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terça-feira, 6 de março de 2018

Ser um bom internacionalista, significa conhecer o Brasil - Paulo Roberto de Almeida (2006)

Ser um bom internacionalista, nas condições atuais do Brasil significa, antes de tudo, ser um bom intérprete dos problemas do nosso próprio País

Paulo Roberto de Almeida
Alocução de paraninfo na turma de formandos 2º/2005
do curso de Relações internacionais do Uniceub, Brasília
(16 de março de 2006, 20hs, Memorial Juscelino Kubitschek)


Senhor Coordenador do Curso de RI, Professor Marco Antonio de Meneses Silva,
            aqui reoresentando todas as autoridades acadêmicas,
Senhora Patronesse homenageada, Raquel Boing Marinucci,
Senhores professores homenageados,
     Meu caro amigo e dileto colega de carreira, Professor Rodrigo de Azeredo Santos,
     Caro Professor Marcelo Gonçalves do Valle,
Senhora funcionária homenageada, Vanessa de Faria Campanella,
Senhoras e senhores pais e demais autoridades e colegas professores presentes,
Meus caríssimos alunos e agora formandos em relações internacionais,


Estou ligado a este centro universitário a bem mais tempo do que minha curta carreira de professor poderia sugerir. A despeito de ter ingressado como professor nos cursos da faculdade de Direito apenas em 2004, sob pressão do dileto amigo e coordenador, Marcelo Varella, eu já freqüentava o campus do Uniceub desde algum tempo, já que minha esposa, Carmen Lícia Palazzo, lecionou no curso de história durante vários anos. Também estou ligado a esta cidade há muitos anos, quando para cá me mudei, em 1977, ao ingressar na carreira diplomática, tendo servido ao Brasil, por mais de 28 anos, aqui e no exterior. Lembro-me, por exemplo, de, recém chegado a Brasília, ter vindo uma vez ao modesto campus do então Ceub, para ver, acompanhado de colega diplomata, um encarregado de cursos. Naquela ocasião, uma remoção precoce para o exterior impediu que eu me vinculasse à instituição, numa fase que antecede, provavelmente, ao nascimento e à idade atual da maior parte de vocês, que hoje se formam.
Mantive contato preliminar com o curso de relações internacionais do Uniceub ainda em seu estabelecimento, fazendo ali uma palestra antes de minha partida para a Embaixada em Washington, em 1999. Voltei depois em outras ocasiões, para palestras ou encontros com professores. Em todas essas oportunidades, testemunhei o empenho desta instituição em oferecer um curso de RI que se igualasse aos melhores do Brasil e que servisse, adequadamente, aos propósitos de cada um de vocês de obter a melhor formação possível, de maneira a habilitá-los a enfrentar a dura competição pelo trabalho na vida profissional ou a continuar os estudos em nível de pós-graduação.
Desejo, antes de tudo, agradecer a todos pelo honroso convite para servir de paraninfo nesta cerimônia de colação de grau. Isto se deve, aparentemente, ao fato de que eu possa ter servido como uma espécie de bibliografia ambulante, ou seja, de que alguns de meus livros possam ter eventualmente ajudado no propósito de iniciá-los nos meandros das relações internacionais, ou, melhor ainda, à chance de que vários de meus textos estejam livremente disponíveis em meu site na internet, podendo, assim, ter salvado mais de um trabalho de última hora. Foi para isso mesmo que montei, e continuo a alimentar, um site que oferece uma espécie de concorrência desleal a vários dos meus editores. Mas nenhum deles ainda protestou por isso.

Meus caros formandos,
Creio já ter oferecido, por meio de meus livros, palestras ou textos esparsos, mais de uma contribuição ao estudo e à formação na área das relações internacionais no Brasil e do Brasil. Assim, não pretendo voltar a tocar, agora, nos temas que ocuparam seus dias e noites nos últimos quatro ou cinco anos, o que faz uma boa parcela de vida. Prefiro deixar as relações internacionais de lado e ocupar-me daquilo que na verdade tem sido a minha paixão e que representa grande parte de meus desesperos no último meio século, ou quase: o próprio Brasil.
Intitulei esta alocução, ainda que vocês não possam ver este texto (mas ele já está em meu site), desta forma: “ser um bom internacionalista, nas condições atuais do Brasil, significa, antes de tudo, ser um bom intérprete dos problemas do nosso próprio País”. O que eu quero dizer com isto?
Vocês adquiriram uma formação de internacionalista ou, pelo menos, pagaram para isso. O canudo recebido, no entanto, é uma simples formalidade, pois a verdadeira formação de vocês deve ser feita no exercício profissional e no estudo constante e continuado das matérias que os ocuparam nos últimos anos e muitas outras mais. Qualquer que seja a universidade, e sua excelência relativa, ela nunca vai poder fornecer, a cada um, todos os elementos de formação de que necessitam para convertê-los em bons profissionais na vida prática. Por isso, o aperfeiçoamento constante e o estudo regular, na base do autodidatismo e das leituras auto-impostas, devem ser a norma que precisa continuar a pautar suas vidas daqui a diante. Minha primeira recomendação seria: assim que puserem o diploma na parede e enquadrarem as fotos de formatura, voltem aos estudos, em instituições ou por conta própria. Não parem, sobretudo, de se especializar e de enriquecer o currículo com novas fontes de saber e de conhecimento, adequadas à carreira que vocês pretendem seguir.
Mas o meu argumento, hoje, é o de que, independentemente da carreira que vocês vão agora perseguir ou, em alguns casos, continuar e a despeito de quaisquer projetos que vocês possam ter na área de relações internacionais, vocês são, essencial e fundamentalmente, internacionalistas brasileiros. Eu gostaria de acentuar o adjetivo, isto é, vocês são profissionais atuando a partir da realidade brasileira e possuindo uma visão global que busca, ou que pelo menos deveria buscar, interpretar o mundo a partir do Brasil, de seus problemas e de suas necessidades.

