sábado, 10 de julho de 2010

Academia e diplomacia: um questionário sobre a formação e a carreira

Não tenho certeza de ter, em algum momento, divulgado as respostas que dei a um trabalho de pesquisa de aluns da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) para um Projeto transdisciplinar de pesquisa sobre a carreira diplomática e suas relações com a academia.
Se não o fiz, esta é a oportunidade para fazê-lo, no quadro deste meu esforço de revisão de velhos trabalhos e atualização de registros.

Academia e diplomacia: um questionário sobre a formação e a carreira
Paulo Roberto de Almeida

Questões colocadas em mensagem de 1.10.2007:
1) Qual é sua formação acadêmica?
2) Quais motivos o levaram a optar por seguir a carreira diplomática?
3) Dentro da carreira diplomática, que função específica o Sr. desempenha?
4) Caso tenha alguma formação em Relações Internacionais, qual eram as perspectivas do curso na época em que iniciou seus estudos?
5) Qual a importância de haver um profissional internacionalista atuando no mercado hoje?
6) Que dificuldades um diplomata pode enfrentar na sua carreira?
7) Como o Sr. vê o futuro relacionado ao curso de Relações Internacionais? A profissão tende a crescer dentro do mercado mundial?
8) Quais conhecimentos em Fundamentos das Relações Internacionais, História das Relações Internacionais e Análise Microeconômica sua profissão exige?


1. Qual é sua formação acadêmica?
PRA: Bacharel e licenciado em Ciências Sociais, pela Universidade de Bruxelas (1975), Mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia (1977) e Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984); Curso de Altos Estudos, do Instituto Rio Branco do MRE (1997).

2. Quais motivos o levaram a optar por seguir a carreira diplomática?
PRA: Puramente circunstanciais: eu era professor universitário em SP, logo após ter retornado do mestrado em 1977, quando tomei conhecimento da realização de um concurso direto para a carreira diplomática, exigindo formação superior completo (o que à época não era requisito para o vestibular para o Curso de Formação à Carreira Diplomática do Instituto Rio Branco). Resolvi tentar o concurso, apenas como “teste”, e acabei passando em segundo lugar. Assim, tornei-me diplomata quase por acaso, do contrário estaria ainda hoje na carreira acadêmica.

3. Dentro da carreira diplomática, que função específica o Sr. desempenha?
PRA: Sou ministro de segunda classe, imediatamente anterior à classe de ministro de primeira classe (ou embaixador, que é apenas um título); já fui ministro conselheiro na Embaixada em Washington (meu último posto) e chefe de seções econômicas em diversas embaixadas (Paris, Berna, Belgrado), além de ter servido nas delegações do Brasil junto aos organismo da ONU, em Genebra, e junto à Aladi, em Montevidéu.

4. Caso tenha alguma formação em Relações Internacionais, qual eram as perspectivas do curso na época em que iniciou seus estudos?
PRA: Não tenho nenhuma formação específica em RI e em minha época não havia nenhum curso de graduação funcionando em RI no Brasil (aliás, nem no exterior). O primeiro teve início na UnB, em 1974, com uma orientação talvez muito teórica. Aprendi RI na prática, e estudando por conta própria.

5. Qual a importância de haver um profissional internacionalista atuando no mercado hoje?
PRA: Minha visão pessoal é a de que existe um certo exagero quanto à possível absorção pelo mercado dessas centenas ou talvez milhares de estudantes que estão se formando cada ano nos muitos cursos que se constituíram desde meados dos anos 1990, ou seja, nos últimos dez anos, grosso modo. O mercado é relativamente restrito na parte governamental (diplomacia, analistas de comércio exterior ou de inteligência), na de organizações internacionais e no que se refere à própria academia (que absorveu certo número de egressos na medida em que os próprios cursos estava se expandindo, mas esse ritmo tende a diminuir), podendo, e de fato devendo, ser maior na vertente empresarial privada. Mas não tenho certeza de que os internacionalistas possam atender a todos os requisitos das empresas.

6. Que dificuldades um diplomata pode enfrentar na sua carreira?
PRA: Em diplomacia, existem vários momentos delicados quando se está negociando em nome do País. Uma situação complicada pode se apresentar numa destas duas hipóteses: ou não se dispõe de instruções suficientes para sustentar os interesses nacionais, ou as instruções dadas são inadequadas, na situação concreta da barganha negociadora. Nesse caso, o diplomata precisa agir segundo a sua melhor percepção de quais seriam os interesses nacionais, com base num estudo acurado da situação concreta e dos interesses em jogo.
Normalmente, o negociador que está na “frente de combate”, em oposição ao “burocrata” da capital, pode acabar tendo uma visão ampla dos processos em jogo e dos diferentes aspectos do interesse nacional, segundo uma percepção de mais longo prazo. Sua visão daquele problema – eventualmente fundamentada num estudo detido da questão e colocada em perspectiva comparada com as experiências e posições de outros atores – pode eventualmente se contrapor às instruções recebidas da capital, que podem estar baseadas numa visão meramente teórica ou burocrática do processo em causa.
Nesse momento, o diplomata em causa pode ficar numa situação muito difícil, pois que dominando o tema, e conhecendo o jogo de interesses dos diversos atores participantes (países ou grupos de paises), ele pode ter um melhor julgamento de qual seria a direção mais indicada a ser seguida, do ponto de vista do interesse nacional. Mas, aqui se coloca o dilema: as instruções recebidas vão num sentido contrário ou bastante diferente daquilo que o diplomata encarregado do tema na frente negociadora percebe como sendo a melhor postura a ser adotada. Ele quer acreditar ou sabe concretamente que uma posição diferente seria melhor indicada para defender o interesse nacional (este é um conceito e uma situação sempre difusos e muito difíceis de serem definidos na prática). Em todo caso, existe aqui um problema real de consciência e de postura, já que o diplomata não poderia, teórica e praticamente, opor-se às instruções recebidas da capital, mas sabe, concretamente, que nem sempre a burocracia institucional funciona da melhor forma possível, pois que ninguém é onisciente.
Existem, obviamente, várias outras dificuldades, de ordem logística, ou material, vinculadas, por exemplo, às dificuldades materiais, ou de qualquer outra ordem, em determinados postos da carreira que podem ser considerados “difíceis”, mas isto não é exclusivo dos diplomatas, afetando todos os demais funcionários do serviço exterior, os adidos militares ou mesmo enviados de empresas privadas. Eu me referi acima a dificuldades que acredito sejam específicas do diplomata, no desempenho de suas funções exclusivas.

