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segunda-feira, 2 de agosto de 2021

O patrono assassinado - Alexandre Vidal Porto (FSP)

 Os alunos do Instituto Rio Branco já estão sob intensa pressão, mas não precisam fazer mais nada; basta dizer que escolheram um nome e que é só esse. Ponto.

O patrono assassinado
Com homenagem, jovens diplomatas indicam caminho ético que querem seguir
FSP, 1º.ago.2021 às 23h15
Alexandre Vidal Porto
Escritor e diplomata, é mestre em direito pela Universidade Harvard e autor de “Sergio Y. vai à América”, “Matias na Cidade” e “Cloro”
Todos os anos, milhares de candidatos disputam uma vaga para a carreira de diplomata do Ministério das Relações Exteriores. Os aprovados no concurso, após um período de formação profissional de cerca de dois anos no Instituto Rio Branco, passam a integrar o Serviço Exterior Brasileiro e a trabalhar no Itamaraty, em Brasília, ou na rede de consulados e embaixadas do Brasil espalhados pelo mundo.
Cada nova turma, ao formar-se, escolhe um patrono, cujo exemplo e trajetória devem inspirar a atuação dos jovens diplomatas como servidores de Estado. Segundo a coluna Painel de 28 de julho, a última turma de formandos do Instituto Rio Branco teria escolhido como patrono o embaixador José Pinheiro Jobim, torturado e assassinado pela ditadura militar num caso de queima de arquivo.
A confirmar-se, tal escolha não poderia ter sido mais justa e acertada.
O embaixador Jobim (1909-1979) teve carreira corretíssima no Itamaraty. Era economista de formação e, por força de contingências do trabalho, acompanhou, desde o início, por anos, as negociações para a construção da usina hidrelétrica de Itaipu. Era considerado um especialista no tema. Chefiou, também, embaixadas em Paraguai, Equador, Colômbia e Argélia. Seu último posto foi como embaixador junto ao Vaticano. Não tinha história de ativismo político.
No ano de 1979, já aposentado, compareceu à cerimônia de posse do presidente João Figueiredo. Na ocasião, comentou com colegas de Brasília que escrevia um livro de memórias. Nele, apresentaria denúncias de superfaturamento milionário nas obras de construção do complexo de Itaipu. Sete dias depois desse episódio, já no Rio de Janeiro, José Ribeiro Jobim desapareceu. Seu corpo foi encontrado na Barra da Tijuca, pendurado numa árvore pelo pescoço, num arremedo de suicídio —causa mortis sugerida no inquérito policial.
Alertadas por uma testemunha que recebera, numa farmácia, um bilhete de Jobim, no qual ele alertava sobre seu sequestro, a viúva e a filha do embaixador batalharam judicialmente até esclarecerem as reais circunstâncias de sua morte. Em 2018, o Estado brasileiro finalmente assumiu sua responsabilidade e reconheceu tratar-se de “um crime de Estado, consumado por motivação exclusivamente política.”
O atestado de óbito de Jobim passou a refletir “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.
Ao pretenderem honrar a memória de José Pinheiro Jobim, os jovens diplomatas valorizam seu exemplo de retidão e cumprimento às leis como agente público. Sublinham, igualmente, a obrigação dos servidores de não compactuar com ações que violem a Constituição Federal.
Essa possível escolha dos formandos também aponta para a necessidade de os diplomatas terem sempre presentes os prejuízos que a falta de democracia pode infligir à instituição e a seus integrantes —e essa memória é importante para uma organização de Estado, como o Itamaraty.
Com essa homenagem, os jovens diplomatas indicam, finalmente, o caminho ético que querem seguir como servidores públicos, rejeitando regimes de exceção, deplorando seus atos e honrando suas vítimas.
Deve-se ver com alegria e otimismo essa direção em que aponta a mais nova geração de diplomatas, servidores públicos que terão a seu encargo projetar a imagem e defender os interesses do Brasil no mundo.

terça-feira, 6 de março de 2018

Ser um bom internacionalista, significa conhecer o Brasil - Paulo Roberto de Almeida (2006)

Ser um bom internacionalista, nas condições atuais do Brasil significa, antes de tudo, ser um bom intérprete dos problemas do nosso próprio País

Paulo Roberto de Almeida
Alocução de paraninfo na turma de formandos 2º/2005
do curso de Relações internacionais do Uniceub, Brasília
(16 de março de 2006, 20hs, Memorial Juscelino Kubitschek)