Quero dizer basicamente o seguinte: o Brasil construiu, ao longo das últimas décadas, uma economia industrial relativamente desenvolvida, sob certos aspectos até sofisticada, haja vista a capacitação tecnológica exibida em várias áreas avançadas, como na construção aeroespacial ou no agronegócio como um todo. Ele também consolidou, no decorrer das últimas duas décadas, um sistema democrático fundamentalmente estável, ainda que nossa democracia seja de baixa qualidade intrínseca e de pouca densidade institucional, na qual os direitos fundamentais do cidadão, sobretudo os mais humildes, nem sempre são respeitados. Ele conseguiu montar, igualmente, um sistema científico de inegáveis méritos ao nível da pesquisa básica, mesmo se deixando muito a desejar, ainda, no que se refere à transposição desta para o plano do desenvolvimento tecnológico.
Não obstante deficiências estruturais e sistêmicas, que dificultam um processo sustentado de crescimento econômico a ritmos desejáveis e necessários, para fins de distribuição de seus frutos, basicamente em virtude da excessiva carga tributária que caracteriza nosso país, o Brasil possui uma economia moderna e competitiva capaz de rivalizar com outros países emergentes ou, em determinados setores, com as nações mais avançadas, em termos de desenvolvimento material. Por isso mesmo, estava parcialmente correto o líder político que disse que o Brasil não é mais um país subdesenvolvido, mas um país fundamentalmente injusto, ainda que uma coisa possa não obstaculizar a outra, uma vez que a injustiça pode, também, ser revelada pelo subdesenvolvimento relativo de determinadas instituições, entre elas as educacionais, ou da própria justiça, cujas condições de morosidade e de incerteza quanto à jurisprudência podem igualmente impactar negativamente o ritmo de crescimento econômico.
Em outros termos, o Brasil já não apresenta, no plano técnico, obstáculos intransponíveis aos processos de modernização tecnológica e de aprimoramento da gestão empresarial, mas ele ostenta, sim, graves problemas distributivos e várias outras disfuncionalidades em sua organização institucional. Todos esses problemas têm uma origem essencialmente doméstica, eles são 100% “made in Brazil”, foram criados por nós mesmos e só poderão encontrar soluções, todas elas internas, a partir de nossos próprios esforços e por uma vontade nacional genuinamente auto-induzida.
Esta minha convicção se baseia em simples observação dos problemas básicos do Brasil atual. E quais são eles? Baixo crescimento econômico, insegurança e violência na vida cotidiana, déficits orçamentários e graves problemas fiscais, desequilíbrios regionais e enormes desigualdades sociais, disfuncionalidades nas instituições políticas e corrupção nos negócios públicos, má qualidade da educação, deterioração do meio ambiente, inclusive urbano, descrença, enfim, no futuro do país, de que é prova visível o crescente movimento migratório, num país que se caracterizou sempre pelo acolhimento de todo tipo de estrangeiro.
Todos esses problemas não resultam de uma alegada dominação estrangeira sobre nossos recursos naturais, de qualquer imposição imperialista quanto ao usufruto de nosso trabalho produtivo, de nenhuma compulsão exterior ao nosso próprio modo de vida, no que se refere ao funcionamento das principais instituições nacionais, de nenhum complô alienígena que visaria, supostamente, impedir nossa capacitação tecnológica ou o exercício de uma pretendida liderança natural na região.
O que tem a ver, por exemplo, uma imaginária dominação imperialista com a nossa não tão prosaica corrupção política? Em que os capitalistas estrangeiros seriam responsáveis pela má qualidade da educação brasileira, ou pela falta de segurança em nossas metrópoles, ou pelo mau estado de nossas estradas, ou pela condição calamitosa do atendimento hospitalar para as pessoas de baixa renda? Por que, em outra vertente, o FMI seria culpado pelo déficit estrutural e pelo descalabro e crise previsível do nosso sistema previdenciário? Em que sentido o sistema financeiro internacional estaria na origem dos nossos desequilíbrios orçamentários ou seria capaz de impor essas taxas de juros absurdamente altas, quando elas resultam de nossa própria compulsão para o gasto sem medida e do acúmulo contínuo de uma dívida interna que vai continuar pesando na vida dos nossos filhos e netos? Por que não conseguimos crescer adequadamente, quando o mundo se expande a taxas que são o dobro das nossas e os emergentes fazem o triplo disso?
Não vejo, sinceramente, nenhuma origem estrangeira na raiz dos nossos males principais, assim como tampouco vislumbro qualquer solução vinda de fora a todos esses e cada um dos nossos problemas mais cruciais. Por isso mesmo, quando vejo essas imensas manifestações de protesto contra o “vil imperialismo” e contra a “globalização assimétrica”, em ruidosos fóruns que nos prometem “um outro mundo possível”, mas que sempre se esquecem de comunicar a receita milagrosa desse mundo imaginário, eu fico pensando se é por ingenuidade, por desfaçatez política ou por pura desonestidade intelectual que tantas pessoas medianamente bem informadas continuam a repetir esses slogans furibundos, tão cansativos quanto enganadores. Acho, sinceramente, que todas as reações paranóicas e xenófobas, para não falar de uma certa visão conspiratória da história, são não apenas anacrônicas, mas profundamente equivocadas e ilusórias.

Meus caros formandos,
Não nos deixemos iludir: as causas dos nossos angustiantes problemas estão aqui dentro mesmo, assim como terão de ser genuinamente nacionais os diagnósticos e as soluções factíveis a cada um deles. O verdadeiro internacionalista saberia, aliás, fazer essa constatação elementar: o sistema internacional oferece, por certo, desafios e riscos a qualquer país inserido nos circuitos da globalização econômica e da interdependência planetária, mas ele não é de nenhum modo responsável pelas nossas mazelas principais ou pelas nossas deficiências mais primárias.
A velha arenga das alegadas “perdas internacionais”, ou a responsabilização da “dependência externa” pelas notórias e manifestas carências da sociedade nacional já não convencem mais ninguém, e quem ousa ainda empreender esse tipo de discurso só pode ser chamado daquilo que é, verdadeiramente: ou um demagogo ou um simples enganador. De resto, seria precisa muita ingenuidade ou muita má-fé, para atribuir a outros as raízes de todos esses problemas a que já me referi.
Dessa forma, não tenho hesitação em afirmar: a primeira condição que vejo como importante para que vocês se habilitem enquanto internacionalistas competentes e enquanto profissionais eficientes seria uma leitura apropriada dos problemas nacionais. A partir daí, vocês serão capazes de exibir uma visão igualmente correta dos dados da realidade internacional, em sua dimensão própria e em sua interação com aqueles problemas domésticos. Vocês são internacionalistas brasileiros, mas a brasilidade deve vir antes do internacionalismo. Por isso, mesmo buscando uma maior especialização em questões internacionais, não deixem de estudar o Brasil e seus problemas. O bom internacionalista é aquele que sabe, em primeiro lugar, situar corretamente o seu país no quadro das relações internacionais, a partir dos dados primários da realidade nacional.
Por isso, sejam internacionalistas conseqüentes, começando por conhecer profundamente o seu próprio País! Esta é uma regra de ouro, que sempre guardei comigo, como guia para os meus estudos e trabalho durante toda a minha vida. De resto, todos e cada um dos meus livros, independentemente do conteúdo mais ou menos “diplomático” ou de “política internacional” que eles possam conter, tratam, básica e essencialmente, de um único personagem: o Brasil!

Meus sinceros parabéns a todos vocês, a seus pais e professores e o meu ainda mais sincero reconhecimento por esta oportunidade de dirigir-me a alguns dos meus, até aqui não revelados ou ainda pouco conhecidos, leitores. Sejam felizes, junto de seus familiares, amigos e colegas, mas lembrem-se sempre: o Brasil antes de tudo!

Muito obrigado!

Paulo Roberto de Almeida
[8 de março de 2006]


Conselhos de um contrarianista a jovens internacionalistas - Paulo Roberto de Almeida

Conselhos de um contrarianista a jovens internacionalistas

Paulo Roberto de Almeida
Alocução de patrono na XI turma (2º semestre de 2004) de
Relações internacionais da Universidade Católica de Brasília
(10 de março de 2005, 20hs, Auditório S. João Batista de La Salle)

Senhora representante da Magnífica Reitora da Universidade Católica,
Senhor Paraninfo, Geraldo Magela,
Senhores professores homenageados,
Senhoras e senhores demais membros da mesa e autoridades presentes,
Meus caríssimos alunos e agora formandos em relações internacionais,

Confesso que quando a Comissão de Formatura desta turma de relações internacionais da Universidade Católica me procurou, cerca de dois meses atrás, para formular este honroso convite de “patrono” de sua formatura, me senti verdadeiramente orgulhoso de tê-lo feito por merecer. Já lá se vai mais de um quarto de século que me exerço nas lides da diplomacia profissional, com uma dedicação paralela às “coisas internacionais”. Por “coisas”, vão aqui compreendidas a pesquisa, geralmente solitária, o ensino, sempre voluntário e irregular, ao sabor de uma vida nômade a serviço do Brasil, e a redação e publicação de textos de caráter didático em torno das questões das relações internacionais, da história diplomática e, sobretudo, da inserção internacional do Brasil. No entanto, ao longo desse tempo todo, não havia tido ainda a satisfação de receber um convite como este que vocês me fizeram, o que me desvaneceu, de verdade.
Minhas primeiras palavras, portanto, são de agradecimento sincero a todos vocês pela lembrança, pelo gesto simpático e pelo carinho demonstrados. Isso me incita a continuar retribuindo, nos anos que ainda tenho de exercício profissional e acadêmico, produzindo de forma ainda mais intensa no campo das relações internacionais, sempre com sentido didático. Isso nada mais representa, afinal de contas, do que uma modesta retribuição de minha parte à sociedade brasileira, por tudo que ela me deu em termos de formação educacional nos quadros do ensino público.

