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sábado, 29 de abril de 2017

Coreia do Norte: os Kim, do regime mais surrealista possivel - Jose Carlos Fernandes

Meu amigo Mauricio David me envia um interessante artigo do jornalista português José Carlos Fernandes sobre a enigmática dinastia Kim que impera na Coréia do Norte... 
Paulo Roberto de Almeida
 
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A Dinastia Kim: fatos, propaganda e rumores

Os Kim governam a Coreia do Norte desde o fim da última guerra mundial e parecem crer que sobreviverão à próxima. Folhear o álbum de família ajuda a compreender o enigmático regime de Pyongyang. 
Nem sempre é fácil separar fatos de propaganda, mas quando esta atinge proporções maciças, os líderes são elevados a um estatuto semi-divino e o país vive sob um regime totalitário, fechado e paranóico há mais de 70 anos, torna-se numa tarefa quase impossível. Isto é inevitável no que respeita ao princípio da vida de Kim Il-sung, pois as pessoas que o teriam conhecido pessoalmente durante a juventude já desapareceram, mas também é válido para muitos aspectos da vida dos seus netos.
Seja como for, é possível ir cruzando a informação, nem sempre fidedigna, que é transmitida por dissidentes que fogem da Coreia do Norte ou estrangeiros com informação privilegiada sobre os bastidores do regime – como Kenji Fujimoto, que alega ter sido sushiman pessoal de Kim Jong-Il – e tentar perceber que parte da propaganda oficial é real e qual é fantasia.
Quando a tensão entre o regime de Kim Jong-un e os EUA, a Coreia do Sul e a comunidade internacional atinge um dos pontos mais altos de sempre ( “A ameaça é real? Até onde irá o conflito na Coreia?“), vale a pena recuar até ao início do século XX.

Kim Hyong-jik (1894-1926)

Pai de Kim Il-Sung e bisavô do atual líder, Kim Jong-un. Natural da aldeia de Mungyungbong, casou-se com Kang Pan-sok (1892-1932) em 1899, quando tinha apenas 15 anos: Kim Il-sung, o primeiro filho, nasceria em 1912; o segundo filho, Kim Yong-jun nasceria oito anos depois. Kim Hyong-jik e Kang Pan-sok eram cristãos protestantes (presbiterianos), culto que florescera na Coreia após um tratado firmado com os EUA em 1882, e Kim Hyong-jik, embora tenha nascido numa família de camponeses, foi educado numa escola de missionários americanos e chegou a trabalhar ele próprio durante algum tempo como missionário. Uma vez que o regime coreano é de natureza ateísta, Kim Il-sung tentou, posteriormente, minimizar a devoção religiosa dos pais, alegando que esta era meramente utilitária e superficial.
A Kim Hyong-jik e Kang Pan-sok a propaganda oficial atribui o papel de líderes independentistas, com atos de bravura contra o ocupante japonês – o reino da Coreia fora transformado num protetorado do Japão em 1905 e fora anexado em 1910.
A família mudou-se para a Manchúria quando Kim Il-sung tinha sete anos, o que a propaganda explica pela necessidade de fugir à repressão japonesa, mas que teve provavelmente por objetivo encontrar melhores condições de vida.
Após estudo de alguns livros sobre medicina tradicional, Kim Hyong-jik dedicou-se à ervanária e fez disso a sua principal fonte de rendimento, mas, a dar crédito a Kim Il-sung, a família nunca teve vida desafogada: a dieta estava limitada aos produtos mais elementares e baratos e o espectro da fome nunca andou longe.

Kim Il-sung (1912-1994)