7. Como o Sr. vê o futuro relacionado ao curso de Relações Internacionais? A profissão tende a crescer dentro do mercado mundial?
PRA: Certamente, mas não podemos nos iludir quanto a uma expansão exagerada. A maior parte dos países não possui cursos de graduação em RI, apenas cursos tradicionais em Ciência Política ou afins, sendo RI mais uma especialização do que uma graduação.
Os cursos de RI podem ser uma boa contribuição para a formação de especialistas em questões internacionais no Brasil, país relativamente fechado à economia mundial. Na verdade, a maior parte dos cursos de RI no Brasil foram e são oferecidos por instituições privadas, que visam preencher um nicho de mercado que não estava sendo suficientemente atendido pelas faculdades públicas. Ou seja, o que as motivou foram preocupações essencialmente mercantis, o que não impede que possam surgir bons cursos nessa área, mas talvez seja muito cedo par se fazer uma avaliação comparativa das dezenas de cursos existentes nesse área.
Não tenho uma visão clara sobre a evolução dos cursos de RI. Seria preciso conduzir uma pesquisa junto às instituições que já formaram diversas turmas, para verificar em que estão trabalhando seus egressos, de maneira a poder balizar algumas tendências quanto à evolução futura desses cursos. Minha percepção é a de que pode estar ocorrendo um fenômeno de saturação de mercado, e talvez ocorra algum pequeno refluxo na oferta de novos cursos ou de vagas, após o que deverá ocorrer algumas especializações “regionais” ou setoriais, em função das demandas locais, com ênfase mais empresarial em alguns grandes centros de negócios e dedicação mais acadêmica, ou “política”, em outros centros. Sem uma pesquisa junto aos próprios egressos, que poderia ser conduzida por entidades como a FENERI ou ABRI, fica difícil opinar sobre tendências futuras.
No plano estrito da formação, creio que nosso estágio, isto é, o dos cursos de RI no Brasil, ainda é relativamente inicial e recente, o que pode ser indiretamente comprovado pela parca bibliografia disponível. Ela ainda é bastante restrita em termos quantitativos e qualitativos, faltando aquilo que na linguagem acadêmica americana, se chama de text-books, ou seja, manuais sistemáticos para o estudo das diferentes disciplinas integrando as RI. Ainda que alguns centros de estudo pretendam que existe uma “escola de RI” de tal ou qual local, não creio que esse tipo de afirmação se sustente em vista da elaboração reflexiva e metodológica ainda relativamente incipiente nessa área. Teremos de acumular muitas monografias e estudos sistemáticos, ademais de muita pesquisa histórica e estudos de terreno – isto é, empiricamente embasados – para poder pretender rivalizar com os grandes centros de produção existentes no hemisfério norte.
Creio que as instituições acadêmicas, em coordenação com a CAPES, e auxiliadas pelas associações profissionais da área, deveriam fazer avaliações amplas sobre o funcionamento dos cursos e seus padrões curriculares. Algum núcleo básico, relativamente homogêneo, deve existir, mas a partir daí as instituições devem poder estabelecer especializações diversas em seus cursos, de modo a suprir demandas específicos dos diferentes nichos de mercado que podem variar de uma região a outra do país. Ou seja, o ideal é se dispor de um núcleo comum e um leque de opções diversas, nas diferentes vertentes disciplinares e setoriais que compõem as RI, de forma a assegurar flexibilidade e capacidade adaptativa às diferentes necessidades locais.
Quanto ao mercado, especificamente, ele sempre será muito diverso, em função das variadas possibilidades existentes. As oportunidades serão certamente crescentes, mas isso exigirá uma excelente formação por parte dos cursos de RI, do contrário o setor privado, que é o que mais emprega, tenderá a escolher profissionais vindos das vertentes mais tradicionais de estudo: economia, direito, administração etc.

8. Quais conhecimentos em Fundamentos das Relações Internacionais, História das Relações Internacionais e Análise Microeconômica sua profissão exige?
PRA: A rigor, a profissão não exige nenhuma fundamentação teórica específica, tanto que não se requer nenhuma área determinada ou circunscrita de estudos, bastando qualquer diploma de nível superior (mesmo, portanto, de áreas fortemente técnicas), mas os exames de entrada no IRBr são fortemente baseados no conhecimento da história em geral, da história do Brasil em particular, das relações internacionais de modo amplo (aqui, bem mais história do que teorias, obviamente) e alguma economia, tanto macro, quanto micro, mas sem aprofundamentos desnecessários.
No curso da carreira, seremos chamados a fazer novos exames de qualificação para a ascensão funcional – Curso de Aperfeiçoamento, quando se é Segundo Secretário, e Curso de Altos Estudos, para os Conselheiros – e há, digamos, uma necessidade empírica de aperfeiçoamento constante em algumas áreas, com vistas ao bom desempenho técnico em funções que exijam algum conhecimento especializado (em comércio internacional ou solução de controvérsias, por exemplo, ou em direito humanitário ou temas ambientais, em outras linhas). Tudo isso pode ser adquirido com a própria experiência profissional, complementado por leituras e informação adquiridas em bases individuais.

Respostas dadas por Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de outubro de 2007.

Curso sobre Política Externa Brasileira: elementos bibliográficos

Elaborei a pequena listagem bibliográfica sobre a política externa brasileira em 2007, a pedido de um colega acadêmico, que iria dar um curso sobre a matéria, e a fiz bastante rapidamente, sem muita consulta a respeito. Pode ser que tenha alguma utilidade para outros interessados na questão, mas não a atualizei desde então, o que pode motivar algumas lacunas de obras mais atuais.

Análise da Política Externa Brasileira
Subsídios para um curso
10.12.2007

1. Fundamentos Históricos: da Independência à República
Amado Luiz Cervo, Clodoaldo Bueno: História da Política Exterior do Brasil
Carlos Delgado de Carvalho: História Diplomática do Brasil
Hélio Vianna: História Diplomática do Brasil
José Honório Rodrigues, Ricardo Seitenfus: Uma História Diplomática do Brasil (1531-1945)
Paulo Roberto de Almeida. Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império
Pandiá Calógeras. A Política Exterior do Império, 3 volumes.
Luis Claudio Villafane Gomes Santos. O Brasil entre a América e a Europa: o Império e o interamericanismo (do Congresso do Panamá à Conferência de Washington).