Vocês também me prestaram a homenagem de transcrever no convite, ainda que de forma abreviada e livremente adaptadas, mas muito bem resumidas, as dez novas regras de diplomacia que eu havia elaborado, em agosto de 2001, a partir da leitura de um velho livro do século XIX sobre quatro regras de diplomacia, para justamente ilustrar as reflexões contemporâneas de meus jovens colegas diplomatas e outros tantos candidatos à carreira. Esse gesto me incita a retomar algumas delas e tentar elaborar, nesta noite, alguns poucos conselhos que um velho contrarianista do século XX, como eu, poderia dar a jovens internacionalistas do século XXI, como vocês.
Digo “contrarianista” sem qualquer espírito opositor ou anarquista, ainda que estes sentimentos sejam igualmente legítimos em sociedades plenamente democráticas, como pretende ser a nossa. Meu espírito contrarianista deriva do fato de que eu nunca quis ou pretendi me submeter ao argumento da autoridade, mas sim aceito, com prazer e voluntariamente, a autoridade do argumento. Num cenário de diálogo socrático e de dedicação honesta à busca da verdade, como deve ser o ambiente acadêmico, desejo reformular algumas dessas regras, para melhor iluminar o que me parecem ser qualidades essenciais ao jovem internacionalista de nossos tempos.

Inicialmente, eu destacaria a última regra e, agora, a colocaria em primeiro lugar. Não se deve fazer da carreira profissional, seja no campo da diplomacia ou em outras atividades ligadas de perto ou de longe com as questões internacionais, o foco exclusivo de sua vida e, sobretudo, não se deve passar a carreira à frente da família, dos amigos e das pessoas com quem convivemos no ambiente familiar ou de trabalho.
A carreira profissional, qualquer que seja ela, é importante, mas as pessoas, sobretudo os indivíduos que nos são caros, são ainda mais importantes do que ela. Podemos, por certo, mudar de carreira, uma ou várias vezes na vida, podemos até mudar nossos relacionamentos individuais, mas os familiares e nossos amigos mais chegados estarão sempre lá para nos ajudar nas horas difíceis, para nos confortar em determinados momentos, para nos trazer alegrias em várias ocasiões.
Por isso, meus caros formandos, contrariem o carreirismo e sejam, antes de mais nada, profissionais que vêem nas pessoas, de fato, o centro da vida.

Eu diria, em segundo lugar, que algo se ganha ao contrariar o próprio princípio da autoridade, desde que, é claro, vocês tenham absoluta certeza sobre a fundamentação da posição de vocês sobre um assunto qualquer. Regras hierárquicas e disciplina são boas de serem cumpridas na execução de tarefas que exigem uma linha de comando definida, inquestionável, em função da implementação de uma decisão maduramente refletida e alcançada graças a um processo decisório bem estruturado e solidamente bem estabelecido.
Mas, a hierarquia e a disciplina não podem entravar a liberdade de pensamento, em especial a defesa de posições de maior valor agregado, que conseguem realizar uma otimização “paretiana” dos recursos e meios disponíveis para a tomada de ação. A contestação, pelo simples prazer de contrariar, não me parece levar a resultados ótimos, mas sim pode-se e deve-se praticar o questionamento honesto, o ceticismo sadio, a desconfiança metodológica em relação às verdades reveladas, por mais que elas tenham sido formuladas por alguma autoridade imbuída do seu poder autocrático.
Por isso, não tenham medo de expor e de defender com firmeza suas opiniões, se elas refletem, efetivamente, um conhecimento fundamentado do problema em pauta, e isso mesmo que uma “autoridade superior” ostente uma opinião diversa da de vocês.

Por esse motivo, e aqui vai minha terceira regra, contrariem o desejo, ainda que compreensível, de aposentar os livros e deixar os estudos de lado, agora que vocês têm um canudo na mão e algumas idéias na cabeça. Ao contrário, sejam opositores sistemáticos da aposentadoria precoce nos estudos, e voltem imediatamente às leituras, às bibliotecas, às livrarias, às pesquisas de internet.
Não parem de estudar, em nenhum momento da vida. Aliás, comecem a fazê-lo imediatamente, assim que saírem daqui. Afinal de contas, até agora, vocês fizeram, em grande medida, aquilo que os professores determinaram que vocês fizessem, com uma série de leituras chatas e outras tantas obrigações impostas.
Neste momento, cabe a vocês mesmos imporem a si mesmos um programa sistemático de estudos e de leituras que melhor se conformar às habilidades, gostos e orientações particulares de cada um. Sejam, portanto, contrários ao estudo dirigido e estabeleçam, vocês mesmos, um plano regular de dedicação à formação metódica da especialidade que vocês pretendem ter na vida.
A universidade é uma grande fonte de generalidades e mesmo de algumas banalidades repassadas ao longo dos anos, numa repetição por vezes aborrecida do saber acumulado. O que vocês devem fazer agora é construir o seu próprio saber e para isso vão precisar continuar estudando. Apenas com base num saber específico, que dê a cada um de vocês o melhor desempenho possível numa determinada vertente profissional, vocês terão sucesso na vida e no trabalho. Por isso, mãos à obra: coloquem o canudo de lado e comecem a estudar de novo.

Dessa característica de estudo constante, e totalmente dedicado à expansão contínua do saber em todos os ramos do conhecimento humano, derivam duas outras regras que eu havia inscrito em meu decálogo de quatro anos atrás: possuir o domínio total de cada assunto do qual nos vamos ocupar profissionalmente, o que significa aprofundar o conhecimento daquele tema em pesquisas paralelas e correlatas, adotando, ao mesmo tempo ou paralelamente, uma perspectiva histórica e estrutural de cada tema, situando-o no seu contexto próprio.
Apenas com base nesse conhecimento suplementar, vocês saberão se opor, se for o caso, ao princípio primário da autoridade e ter condições de manter independência de julgamento em relação às idéias recebidas e às “verdades reveladas”. A autoridade do argumento só se sustenta com um saber superior, solidamente embasado nos dados da realidade e apoiado em pesquisas comparativas ou no conhecimento de outras experiências que podem ser relevantes para um caso porventura similar.
O “ser contrário” significa, em princípio, possuir um argumento dotado de autoridade superior, embasado em dados mais amplos e um domínio mais seguro da realidade. Claro, podemos ser vencidos pela força bruta, pela imposição da hierarquia ou do poder simplesmente incontestável e incontrastável. Mas aí não estamos falando de métodos socráticos de busca da verdade ou de formação de um consenso no processo decisório, e sim da vontade unilateral, o que não deveria valer no ambiente sadio da pesquisa acadêmica ou mesmo da organização burocrática racionalmente estruturada.
A regra é esta: para vocês serem contrários ao lugar comum, ao déjà vu, ao habitual costumeiro, vocês precisarão construir um saber superior e expô-lo com clareza. E isso nos faz voltar à necessidade já referida do estudo constante, do esforço feito sob a forma da pesquisa individual e de leituras contínuas. A geração de vocês leva uma enorme vantagem em relação àquelas que a precederam: hoje em dia, com os recursos existentes on-line, praticamente 90% do estoque acumulado de conhecimento produzido pela humanidade, até aqui, está livremente disponível na internet, bastando um pouco de destreza lingüística para desfrutar desse imenso saber.