Kim Il-sung é um “nome de guerra” – o nome de batismo foi Kim Song-ju. Após quatro anos na Manchúria com os pais, o jovem Kim foi enviado, aos 11 anos, de volta para a Coreia, para viver com os avós maternos e frequentar uma escola coreana (mas onde o ocupante impunha o ensino em língua japonesa). Regressou à Manchúria passados dois anos e, revelando extraordinária precocidade, aos 14 anos terá, alegadamente, fundado a União Abaixo o Imperialismo, com o propósito de combater o ocupante japonês e promover o marxismo-leninismo. Do que não há dúvida é do seu envolvimento com ativistas independentistas de pendor marxista, o que o levou a ser preso pela polícia chinesa em 1929. Ele os seus camaradas foram libertados em 1930 após uma greve de fome, mas Kim Il-sung já não regressaria à escola: a carreira que pretendia abraçar era a de revolucionário. Aderiu ao Partido Comunista Chinês e, pouco depois, o imperialismo japonês estendeu-se à Manchúria, que foi convertida num estado-fantoche designado Manchukuo, contra o qual Kim começou a desenvolver acções de guerrilha, integrado no Exército Unido Anti-Japonês do Noroeste.
Kim – que entretanto adoptara em 1935 o nome pelo qual é conhecido – foi lutando contra o ocupante japonês e subindo na hierarquia do exército guerrilheiro, em parte por mérito próprio e em parte como resultado da morte dos outros líderes.
Quando, em 1940, era perseguido pelas forças japonesas, atravessou o Rio Amur para o lado soviético. Foi levado para a cidade de Vyatskoye, onde os soviéticos treinavam a guerrilha coreana e incorporado no Exército Vermelho, onde lhe foi atribuído o comando de um batalhão formado por exilados coreanos e chineses e a patente de major.
Entretanto, conhecera, em 1937, a sua primeira esposa, Kim Jong-suk, que, conta-se na biografia oficial, terá salvado a vida do futuro Querido Líder numa emboscada japonesa. Casaram-se em 1941 e, pela mesma altura, nasceu Kim Jong-Il, embora a biografia oficial pretenda que este viu a luz do dia numa base secreta no Monte Paektu, na Coreia, em 1942. Compreende-se a necessidade de apimentar a vida dos Kim nesta fase em que viveram em passividade e segurança do lado de lá da fronteira durante cinco anos (ao contrário do que seria previsível, a URSS e o Japão limitaram-se a vigiar-se mutuamente), enquanto a II Guerra Mundial devastava boa parte do mundo e outros independentistas arriscavam as suas vidas na Coreia, lutando contra o ocupante.
Só a 8 de Agosto de 1945, três meses após o colapso do III Reich e dois dias depois do ataque nuclear contra Hiroshima é que a URSS se decidiu a declarar guerra a um Japão que estava praticamente de rastos, com o fito de obter ganhos territoriais e dilatar a sua esfera de influência. As tropas soviéticas derrotaram as forças japoneses na Manchúria e Coreia com grande facilidade, entraram em Pyongyang a 24 de Agosto e detiveram-se no paralelo 38, ficando a ocupação da parte sul do país a cargo dos americanos.
Kim Il-sung desembarcou a 19 de Setembro de 1945, na Coreia sem ter intervindo na sua libertação e, pior do que isso, nem sequer falando correctamente a língua do país em que não punha os pés há mais de 20 anos. Tal não impediu que os soviéticos lhe atribuíssem o cargo de secretário-geral do ramo norte do Partido Comunista Coreano. Kim deixou de se apresentar como nacionalista fervoroso a passou a ser um “patriota socialista”, refletindo a sua subalternidade em relação aos soviéticos. Foi necessário algum esforço de propaganda para impor Kim Il-sung, que, além de ser jovem, aparentava ser mais novo do que era e ficara a meio do ensino secundário (duas desvantagens de monta numa sociedade que associava idade a sabedoria e que, na tradição confucionista, prezava a educação formal) e parecia ser uma marioneta dos soviéticos. Pode ver-se nesta campanha o embrião daquilo que viria a ser o desmesurado culto da personalidade em torno de Kim Il-sung.
O outro candidato que os soviéticos consideraram para liderar os destinos da Coreia era o independentista Cho Man-sik, mas este revelou possuir pensamento autônomo e não parecia disposto a aceitar que ao jugo japonês se seguisse o jugo soviético. Foi assim que, no início de 1946, Kim foi colocado à frente do governo provisório e, com a proclamação, a 9 de Setembro de 1948, da República Popular Democrática da Coreia do Norte, assumiu definitivamente os destinos do país – só a morte o faria deixar o cargo, 46 anos depois.
A partir de 1949 Kim começou a assediar Stalin para que este o autorizasse a invadir a Coreia do Sul. O líder soviético começou por considerar a conjuntura desfavorável (ainda havia forças americanas na Coreia do Sul e Mao Tse Tung ainda não consolidara o seu poder na China) e recusou, mas o contexto evoluiu favoravelmente e Kim foi manobrando até que conseguiu que a URSS e a República Popular da China lhe dessem aval ao seu plano para a unificação da península. A invasão começou a 25 de Junho de 1950, mas, após um rápido avanço inicial, os norte-coreanos foram repelidos pela força conjunta da Coreia do Sul, EUA e Nações Unidas, que entraram em Pyongyang a 19 de Outubro. A vida política de Kim poderia ter chegado ao fim, não fosse a China ter respondido aos seus pedidos de socorro. A guerra acabou por durar três anos, causar 2.5 milhões de vítimas civis (1.5 no Norte, um milhão no Sul) e deixar a península devastada – e tudo isto para que, no fim, a fronteira entre as duas Coreias regressasse, com pequenas alterações, ao ponto de partida.
A morte de Stalin, em 1953, e a subida de Khrushchev ao poder arrefeceram as relações entre a Coreia do Norte e a URSS e a governação errática de Mao Tse Tung também causou algum afastamento entre os dois países (embora nunca tenha havido um corte de relações nem com a URSS nem com a república Popular da China). Em compensação, a Coreia do Norte estreitou laços com regimes comunistas da Europa de Leste, sobretudo com a República Democrática Alemã e a Romenia, cujo presidente, Nicolae Ceaușescu, ficou fascinado com o culto da personalidade em torno de Kim Il-sung e tentou emulá-lo no seu país.

Para afirmar a sua independência da URSS e da República Popular da China, em 1965 Kim Il-sung expôs os princípios fundamentais da Juche, um misto de ideologia política, misticismo religioso e nacionalismo, a que já aludira num discurso de 1955. Embora tenha por ponto de partida algumas ideias do marxismo-leninismo, representa a “ideia-mestra da revolução Coreana”, assenta nos princípios da “independência política”, “auto-sustentação económica” e “autonomia na defesa” e promete “uma nova era de desenvolvimento na História da Humanidade” (embora os norte-coreanos esfomeados que se têm visto obrigados a desenterrar e comer raízes tenham provavelmente uma perspectiva pouco entusiástica sobre a “nova era de desenvolvimento”).
Descontando a retórica, a Juche acaba, na prática, por servir para justificar o isolacionismo e repressão do regime e a perpetuação dos Kim no poder: “As massas populares estão no centro de tudo e o líder é o centro das massas”. Todos os anseios e aspirações das massas, bem como a luta de classes, só poderão ser alcançados através de um Grande Líder, um ser semi-divino, de superiores capacidades intelectuais, infalível, incorruptível, benévolo e que age exclusivamente em prol das massas.
 