2. Consolidação de uma Política Externa Nacional: a era do Barão
Clodoaldo Bueno: A República e sua Política Exterior (1889 a 1902).
______ . Política externa da Primeira República: os anos de apogeu – de 1902 a 1918
E. Bradford Burns. A Aliança Não Escrita: Rio Branco e as relações brasileiro-americanas
Letícia de Abreu Pinheiro. Política Externa Brasileira, 1889-2002.
Luís Viana Filho. A vida do Barão do Rio Branco.

3. Do Barão à Política Externa Independente
Fernando P. de Mello Barreto Filho. Os Sucessores do Barão: relações exteriores do Brasil, 1912-1964
Eugênio Vargas Garcia. Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920
José Augusto Guilhon de Albuquerque(Org.). Sessenta Anos de Política externa brasileira (1930-1990), 4 volumes
Paulo Vizentini. As relações exteriores do Brasil (1945-64)
Marcelo de Paiva Abreu. O Brasil e a economia mundial, 1930-1945.
Afonso Arinos Filho. Diplomacia independente: um legado de Afonso Arinos.

4. A Política Externa do Regime Militar
Fernando P. de Mello Barreto Filho. Os Sucessores do Barão: relações exteriores do Brasil, 1964-1985
Paulo Vizentini. A política externa do regime militar brasileiro: multilateralização, desenvolvimento e construção de uma potência média (1964-1985).
José Augusto Guilhon de Albuquerque(Org.). Sessenta Anos de Política externa brasileira (1930-1990), 4 volumes
Paulo Roberto de Almeida. Relações internacionais e política externa do Brasil: história e sociologia da diplomacia brasileira. 2. Ed
Mário Gibson Barboza. Na Diplomacia, o traço todo da vida.

5. Da Redemocratização à atualidade
Paulo Vizentini. Relações internacionais do Brasil: de Vargas a Lula
Oliveiros S. Ferreira. Crise da política externa: autonomia ou subordinação?
Henrique Altemani de. Política Externa Brasileira.

6. O Brasil e o Sistema Político Multilateral: CSNU
Gelson Fonseca Jr; Valdemar Carneiro Leão; Sérgio Nabuco de Castro (Orgs.). Temas de Política Externa Brasileira, 2 volumes
Luiz Felipe de Seixas Corrêa (organizador): O Brasil nas Nações Unidas, 1946-2006
Samuel Pinheiro. Desafios brasileiros na era dos gigantes.
Monica Herz; Andrea Hoffmann. Organizações Internacionais: histórias e práticas.
José Augusto Lindgren Alves. Relações internacionais e temas sociais: a década das conferências.

7. O Sistema Econômico Multilateral: OMC, negociações comerciais multilaterais
Paulo Roberto de Almeida. O Brasil e o multilateralismo econômico.
Celso Lafer. A Identidade Internacional do Brasil e a Política Externa Brasileira: passado, presente e futuro. 2. ed.
_______ . A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira.
Pedro Sampaio Malan. Relações Econômicas Internacionais do Brasil (1945-1964). In: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. 2. ed. São Paulo: Difel, 1986, III: O Brasil Republicano, 4. vol.: Economia e Cultura (1930-1964). pp. 51-106.
Marcos Cintra; Carlos Henrique Cardim (Orgs.). O Brasil e a Alca.
Paulo Borba Casella; Araminta de Azevedo Mercadante (Coords.). Guerra Comercial ou Integração Mundial pelo Comércio? A OMC e o Brasil.

8. Relações Regionais: América do Sul, Argentina, Mercosul e Integração Regional
L. A. Moniz Bandeira. Estado Nacional e Política Internacional na América Latina: o continente nas relações Argentina-Brasil (1930/1992)
________ . O Eixo Argentina-Brasil: o processo de integração da América Latina.
Paulo Roberto de Almeida. O Mercosul no Contexto Regional e Internacional
________ . Mercosul: Fundamentos e Perspectivas
Eduardo Viola e Héctor Ricardo Leis: Sistema Internacional com Hegemonia das Democracias de Mercado: Desafios de Brasil e Argentina
Rubens Antônio Barbosa (org.). Mercosul quinze anos
Paulo Borba Casella (Coord.). Mercosul: integração regional e globalização.

9. Terceiro Mundo, cooperação Sul-Sul
Celso Amorim. A política externa do governo Lula: dois anos. Plenarium, a. 2, n. 2, nov. 2005. link: .

10. Relações com a Europa
Bruno Ayllon Pino. La política exterior del gobierno Lula y las relaciones de Brasil com la Unión Europea. Madri: Real Instituto Elcano de Estudios Internacionales y Estratégicos, 2006. N. 22. link:

11. Relações com os Estados Unidos
L.A. Moniz Bandeira. Relações Brasil-EUA no contexto da globalização: I – Presença dos EUA no Brasil.
______ . Brasil-Estados Unidos: A Rivalidade Emergente, 1950-1988.
______ . As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990-2004).
Paulo Roberto de Almeida. “A relação do Brasil com os EUA: de FHC-Clinton a Lula-Bush”, in André Urani, Fabio Giambiagi e José Guilherme Reis, Reformas no Brasil: Balanço e Agenda

12. Temas globais, questões tópicas (energia, meio ambiente, desenvolvimento, etc.)
Rubens Ricupero. Visões do Brasil: ensaios sobre a história e a inserção internacional do Brasil
Paulo Roberto de Almeida. O Primeiros Anos do Século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas
Georges. D. Landau. “Brazil: Energy Issues”. In: WEINTRAUB, Sidney (Ed.), Energy Cooperation in the Western Hemisphere. Washington/DC: Center for Strategic and International Studies, 2006
Mônica Teresa Costa Souza Cherem; Roberto Di Sena Jr. (Orgs.). Comércio Internacional e Desenvolvimento
Luiz Augusto Souto Maior. O Brasil em um mundo em transição
José Flavio Sombra Saraiva; Amado Luiz Cervo (Orgs.) O crescimento das relações internacionais no Brasil.
Antonio Carlos Lessa; Henrique Altemani de Oliveira. (Orgs.). Relações Internacionais do Brasil: temas e agendas, 2 volumes.