Vocês também podem ser contrários aos interesses político-partidários, às ideologias do momento e às conjunturas políticas de uma dada maioria governamental, mas isto não é uma regra absoluta. Digo isto porque várias carreiras, sobretudo aquelas fortemente dependentes de uma determinada estruturação hierárquica que tem no seu pináculo uma autoridade política qualquer, podem ser levadas ao fenômeno bem conhecido do “adesismo”, ou seja, aquela aderência momentânea aos senhores da hora, às idéias temporariamente dominantes, às situações de adequação oportunista às novas condições do exercício do poder, que sempre vem associado às benesses e favores distribuídos em direção daqueles que partilham, ou fingem fazê-lo, as mesmas opiniões daqueles que justamente ocupam o poder naquele dado momento.
Não estou excluindo, por certo, que algum partido ou agrupamento político consiga encarnar, num determinado momento da vida da Nação, os anseios ou as aspirações da maioria, conseguindo traduzir de modo prático aquilo que normalmente se chama de “vontade nacional”. Este é um fato, aliás corriqueiro nas democracias. O que estou dizendo é que vocês precisam ter absolutamente claros, para vocês e no exercício de alguma atividade profissional, quais são os grandes princípios de atuação do país a serviço do qual se colocam, isto é, quais são, se é que possível saber de verdade, os chamados “interesses nacionais permanentes”.

É com base numa compreensão desse tipo que eu formulei minha primeira regra e uma outra que dela também deriva: servir a pátria, mais do que aos governos, e afastar ideologias ou interesses político-partidários das considerações relativas à política externa do país, que precisa assumir um caráter nacional abrangente, e não meramente setorial ou corporativo.
Para que isso se faça, é preciso, repito ainda uma vez, conhecer profundamente os interesses permanentes da nação e do povo aos quais se serve, e por isso volto ao tema do estudo contínuo.
É preciso, da mesma forma, não aderir a modismos em matéria de “explicações definitivas” das causas das nossas mazelas e iniqüidades: elas são certamente muitas e provavelmente têm causas mais complexas do que certas “racionalizações inovadoras” que pretendem deter a chave milagrosa para a solução de todos os problemas brasileiros. O ser contrário à subserviência ao poder político do momento é também uma atitude de coragem moral e de honestidade intelectual, já que a razão do poder nem sempre se coaduna com o poder da razão, mas esta é, como disse, uma regra não absoluta.

Em resumo ‑ e terminando por aqui este meu exercício de contrarianismo bem intencionado ‑, não pretendo que minhas regras subjetivas, certamente derivadas de um espírito inquieto e ainda rebelde, mas sempre aberto à causa do conhecimento, sirvam de guia absoluto na determinação do itinerário profissional que vocês empreenderão a partir daqui. Cada um definirá com base em sua própria experiência de vida, com o apoio e os conselhos dos familiares, dos professores e dos amigos, qual o melhor curso a seguir no plano profissional ou ainda da continuação dos estudos, agora em nível de pós-graduação, o que recomendo vivamente.
O que eu pretendi inculcar em vocês é a idéia da mente aberta, dotada de ceticismo sadio, contestadora das verdades reveladas e orientada para a busca honesta do saber e da maior eficiência possível no desempenho das atividades profissionais ou dos estudos futuros no terreno da especialização. Vocês agora vão deixar para trás uma etapa da vida e começar outra, mas devem sempre encarar os próximos desafios com toda a modéstia que requer o enfrentamento de cada nova situação de vida: deixar a suficiência de lado e buscar a excelência, em tudo e de todas as maneiras, sabendo que só a dedicação plena ao estudo continuado lhes poderá abrir o caminho para algumas rotas de sucesso profissional e pessoal.
Eu aprendi dessa maneira: vindo de uma família modesta, como é a maioria daquelas dos que aqui se formam hoje, consegui, à custa de muito estudo e dedicação pessoal, distinguir-me na carreira profissional e nas atividades acadêmicas, a ponto de me fazer merecedor da homenagem que vocês tão gentilmente quiseram me prestar nesta data, ao me fazer patrono desta turma de relações internacionais.
Vocês podem, em primeiro lugar, agradecer e retribuir à família e a todos aqueles que os ajudaram a conseguir o diploma que a partir de hoje passam a ostentar. Vocês devem ter, em segundo lugar, consciência de que o maior motivo de orgulho, não é necessariamente o canudo certificador do mérito alcançado, mas mais precisamente o fato de que vocês adquiram nesta escola algumas técnicas de aprendizado que devem ser internalizadas e aproveitadas em todo e qualquer momento da vida futura. Vocês aqui aprenderam tão simplesmente a aprender: comecem agora a estudar de verdade, e tenham sucesso na vida profissional e pessoal. Mãos à obra, de volta aos livros, e sejam felizes na vida.
Meus sinceros parabéns e, por esta oportunidade que me foi dada de me dirigir a alguns dos meus, até aqui, desconhecidos leitores, meu muito obrigado a todos vocês.

Paulo Roberto de Almeida
6-8 de março de 2005 

Carreira diplomatica: questionario e questoes de candidatos (2009 e 2012)

Um texto antigo, mas que me foi relembrado por uma "enésima" questão sobre a carreira diplomática. Desta vez transcrevo minhas respostas a um questionário, e remeto a arquivo de algumas dezenas de páginas na plataforma Academia.edu contendo minhas respostas a novos questionamentos e dúvidas, ademais de comentários diversos sobre a mesma questão.

Carreira Diplomática: respondendo a questões de candidatos (+comentários)

Paulo Roberto de Almeida
Texto principal de 2009
Questões e comentários subsequentes

QUINTA-FEIRA, 21 DE MAIO DE 2009

1112) Carreira Diplomática: respondendo a um questionário

Carreira Diplomática: respondendo a um questionário
Paulo Roberto de Almeida (
www.pralmeida.org)
Respostas a questões colocadas por graduanda em administração na UFSC.

1. Como você se sente por ter escolhido essa profissão (área de atuação)?
PRA: Bastante bem: de certa forma, a profissão me escolheu, posto que desde muito cedo comecei a viajar, primeiro pelo Brasil, depois pela América do Sul e, finalmente, ao completar 21 anos, decidi estudar na Europa, por meus próprios meios e obtendo meus próprios recursos. Foi uma escolha que me preparou para uma vida nômade e aventureira e nunca me arrependi de ter-me lançado ao mundo em fase ainda precoce e sem sequer ter terminado o segundo ano da graduação. Como minha intenção era estudar fora do Brasil, pode-se dizer que realizei meu intento. Quando regressei ao Brasil, depois de quase sete anos na Europa, eu já estava preparado, digamos assim, para tornar-me diplomata. Mas, antes, não tinha pensado: “tropecei” com a carreira, se ouso dizer. Até então, eu só queria derrubar o governo militar.

2. Como você descreveria a sua profissão?
PRA: Uma burocracia de alto nível de qualificação técnica com ampla abertura para as humanidades e o conhecimento especializado. Trata-se, simplesmente, da mais intelectualizada carreira na burocracia federal, combinando aspectos da carreira acadêmica, da pesquisa aplicada e da elaboração de decisões em ambiente altamente competitivo, tanto interna, quanto externamente. Uma elite, como se costuma dizer.

3. Qual sua formação acadêmica? Você considera que ela foi fundamental para o sucesso profissional?
PRA: Ciências Sociais, ou humanidades, no sentido lato, e acredito que ela foi fundamental no ingresso e sucesso na carreira escolhida. Desde muito cedo inclinei-me para os estudos sociais, com forte ênfase na história, na política e na economia, complementados por uma dedicação similar a geografia, antropologia, línguas e cultura refinada, de uma maneira geral. Sou basicamente um autodidata e creio que isso facilitou-me enormemente o ingresso na carreira, pois quase não necessitei de muito estudo para os exames de ingresso. Aliás, entre a decisão de fazer o concurso (direto, no meu caso) e o ingresso efetivo, decorreram pouquíssimos meses (três). 