Senhor Coordenador do Curso de RI, Professor Marco Antonio de Meneses Silva,
            aqui reoresentando todas as autoridades acadêmicas,
Senhora Patronesse homenageada, Raquel Boing Marinucci,
Senhores professores homenageados,
     Meu caro amigo e dileto colega de carreira, Professor Rodrigo de Azeredo Santos,
     Caro Professor Marcelo Gonçalves do Valle,
Senhora funcionária homenageada, Vanessa de Faria Campanella,
Senhoras e senhores pais e demais autoridades e colegas professores presentes,
Meus caríssimos alunos e agora formandos em relações internacionais,


Estou ligado a este centro universitário a bem mais tempo do que minha curta carreira de professor poderia sugerir. A despeito de ter ingressado como professor nos cursos da faculdade de Direito apenas em 2004, sob pressão do dileto amigo e coordenador, Marcelo Varella, eu já freqüentava o campus do Uniceub desde algum tempo, já que minha esposa, Carmen Lícia Palazzo, lecionou no curso de história durante vários anos. Também estou ligado a esta cidade há muitos anos, quando para cá me mudei, em 1977, ao ingressar na carreira diplomática, tendo servido ao Brasil, por mais de 28 anos, aqui e no exterior. Lembro-me, por exemplo, de, recém chegado a Brasília, ter vindo uma vez ao modesto campus do então Ceub, para ver, acompanhado de colega diplomata, um encarregado de cursos. Naquela ocasião, uma remoção precoce para o exterior impediu que eu me vinculasse à instituição, numa fase que antecede, provavelmente, ao nascimento e à idade atual da maior parte de vocês, que hoje se formam.
Mantive contato preliminar com o curso de relações internacionais do Uniceub ainda em seu estabelecimento, fazendo ali uma palestra antes de minha partida para a Embaixada em Washington, em 1999. Voltei depois em outras ocasiões, para palestras ou encontros com professores. Em todas essas oportunidades, testemunhei o empenho desta instituição em oferecer um curso de RI que se igualasse aos melhores do Brasil e que servisse, adequadamente, aos propósitos de cada um de vocês de obter a melhor formação possível, de maneira a habilitá-los a enfrentar a dura competição pelo trabalho na vida profissional ou a continuar os estudos em nível de pós-graduação.
Desejo, antes de tudo, agradecer a todos pelo honroso convite para servir de paraninfo nesta cerimônia de colação de grau. Isto se deve, aparentemente, ao fato de que eu possa ter servido como uma espécie de bibliografia ambulante, ou seja, de que alguns de meus livros possam ter eventualmente ajudado no propósito de iniciá-los nos meandros das relações internacionais, ou, melhor ainda, à chance de que vários de meus textos estejam livremente disponíveis em meu site na internet, podendo, assim, ter salvado mais de um trabalho de última hora. Foi para isso mesmo que montei, e continuo a alimentar, um site que oferece uma espécie de concorrência desleal a vários dos meus editores. Mas nenhum deles ainda protestou por isso.

Meus caros formandos,
Creio já ter oferecido, por meio de meus livros, palestras ou textos esparsos, mais de uma contribuição ao estudo e à formação na área das relações internacionais no Brasil e do Brasil. Assim, não pretendo voltar a tocar, agora, nos temas que ocuparam seus dias e noites nos últimos quatro ou cinco anos, o que faz uma boa parcela de vida. Prefiro deixar as relações internacionais de lado e ocupar-me daquilo que na verdade tem sido a minha paixão e que representa grande parte de meus desesperos no último meio século, ou quase: o próprio Brasil.
Intitulei esta alocução, ainda que vocês não possam ver este texto (mas ele já está em meu site), desta forma: “ser um bom internacionalista, nas condições atuais do Brasil, significa, antes de tudo, ser um bom intérprete dos problemas do nosso próprio País”. O que eu quero dizer com isto?
Vocês adquiriram uma formação de internacionalista ou, pelo menos, pagaram para isso. O canudo recebido, no entanto, é uma simples formalidade, pois a verdadeira formação de vocês deve ser feita no exercício profissional e no estudo constante e continuado das matérias que os ocuparam nos últimos anos e muitas outras mais. Qualquer que seja a universidade, e sua excelência relativa, ela nunca vai poder fornecer, a cada um, todos os elementos de formação de que necessitam para convertê-los em bons profissionais na vida prática. Por isso, o aperfeiçoamento constante e o estudo regular, na base do autodidatismo e das leituras auto-impostas, devem ser a norma que precisa continuar a pautar suas vidas daqui a diante. Minha primeira recomendação seria: assim que puserem o diploma na parede e enquadrarem as fotos de formatura, voltem aos estudos, em instituições ou por conta própria. Não parem, sobretudo, de se especializar e de enriquecer o currículo com novas fontes de saber e de conhecimento, adequadas à carreira que vocês pretendem seguir.
Mas o meu argumento, hoje, é o de que, independentemente da carreira que vocês vão agora perseguir ou, em alguns casos, continuar e a despeito de quaisquer projetos que vocês possam ter na área de relações internacionais, vocês são, essencial e fundamentalmente, internacionalistas brasileiros. Eu gostaria de acentuar o adjetivo, isto é, vocês são profissionais atuando a partir da realidade brasileira e possuindo uma visão global que busca, ou que pelo menos deveria buscar, interpretar o mundo a partir do Brasil, de seus problemas e de suas necessidades.