Não se fiando apenas no poder espiritual da Juche, Kim Il-sung afadigou-se a tentar obter argumentos mais prosaicos e sonantes em que fundamentar a afirmação da Coreia do Norte no concerto das nações e logo em 1963, solicitou ajuda à URSS para o desenvolvimento de armas nucleares; perante a resposta negativa, reendereçou-o à China, que também a recusou. A Coreia do Norte começou então a construir um reator de pesquisa em Yongbyon, mas só foi obtido progresso significativo com a ajuda do Paquistão. Em 1993, o Paquistão terá fornecido informação à Coreia do Norte sobre enriquecimento de urânio, em troca de know-how sobre mísseis balísticos e os desenvolvimentos do programa nuclear coreano levaram os EUA a exercer pressão, que parece ter convencido Kim Il-sung a renunciar ao programa nuclear e a manifestar intenção de aproximar-se do Ocidente.
A 8 de Julho de 1994, a Rádio Pyongyang anunciou, em tom lúgubre. “O Grande Coração parou de bater”. Kim Il-sung sucumbira a um ataque cardíaco, aos 82 anos.

Kim Man-il (1944-47/8)

Segundo filho de Kim Il-sung e Kim Jong-suk, nascido, como o primogénito, em Vyatskoye, na URSS. Terá morrido afogado em Pyongyang, possivelmente na piscina da casa da família, em circunstâncias não esclarecidas.

Kim Jong-Il (1941-2011)

As informações sobre os primeiros anos da sua educação são contraditórias e vagas – a versão oficial afirma que estudou em Pyongyang, outras fontes apontam para a República Popular da China. Em 1960, matriculou-se na Universidade Kim Il-sung de Pyongyang e licenciou-se em política económica marxista.
Ainda antes de terminar os estudos já acompanhava o pai em digressões pelo país, mas só ganhou relevo na política norte-coreana em 1980, ao ser anunciado formalmente como sucessor de Kim Il-sung, e foi consolidando a sua posição através de através da atribuição de cargos e títulos honoríficos e através de cerimónias cada vez mais extravagantes a assinalar o seu aniversário.
Porém, antes, teve de livrar-se do vice-presidente Kim Dong-kyu, que era o segundo na hierarquia do Estado, tinha um passado heróico na luta independentista contra os japoneses (onde perdera um braço) e se opunha a que Kim Jong-Il sucedesse ao pai. Mas Kim Jong-Il terá conseguido convencer o pai, mediante documentos forjados, de que o vice-presidente tivera um comportamento traiçoeiro e, em 1977, este foi destituído e exilado e, posteriormente, internado num “campo de reeducação”, onde morreu de fome em 1984.
Com a morte do pai, em Julho de 1994, Kim Jong-Il herdou boa parte dos cargos em este que ainda estava investido, nomeadamente o de Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores Coreanos, e prosseguiu a política de centralização e micro-gestão a que já dera início quando o pai ainda estava no poder. Mas, talvez por ainda não sentir o seu poder completamente consolidado, foi fazendo concessões à comunidade internacional quanto ao programa nuclear, que em acordos de Outubro de 1994 e Junho de 1995, se comprometeu a suspender.

A verdade é que em meados da década de 1990, Kim Jong-Il estava também crescentemente dependente da ajuda alimentar externa, pois o país atravessava uma grave crise económica, em resultado de décadas de gestão inepta, de técnicas agrícolas inadequadas, de uma alocação desproporcionada de recursos às Forças Armadas e do crescimento demográfico, resultando em fome generalizada, cortes de energia e proliferação do mercado negro. Em finais da década, Kim Jong-Il implementou uma política de aproximação à Coreia do Sul, que resultou na criação, em 2003, do parque industrial de Kaesong, na zona desmilitarizada entre as duas Coreias.
No domínio do programa nuclear, a atitude cumpridora da década de 1990 deu lugar a uma política ambígua e errática, com anúncios de suspensão do programa a alternarem com bravatas e a ameaças, mas evoluindo, na prática, para a criação de um arsenal nuclear. Em 2003, o país retirou-se do Tratado de Proliferação Nuclear, em 2005 reconheceu a posse de armas nucleares e desde então já conduziu pelo menos cinco testes nucleares subterrâneos e tem vindo a ensaiar mísseis capazes de transportar ogivas nucleares, apesar das sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU e das pressões da comunidade internacional.
Em 2008 começaram a multiplicar-se rumores sobre o estado de saúde de Kim Jong-Il, baseados na sua ausência em importantes cerimónias de Estado (nomeadamente a parada militar que assinalou os 60 anos da Coreia do Norte), e começou a especular-se que a atitude mais dura e intransigente da Coreia do Norte no domínio nuclear resultava de Kim Jong-Il já não deter o poder efetivo e de este ter passado para as mãos dos generais. A proliferação de boatos foi tal que a agência noticiosa oficial da Coreia do Norte se sentiu obrigada a divulgar fotografias que, supostamente atestariam que o Grande Líder estava de saúde e visitava quintas e fábricas, mas que foram suficientemente ambíguas para suscitar suspeitas de falsificação e o reacender dos rumores.
Em Abril de 2009, após oito meses sem ser visto em público, Kim Jong-Il surgiu na Assembleia Popular Suprema, ficando por esclarecer quanto haveria de verdadeiro nas notícias sobre os seus problemas de saúde. Fez viagens à China e à Rússia, em 2010 e 2011, e sucumbiu a um ataque cardíaco a 17 de Dezembro de 2011.
A vida amorosa de Kim Jong-Il foi complexa e obscura, até para os padrões do regime norte-coreano, pois sabendo que algumas das mulheres com que se relacionou não mereciam aprovação do pai, Kim Jong-Il fez os possíveis por ocultá-las. Terá tido (pelo menos) três filhos: Kim Jong-nam, nascido em 1971, filho da atriz de cinema Song Hye-rim; Kim Jong-chul, nascido em 1981, filho da bailarina Ko Yong-hui, que nascera no Japão, de pai coreano e mãe japonesa; três anos depois, Ko Yong-hui deu à luz o terceiro filho de Kim Jong-Il, Kim Jong-un.
Esperar-se-ia que fosse o primogénito a ser designado como sucessor de Kim Jong-Il e assim foi até 2001, até que Kim Jong-nam foi detido no aeroporto de Narita, em Tóquio acompanhado de uma mulher e uma por viajar sob nome (chinês) falso e com um passaporte forjado da República Dominicana. Acabou por confessar ser filho de Kim Jong-Il e alegou que apenas pretendia visitar a Disneylândia de Tóquio, com duas mulheres e uma criança de criança de quatro anos (apresentado como seu filho).
As autoridades japonesas deportaram-no para a China e a situação parece ter criado embaraço em Pyongyang e, pouco depois, a propaganda oficial começou a enaltecer Ko Yong-hui como “Mais Fiel e Dedicada Súbdita do Querido Líder Camarada Comandante Supremo”, o que levou a que se suspeitasse que a sucessão tinha sido transferida para o filho do meio, Kim Jong-chul. Porém, consta que Kim Jong-Il achava o filho do meio demasiado efeminado e destituído de iniciativa e que preferia o feroz e turbulento filho mais novo. E, com efeito, a 1 de Julho de 2009, Kim Jong-un foi eleito Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores Coreanos e, após a morte do pai, assumiu a chefia da Coreia do Norte.