4. Quais as principais dificuldades enfrentadas para conseguir passar no concurso?
PRA: Direito e Inglês, posto que eu havia estudado amplamente todas as demais matérias, mas não Direito, e todos os meus estudos foram feitos em Francês, que eu dominava amplamente. Mas, meu Inglês era muito elementar, servindo tão somente para leituras. Acho que passei raspando nessas duas matérias, nas outras fui bem.

5. Quando você iniciou sua carreira você tinha definido alguns objetivos e metas de onde queria chegar?
PRA: Não especialmente: nunca fui carreirista, no sentido tradicional do termo, e não me preocupava em ser embaixador ou ocupar qualquer posto de distinção. O que me seduzia era a profissão em si, a mobilidade geográfica, o conhecimento de novos países, a possibilidade de estar sempre aprendendo, estudando, viajando. Sou basicamente um estudioso, um observador da realidade, um “compilador” de informações e análises e um escritor improvisado. Todo o resto me é secundário.

6. Como você integra as diversas esferas de sua vida (trabalho, família, lazer, esporte, cursos, etc.)? Está satisfeito?
PRA: Imenso sacrifício para consegui fazer tudo aquilo que tenho vontade, pela simples razão que eu tenho vontade de ler tudo, o tempo todo, em qualquer circunstância, assim como tenho vontade de viajar, de participar de atividades acadêmicas e intelectuais, tendo ao mesmo tempo de me desempenhar em funções atribuídas pela burocracia no meio de tudo isso. Ora, é praticamente impossível conciliar tantas vontades, e ainda ser um marido perfeito, um pai de família perfeito e outras coisas da vida social e relacional. Em síntese, esses outros aspectos foram de certa forma sacrificados no empenho pessoal em ler, estudar e escrever. Reconheço essas imperfeições, mas não se pode ter tudo na vida: escolhas são inevitáveis, e as minhas estão do lado da leitura, do saber e da escrita. São atividades nas quais eu me realizo plenamente. Em outros termos, ninguém consegue integrar todos os seus interesses perfeitamente, e algum aspecto (ou vários) acaba sempre sendo sacrificado; no meu caso, são horas de sono, de lazer, de simples far niente, e também certa negligência familiar, reconheço. Não pratico esportes, a não ser caminhadas moderadas, já em idade madura. Pratico leituras, com alguma intensidade, eu diria intensíssima, e sobretudo o gosto da escrita. No mais, sou um pouco eremita...

7. Quais os períodos de sua carreira que você mais gostou?
PRA: Todos, pois em todos e em cada um eu fiz aquilo que mais gosto: viajar, muito, intensamente, ler, também intensamente, escrever, observar, aprender, em toda e qualquer circunstância, mesmo em situações difíceis de abastecimento, conforto, restrições monetárias ou outras. Toda a minha carreira me trouxe algo de bom, mesmo em situações temporariamente de sacrifício. Nunca deixei de fazer aquilo que mais gosto, e que já foi descrito anteriormente.

8. Quais os períodos de sua carreira que você menos gostou?
PRA: Numa ou noutra situação, alguns postos apresentam dificuldades materiais, desconfortos psicológicos, desafios razoáveis: por pequenos momentos, chega-se a desejar voltar ao Brasil e retornar à rotina burocrática do cerrado central, onde os atrativos são menores, mas também as surpresas. De toda forma, sempre aproveitei os momentos de dificuldade para refletir e escrever, como sempre, aliás.

9. Dentro da perspectiva de sua carreira tem alguma coisa que você gostaria especialmente de evitar?
PRA: Sim, talvez eu devesse ter dedicado menos atenção aos livros e mais às pessoas, mas essas são escolhas que fazemos deliberadamente, por opções próprias, pensadas ou não. Quem tem a compulsão pela leitura e pela escrita, não consegue acalmar-se a menos de satisfazer o seu “vicio”, daí o sacrifício de outros aspectos da vida social que muita gente valoriza em primeiro lugar. Por outro lado, nunca, na carreira, fui obrigado a assumir obrigações que eu mesmo não desejasse assumir, como por exemplo trabalhar em áreas para as quais eu não me sinto talhado nem tenho a mínima vontade de experimentar: administração, por exemplo, ou cerimonial, ou talvez ainda consular. São áreas nas quais eu provavelmente me sentiria infeliz, pois o meu terreno natural são os estudos, de qualquer tipo: geográfico, político, econômico, cultura, antropológico, no sentido amplo. Todas as áreas funcionais de caráter geográfico, político ou sobretudo econômico me servem perfeitamente. Aliás, nunca me pediram para trabalhar em áreas nas quais eu não gosto, e se me pedissem eu não teria nenhuma hesitação em recusar, mesmo podendo incorrer em alguma falta funcional ou ser sancionado por isto. Sou um pouco anarquista, e não gosto de fazer o que me mandam e sim o que eu decido e gosto de fazer. 
Por outro lado, jamais me pediram para escrever ou dizer algo que violentasse minha consciência, e eu não hesitaria um segundo em recusar-me terminantemente, como algumas vezes me recusei a defender determinados pontos de vista, que não eram os meus. Por outro lado, jamais enfrentei a obrigação de escrever naquele estilo clássico, ou chatérrimo, que é o diplomatês habitual, cheio de adjetivos hipócritas e de pura formalidade vazia: não tenho espírito, paciência nem disposição para esse tipo de enrolação. Costumo escrever o que penso, sem qualquer concessão a formalismos. Sobretudo, não costumo produzir bullshits, muito freqüentes nesta profissão...

10. Você tem objetivo em longo prazo na sua carreira? Você tem uma visão de futuro profissional?
PRA: Acredito que o diplomata deve servir antes à Nação do que a governos, deve defender valores, e não se subordinar a teses momentaneamente vitoriosas que por alguma eventualidade confrontem esses valores. Já escrevi algo a esse respeito, e remeto a meu trabalho: “Dez Regras Modernas de Diplomacia” (Chicago, 22 jul. 2001; São Paulo-Miami-Washington 12 ago. 2001, 6 p., n. 800; ensaio breve sobre novas regras da diplomacia; revista eletrônica Espaço Acadêmico, a. 1, n. 4, setembro de 2001; link: http://www.espacoacademico.com.br/004/04almeida.htm).