Fontes:
FUNAG, Fundação Alexandre de Gusmão (Ministério das Relações Exteriores). Biblioteca Digital (http://www.funag.gov.br/BDPE); coleção Teses do Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco (http://www.funag.gov.br/BDPE/cae/Teses); coleção “Seminários do IPRI (http://www.funag.gov.br/BDPE/seminarios/seminarios); cadernos do Centro de História e Documentação Diplomática (http://chdd.funag.gov.br/cadernos/cadernos-do-chdd).

Politica Externa do Brasil: respostas a uma pesquisa jamais publicada

Respondi, em 13 de fevereiro de 2007, a um instituto brasileiro de pesquisa, cujo nome não vem ao caso lembrar agora, algumas perguntas sobre política externa brasileira, entre outras questões do interesse desse instituto.
Não sei por que me escolheram para responder à pesquisa, nem o que fizeram de minhas respostas, pois jamais tive qualquer retorno quanto aos resultados dessa pesquisa, nem me informaram, na carta-convite, o que fariam exatamente das respostas.
Como sempre parto do pressuposto de que os convites que me são feitos -- e recebo muitos, geralmente de pesquisadores, estudantes, jornalistas e de algumas entidas brasileiras e estrangeiras -- o são por pessoas e entidades sérias, comprometidas com a fiablidade da transcrição das respostas no trabalho em curso, respondo de boa vontade e de boa fé, por vezes pedindo para ver o resultado (quando se trata de algum trabalho acadêmico, por exemplo; não peço a jornalistas, pois sou de opinião de que eles devem ter liberdade para escrever o que pensam; se por acaso venho a saber que fui mal interpretado, ou distorcido, posso tentar corrigir, mas isso é raro).
É muito raro que eu divulgue essas respostas pessoais, diretas e discretas que dou aos que me consultam em caráter particular.
Se o faço agora -- como já fiz em vários posts anteriores -- é porque não tenho tempo de responder a todas as questões que me são colocadas -- justamente não posso fazê-lo sempre, do contrário passaria meu tempo respondendo consultas -- e assim posso "socializar" para um número mais amplo de curiosos (geralmente estudantes) algumas opiniões sobre política externa brasileira.
De acordo com a legislação do Serviço Exterior brasileiro, deve-se pedir autorização para emitir opiniões públicas sobre temas da agenda corrente da diplomacia oficial, de que sou inteiramente consciente.
Minhas opiniões não tratam de aspectos correntes da política externa brasileira, mas de hipóteses colocadas pelo entrevistador, daí que julguei que poderia divulgá-las...
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 11.07.2010)

Pesquisa sobre política externa do Brasil
Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)
Respostas a algumas questões colocadas (por um instituto)

(Parte inicial sobre perfil do entrevistado e caracterização geral)

23. O Brasil deve assumir a posição de líder dos países emergentes
Discordo.
23a. Por quê:
Lideranças auto-assumidas sempre redundam em fracassos, sobretudo quando não se dispõe de meios adequados para assegurar essa liderança, o que é o caso do Brasil. O exercício da liderança requer, em primeiro lugar, uma economia sólida, capaz de sustentar o esforço externo de cooperação econômica e de assistência técnica em prol de projetos de desenvolvimento em outros países. Este não é o caso do Brasil, ainda que ele disponha de alguma capacidade para cooperação externa, mais por interesse político-diplomático do que por reais disponibilidades materiais (uma vez que são notórias as carências extremas ainda existentes no próprio Brasil). Liderança também significa capacitação militar suficiente para sustentar missões de intervenção em prol da paz e da segurança, mesmo na ausência de esquemas multilaterais de cooperação (ONU), o que tampouco é o caso do Brasil. Liderança requer, sobretudo, a aceitação voluntária dos liderados, seja por necessidade de países menores e menos dotados economica e politicamente, seja por afirmação natural (ou seja, sem imposições) do candidato a líder, que passa a ser reconhecido, seja pelo lado militar, seja pelo lado econômico-diplomático, como capaz de liderar consensualmente, sem necessidade de solicitar apoios "comprados". A liderança surge pelo exemplo de equilíbrio na condução dos seus próprios negócios internos e na agenda diplomática internacional, e pela dedicação desinteressada nos temas de cooperação internacional, não pela auto-afirmação gratuita.

24. O Brasil deve continuar investindo no Mercosul
Concordo em parte
24a. Por quê
Espaços econômicos abertos são sempre importantes para uma economia integrada aos grandes fluxos da globalização. O Mercosul, concebido como área de integração aberta, deve ser visto como uma espécie de mini-globalização. Um Mercosul voltado para o próprio umbigo seria nefasto para a inserção econômica internacional do Brasil. O Mercosul pode ser importante para o Brasil, mas ele não deve condicionar nossa política externa nem determinar nossa inserção econômica internacional, que deve ser buscada em seu mérito próprio, não em função de um projeto que requer o consenso de diversos países (cujos interesses podem diferir grandemente). Um Mercosul com direito de veto sobre nossa política econômica seria um contra-senso. Nossa situação é totalmente distinta da situação européia e não requer supranacionalidade para a resolução, ou pelo menos o encaminhamento, de nossos problemas mais cruciais. Nossos problemas mais relevantes são todos "made in Brazil" e devem receber soluções propriamente, senão exclusivamente brasileiras. O Mercosul pode ajudar, parcialmente, no encaminhamento dessas "soluções", mas não é dele que devem derivar essas soluções.

25. O Brasil deve aumentar suas relações econômicas com os EUA
Concordo inteiramente.
25a. Por quê
Trata-se da maior economia do planeta, um dos grandes provedores, senão o principal, do Brasil em capitais de investimento direto, financiamento, know-how, tecnologia produtiva, serviços especializados, cooperação na área científica e tecnológica, mercado importante para bens e serviços do Brasil, absorvedor de grande parte de nossa população emigrada (legal e ilegalmente), o emprestador de última instância com poder nas instituições financeiras multilaterais (e até bilaterais), o país de vanguarda na inovação tecnológica e na produção científica, o garantidor em última instância da segurança e da paz, enfim, um país incontornável, por mais arrogante que ele possa ser e por mais assimétricas que possam ser as relações bilaterais (o que ocorre, aliás, com a grande maioria dos países do planeta). Sem qualquer subordinação política ou diplomática, é do nosso interesse estreitar os laços econômicos e tecnológicos com os EUA, apenas isto.

