso Guia, ou genial condutor dos povos.
2. Não farás publicidade indevida, salvo a do próprio chefe e guia infalível.
3. Apenas o nosso guia tem o direito de aparecer nos meios de comunicação de massa sem qualquer restrição, assim como requisitar esses meios para aparição pública, sempre e quando ele determinar que existe um interesse nacional envolvido.
4. Guardarás todos os dias santificados, que são também os dias de recolhimentos de impostos, diretos e indiretos, assim como taxas e contribuições.
5. Honrarás pai e mãe, e darás a eles o direito de serem atendidos no serviço público de saúde.
6. É proibido matar, a não ser que seja pela boa causa. A boa causa é determinada pelo Nosso Guia.
7. Não cometerás adultério, pelo menos não nas horas de trabalho. Se tiver de ser, que não seja no local de trabalho. Se tiver de ser, que seja pela boa causa, assim determinada pelo Nosso Guia.
8. Não roubarás, até que sejas eleito para algum cargo público. A partir de então, o roubo não é mais enquadrado como roubo, mas apenas como prestação de serviço público, para o qual deve necessariamente existir alguma compensação pecuniária pelos esforços incorridos.
9. Não discriminarás contra os estrangeiros, a não ser que sejam brancos de olhos azuis. Nossos aliados naturais são os morenos oprimidos.
10. Não corromperás o próximo, nem o perseguirás por qualquer motivo fútil, pois ele pode ser nosso aliado natural, sobretudo se for sindicalista. Aos que não são próximos, nem nossos aliados, apenas aplicarás a lei.

Brasília, 31 de julho de 2009

Noberto Bobbio sobre a liberdade de destruir a liberdade - Paulo Roberto de Almeida

Um texto meu de 2009, mas totalmente apropriado ao Brasil dos dias que correm.


A liberdade de destruir a liberdade: um aviso preventivo vindo do passado
Minha homenagem a Norberto Bobbio nos seus 100 anos de nascimento

Paulo Roberto de Almeida

Norberto Bobbio, o maior intelectual italiano do século 20, nasceu em Torino no dia 18 de outubro de 1909, e teria, portanto, neste dia 18 de outubro de 2009, exatamente cem anos, o que ele ‘falhou’ em completar em aproximadamente cinco anos, tendo falecido em Torino em 9 de janeiro de 2004. Retomo esses dados da excelente cronologia elaborada sobre sua vida e obra por Marco Revelli, no volume que adquiri recentemente em Veneza tão pronto ele foi publicado: 
 
Norberto Bobbio
Etica e Politica: Scritti di impegno civile
Progetto editoriale e saggio introduttivo di Marco Revelli
(Milano: Arnoldo Mondadori Editore, 2009, 1718 p.; ISBN: 978-04-57314-2)
(Paguei 55 euros, o que representa 3 centavos de euro por página, cada uma bem mais valiosa em sabedoria e conhecimento do que o seu estrito valor monetário)

O volume é uma compilação de seus escritos mais importantes, divididos em cinco partes, começando por sua Autobiografia intellettuale: Compagni e Maestri (seus colegas de colégio, de universidade e de lutas políticas, sobretudo antifascistas e pela liberdade e democracia na Itália republicana do pós-guerra); Valori Politici e Dilemmi Etici (escritos e conferências sobre a ética e a política, sobre a liberdade e a igualdade, sobre a paz e a guerra); Le Forme della Politica (seus textos mais famosos de polêmica: Democrazia e dittatura, Socialismo e comunismo e Destra e sinistra); e, ao final, Congedo (seus escritos da idade senil: De senectute e A me stesso).
O livro é precedido por uma introdução magistral de Marco Revelli (Nel labirinto del Novecento), de uma cronologia e notas a esta edição, do mesmo autor, que também complementa o livro por notas sobre os textos, por uma bibliografia completíssima e por um índice dos nomes (não, infelizmente não existe um índice de ideias, que teria sido um instrumento muito útil ao pesquisador).

O livro é um tesouro de trouvailles (como os textos sobre os amigos, homenagens publicadas em revistas, para nós obscuras, geralmente por ocasião da morte de cada um deles; e Bobbio sobreviveu à maior parte dei suoi compagni), assim como um instrumento poderoso de referências sobre todos os seus trabalhos publicados, aqui apenas selecionados. Bobbio tem, segundo Revelli, 4.803 escritos catalogados, em todas as categorias – livros, artigos, conferências, entrevistas – o que daria 128 volumes, com 944 artigos, 1.452 ensaios, 457 entrevistas, 316 palestras). Ufa!: vai ser preciso algum tempo para ler tudo, por isso mesmo este volume é um achado.