11. Você se considera realmente bom em quê? Quais são seus pontos fortes? E como você aproveita seus pontos fortes no seu trabalho?
PRA: Creio que sou capaz de fazer análises contextuais que envolvam conhecimento histórico, embasamento econômico e situação política, ou seja, tenho instrumentos analíticos e amplos conhecimentos que me permitem situar qualquer problema (ou quase) em um contexto mais amplo, e daí extrair alguns elementos de informação para a instrução de um processo decisório que tenha em conta o interesse nacional. Toda a minha vida eu estudei o Brasil e o mundo, visando tornar o primeiro melhor, num mundo que nem sempre é cooperativo. Registre-se que eu não pretendo tornar o Brasil melhor para si mesmo, ou seja, uma grande potência ou qualquer pretensão desse gênero, que encontro simplesmente ridícula. Eu pretendo tornar o Brasil melhor para os brasileiros, ponto. Contento-me apenas com isso. Minha perspectiva, a despeito de ser um funcionário de Estado, não é a do Estado. Não pretendo trabalhar no Estado, para o Estado, com o Estado: minha perspectiva é a dos indivíduos concretos, e meus objetivos são promover os indivíduos, se preciso for contra o Estado. Não tenho nenhum culto ao Estado e nem pretendo torná-lo maior ou mais poderoso, apenas mais eficiente para servir aos indivíduos, não a si mesmo. Desespera-me essas pretensões nacionalistas estatizantes, pois elas se fazem, em geral, em detrimento do bem-estar individual da maior parte dos cidadãos.
Por outro lado, não me considero patriota, no sentido corriqueiro do termo. Sou brasileiro por puro acidente geográfico, pois poderia ter nascido em qualquer outro país ou em qualquer outra época, por puro acaso. Gostaria de reiterar esse ponto, com toda a ênfase que me é permitida. Não sou dado a patriotismos, nem a chauvinismos ultrapassados e ridículos. A nacionalidade, repito, é um acidente geográfico, ou talvez seja a naturalidade, da qual decorre a primeira. Parto do pressuposto da unidade fundamental e universal da espécie humana. Sou brasileiro, como poderia ter sido esquimó, hotentote ou pigmeu, e ninguém seria responsável por esses acasos demográficos, nem mesmo meus pais, posto que ninguém “fabrica” uma pessoa com base em especificações pré-determinadas. Somos em parte o resultado da herança genética (em grande medida, talvez mais do que o indicado ou desejável, mas talvez não a parte mais decisiva de nossas personalidades); em parte o resultado do meio social e cultural no qual crescemos, e das influências que experimentamos involuntariamente em diversas etapas formativas de nosso caráter; e em parte ainda (o que espero mais substancial ou importante), somos o produto de nossa própria formação ativa, dos estudos empreendidos e dos esforços que fazemos nós mesmos para moldar nossas vidas, nosso estilo de comportamento e nossa maneira de pensar, com base em escolhas e preferências que adotamos ao longo da vida. Devemos sempre assumir responsabilidade pelo que somos, e jamais atribuir ao meio ou a qualquer herança genética determinados traços que podem eventualmente revelar-se menos funcionais para nosso desempenho profissional ou intelectual.
Meus pontos fortes, portanto, são minha capacidade analítica, meus conhecimentos acumulados e meu devotamento à causa dos indivíduos, não dos Estados, e sempre tento passar esses pontos à frente de qualquer outra consideração. Não hesito em defender meus pontos de vista, mesmo contra meus interesses imediatos, que poderiam recomendar uma acomodação com a situação presente – a lei da inércia é uma das mais disseminadas na humanidade – ou com autoridades de qualquer tipo. Não costumo fazer concessões a autoridades apenas para obter vantagens pessoais, e acho essa atitude basicamente correta (ainda que a um custo por vezes enorme no plano pessoal). Talvez seja teimosia de minha parte, mas considero isso antes uma virtude, do que um defeito. Enfim, tendo concepções fortes sobre determinados temas, me é muito mais fácil preparar e expor posições do interesse do Brasil, com base em conhecimentos previamente acumulados, o que me dispensa de longas pesquisas ou buscas em arquivos.

12. Quais são seus pontos fracos?
PRA: Devo ter (e tenho) vários, sendo os mais evidentes essa introversão habitual, essa preferência ao convívio com os livros, mais do que a convivência com pessoas, uma certa arrogância intelectual (que reconheço plenamente), derivada de leituras intensas e de uma imensa acumulação de conhecimentos e informações – que em excesso podem ser prejudiciais, dizem alguns – essa pretensão a saber mais do que os outros (o que em parte é verdade, pela simples intensidade de leituras, mas os outros não gostam que se lhes confronte os argumentos, obviamente). Por outro lado, não tenho nenhum respeito pela hierarquia ou pela autoridade, o que muitos consideram um defeito (mas não eu, dado meu anarquismo particular). Não sou de respeitar o argumento da autoridade, mas apenas a autoridade do argumento, a lógica impecável, e a decisão bem formulada, posto que empiricamente embasada, tecnicamente sólida, com menor custo-oportunidade ou a melhor relação custo-benefício. Enfim, sou um racionalista, e detesto impressionismos e subjetivismos, o que é muito fácil de encontrar em quaisquer meios. Daí choques inevitáveis com determinadas pessoas que pretendem mandar a partir de sua vontade exclusiva, não de um estudo aprofundado de situação. Enfim, ser rebelde assim deve ser um defeito...

13. O que você mais deseja na sua carreira?
PRA: Todos somos egocêntricos ou narcisistas em certa medida. Todos queremos reconhecimento e prestígio, por mais que se diga o contrário. Todos queremos ser elogiados e premiados (no meu caso não monetariamente ou em qualquer aspecto material). Assim, desejo ser reconhecido não necessariamente como um bom diplomata, mas simplesmente como um bom cidadão, alguém que cumpre seus deveres e atua conscienciosamente em benefício da maioria (que calha de ser o povo brasileiro, mas poderia ser qualquer outro, pois como disse, eu me coloco do ponto de vista dos indivíduos, não do Estado). Gostaria de ser reconhecido como estudioso, como esforçado e, sobretudo, como alguém comprometido com o bem comum. Pode ser vaidade, mas é assim que vejo minha carreira, que para mim não é uma simples carreira de Estado, mas sim uma atividade que me coloca no centro (ou pelo menos numa das agências) do Estado, ali colocado para servir a pessoas, não a instituições abstratas. 
Gostaria que se dissesse de mim, em algum momento futuro: foi um funcionário dedicado, foi um homem bom, esforçado, devotado ao bem comum, sobretudo foi correto consigo mesmo e com todas as instâncias de interação social ou profissional. Praticou a honestidade intelectual e se esforçou para fazer do Brasil e do mundo lugares melhores do que aqueles que encontrou em sua etapa inicial de vida. 

14. O que você pensa que acontecerá à sua carreira nos próximos dez anos?
PRA: Nada de muito relevante, posto que não sou carreirista e não faço da carreira o centro de minhas preocupações intelectuais ou sequer materiais. Estou na carreira diplomática, como poderia estar na academia ou em alguma outra atividade que tenha a ver com o estudo, o esforço intelectual, a análise e a elaboração de propostas. Sou basicamente um intelectual e a carreira para mim é secundária. Provavelmente vou me aposentar nos próximos dez anos, e aí dispor de todo o meu tempo livre para me dedicar àquilo de que mais gosto: leitura, redação, um pouco de aulas e palestras, viagens, alguns prazeres materiais (como a gastronomia, ou a gourmandise, por exemplo) e espero ter condições físicas de continuar escrevendo, ensinando e colaborando com a elevação intelectual da sociedade pelo maior tempo possível. Se me sobrar tempo gostaria de consertar algumas coisas que encontro muito erradas no Brasil, como por exemplo: a corrupção (generalizada em todas as esferas), a desonestidade intelectual nas academias, a miséria material de grande parte da população (que decorre, em minha opinião, de políticas erradas e do excesso de poderes conferidos ao Estado), enfim, tudo aquilo que sabemos errado em nosso País. 

15. O que você aconselharia para alguém que estivesse iniciando na mesma área?
PRA: Seja estudioso, dedicado, honesto intelectualmente, esforçado no trabalho, um pouco (mas apenas um pouco) obediente, inovador, curioso, questionador – mas ostentando um ceticismo sadio, não uma desconfiança doentia –, tente aprender com as adversidades, trate todo mundo bem (e, para mim, da mesma forma, um porteiro e um presidente), não seja preguiçoso (embora dormir seja sumamente agradável), cultive as pessoas, mais do que os livros (o que eu mesmo não faço), seja amado e ame alguém, ou mais de um... Enfim, seja um pouco rebelde, também, pois a humanidade só avança com aqueles que contestam as situações estabelecidas, desafiam o status quo, tomam novos caminhos, propõem novas soluções a velhos problemas (alguns novos também). No meio de tudo isso, não se leve muito a sério, pois a vida é uma só – sim, sou absolutamente irreligioso – e vale a pena se divertir um pouco. Tudo o que eu falei ou escrevi acima, parece sério demais. Não se leve muito a sério, tenha tempo de se divertir, de contentar a si mesmo e os que o cercam.