Quero dizer basicamente o seguinte: o Brasil construiu, ao longo das últimas décadas, uma economia industrial relativamente desenvolvida, sob certos aspectos até sofisticada, haja vista a capacitação tecnológica exibida em várias áreas avançadas, como na construção aeroespacial ou no agronegócio como um todo. Ele também consolidou, no decorrer das últimas duas décadas, um sistema democrático fundamentalmente estável, ainda que nossa democracia seja de baixa qualidade intrínseca e de pouca densidade institucional, na qual os direitos fundamentais do cidadão, sobretudo os mais humildes, nem sempre são respeitados. Ele conseguiu montar, igualmente, um sistema científico de inegáveis méritos ao nível da pesquisa básica, mesmo se deixando muito a desejar, ainda, no que se refere à transposição desta para o plano do desenvolvimento tecnológico.
Não obstante deficiências estruturais e sistêmicas, que dificultam um processo sustentado de crescimento econômico a ritmos desejáveis e necessários, para fins de distribuição de seus frutos, basicamente em virtude da excessiva carga tributária que caracteriza nosso país, o Brasil possui uma economia moderna e competitiva capaz de rivalizar com outros países emergentes ou, em determinados setores, com as nações mais avançadas, em termos de desenvolvimento material. Por isso mesmo, estava parcialmente correto o líder político que disse que o Brasil não é mais um país subdesenvolvido, mas um país fundamentalmente injusto, ainda que uma coisa possa não obstaculizar a outra, uma vez que a injustiça pode, também, ser revelada pelo subdesenvolvimento relativo de determinadas instituições, entre elas as educacionais, ou da própria justiça, cujas condições de morosidade e de incerteza quanto à jurisprudência podem igualmente impactar negativamente o ritmo de crescimento econômico.
Em outros termos, o Brasil já não apresenta, no plano técnico, obstáculos intransponíveis aos processos de modernização tecnológica e de aprimoramento da gestão empresarial, mas ele ostenta, sim, graves problemas distributivos e várias outras disfuncionalidades em sua organização institucional. Todos esses problemas têm uma origem essencialmente doméstica, eles são 100% “made in Brazil”, foram criados por nós mesmos e só poderão encontrar soluções, todas elas internas, a partir de nossos próprios esforços e por uma vontade nacional genuinamente auto-induzida.
Esta minha convicção se baseia em simples observação dos problemas básicos do Brasil atual. E quais são eles? Baixo crescimento econômico, insegurança e violência na vida cotidiana, déficits orçamentários e graves problemas fiscais, desequilíbrios regionais e enormes desigualdades sociais, disfuncionalidades nas instituições políticas e corrupção nos negócios públicos, má qualidade da educação, deterioração do meio ambiente, inclusive urbano, descrença, enfim, no futuro do país, de que é prova visível o crescente movimento migratório, num país que se caracterizou sempre pelo acolhimento de todo tipo de estrangeiro.
Todos esses problemas não resultam de uma alegada dominação estrangeira sobre nossos recursos naturais, de qualquer imposição imperialista quanto ao usufruto de nosso trabalho produtivo, de nenhuma compulsão exterior ao nosso próprio modo de vida, no que se refere ao funcionamento das principais instituições nacionais, de nenhum complô alienígena que visaria, supostamente, impedir nossa capacitação tecnológica ou o exercício de uma pretendida liderança natural na região.
O que tem a ver, por exemplo, uma imaginária dominação imperialista com a nossa não tão prosaica corrupção política? Em que os capitalistas estrangeiros seriam responsáveis pela má qualidade da educação brasileira, ou pela falta de segurança em nossas metrópoles, ou pelo mau estado de nossas estradas, ou pela condição calamitosa do atendimento hospitalar para as pessoas de baixa renda? Por que, em outra vertente, o FMI seria culpado pelo déficit estrutural e pelo descalabro e crise previsível do nosso sistema previdenciário? Em que sentido o sistema financeiro internacional estaria na origem dos nossos desequilíbrios orçamentários ou seria capaz de impor essas taxas de juros absurdamente altas, quando elas resultam de nossa própria compulsão para o gasto sem medida e do acúmulo contínuo de uma dívida interna que vai continuar pesando na vida dos nossos filhos e netos? Por que não conseguimos crescer adequadamente, quando o mundo se expande a taxas que são o dobro das nossas e os emergentes fazem o triplo disso?
Não vejo, sinceramente, nenhuma origem estrangeira na raiz dos nossos males principais, assim como tampouco vislumbro qualquer solução vinda de fora a todos esses e cada um dos nossos problemas mais cruciais. Por isso mesmo, quando vejo essas imensas manifestações de protesto contra o “vil imperialismo” e contra a “globalização assimétrica”, em ruidosos fóruns que nos prometem “um outro mundo possível”, mas que sempre se esquecem de comunicar a receita milagrosa desse mundo imaginário, eu fico pensando se é por ingenuidade, por desfaçatez política ou por pura desonestidade intelectual que tantas pessoas medianamente bem informadas continuam a repetir esses slogans furibundos, tão cansativos quanto enganadores. Acho, sinceramente, que todas as reações paranóicas e xenófobas, para não falar de uma certa visão conspiratória da história, são não apenas anacrônicas, mas profundamente equivocadas e ilusórias.