Na impossibilidade de falar aqui de todos, ou sequer dos mais importantes textos selecionados neste volume, prefiro fazer uma transcrição de um dos escritos compilados por Revelli, que talvez guarde alguma similaridade com a situação política do Brasil atual. Ele foi escrito por Norberto Bobbio em 1969 e fazia parte de uma homenagem prestada ao seu colega de colégio Leone Ginzburg, intelectual de origem russa, judeu, lutador antifascista, assassinado pela Gestapo em Roma, em 1944. No 25o. aniversário de sua morte, Bobbio publicou uma carta numa edição especial, Dialogo con Leone Ginzburg, na revista Resistenza (a. XXXIII, n. 4, aprile 1969), na qual dizia o seguinte (transcrevo o original italiano, e depois tento a minha tradução improvisada):

Oggi, sappiamo che la libertà si può usare per il bene e per il male. Si può usare non per educare ma per corrompere, non per accrescere il proprio patrimonio ideale ma per dilapidarlo, non per rendere gli uomini più saggi e nobili, ma per renderli più ignoranti e volgari. La libertà si può anche sprecare. Si può sprecarla fino al punto di farla apparire inutile, un bene non necessario, anzi dannoso. E a furia di sprecarla, un giorno o l’altro (vicino? lontano?) la perderemo. Ce la toglieranno. Non sappiamo ancora chi: se coloro che abbiamo lasciato prosperare alla nostra destra, o coloro che stanno crescendo tumultuosamente alla nostra sinistra. Abbiamo comunque il sospetto, alimentato da una continua severa lezione durata mezzo secolo, che la differenza non sarà molto grande. (p. cviii-cix)

(tradução não autorizada, e sobretudo não competente, de Paulo R. de Almeida:)
Hoje, sabemos que a liberdade pode ser usada para o bem e para o mal. Ela pode ser usada não para educar, mas para corromper, não para aumentar o próprio patrimônio ideal [mental], mas para dilapidá-lo, não para tornar os homens mais sábios e nobres, mas para torná-los mais ignorantes e vulgares. A liberdade pode inclusive ser desperdiçada. Pode-se desperdiçá-la até o limite de fazê-la parecer inútil, um bem não necessário, aliás prejudicial. E nessa fúria de desperdiçá-la, um dia ou outro (próximo? longínquo?) nós a perderemos. Vão tirá-la de nós. Não sabemos ainda quem: se aqueles que deixamos prosperar à nossa direita, ou aqueles que estão crescendo tumultuosamente à nossa esquerda. Temos de toda forma a suspeita, alimentada por uma contínua e grave lição que perdurou por meio século, que a diferença não será muito grande.

Acredito, pessoalmente, que esta advertência de Bobbio, feita no seguimento das convulsões estudantis que agitaram a Europa, e um pouco todo o mundo, a partir de 1968, com seu cortejo de atos libertários, bastante criatividade e espontaneidade, mas também com muitas exibições de irracionalidade anticapitalista e de comportamentos antidemocráticos – basta dizer que a Revolução Cultural chinesa, um exemplo extremo de irracionalidade obscurantista, era saudada pelos revoltosos de “maio de 1968” como se fosse a libertação final da exploração capitalista e da democracia burguesa –, se aplica inteiramente à conjuntura presente no Brasil, com seu cortejo de ataques velados à liberdade de imprensa, seu festival de banalidades políticas e de irracionalidades econômicas, enfim suas ameaças latentes a uma liberdade duramente conquistada em algumas décadas de lutas democráticas (hoje enganosamente apropriadas por aqueles mesmos que queriam esmagar a liberdade no altar de suas crenças ultrapassadas).
Bobbio nasceu numa Itália pré-fascista, cresceu na crise política do pós-primeira guerra, atravessou todo o período de totalitarismo mussoliniano (tendo inclusive, por razões familiares, flertado com o movimento em sua juventude), se fez homem na luta antifascista dos anos 1930 e 40, participou da construção constitucional da Itália liberada e republicana do pós-segunda guerra, e deu sua imensa contribuição intelectual para os debates do seu tempo: as difíceis escolhas entre liberdade e igualdade, entre democracia representativa e seus simulacros pela via direta ou plebiscitária – um cenário que infelizmente ressurge de maneira irracional na América Latina – e faleceu sem ter visto o sistema político italiano expurgado das pragas da corrupção e do loteamento das instituições estatais por políticos fisiológicos.
A sua Itália era – e é – muito parecida com o Brasil em seus “costumes” políticos. Pena que não ostentemos (ainda?) nenhum Norberto Bobbio entre nós.
Minhas homenagens a Norberto Bobbio em seus ‘100’ anos de vida...