26. Brasil deve aumentar suas relações econômicas com a UE
Concordo inteiramente
26a. Por quê?
Grande mercado, segundo principal provedor de bens e serviços, capitais e tecnologia para o Brasil, maior parceiro, tomado como bloco, no plano comercial e dos investimentos diretos, segunda moeda mais importante no mundo financeiro, laços históricos e tradicionais nos planos populacional, cultural e empresarial, um centro de poder econômico e político com capacidade para equilibrar as relações econômicas e políticas no plano mundial.

27. Brasil deve aumentar suas relações econômicas com a África
Concordo em parte
27. Por quê?
Todo incremento de relações econômico-comerciais, em bases de mercado, é importante, como diversificação de chances de ganhos e oportunidades para o setor privado, mas deve-se afastar a ideologia das "raízes africanas", que descambam para o paternalismo ou o "retribucionismo" infantil e indevido (idéia equivocada de uma "dívida moral", em relação à Africa, por causa do passado de escravidão), quando não para o pieguismo em relações internacionais. A África é um continente problemático, não apenas e sobretudo não principalmente devido ao passado da escravidão, mas em virtude de Estados falidos, ditadores corruptos, desagregação social e econômica, ou seja, por escolhas e políticas erradas por parte de seus dirigentes. Qualquer investimento econômico ou diplomático naquele continente deve partir de bases realistas e não ideológicas.

28.Brasil deve aumentar suas relações econômicas com a América Latina
Concordo inteiramente
28a. Por quê?
Trata-se do contexto geográfico natural e o terreno de expansão econômica inevitável para as empresas brasileiras. Os laços históricos são fortes e as razões de ordem econômica e cultural ainda maiores. A integração deve ser buscada, não como um fim em si mesmo, mas como um meio para fortalecer as economias da região e para uma maior inserção na economia internacional.

29. O Brasil deve defender seu ingresso para o Conselho de Segurança das Nações Unidas
Concordo em parte
29a. Por quê?
Não se trata de questão prioritária do ponto de vista dos principais problemas brasileiros, que estão todos concentrados no próprio Brasil e não no meio ambiente internacional. A participação no CSNU exige meios e disponibilidade de recursos de que carecemos no plano interno.

30. O Brasil deve enviar tropas para missões de paz das Nações Unidas
Concordo inteiramente.
30a. Por quê?
A participação na solução dos problemas de segurança internacional e conflitos regionais sempre interessa ao Brasil, país comprometido com a solução pacífica das controvérsias e cultor do direito internacional como base das relações internacionais. Trata-se, também, de demonstração de solidariedade e interesse por povos mais infelizes do que o nosso.


40. O governo de Hugo Chávez na Venezuela é democrático
Discordo frontalmente.
40a. Por quê?
Democracia significa poderes independentes, liberdade de expressão, livre iniciativa no plano econômico, Estado menos intrusivo na esfera econômica e no plano ideológico, o que obviamente não ocorre hoje na Venezuela.

41. É importante para a América Latina que o governo brasileiro desenvolva relações políticas mais estreitas com o governo venezuelano.

Discordo.
41a. Por quê?
A Venezuela é um país sumamente importante para o Brasil nos planos econômico, diplomático e até político, mas a expansão das relações políticas com o atual governo venezuelano certamente não contribui para nossa afirmação como nação democrática no plano externo igualmente.

42. O Brasil deve ampliar sua integração energética com a Venezuela e com a Bolívia.
Não concordo, nem discordo.
42a. Por quê?
As reservas imensas em energia em ambos os países são uma realidade, mas a fiabilidade dos negócios, em geral, a segurança nos investimentos, a certeza de aprovisionamento no médio e longo prazo são elementos essenciais para o estabelecimento de uma plataforma de cooperação energética com ambos os países. Todos esses elementos necessitam ser avaliados nos planos técnico, econômico e gerencial, para que eles possam ser assegurados por meio de tratados, acordos e contratos que possuam garantias de solução de controvérsia ao abrigo do arbítrio governamental (foros independentes, portanto), de maneira a contornar o caráter errático das estruturas políticas nesses países. Qualquer avaliação "política" desses aspectos, privilegiando vizinhança ou mera simpatia, seria uma temeridade nas presentes circunstâncias.

68. Na sua opinião, que políticas poderiam ser adotadas e que poderiam deveriam ser evitadas pelo Brasil para apoiar uma transição democrática em Cuba?
O Brasil deveria manifestar publicamente e abertamente sua posição em favor de um retorno à democracia política na ilha caribenha, deixando claro, no entanto, que caberia ao povo cubano, dotado de liberdade de se organizar democraticamente em um regime de pluralidade de partidos políticos, se manifestar em eleições livres nesse sentido. O Brasil não deve apoiar grupos minoritários que se organizassem para derrubar pela força o regime cubano. Mas, o Brasil deveria deixar claro que qualquer iniciativa para integrar Cuba às estruturas econômicas de cooperação e de integração existentes no continente, ou no sentido da expansão dos laços culturais bilaterais, dependeria dessa transição democrática. Isso em respeito ao povo cubano, que não tem a oportunidade de se manifestar livremente desde mais de quarenta anos.

Brasília, 1722: 13 fevereiro 2007, 4 p.

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Addendum:
Permito-me destacar, com o realce que merece, o comentário do leitor sempre atento Mario Machado, seguindo de minha própria resposta a ele, e que levanta a possibilidade de um trabalho a respeito do tema:

Mário Machado disse...

Professor,
Sobre a questão 30a tenho uma avaliação pessoal que os custos dessas operações são mal comunicados ao povo brasileiro, principalmente os custos humanos, afinal qualquer operação militar incorre no risco de perda de vidas. E um aumento do chamado "protagonismo" aumentaria bastante a chance de termos que assistir a chegada sempre muito triste dos heróis caídos com bandeiras em seus caixões.
Eu concordo com a participação do Brasil nessas missões, mas o processo deveria ser mais debatido.
Não sei se o senhor concorda com isso e caso não creio que sua visão enriqueceria a minha.
Abraços,
Sábado, Julho 10, 2010 3:06:00 PM



Blogger Paulo R. de Almeida disse...