Kim Jong-nam (1971-2017)

Kim Jong-nam não teve sorte com aeroportos: perdeu a corrida para a sucessão devido ao incidente do aeroporto de Tóquio e perdeu a vida no aeroporto de Kuala Lumpur, na Malásia, quando regressava de Macau, a 13 de Fevereiro de 2017. Aparentemente foi borrifado no rosto com um spray contendo gás de nervos VX, no que parece ter sido um homicídio planeado, de forma rocambolesca e trapalhona, pelos serviços secretos da Coreia do Norte, presumivelmente a mando do seu meio-irmão Kim Jong-un. As autoridades norte-coreanas têm insistido que Kim Hong-un sucumbiu a um ataque cardíaco e pressionaram as autoridades malaias para não realizar autópsia, suspender a investigação e libertar os suspeitos.
Se se recuar um pouco na vida de Kim Jong-nam, surgem indícios de que o incidente no aeroporto de Tóquio em 2001 não terá sido a única razão para o seu afastamento da sucessão. Kim Jong-nam tinha um comportamento indisciplinado e inconstante, viajava frequentemente para o estrangeiro (sob pseudónimo), frequentava estabelecimentos de vida noturna, onde terá tido comportamentos desordeiros (há testemunhas que referem que terá começado a disparar tiros para o ar no átrio de um hotel, em 1993, e que terá repetido a proeza num nightclub, no ano seguinte). A família materna de Kim Jong-nam também não ajudava, pois vários dos seus membros fugiram para a Coreia do Sul ou para países ocidentais e seria malvisto que um líder da Coreia do Norte tivesse ligações familiares a traidores.
Um desses fugitivos foi Li Il-nam, primo de Kim Jong-nam, que se escapuliu em 1982, durante uma viagem à Suíça e se estabeleceu em Seul, cidade onde acabaria por ser morto a tiro, por assassinos a soldo da Coreia do Norte, segundo as autoridades sul-coreanas. Há mesmo quem sugira que quem ordenou o assassinato do “renegado” Li Il-nam terá sido o seu primo Kim Jong-nam, que, na altura desempenhava altos cargos nos Ministérios das Forças Armadas e da Segurança de Estado. A ser verdade, a sua eliminação em Kuala Lumpur reveste-se de uma perversa ironia.

Kim Jong-chul (n. 1981)

Filho do meio de Kim Jong-Il e o primeiro dos dois filhos que este teve da sua companheira Ko Yong-hui. Consta que terá estudado em colégios privados na Europa, em França ou na Suíça (fazendo-se passar por filho do embaixador norte-coreano), tal como o irmão mais novo, Kim Jong-un. O seu perfil tem-se mantido discreto e, nos últimos anos, as poucas vezes que foi avistado fora da Coreia do Norte foi em concertos de Eric Clapton, em Singapura e Londres, e terá sido ele a mexer os cordelinhos para que o guitarrista fosse convidado a atuar na Coreia do Norte (a visita não se concretizou), apesar de a posição oficial ser de rejeição do rock ocidental.

Kim Jong-un (n. 1984)