Brasília, 2051: 17.10.2009

Tragedias ideologicas: um ex-petista honesto diz que o sonho virou pesadelo - Zander Navarro

Todo mundo aqui, repito, todo mundo, já votou pelo PT algum dia, alguma vez, várias vezes, sempre na esperança de melhorar, que fosse um pouco, a política brasileira, livrá-la dos corruptos e dar início ao famoso processe de redistribuição de renda.
Ninguém imaginava que chegaríamos ao partido, E AO GOVERNO, mais corrupto da história do Brasil e que teríamos uma associação criminosa, totalmente mafiosa (não pelos seus militantes, embora estes mantenham um cumplicidade obsessiva pela mentira, antes de mais nada a si mesmos, mas pelos seu dirigentes) no comando país.
Este ex-petista reconhece. Só não tinha visto antes que o partido tinha muitos neobolcheviques reciclados. Tinha de dar no que deu...
Paulo Roberto de Almeida 
 Peço licença, inicialmente, para um breve relato pessoal. Nos anos 1980 contribuí mensalmente com parte do meu salário para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Os depósitos duraram de dois a três anos, quando a campanha foi encerrada, por falta de adesão. Com sacrifício, cheguei a oferecer até 10% do meu ganho e ainda guardo os recibos. Por que fiz isso? Naqueles anos, saindo do ciclo militar e ansioso pela democracia, ingenuamente entendi ser o MST uma força que renovaria a oligárquica política rural. Como os seus militantes passaram a ameaçar as famílias em assentamentos, o sonho desmoronou e retornei à vida universitária. 

Na época, quase todos nós apoiávamos o PT, mesmo não sendo filiados. Imaginávamos que o partido também forçaria transformações em alguma direção positiva. Ou a reforma social ou, ao menos, a democratização da sociedade. Vivíamos então um período febril de debates plurais e de experiências práticas. Lembram-se do "modo petista de governar"? Era simbolizado pelo orçamento participativo, que prometia a livre participação dos cidadãos em decisões públicas sobre os orçamentos municipais. Na campanha de 2002, contudo, o candidato petista mal falou do assunto e, no poder, o tema se esfumaçou.

O assombroso escândalo da Petrobrás, que nos deixa estupefatos, é apenas o efeito inevitável da história do Partido dos Trabalhadores. A causa original é um mecanismo que o diferencia das demais agremiações partidárias. Trata-se de um processo de mobilidade social ascendente, inédito em sua magnitude. Movimento que poderia ser virtuoso, se aberto a todos, pois seria a consequência do desenvolvimento social. Mas, na prática, vem sendo uma odiosa discriminação, pois é processo atado à filiação partidária.

O núcleo pioneiro do PT recrutou segmentos das classes baixas e mais pobres, mobilizados pelo campo sindical, pelos setores radicalizados das classes médias, incluindo parte da intelectualidade, e pela esquerda católica, ampliando nacionalmente o grupo petista inicial. À medida que o partido, já nos anos 90, foi conquistando nacos do aparato estatal, vieram os cargos para os militantes e, assim, a chance arrebatadora de ascender às vias do dinheiro, do poder, das influências e do mando pessoal. Esse foi o degenerativo fogo fundador que deu origem a tudo o que aconteceu posteriormente.

Inebriados, cada vez mais, pelo irresistível prazer do novo mundo aberto a essas camadas, até mesmo impensáveis formas de consumo, todos os sonhos fundacionais de mudança foram sendo estilhaçados ao longo do caminho, incluídos a razoabilidade e os limites éticos. O PT gerou dentro de si uma incontrolável ânsia de mobilidade, uma voragem autodestruidora inspirada na monstruosa desigualdade que sempre nos caracterizou. Conquistado o Planalto, não houve nem revolução nem reforma e o fato serviu, particularmente, para saciar a fome histórica dos que vieram de baixo.