Brasília, 21 de maio de 2009.


quarta-feira, 28 de março de 2012

Carreira Diplomatica: respondendo a questionamentos

Texto das perguntas e respostas postado na plataforma Academia.edu (06/05/2018; link: http://www.academia.edu/36092063/Carreira_Diplomatica_respondendo_a_questoes_de_candidatos_comentarios).

domingo, 4 de março de 2018

Imigracao chinesa para o Brasil: conferencia internacional na USP, 22-23/08/2018

CFP: International Conference for the Study of Chinese Immigration to Brazil: Local Contexts and Global Perspectives

by Eric Vanden Bussche
Your network editor has reposted this from H-Announce. The byline reflects the original authorship.
Type: Call for Papers
Date: March 9, 2018
Location: Brazil
Subject Fields: Chinese History / Studies, Immigration & Migration History / Studies, Latin American and Caribbean History / Studies, Social History / 

International Conference for the Study of Chinese Immigration to Brazil: Local Contexts and Global Perspectives
巴西华人移民研究国际研讨会特征和全球视角
August 22-23, 2018, São Paulo, Brazil

Ever since Chinese immigration to Brazil began to emerge as a field of study in 1970, it has attracted the interest of Chinese, Brazilian, and American scholars from various disciplines, as well as students, journalists, diplomats, and independent writers. These scholars and authors have contributed to the field with books, research papers, reports, and memoirs. Most of these works, however, were isolated efforts with few or no exchanges among those who dedicated themselves to the study of Chinese immigration to Brazil.
This first International Conference for the Study of Chinese Immigration to Brazil, to be held at the University of São Paulo on August 22-23, 2018, intends to promote and advance the study of Chinese immigration in a global perspective while aiming at constructing a platform to promote international exchanges in this promising interdisciplinary field of studies. We welcome panel proposals and individual papers from scholars, journalists, undergraduate and graduate students, independent writers, etc. The conference language will be ENGLISH, but Chinese, Spanish, and Portuguese language proposals will also be accepted. Possible themes include, but are not limited to the following:
1.  Chinese migration in a global perspective.
2.  Chinese immigration to Brazil: history and beyond.
3.  Diasporic Associations, Transnational Business Networks and Cultural Identity.
4.  Chinese Language Teaching, Chinese media in Brazil.
5.  Local integration, social mobility and political visibility.
6.  Chinese immigration to Brazil and its impact on Local Economy and Culture.

7.  Topics related to Chinese immigration in Latin America.
上世纪70年代以来, 巴西华人移民研究进入一个崭新的阶段。很多华人学者、巴西问题研究人员、大学教师、硕博士、记者、外交官以及独立作者已经出版或发表了一些有关华侨华人移民的书籍、论文、专题报道和回忆录,但大多数著作都是在几乎没有和同行交流的基础上单独完成的。鉴于此,巴西圣保罗大学东方语言系中文专业决定于今年8月22-23日在圣保罗召开第一届巴西华人移民国际研讨会,一是为了推进全球视野下的巴西华人移民研究,二是尝试为这个大有前途的跨学科研究领域建立一个国际交流的平台。我们真诚欢迎来自世界各地的学者、记者、作者和其他研究人士参加本次会议,交流巴西华人研究的成果和经验。会议工作语言为英语,但是我们接受中文,西班牙语和葡萄牙语的文稿。
本次会议的议题包含 (但是并不局限于) 以下几个方面:
1.全球视野下的华人移民
2. 巴西的华人移民历史与反思
3. 巴西华人社团跨国商业网络,文化认同
4巴西的中文教学,中文媒体
5华人融入当地社会流动,政治参与
6华人移民巴西对当地经济与文化的影响
7拉美华人移民有关的议题
Coordinators: Prof. Dr. Shu Changsheng (Department of Oriental Languages, University of São Paulo)
 and Prof. Dr. Antônio Menezes (Department of Oriental Languages, University of São Paulo).
Organizing Committee: LIU Hong (Professor, Nanyang Technological University, Singapore), Evelyn Hu-Dehart (Professor, Brown University, USA)
, GAO Weinong (Professor, Jinan University, Guangzhou, China), ZHANG Qiusheng (Professor, Jiangsu Normal University, Xuzhou, China), QIAO Jianzhen (Ana) (Confucius Institute, PUC-RIO), Richard Hsu (Professor, University of Taipei), Roberval Teixeira e Silva (Assistant Professor, University of Macau, China), Rogério Dezem (Lecturer, University of Osaka, Japan); Ana Paulina Lee (Assistant Professor, Columbia University, USA); Eric Vanden Bussche (Assistant Professor, Sam Houston State University, USA); Lorenzo Macagno (Associate Professor, Federal University of Paraná, Brazil); Alvaro Comin (Assistant Professor, University of São Paulo, Brazil), Carlos Freire da Silva (Pos-doctorate, Universidade de São Paulo, Brazil)
Key Dates (重要日期):
Conference Announcement and Call for Abstracts / 会议公告,征求论文摘要: March 9, 2018
Registration Opens / 会议开始注册: March 16, 2018
Close of Registration and Paper Submission / 报名和论文提交截止: July 31, 2018
Conference Date / 会议举办日期: August 22-23, 2018
Contact Info: 
Shu Changsheng (束长生, USP), E-MAIL: shu@usp.br; Tel. 55 11 3091-4933 (DLO/USP)
Carlos Freire (USP), E-MAIL: carlosfreire.17@gmail.com
Contact Email: 

Americanismo e anti-americanismo na historia - Book Review

Valenzuela on Domínguez and Desmond, 'Global Perspectives on the United States: Pro-Americanism, Anti-Americanism, and the Discourses Between' [review]

by System Administrator

Virginia R. Domínguez, Jane Desmond, eds. 
Global Perspectives on the United States: Pro-Americanism, Anti-Americanism, and the Discourses Between.
Urbana: University of Illinois Press, 2017. 352 pp. $30.00 (paper), ISBN 978-0-252-08233-7.

Reviewed by Miguel Valenzuela (Facultad de Ciencias Políticas y Sociales (UNAM))
Published on H-Diplo (March, 2018)
Commissioned by Seth Offenbach (Bronx Community College, The City University of New York)