Embora sendo o terceiro na linha sucessória da dinastia Kim, que exclui as mulheres e privilegia os filhos mais velhos, foi reconhecido como sucessor de Kim Jong-Il em 2009 e foram-lhe atribuídos cargos e títulos correspondentes a essa condição. Subiu ao poder após a morte do pai, em Dezembro de 2011.
Alguns analistas previram que, dada a sua juventude e inexperiência política, o tio Jang Song-thaek (n. 1946) poderia desempenhar temporariamente funções de regente.
Jang Song-thaek casara-se no início dos anos 70 com a única filha do Querido Líder, Kim Kyong-hui e foi subindo lenta e custosamente na hierarquia – purgas e outros “contratempos” alternaram com reabilitações – até que, por volta de 2006, chegou a vice-secretário da Comissão Nacional de Defesa e do Partido dos Trabalhadores Coreanos, o que faria dele a figura n.º 2 do Estado, de forma que, quando em 2008 circularam rumores de que Kim Jong-Il estaria gravemente doente, foi aventado que o poder teria passado para as mãos do seu genro.
Mas, a partir de 2011, Kim Jong-un não perdeu tempo a assumir, pelo menos publicamente, as rédeas da governação e a máquina da propaganda oficial passou a referir-se a ele com os ditirambos e hipérboles que caracterizam o culto dos líderes na Coreia do Norte. E em Dezembro de 2013, sem que nada o fizesse prever, ordenou a prisão e execução, por traição, do tio Jang Song-taek, a que se seguiu a supressão de todas as menções à sua existência e o apagamento da sua presença nas fotos, ao bom estilo stalinista. A queda de Jang Song-thaek arrastou outros “traidores” e algumas fontes indicam que a sua família próxima terá sido igualmente eliminada.
Num país em que as companheiras do Líder Supremo têm, usualmente, vivido na sombra, foi inesperado ver, a partir de 2012, Kim Jong-un surgir em público acompanhado pela “esposa e camarada” Ri Soi-ju (n. 1989). Ri Soi-ju destaca-se também pelo uso de roupas de famosos costureiros ocidentais e malas Dior e fontes sul-coreanas sugerem que ela tenha sido uma das muitas cantoras – dantes conhecida como Hyon Song-woi – do Ensemble Electrónico Pochonbo, um grupo de formação flutuante que toca versões pop de canções tradicionais e revolucionárias e tem a aprovação oficial do Estado norte-coreano (sem a qual, aliás, não é possível gravar ou difundir música no país).
A primeira aparição oficial de Ri Soi-ju como Primeira Dama teve lugar num concerto das Moranbong, um grupo concebido para dar resposta ao apetite da juventude norte-coreana por pop moderna e cujos elementos terão sido escolhidos por Kim Jong-un. Segundo a agência noticiosa oficial do país, “Kim Jong-un formou a banda Moranbong de acordo com os imperativos do novo século e de acordo com um grandioso plano para operar uma reviravolta dramática na literatura e nas artes”.
Além da música, Kim Jong-un também nutre forte paixão pelo basquetebol e, em 2014, surgiu em público ao lado do ex-basquetebolista norte-americano Dennis Rodman (que foi incumbido de promover o basquetebol no país), num jogo/exibição entre jogadores americanos e norte-coreanos.
Nestes momentos de tensão, resta esperar que o apreço de Kim Jong-un por basquetebolistas norte-americanos, da sua esposa por vestidos Chanel e malas Dior e da nomenklatura norte-coreana em geral por luxos ocidentais, pese mais do que a vontade, tantas vezes reiterada, de reduzir o mundo capitalista e imperialista a poeira radioativa.

Comercio exterior do Brasil: recuperacao, mas commodities dominam sobre manufaturados - IEDI

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O avanço das commodities e das exportações de manufaturados

Sumário 
No primeiro trimestre de 2017, a balança comercial do Brasil atingiu um superávit recorde de US$ 14,4 bilhões. O período foi marcado por uma redinamização do comércio exterior, já que tanto as exportações como as importações voltaram a crescer frente ao mesmo período do ano anterior, depois de um longo período em que ambos os fluxos se retraíram.
Dizem que a história não se repete, mas às vezes as semelhanças com o passado são grandes. Mais uma vez, a elevação dos preços internacionais das commodities aparece como o principal motor do comércio exterior do país. Como resultado disso, o superávit de produtos primários avançou de US$ 10,3 bilhões no primeiro trimestre de 2016 para US$ 16,9 bilhões neste primeiro trimestre de 2017, isto é, uma alta de 62,6%.
A indústria manufatureira, a seu turno, viu seu déficit marginalmente acrescido, saindo de US$ 2,0 bilhões no acumulado de janeiro-março de 2016 para US$ 2,5 bilhões no mesmo período de 2017 (+23,6%). Embora negativo, esse resultado ajudou a gerar o superávit robusto da balança comercial como um todo neste início de ano, já que se manteve em um patamar muito abaixo daquele que vigou nos últimos anos. Para se ter uma ideia, o déficit do primeiro trimestre do ano em manufaturados para o período 2011-2015 foi, em média, de US$ 14,6 bilhões.
O elemento novo neste início de 2017 é que tanto as exportações como as importações de manufaturados apresentaram crescimento. Frente a janeiro-março de 2016, a alta das exportações foi de 12,4%, passando de US$ 26,8 bilhões para US$ 30,1 bilhões, enquanto o avanço das importações foi de 13,2%, de US$ 28,8 bilhões para US$ 32,6 bilhões.
Muito disso também está associado à valorização das commodities, influenciando o desempenho exportador de alguns setores industriais, como de produtos metálicos e de alimentos, bebidas e tabaco, bem como as importações de outros, como combustíveis, derivados de petróleo e carvão. 
Mas este não foi o único fator explicativo. A indústria automobilística também vem conseguindo aumentar suas vendas externas, como estratégia para melhorar o nível de utilização de sua capacidade instalada, que devido à crise doméstica encontra-se historicamente baixo. Além disso, o efeito negativo da valorização do câmbio ao longo de 2016 pode estar começando a dar sinais por meio do aumento da importação de têxteis, confecções e calçados, que tendem a responder mais prontamente aos movimentos cambiais.
Na análise da evolução do comércio exterior de manufaturados no primeiro trimestre de 2017, a partir do agrupamento da indústria de transformação por intensidade tecnológica, conforme a metodologia desenvolvida pela OCDE, os principais aspectos podem ser sintetizados como se segue.
A indústria de alta intensidade tecnológica teve déficit de US$ 4,8 bilhões em janeiro-março de 2017, maior do que no mesmo acumulado do ano passado, mas abaixo dos déficits registrados nos seis anos anteriores. A retração de 3,3% das exportações concorreu para este aumento do déficit. Foi a única das quatro faixas cujas vendas para o exterior caíram. Os produtos da indústria aeronáutica permanecem como os únicos superavitários desse segmento, logrando até superávit maior do que em janeiro-março de 2016, mas exportando menos (-9,3%).
A indústria de média-alta intensidade manteve-se deficitária em janeiro-março de 2017, mas em um patamar (US$ 6,3 bilhões) inferior àquele registrado em igual período dos últimos sete anos. Tal resultado ocorreu com aumento de 18,7% na exportação, bem acima da alta de suas importações (+9,0%). O destaque do desempenho exportador neste grupamento foi para a indústria automobilística (+32,1%), que se esforça para compensar o forte declínio do mercado doméstico via suas vendas externas, seguida de produtos químicos, exceto farmacêuticos (+16,2%) e máquinas e equipamentos mecânicos (+10,7). No caso da indústria automobilística, a balança comercial logrou superávit para acumulado até março, inclusive maior do que no ano anterior.
Já na indústria de média-baixa intensidade tecnológica, houve déficit no primeiro trimestre de 2017 (US$ 170 milhões), após o ligeiro superávit em igual período do ano anterior. Tal deterioração ocorreu a despeito de ter sido a faixa a lograr a maior expansão exportadora (+20,4%), sobrepujada pelo avanço de suas importações (+29,6%). A evolução dos preços de commodities tende a ter um impacto importante no resultado deste grupamento, que inclui a fabricação de produtos metálicos, com destaque para commodities industriais, borracha e plástico e derivados do petróleo, combustíveis e afins.
A indústria de baixa intensidade tecnológica, por sua vez, foi superavitária janeiro-março de 2017 (US$ 8,8 bilhões), mantendo praticamente o mesmo patamar de igual período do ano anterior (alta de apenas 2,0%). Suas exportações aumentaram 7,9% em relação a janeiro-março de 2016, alavancadas por alimentos, bebidas e fumo (+11,3%), enquanto suas importações aumentaram em 23,4%, também sob influência de alimentos, bebidas e fumo (+43,7%), além de têxteis, couro e calçados (+13,0%).