Meu caro Mario,
Concordo inteiramente com você, e discordo, portanto, de mim mesmo.
Sim, parece contraditório, mas me explico.
Não sei bem por que razão, no momento de responder a esse questionário, dois anos atrás, coloquei "concordo inteiramente", e dei as razões para isso, quando, na verdade, eu não concordo inteiramente, e até discordo ligeiramente. Deve ter sido a pressa em responder, ou, provavelmente, um certo prurido de parecer "politicamente incorreto", ou "nacionalmente egoista", ou "mesquinho", ao responder pela negativa.
Hoje, eu responderia claramente pela negativa parcial, mas o tema é por demais complexo para receber uma resposta sempre favorável ou sempre negativa.
Provavelmente, cada caso deve ser considerado em sua dimensão própria, medirmos nossos interesses no caso, nossas possibilidades e limites materiais, nosso engajamento político e moral, nossas responsabilidades multilaterais. Não podemos nos isolar do mundo, mas também temos de ter consciência de que nosso primeiro dever é com o nosso povo e em seguida com a região na qual vivemos.
Por outro lado, concordo inteiramente com você em que o assunto deveria ser amplamente debatido pela sociedade brasileira, que não tem tido a oportunidade de se pronunciar, por exemplo, em relação ao Haiti.
Mesmo durante a ditadura militar, nossa participação nas chamadas "Forças de Paz" que intervieram na República Dominicana foi amplamente debatida no Parlamento e você pode ver esses debates nas páginas da RBPI, em 1965.
Está faltando debate sobre as missões da ONU e sobre o próprio ingresso no CSNU.
Portanto, me redimo de minha resposta, agradeço a você a correção e a oportunidade de tecer mais algumas considerações sobre o assunto, o que indica que eu poderia, eventualmente, pensar em algum trabalho de reflexão sobre essa importante questão da participação do Brasil nas operações da ONU e sobre nossa política geral de segurança no contexto multilateral.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 11 de julho de 2010)

Confraternizando com ditadores: a politica externa lulista

Meus queridos ditadores
Claudio Dantas Sequeira
Isto É - Independente, 10 de julho de 2010

Com raras exceções ao longo da história, a diplomacia brasileira sempre se pautou pela defesa intransigente da democracia e dos direitos humanos. Marcou presença na criação do Estado de Israel, enviou tropas para combater o eixo nazista e investiu em missões de paz, como em Angola, no Timor Leste e no Haiti. Mas recentemente, em nome de interesses econômicos, o governo tem se desviado do rumo seguido por seus antecessores. No poder, Lula já chamou de “amigo e irmão” o general líbio Muammar Kadafi, defendeu o “companheiro” iraniano Mahmoud Ahmadinejad e causou arrepios ao criticar a greve de fome do preso político cubano Orlando Zapata. Na segunda-feira 5, Lula voltou a prestigiar outro ditador. Desta vez foi o presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, que está no cargo há 31 anos. Esse afago aos ditadores é feito em nome do comércio exterior. Como sintetizou o chanceler Celso Amorim, “negócios são negócios”.

Em alguns casos, como o da Líbia, a tese do pragmatismo mercantil tem provado sua eficácia. Desde 2007, a Odebrecht trabalha em duas obras no país de Kadafi, avaliadas em US$ 1,4 bilhão. A Embraer também vendeu para Trípoli dois jatos executivos e as exportações cresceram 280%. Para os críticos da política externa, porém, o retorno de dividendos não compensa o prejuízo à imagem do País como mediador de crises ou às pretensões pelo assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Sem falar da sonhada indicação de Lula para o Prêmio Nobel da Paz. “Visitas a ditadores não ajudam em nada esta eventual aspiração do presidente”, avalia o ex-chanceler Celso Lafer. Segundo ele, o Itamaraty se dobrou ao pragmatismo, abandonando a tradição democrática. “Uma coisa é criar novos laços econômicos com a África e resgatar a importância de uma política africana. Outra é endossar regimes claramente autoritários”, diz Lafer.

Para o ministro Amorim, os ataques não passam de “pregação moralista”. Ele cita como exemplo os Estados Unidos, que têm investido pesado na área de energia da Guiné Equatorial. Com uma produção de 400 mil barris por ano, o país africano é o terceiro produtor de petróleo da África, atrás apenas de Nigéria e Angola. “Não estamos ajudando nem promovendo ditaduras. Quem resolve o problema de cada país é o povo de cada país”, justificou. Durante a visita à Guiné, Lula assinou cinco acordos de cooperação, um deles de isenção de vistos para diplomatas e autoridades e outro de defesa. Mas fez vista grossa para uma denúncia da Anistia Internacional, segundo a qual Obiang prendeu e torturou nove membros do partido opositor União Popular, por suspeitar da participação deles num atentado ao palácio presidencial em 2009. Outra ONG internacional, a Global Witness, também acusou a família de Obiang de se apropriar dos recursos do petróleo e enviar dinheiro para paraísos fiscais, enquanto 60% da população vive na pobreza.

O professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas Oscar Vilhena, que também é membro do Comitê de Direitos Humanos e Política Externa, defende os avanços do governo na defesa internacional dos direitos sociais, mas reconhece que houve um declínio na agenda dos direitos políticos. “A diplomacia de direitos humanos no Brasil não pode ser objeto de escolhas discricionárias do presidente, pois a Constituição assegura esses princípios em seu artigo 4º”, explica. Em oito anos de governo, o presidente Lula recebeu em Brasília 12 ditadores. E retribuiu essas visitas, quase sempre embaladas por abraços, presentes e declarações de apoio. O presidente do Casaquistão, Nursultan Nazarbayev, por exemplo, ganhou do presidente uma camisa da Seleção autografada por Pelé. Lula também causou polêmica ao prestar solidariedade a regimes autoritários, como o do iraniano Mahmoud Ahmadinejad. “Atitudes como essa são ainda mais graves, porque lidam com um problema de maior envergadura, a guerra”, alerta Lafer. O embaixador considera insignificante o alegado benefício comercial que se pode obter com essas alianças. Recentemente, o Brasil também alterou seu voto de condenação à China no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Se são as razões comerciais que comandam a agenda diplomática, resta saber por que o Itamaraty, além do carinho na China, se absteve também nas moções críticas a violações na Coreia do Norte, no Sri Lanka e no Sudão. No caso desses ­países, qual é mesmo o business?