Four different historical periods have been crucial to US interactions with the world: the Great War, World War II, the Cold War, and the end of the Cold War. During and after each of these events, the United States was able to influence the world from both the top of the international system to the grassroots and the other way around. The US was key to defining the ideas, ideals, and values that shaped the world in the twentieth century; as per Carl Schmitt, it molded the nomos of the earth.[1] This is why I claimed at a conference at the Facultad de Ciencias Políticas y Sociales five years ago that the twenty-first century would be an American century with or without US hegemony. Many of the world’s political values, consumption patterns, and cultural expressions have some degree of relation to those of the United States. Take, for example, the promotion of democracy as an antithesis to totalitarianism of any kind. In consequence democracy was related to freedom and US political values, although American democracy is but one form of democracy. This situation makes studies on the United States from different perspectives mandatory, especially those with new approaches.
The world has been clearly Americanized, but that does not mean that it is mainly pro-American or anti-American; in fact, many places and cases exhibit both sentiments; how these concepts are understood and expressed is the question we should try to discuss and answer. Edited by Virginia R. Domínguez and Jane C. Desmond, with the collaboration of eighteen other scholars from many different countries and disciplines, Global Perspectives on the United States is a very fresh, intelligent, and provocative book. It is not a theoretical or ideological analysis of the rise and (alleged) fall of US hegemony, but a conjunction of very different perspectives on how this process of Americanization has influenced different countries and is manifested in their politics or culture. Global Perspectives not only offers a variety of contexts (Germany, Japan, Italy, Egypt, Panama, Georgia, South Africa, inter alia) but also different sources (political phenomena, musical expressions, propaganda, movies, and academic research). This book’s very particularity helps the reader to understand the complexity of anti- and pro-American discourse, even within the United States. There are many conclusions, as the editors suggest, but more important than those are the questions that remain—the stimulation to keep thinking and inquiring about some of the topics explored in this book.
The book is divided into six parts, each with two main articles related by region or topic, followed by two “looks,” which is one of the most interesting and original aspects of the book. In the second look, each of the two main authors comment on (and on occasion, link) the preceding chapter of her/his colleague; but in the third look, a third-party critiques both articles, which is in my opinion the most appealing part in this already appealing book. One might wish, however, that this part, albeit rich, were more in-depth; nevertheless, it still enhances the debate over the articles and their topics. The pragmatic and constructivist approach of the book and the articles gives the reader a vivid and dynamic view of the different phenomena; even as the articles provide specific historic situations one can clearly understand the influence or the parallels to many other current situations.
Part 1, “Whose ‘America’? Whose “Anti-Americanism’?” includes articles by Sabine Broeck (“Internationalizing African American Studies, Too: White (West-) German Responses to the Civil Rights Movement”) and Giorgio Mariani (“What We Talk about When We Talk about Anti-Americanism: An Italian Perspective”). Broeck  examines the (common) ambivalence toward the United States in Germany, characterized by strong criticism of US foreign policy but also a deep sympathy with “the Other America”—for example, jazz, ecological protests, and minorities rights movements—and the importance of African American studies for a better understanding of “black studies” in Europe, the latter being without question a very provocative idea. On the other hand, Mariani establishes that there is no single ideology or set of principles or objectives within the Italian anti-Americanism perspective (in fact, this is very likely true all over the world). The author stresses the deep irrationalism in anti-Americanism, as well as the discursive use of it as a way to legitimize or delegitimize certain politics or policies.
Part 2, “Histories of Engagements: Two Cases Studies Looking Domestic Consumption and Their Contexts,” contains articles by Kate Delaney and Andrzej Antoszek (“Americanization and Anti-Americanism in Poland: A Case Study, 1945-2006”) and by Loe Nas (“Americanization and Anti-American Attitudes in South Africa and Georgia: A Historical Snapshot from 2005”). Delaney and Antoszek’s essay stresses the exceptionalism of Polish attitudes toward the United States during the Cold War and the post-Cold War era, which were influenced by political conditions in the Eastern bloc as well as Polish immigrants in the United States who transmitted American culture, values, and products back to their relatives, products and values that were perceived as symbols of anticommunism and hence as resistance to the regime. In the post-Cold War era, Americanization of Polish culture in many way deepened, as the authors show. The article by Loes Nas describes the intersection in South Africa and Georgia of two opposite political transformation processes and perspectives toward the United States: from Americanization to anti-Americanism in South Africa, and vice versa in Georgia, which is a very similar case to that of Poland. In the case of South Africa, it is interesting to see the influence of African American culture in South African cities (Americanism), which is coupled with a parallel and antagonistic process in the political sphere (anti-Americanism). Even though it is obvious to a certain point that countries from the former Western world are now critical of the United States, and those from the Eastern world are now pro-American, it is worth studying the development and expressions of both attitudes.
Part 3 of the book, “Debating the Terms of Debate,” contains articles by Manar Shorbagy (“Kefaya and the New Politics of Anti-Americanism”) and Edward Schatz (“Understanding Anti-Americanism in Central Asia”). Shorbagy focuses on the Kefaya movement in Egypt and the central role of anti-Americanism in it, as a response to the US foreign policy and in such a tone as to turn anti-Americanism into a unifying discourse. According to Shorbagy, the Kefaya movement became the first transideological movement in Egypt’s modern history and a model for pacific resistance in the Arab Islamic world, but as a starting point, the movement needed an enemy in Schmittian terms—that is, an enemy who represents an existential threat to the political being. It is also, as Shorbagy shows, a democratic and inclusive movement that makes it resilient to any foreign intervention. Schatz shows the United States as a symbolic and meaningful actor in the region, well beyond its military, economic, and cultural policies. This is why Schatz points out the strategy of Islamic groups—such as Islamic Movement of Uzbekistan or Hizb ut-Tahrir—to use the United States as a symbol of what has to be overridden in order to create a national Islamic rather than a global order, representing again a Schmittian view.
In part 4, “Visual Engagements and Their Interpretation,” we find two very different artistic expressions: sculpture and cinema. In the essay “Lost and Found in Translation: Problems of Cultural Translation in Hungary after 1989,” Zsófia Bán explains the importance of “cross-culturalization” and American artistic expressions in the Hungarian process of identity consolidation after communism and the suppression of national as well as local identity expressions. She presents the very interesting example of the Kisvarsó group as an agitator and creator of new meanings in cultural expressions within a postideological context. Richard Ellis, in “Westward Ho with Kholiwood: The Transnational Turn in the Neoliberal Marketplace,” uses a film by Hollywood (Lost in Translation) and another from Bollywood (Bride and Prejudice) to explain the deep roots of Americanization (or Westernization, to a point) and how there is a certain need to Americanize/Westernize pop cinema. In this scenario, Ellis establishes New American studies as a new branch of American studies that focuses on processes that transcend the United States, both due to globalizing processes as well as resistance. Once again the idea that Americanism and anti-Americanism coexist is unequivocally demonstrated.
The articles by Kiristin Solli and Ian Condry constitute part 5, “Disrupting Binaries: Whose ‘Country Music’ and Whose ‘Hip-Hop?’” Solli’s article, “Tale of the West: ‘Americanization’ in an Era of ‘Europeanization,’” explains the very interesting phenomena of the adoption of US country music in the Norwegian countryside and its role in promoting national values against the Europeanization of Norway, particularly the one that happens in Norwegian big cities; it is also very interesting how there are some political parallels between both cultural expressions. In the essay “What Do the Terms ‘Pro-American’ and ‘Anti-American’ Mean in Today’s Globalizing World?” Condry asks the central question of the book. In “Japanese Rappers, 9/11, and Soft Power: Anti-American Sentiments in ‘American’ Popular Culture,” Condry use his wide knowledge of Japanese rap (Rhymester or Hannya) to show how it critiques the US establishment and wonders if it is American or anti-American to use American-rooted music to do so. Once more, we see an American world: anti-Americanism is expressed with American (rooted) tools.
Finally, in part 6, “Is It Americanization or Pro-Americanism? The Americas, Pan-Americanism, and Immigration” Amy Spellacy analyzes the Americanization of Latin America, specifically, Panama, with her essay, “Making Pals in Panama: US-Latin America Relations and the Trope of the Good Neighbor in Coca Cola Advertising during the 1940s.” This strategy helped the United States, she claims, to “establish … and maintain an informal empire” (p. 266) in the region, and reduced the possibility of an external (European) intervention. Guillermo Ibarra, in “Americanism and Anti-Americanism of Mexican Immigrants in Los Angeles,” not only explains the complex and volatile relations and perceptions between Americans and Mexicans, according to different polls, but also shows us that anti-Americanism can indeed exist within the United States (I would even propose the term “American anti-Americanism”), in this case expressed in the creation of a new citizenship, a new society, and even new values and ideals adopted by immigrants. These immigrants want to stay in the United States, but after some time they want be Americans also; they want rights, and they fight for them. Doing so is perceived as American; they want to be Latin American or Mexican Americans.
Once the reader finishes this provocative book there are more questions than answers, more reasons, topics, and perspectives to study, discuss, and debate. Global Perspectives on the United States offers rich, interesting, innovative, and thought-provoking reflections on the processes of assimilation, adaptation, and transformation of American values and cultural expressions, within different contexts. The book, whether intended or not, shows the utility and complexity of constructivist approaches in international and social studies.
Note
[1]. Carl Schmitt, The Nomos of the Earth in the International Law of the Jus Publicum Europaeum (1950; New York: Telos Press, 2003).
Citation: Miguel Valenzuela. Review of Domínguez, Virginia R.; Desmond, Jane, eds., Global Perspectives on the United States: Pro-Americanism, Anti-Americanism, and the Discourses Between. H-Diplo, H-Net Reviews. March, 2018.
URL: http://www.h-net.org/reviews/showrev.php?id=50224
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