Bens típicos da indústria de transformação e a balança comercial

No primeiro trimestre de 2017, balança comercial registrou o maior superávit em dólares correntes das últimas décadas: US$ 14,4 bilhões. Em janeiro-março de 2016, o superávit foi de US$ 8,4 bilhões, depois de três anos de déficit para esse período.
Tal melhora ocorreu mesmo com deterioração no saldo dos bens tipicamente produzidos pela indústria de transformação. Seu déficit, que foi de US$ 2,0 bilhões no primeiro trimestre do ano passado, subiu para US$ 2,5 bilhões. Se as exportações desses produtos cresceram 12,4%, atingindo US$ 30,2 bilhões, as importações aumentaram 13,2%, chegando a US$ 32,6 bilhões. Aliás, embora tenham crescido, as vendas para o exterior ainda ficaram aquém do patamar observado em igual período de 2011, 2012 e de 2013.
De fato, a grandeza do superávit decorreu do incremento do saldo positivo dos demais bens, especialmente aqueles provenientes da agropecuária e pesca e da extração mineral. As vendas externas dos demais bens cresceram 47,6%. Já as aquisições de fora do País ampliaram apenas 1,5% em dólares correntes.

A balança por intensidade tecnológica

Considerando a classificação adotada pela OCDE para a indústria de transformação segundo a intensidade tecnológica, pode-se esmiuçar as relações de troca do País. São quatro faixas da indústria de transformação: de alta intensidade, de média-alta, média-baixa e de baixa intensidade tecnológica. A tabela a seguir discrimina melhor tais faixas.
O intercâmbio externo de bens produzidos por atividades tidas pela OCDE como de alta intensidade tecnológica teve déficit de US$ 4,8 bilhões até março do presente ano, maior do que no mesmo acumulado do ano passado, mas abaixo dos déficits registrados nos seis anos anteriores. As exportações concorreram para o déficit maior, declinando 3,3%, ficando em US$ 2,2 bilhões. Foi a única das quatro faixas cujas vendas para o exterior caíram. Os produtos da indústria aeronáutica permanecem como os únicos superavitários desse segmento, logrando até superávit maior do que em janeiro-março de 2016, mas exportando menos.
O segmento de média-alta intensidade apresentou o maior déficit dentre as quatro faixas, porém com grandeza ligeiramente menor do que a registrada em igual acumulado dos últimos seis anos. Tal resultado ocorreu com aumento de 18,7% na exportação. Até março último, o País exportou US$ 8,4 bilhões desses bens. As importações também cresceram, mas sem o mesmo fôlego: 9,0%. Esta faixa engloba os materiais de transporte terrestres, parte expressiva dos bens de capital, além de produtos químicos. Nela, as exportações de produtos químicos, da indústria de equipamentos mecânicos e não especificados noutros segmentos e da indústria automotiva cresceram. No caso deste último (veículos automotores, reboques e semi-reboques), a balança comercial logrou superávit para acumulado até março, inclusive maior do que no ano anterior.
Quanto aos produtos tipicamente originários da indústria de média-baixa intensidade tecnológica, estes voltaram à condição deficitária no primeiro trimestre de 2017, de US$ 170 milhões, após o ligeiro superávit em igual período do ano anterior. Entretanto tal deterioração ocorreu a despeito de ter sido a faixa a lograr a maior expansão exportadora, incremento de 20,4%, alcançando US$ 6,8 bilhões. As importações, por sua vez, cresceram 29,6%. Tais números refletem o desempenho nos fluxos comerciais de seus dois principais tipos de bens: derivados do petróleo, combustíveis e afins; e produtos metálicos, com destaque para commodities industriais.
Passando ao grupo dos bens típicos das atividades de baixa intensidade tecnológica, obteve como de costume o maior superávit dentre as quatro faixas, de US$ 8,8 bilhões, o maior superávit para janeiro-março da série. As exportações aumentaram 7,9% em relação ao mesmo período de 2016, totalizando US$ 12,7 bilhões, com as importações também se ampliando, taxa de 23,4%. Tal conjunto de bens encampa grosso modo dois tipos de mercadorias: aquelas cujos processos produtivos utiliza intensivamente recursos naturais abundantes no Brasil; e bens cuja produção são intensivas em recursos humanos. As vendas externas de alimentos, bebidas e fumo – principal item da balança indústria do País – cresceram bem em relação a janeiro-março de 2016, respondendo em larga medida pelo incremento no superávit dessa faixa.