Instalou-se, em consequência, o arrivismo e a selva do vale-tudo: foi morrendo o padrão Suplicy e entrou o modelo Delúbio-Erenice. Logo a seguir, ante a inépcia da ação governamental, também foi necessário impor a mentira como forma de governo. Por fim, o PT mudou de cabeça para baixo o seu próprio financiamento. Abandonou o apoio miúdo e generoso dos milhões que o sustentaram na primeira metade de sua história, pois se tornara mais cômodo usar o atacado para ancorar-se no poder. Primeiro, o mensalão e, agora, os cofres da Petrobrás.

Nessa espiral doentia de mudanças, a partir de meados dos anos 1990 o partido enterrou o seu passado. Sua capacidade de reflexão, por exemplo, deixou de existir e o imediatismo passou a prevalecer. Assim, um projeto de nação ou uma estratégia de futuro não interessavam mais. O pragmatismo tornou-se a máxima dessa nova elite e sob esse caminho o subgrupo sindical e seus militantes vêm pilhando o que for possível dentro do Estado. Examinados tantos escândalos, invariavelmente a maioria veio do campo sindical. E foi assim porque da tríade original dos anos 80, a classe média radicalizada e os religiosos abandonaram o partido. Deixaram de reconhecê-lo como o vetor que faria a reforma, sobretudo moral, da política brasileira.

Entrando neste século, o PT não tinha nada mais para oferecer de distintivo em relação aos demais partidos. A aliança com o PMDB ou Lula abraçando Maluf foram decorrências naturais. Também por tudo isso, o campo petista reivindicar o monopólio da virtude é o mesmo que fazer de idiotas todos os cidadãos. No primeiro turno, a fúria das urnas demonstrou a reação indignada dos eleitores à falsidade.

O que vemos atualmente é a soma dessa descrição com as nossas incapacidades políticas de construção democrática em favor do bem comum. O PT é hoje uma neo-Arena que promove, sobretudo, o clientelismo nos grotões. Não aqueles definidos geograficamente, mas os existentes nos interstícios sociais, confundindo as pessoas por meio da mentira, do bolsismo e das mistificações de toda ordem. É uma trajetória vergonhosa para um partido que prometeu a lisura republicana, o aprofundamento democrático, a reforma de nossas muitas iniquidades e, especialmente, prometeu corrigir a principal deformação de nossa História, que é um padrão de desigualdade que nos infelicita desde sempre. É ação que igualmente vem abastardando o Estado, atualmente tornado disfuncional e semiparalisado em inúmeros setores.

Por todas essas razões, incluindo o benéfico aperfeiçoamento que, fora do poder, sofrerá o próprio PT, é preciso mudar. E com urgência, pois o Brasil se esfarinhará sob outros quatro anos dessa gigantesca manipulação política, o desprezo pela democracia, o primado da lealdade partidária sobre a meritocracia e a fulgurante incompetência técnico-administrativa do campo petista no poder.

SOCIÓLOGO, É PROFESSOR APOSENTADO DA UFRGS (PORTO ALEGRE) EMAIL: Z.NAVARRO@UOL.COM.BR

Contas publicas: estoura a bolha da incompetencia - Rolf Kuntz

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Seis anos depois do estouro da bolha financeira no mundo rico, explode no Brasil a bolha da incompetência e do populismo. O novo aumento de juros e a promessa de um esforço fiscal maior no próximo ano são um reconhecimento, pelo menos implícito, dos estragos produzidos em quatro anos de erros, de remendos mal feitos e de um espantoso "modelo" de expansão do consumo sem aumento da produção.

Quem anunciou o esforço fiscal maior foi o quase ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, pouco antes de conhecido o o balanço das contas públicas até setembro. O secretário do Tesouro, Arno Augustin, voltou a prometer resultados melhores no mês seguinte. Qualquer promessa desse tipo, nesta altura, soa como piada. Para alcançar o superávit primário de R$ 80,8 bilhões fixado para o governo central, neste ano, seria preciso obter no último trimestre um saldo de R$ 96,5 bilhões, pelas contas do Tesouro, ou R$ 100,27 bilhões, pelo critério do Banco Central (BC). Sem mistério: no relatório do Tesouro, o governo central teve um déficit primário de R$ 15,7 bilhões em nove meses; no do BC, o buraco chegou a R$ 19,47 bilhões. Pelo segundo critério, leva-se em conta a necessidade de financiamento.