Populismo universitario internacional

Lei 63/2010: dispõe sobre a criação da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB

Comento (PRA):
Se a intenção real fosse cooperação internacional ao desenvolvimento, no setor educacional, especificamente voltada para os Palops, ou seja, os países africanos de expressão portuguesa, o melhor teria sido ampliar o número de bolsas de estudo e outras facilidades para os candidatos estudarem na USP, nas federais das grandes capitais do Sul-Sudeste, na Unicamp, na Unesp, em outras boas escolas superiores, com estruturas montadas e cursos reconhecidos, funcionando plenamente, com professores reconhecidos e condições ótimas de estudo (bibliotecas boas, bares e lanchonetes, diversão à vontade para os jovens que virão).
Não, para quê aproveitar tudo isso, a custo quase zero?
A solução encontrada foi a pior possível: vão montar uma universidade a partir do zero (e portanto gastar mais da metade da verba com infra-estrutura e meios administrativos, num local ermo -- escolhido apenas porque foi o município que primeiro decretou o fim da escravidão no Brasil, o que não lhe recomenda por quaisquer outros méritos que tenha, que são perfeitamente desconhecidos mesmo dos que imaginaram o gesto demagógico --, desprovido de outros atrativos para os jovens, sem professores -- que terão de ser contratados dentre os especialistas da grade curricular ainda incerta e não sabida, enfim, condições sub-ótimas, para não dizer completamente deficientes.
Um custo enorme para um resultado pífio e alguma evasão esperada.
Demagogia é isso aí...
Paulo Roberto de Almeida

Turismo "al revés": (des)promoting tourism in Brazil

Os que frequentam este blog e leem seus posts dedicados ao mais famoso professor de economia "al revés" que existe nas cercanias do Brasil, sabem como é aprender ao contrário, isto é, enfatizando tudo aquilo, justamente, que não se há de fazer ou falar, ou que não é recomendado pelas boas regras da educação civilizada ou da simples cortesia com os ouvintes (como não falar errado, não fazer brincadeiras de mau-gosto, piadas grosseiras e coisas do gênero, que infelizmente tem sido multiplicadas de uns tempos para cá).
Certas pessoas se consideram não apenas acima dos comuns, como inimputáveis, já não digo pelas normas e procedimentos criminais, mas pelas regras da gramática, do bem falar e do simples bom gosto.
Conheço, desde muito tempo, essa prática de afastar o discurso formal, por vezes chato, preparado pelas assessorias especializadas, que costumam falar sobre o óbvio, não sem aquela sensação de "langue de bois", ou de bullshit", que aborrece um pouco, mas é o que se deve dizer nessas ocasiões formais. Pois bem, preferindo o improviso e as brincadeiras inventadas na hora, corre-se sempre o risco de falar o que não cai bem, insistir no que não deve e descontentar os promotores do evento, que esperavam evidentemente outra coisa.
Sorrisos amarelos, risadas forçadas, aplausos envergonhados, sensação de surpresa, frustração, quando não raiva...
Tudo isso se reflete na matéria abaixo:
Paulo Roberto de Almeida

Lula desconstrói campanha de turismo e destaca perigos do Brasil em 2014
Alexandre Sinato, Bruno Freitas e Mauricio Stycer
Uol, 9.07.2010

Lula desconstruiu o projeto do ministério do turismo para Copa de 2014 durante discurso na África

Em Johanesburgo (África do Sul) - Num discurso de improviso, destinado a lançar uma campanha de promoção internacional do turismo no Brasil com vistas à Copa de 2014, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçou uma imagem do país que o Ministério do Turismo não gostaria de ver enaltecida.

Lula alertou os estrangeiros sobre o risco de ser mordido por “uma sucuri destreinada”, disse que os brasileiros não sabem inglês mas são bons na arte de “mimicar”, garantiu que o país é tão bem servido de homens quanto de mulheres e lamentou que as pessoas vão ao cinema e na volta não encontram o carro, porque foi roubado.

A cerimônia com a presença do presidente ocorreu num espaço montado pelo governo, num centro de convenções, no coração de Johanesburgo. Lula passou um tempo folheando o discurso preparado para o evento. Mas deixou-o de lado e arrancou gargalhadas já ao mencionar as autoridades presentes. Chamou o prefeito Eduardo Paes, do Rio de Janeiro, de governador, corrigiu-se, mas acrescentou, rindo: “Mas um dia vai ser. Um dia vai ser”.

Lula elogiou a diversidade racial brasileira fazendo um contraponto com outros povos. “Quando você vê a Alemanha em campo, com exceção do brasileiro Cacau, você só vê alemão. Quando você vê o Japão, você só vê japonês. Quando você vê a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, você só vê coreanos, com a diferença que uns riem mais que os outros. No jogo Itália e Servia, não tinha um único negro nem no banco de reservas”.

Curiosamente, o filme exibido pelo Ministério do Turismo, para ser lançado assim que acabar a final da Copa de 2010, mostra um Brasil quase inteiramente branco. Até ao mostrar o público na arquibancada do Maracanã, a publicidade dirigida por Fernando Meirelles exibe em primeiro plano uma mulher loira.

Lula elogiou a beleza do brasileiro. E observou: “Quando eu falo em beleza, vocês têm que compreender que para cada sapo tem uma sapa. Ninguém fica sem seu par”.

Em seguida, o presidente fez uma digressão sobre os motivos que impedem o brasileiro de ir ao cinema. Queria fazer um paralelo com a dificuldade de levar turistas estrangeiros ao Brasil. E disse: “O cidadão vai ao cinema e depois quando vai buscar o carro, roubaram”.

Ao falar das belezas naturais do país, Lula mencionou especialmente o Amazonas, o Pantanal e a Chapada Diamantina. “A floresta mais incrível do mundo, rios maravilhosos, mas tem que ser de maneira ordeira. Se sair da linha, uma sucuri destreinada vai pegar vocês”.

Lula arrancou aplausos ao criticar as companhias aéreas brasileiras, que não têm vôos diretos para a África. Disse que é uma questão de honra para ele, assumida diante do presidente da África do Sul, Jacob Zuma, que este quadro seja mudado. “Não é possível que o avião brasileiro passe sobre a África e não pare. Tem que parar. O africano que quer ir para o Brasil tem que pegar um avião para Paris. Se ele vai até Paris, por que vai para o Brasil depois?”