Bens de alta intensidade tecnológica

O conjunto de bens produzidos pelas atividades intensivas em tecnologia teve déficit de US$ 4,8 bilhões em janeiro-março, acima do observado no ano anterior. Contribuíram para tanto a queda nas vendas para fora do País: declínio de 3,3%, ficando em US$ 2,2 bilhões. Assim, permaneceu como a menos expressiva das quatro faixas em termos de exportações. Já as importações ficaram em US$ 7,0 bilhões, com acréscimo de 3,6%.
Os equipamentos aeronáuticos e aeroespaciais conformaram o único grupo dessa faixa a obter superávit, de US$ 565 milhões, maior do que em igual trimestre de 2016, mas exportando 9,3% menos, ficando em US$ 1,4 bilhão. As importações, a seu turno, declinaram 17,3%.
Os três ramos de bens típicos do complexo eletrônico, como tem sido a tônica, concorreram sobremaneira para o déficit dos produtos da indústria de alta intensidade tecnológica. Dos três o de material de informática e escritório foi aquele cujas exportações declinaram, variação de -16,2%, ficando em irrisórios US$ 54 milhões. Quanto aos equipamentos de áudio, vídeo e telecomunicações (inclusive componentes eletrônicos) viram suas vendas externas crescerem 6,9%, implicando mesmo assim exportação de apenas US$ 133 milhões, sendo que no mesmo trimestre de 2006 chegou a exportar US$ 848 milhões. Em paralelo, suas importações aumentaram 17,2%, fazendo com que se mantivesse como o agrupamento de maior déficit da faixa de alta intensidade, déficit de US$ 1,9 bilhão. Quanto ao terceiro segmento do complexo eletrônico, de equipamentos e instrumentos médico-hospitalares, ótico e de precisão, suas exportações cresceram 17,6%, enquanto suas importações, 16,1%. Com isso, seu déficit se ampliou vis-à-vis o ano anterior, chegando a US$ 1,2 bilhão, ainda que tenha ficado em nível inferior ao registrado em janeiro-março dos anos de 2010 a 2015.
Os produtos farmacêuticos experimentaram saldo negativo de US$ 1,3 bilhão, significando uma discreta redução no déficit. Suas exportações cresceram de 11,2%, com o Brasil vendendo somente US$ 368 milhões para outros países. As importações, por sua vez, retrocederam 11,9%.

Bens de média-alta intensidade tecnológica

As vendas externas de produtos das atividades de média-alta intensidade tecnológica cresceram 18,7% em janeiro-março de 2017 frente a igual período do ano passado, situando-se em US$ 8,4 bilhões. Mesmo assim, para o primeiro quarto do ano, o resultado está aquém do logrado em 2008, 2011, 2012 e 2013. As importações também cresceram: 9,0%. Essa combinação de resultados permitiu que o déficit diminuísse, ainda que discretamente, ficando em US$ 6,3 bilhões. Contudo ainda preserva a condição de maior déficit dentre as quatro faixas de intensidade tecnológica.
Os produtos químicos (exclusive farmacêuticos) experimentaram variações positivas quer para as exportações – incremento de 16,2% – quer para as importações – aumento de 13,4%. Esses bens continuam tanto com o maior déficit comercial, de US$ 4,3 bilhões, quanto com o maior montante importado, US$ 6,5 bilhões, dentre todos os grupamentos de mercadorias tipicamente produzidos pela indústria de transformação. As exportações ficaram em US$ 2,2 bilhões.
Os equipamentos de transporte fabricados por indústrias de média-alta intensidade tecnológica totalizaram superávit de mais de meio bilhão de dólares correntes. Os produtos automobilísticos responderam por tal superávit, atingindo por si só US$ 736 milhões. As exportações de produtos automobilísticos aumentaram 32,1%, galgando US$ 3,4 bilhões, enquanto as importações cresceram 12,2%. Quanto ao grupo dos equipamentos ferroviários e outros de transporte (motocicletas, entre outros), suas exportações caíram 2,5%, com as importações caindo 15,3%, levando a um resultado negativo de US$ 138 milhões, déficit menor do que o registrado em janeiro-março de 2016.
A balança comercial de máquinas e equipamentos mecânicos ou não especificados noutros segmentos e a de máquinas elétricas registraram déficits, mas como comportamentos distintos. No primeiro, a magnitude do déficit diminuiu, ficando em US$ 1,3 bilhão. Suas exportações cresceram 10,7% no quarto inicial, chegando a US$ 2,2 bilhões, enquanto as importações declinaram 1,6%. Já o intercâmbio de máquinas e equipamentos elétricos, embora com grandeza de déficit similar, representou uma piora frente a igual período do ano anterior. Suas vendas para o exterior caíram 1,8%, ficando em US$ 572 milhões, com as aquisições externas crescendo 16,5%.