Neste ano, pelo menos até setembro, fracassou até a encenação de um superávit primário anabolizado com dividendos, bônus de concessões e prestações de tributos em atraso. O governo acaba de conseguir do Congresso Nacional mais uma reabertura do Refis, o programa de parcelamento de dívidas tributárias. A anterior, encerrada em 25 de agosto, proporcionou menos dinheiro que o esperado. Mas esse tipo de manobra, já muito usado, produz sempre alguma receita por um prazo curto e é condenado mesmo no governo como um incentivo à sonegação. Afinal, se é sempre possível apostar num novo Refis, impor um calote ao Tesouro pode ser bom negócio.

Mas o déficit primário acumulado em nove meses chama a atenção para um dado muito mais importante, a longo prazo, e tomado como guia da política fiscal em países com melhores tradições de governo. A administração pública tem de produzir superávits primários para cobrir os juros e amortizações devidos pelo Tesouro. No fim, o número realmente importante é o resultado nominal, isto é, o saldo geral das contas públicas, incluídos os pagamentos de juros e amortizações. O desastre fiscal no mundo rico, a partir da crise iniciada em 2008, foi sempre medido com base nesse conceito.

Por esse critério, o Brasil já estava em pior situação que muitos países desenvolvidos, no ano passado, e a comparação se tornou ainda mais desfavorável em 2014. Nos 12 meses até setembro o déficit nominal do setor público brasileiro chegou a 4,92% do produto interno bruto (PIB). Na zona do euro, a média dos déficits deve ficar em 2,9% neste ano, segundo projeção publicada em outubro pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Apesar disso, a presidente Dilma Rousseff ainda insistia, até há pouco tempo, em apontar a situação fiscal do Brasil como muito melhor que a da maior parte dos países desenvolvidos. Talvez ainda insista. Afinal, seu nível de informação é, na melhor hipótese, tão bom quanto o de seus assessores econômicos. Além do mais, ela e seus auxiliares sempre poderão, em último caso, apontar o endividamento público das economias avançadas, muito maior que o do Brasil. Mas qualquer argumento desse tipo se esfarela quando se comparam as notas de crédito soberano daquelas economias e as do Brasil.

A diferença reflete-se na distância entre os juros pagos pelos governos para vender ou rolar seus títulos. Os custos enfrentados pelo Tesouro brasileiro são muito maiores. A desvantagem do Brasil no mercado financeiro poderá aumentar, nos próximos dois anos, se o governo for incapaz de reforçar sua credibilidade. Dirigentes de agências de classificação de risco têm transmitido recados muito claros nos últimos dias. Têm chamado a atenção tanto para o mau estado das contas públicas quanto para o baixo crescimento econômico.

Uma piora da classificação poderá ser especialmente danosa numa fase de aperto nos mercados. O Federal Reserve, o banco central americano, anunciou o fim de sua política de incentivos monetários à recuperação da economia dos Estados Unidos. Isso representará o fim de grandes emissões de dinheiro para facilitar o crédito. O próximo grande passo deve ser uma elevação dos juros básicos americanos. A data ainda é desconhecida, mas quem tiver juízo tratará de se preparar para condições mais difíceis de financiamento internacional. 

Um aumento dos juros básicos no Brasil pode ser uma resposta a esse aperto progressivo do mercado financeiro externo. Afinal, um dos efeitos prováveis da mudança nas condições internacionais será um desvio de capitais para os Estados Unidos ou, de modo geral, para destinos mais seguros. Mas o Banco Central brasileiro tem um forte motivo interno para retomar a alta de juros. A elevação de 11% para 11,25%, anunciada na quarta-feira, pode ser o primeiro passo de um ajuste.

A inflação seguiu o rumo previsto por muitos economistas desde o primeiro semestre. Perdeu impulso na primeira metade do ano e em seguida voltou a subir vigorosamente, alimentada principalmente por distorções da economia nacional - desajuste das contas públicas, crédito ainda em expansão, aumentos salariais superiores aos ganhos de produtividade e capacidade de oferta industrial muito limitada. A inflação brasileira, o baixo ritmo de atividade, o desastre das contas públicas e a piora das contas externas - com déficit comercial de US$ 1,88 bilhão, no ano, até 26 de outubro - refletem o mesmo conjunto de erros da política econômica. O tal modelo de crescimento proclamado como grande inovação nos últimos anos produziu - muito mais que um fracasso - um desastre de dimensões incomuns. O desastre ficará muito maior se a presidente Dilma Rousseff tiver ignorado também essa lição. 

* JORNALISTA