O presidente também divertiu o público ao falar que o turista que for para o Nordeste vai encontrar um povo muito acolhedor, mas que não sabe falar inglês. “Mas tem a grande capacidade de fazer mímica. É a capacidade de mimicar do povo brasileiro”. Dirigindo-se a Marco Aurélio Garcia, assessor especial para assuntos internacionais, Lula perguntou: “Esse verbo existe?” E ouviu um não, mas o verbo existe segundo o dicionário Houaiss.

Lula encerrou o improviso lendo a última frase do discurso preparado para ser lido. “Eu ia ler meu discurso, mas não li. Então vou ler só a última frase. O Brasil está te chamando. Celebre a vida aqui”, disse, fazendo graça.

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Addendum: A última frase da propaganda do Ministério do Turismo (que nem deveria existir) revela a pobreza da linguagem publicitária adotada: "O Brasil está te chamando". Esse povo deveria voltar para a escola...

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O socialismo do seculo 21 nao agrada aos trabalhadores...

Venezuelans oppose Chávez attempt to nationalize private food company
Juan Forero
The Washington Post, Friday, July 9, 2010

At the Polar facility in Barquisimeto, where more than 800 workers load beer, sangria, malta and other beverages for distribution in this region of northwestern Venezuela.

As in all major government takeovers of private companies in Venezuela, President Hugo Chávez declared that seizing beer-and-food giant Polar's facilities here would mark another victory for the poor in the country's march toward socialism.

"Why is it that Polar has so much money?" Chávez asked in a February speech made in this city in northwest Venezuela. "I say to the owner of Polar: Start making plans, because you are going to be out of here."

Weeks later, a decree expropriating Polar's warehouses and offices in an industrial zone of Barquisimeto was signed. And Venezuelans, after nearly 12 years of state interventions under Chávez, expected the government to quickly sweep the company's facilities in the country's fourth-largest city from their current location and replace them with apartments. Chávez suggested that he might even nationalize the entire company, which has plants and distribution points nationwide.

Except this time, the president's plans went badly awry, exposing mounting national opposition to a policy under which oil companies, supermarkets and factories have been taken over by the state, only to founder under the control of government functionaries.

Not only did Polar fight back by taking its case to the Supreme Court, but its employees have risen up, too, rallying in opposition to Chávez's edict and holding all-night vigils to prevent a takeover. Among those who joined the uprising was Henri Falcón, the popular governor of Lara state, a former ally of Chávez's who says the president has not considered long-term consequences when nationalizing companies.

"The president arrives and it occurs to him to say, 'This has to be expropriated,' without taking into account the technical or legal criteria," Falcon said in an interview last week. "We oppose this because it does not make sense. It is more an impulse of the president."

The government has characterized the struggle with Polar as one between good and evil, with Chávez giving several speeches in which he has mocked Polar's owner, Lorenzo Mendoza, who is one of Latin America's richest men.

"We will see who can last longer, Mendoza, you with your millions or me with my morals," Chávez said in a nationally televised speech in June. "Because you are the rich one. You are going to hell, to heaven you will not go."

The president has also called on workers to rise up against the elites. "I invoke the real Venezuelan working class for economic war against the bourgeoisie," said Chávez, who directly warned Mendoza that he could nationalize the entire Polar company, which accounts for 2.4 percent of the country's non-oil gross domestic product and is the country's largest private company. Its polar bear logo is well-known throughout Venezuela and other countries.

Mendoza, 44, has not publicly responded to the attacks, and Polar officials declined to comment about Chávez's efforts to nationalize the installations in Barquisimeto.

But employees said they oppose the government intervention because they think workers have fared badly at nationalized companies, where they have faced reduced wages and been unable to bargain collectively.

"At no time have we been taken into account and asked to say if we agree," said Richard Prieto, head of one of the two unions that represent more than 800 workers here.

Workers also said Polar offers wages and benefits that far outstrip those of other employers in Venezuela, including the state.

"We are saying no because we have seen the experiences of other expropriated companies," said Juan Tacoa, president of the other union. "Here in Polar, we have benefits we know we would not have with the government."

The stand taken by the workers has gone beyond the metal gates that surround the facilities from which the company distributes beer, wine and other beverages. A poll by Consultores 21, a Caracas firm, showed that 84 percent of the residents of Barquisimeto oppose the takeover. Nearly 70 percent said they thought the government would never build housing for the poor on the site, which is what Chávez says he envisions once Polar is removed.

The revolt against the president's plans has been particularly embarrassing because it has come during a roiling scandal involving the state's mismanagement of food distribution. Over the past two months, tens of thousands of tons of imported food bound for state-subsidized markets has been found rotting at ports and in warehouses. Petróleos de Venezuela, the state oil company, was responsible for distributing the food, which included chickens, cereal and powdered milk.

Food production has fallen precipitously under Chávez, while imports have sharply increased. Food scarcity and high prices have become nagging realities, which recently prompted the government to nationalize a string of supermarkets.

Polar, meanwhile, has grown in recent years into a behemoth that employs 30,000 workers and operates 14 plants and 75 distribution centers in Venezuela. Since Mendoza's grandfather founded the company in 1941, it has expanded to produce everything from beer to butter to cooking oil to mayonnaise. Its most famous food product is the popular precooked flour needed for the cornmeal cakes that are a national staple.

"It's a company like Kraft or Procter & Gamble which sells a lot of staples, things that people use," said Robert Bottome, editor of VenEconomía, a Caracas business journal. "And it has a tradition that goes back 60 years of maintaining quality and treating its customers well and its workers well. It should be a model for what all companies should be. Sounds corny, but that's the reality of it."

Last week, workers played dominoes and ping-pong as the sun went down -- another night approached in which they would make sure Chávez's supporters did not storm the gates.

Big wooden pallets blocked entrances, and banners that were draped on fences and walls read "Polar is everyone" and "You're not alone." A bus filled with workers from another Polar facility arrived to help.

Taking a moment from playing dominoes, Santos Freites, 42, who helps load trucks, said he had worked all day, gone home to eat and was now ready to settle in for nine more hours.

"This is our fight, our cause, and the reason we are here is our jobs," he said. "We are here because we need to defend our jobs, for our children and our families."

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Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...