Bens de média-baixa intensidade tecnológica

As exportações de gêneros típicos da indústria de média-baixa intensidade tecnológica aumentaram 20,4% no primeiro trimestre de 2017 vis-à-vis igual acumulado de 2016, alcançando US$ 6,8 bilhões. Tal expansão ocorreu após quatro anos de taxas negativas. As importações, também em dólares correntes, cresceram ainda mais: 29,6%. Com isso, o pequeno superávit logrado em janeiro-março de 2016 cedeu espaço para um déficit de US$ 170 milhões no primeiro trimestre de 2017. Vale lembrar que, para primeiro trimestre, até 2009, essas mercadorias apresentavam saldo positivo pela série iniciada em 1989.
As relações de troca dos bens típicos das indústrias de média-baixa intensidade tecnológica são muito afetadas por dois agrupamentos de mercadorias: produtos metálicos, destacando-se a siderurgia; e bens derivados de petróleo refinado, outros combustíveis e afins.
As vendas para o exterior de produtos de petróleo refinado e afins triplicaram no primeiro trimestre frente a igual período de 2016, atingindo US$ 636 milhões. Já suas importações, duplicaram, mas partindo de patamar muito maior, significando que o País importou US$ 3,5 bilhões desses itens. Com isso, o déficit subiu de US$ 1,5 bilhão em janeiro-março de 2016 para US$ 2,8 bilhões em igual período do ano corrente.
Este aumento no déficit em produtos de petróleo refinado e afins chegou a ser contrabalançado pelo incremento no superávit em produtos metálicos, mormente da siderurgia, mas não a ponto de permitir que toda a faixa permanecesse superavitária. De fato, o superávit de produtos metálicos chegou a US$ 3,0 bilhões. Suas exportações cresceram 15,0%, alcançando US$ 5,0 bilhões. As importações também se ampliaram, variação de 11,1%, mas sem fazer frente ao montante exportado.
Passando para os de itens de menor expressão dessa faixa, os produtos de minerais não-metálicos lograram superávit de US$ 179 milhões. Suas exportações cresceram 4,8%, atingindo US$ 472 milhões em janeiro-março último. As importações também cresceram, 4,3%, mas não o suficiente para reduzir o resultado comercial frente ao ano anterior. É o terceiro ano seguido de superávit no primeiro trimestre, sendo que, desde 2013 o saldo vem melhorando gradativamente.
O intercâmbio de embarcações, navios etc. registrou déficit de US$ 78 milhões em janeiro-março de 2017, representando uma redução significativa de sua magnitude. O País registrou um volume muito baixo de comércio desse material de transporte.
Ou seja, além de produtos refinados de petróleo, combustíveis e afins, o outro grupo de bens cujo déficit aumentou foi o de produtos de borracha e plásticos, saldo negativo de US$ 421 milhões. Suas exportações até cresceram, 6,5%, chegando a US$ 652 milhões, mas as importações cresceram 15,7%.

Bens de baixa intensidade tecnológica

No trimestre inicial de 2017, o País conseguiu exportar 7,9% mais dos bens tipicamente oriundos de ramos de baixa intensidade tecnológica, atingindo US$ 12,7 bilhões, patamar recorde para tal período do ano e superior às exportações conjuntas das faixas de alta e média-alta intensidade. Quanto às importações, cresceram até mais, 23,4%, porém a partir de uma base baixa. Desse modo, obteve-se superávit recorde do segmento para primeiro trimestre na série iniciada em 1989: de US$ 8,8 bilhões. Esse saldo superavitário sem igual, porém, não foi o suficiente para retirar a balança comercial dos produtos típicos da indústria de transformação da condição deficitária.
O saldo positivo do grupamento de bens em questão decorre sobretudo da balança dos produtos industriais de alimentação, bebidas e fumo, cujo superávit atingiu US$ 7,0 bilhões. Todavia, tal superávit ficou aquém do observado em janeiro-março de 2013 e de 2014. Suas vendas externas aumentaram 11,3% em relação a igual acumulado de 2016, ficando em US$ 9,0 bilhões. As importações cresceram ainda mais, 43,7%, chegando a US$ 2,0 bilhões.
O intercâmbio de produtos do segmento madeireiro, de papel e celulose, impressão gráfica e afins teve superávit de US$ 2,2 bilhões nesse início de ano, sendo o melhor resultado da série iniciada em 1989 para acumulado até março. Suas exportações ficaram estáveis, taxa de 0,1%, o suficiente para galgar novo patamar recorde em dólares correntes para o período. Quanto às importações, estas caíram 11,2%.
Os dois outros conjuntos de bens típicos da indústria de baixa intensidade têm registrado déficit nos últimos anos. As exportações produtos diversos ou reciclados cresceram 1,9%, após cinco anos se retraindo, enquanto as aquisições do exterior aumentaram 11,5%. Esse ramo ficou com déficit de US$ 127 milhões. Os produtos das indústrias têxtil, de vestuário, couro e calçados apresentaram também ligeiro incremento nas vendas externas, de 1,2%, com o País exportando US$ 1,0 bilhão. Quanto a suas importações, cresceram 13%. Com isso, o déficit aumentou para US$ 260 milhões. Em janeiro-março de 2016, o déficit tinha sido de US$ 123 milhões.
Esses conjuntos de bens logo acima se distinguem daqueles superavitários dessa mesma faixa. Os artigos têxteis, de vestuário, calçados e artigos de couro, são intensivos em mão-de-obra, em que pese parcela deles ser susceptível a estratégias de diferenciação de produtos. Já os bens das indústrias de alimentos, bebidas, madeireiras, por sua vez, em seus processos produtivos utilizam de modo intensivo recursos naturais, nos quais o Brasil é notadamente abundante.
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