Meus caros formandos,
Não nos deixemos iludir: as causas dos nossos angustiantes problemas estão aqui dentro mesmo, assim como terão de ser genuinamente nacionais os diagnósticos e as soluções factíveis a cada um deles. O verdadeiro internacionalista saberia, aliás, fazer essa constatação elementar: o sistema internacional oferece, por certo, desafios e riscos a qualquer país inserido nos circuitos da globalização econômica e da interdependência planetária, mas ele não é de nenhum modo responsável pelas nossas mazelas principais ou pelas nossas deficiências mais primárias.
A velha arenga das alegadas “perdas internacionais”, ou a responsabilização da “dependência externa” pelas notórias e manifestas carências da sociedade nacional já não convencem mais ninguém, e quem ousa ainda empreender esse tipo de discurso só pode ser chamado daquilo que é, verdadeiramente: ou um demagogo ou um simples enganador. De resto, seria precisa muita ingenuidade ou muita má-fé, para atribuir a outros as raízes de todos esses problemas a que já me referi.
Dessa forma, não tenho hesitação em afirmar: a primeira condição que vejo como importante para que vocês se habilitem enquanto internacionalistas competentes e enquanto profissionais eficientes seria uma leitura apropriada dos problemas nacionais. A partir daí, vocês serão capazes de exibir uma visão igualmente correta dos dados da realidade internacional, em sua dimensão própria e em sua interação com aqueles problemas domésticos. Vocês são internacionalistas brasileiros, mas a brasilidade deve vir antes do internacionalismo. Por isso, mesmo buscando uma maior especialização em questões internacionais, não deixem de estudar o Brasil e seus problemas. O bom internacionalista é aquele que sabe, em primeiro lugar, situar corretamente o seu país no quadro das relações internacionais, a partir dos dados primários da realidade nacional.
Por isso, sejam internacionalistas conseqüentes, começando por conhecer profundamente o seu próprio País! Esta é uma regra de ouro, que sempre guardei comigo, como guia para os meus estudos e trabalho durante toda a minha vida. De resto, todos e cada um dos meus livros, independentemente do conteúdo mais ou menos “diplomático” ou de “política internacional” que eles possam conter, tratam, básica e essencialmente, de um único personagem: o Brasil!

Meus sinceros parabéns a todos vocês, a seus pais e professores e o meu ainda mais sincero reconhecimento por esta oportunidade de dirigir-me a alguns dos meus, até aqui não revelados ou ainda pouco conhecidos, leitores. Sejam felizes, junto de seus familiares, amigos e colegas, mas lembrem-se sempre: o Brasil antes de tudo!

Muito obrigado!

Paulo Roberto de Almeida
[8 de março de 2006]


Conselhos de um contrarianista a jovens internacionalistas - Paulo Roberto de Almeida

Conselhos de um contrarianista a jovens internacionalistas

Paulo Roberto de Almeida
Alocução de patrono na XI turma (2º semestre de 2004) de
Relações internacionais da Universidade Católica de Brasília
(10 de março de 2005, 20hs, Auditório S. João Batista de La Salle)

Senhora representante da Magnífica Reitora da Universidade Católica,
Senhor Paraninfo, Geraldo Magela,
Senhores professores homenageados,
Senhoras e senhores demais membros da mesa e autoridades presentes,
Meus caríssimos alunos e agora formandos em relações internacionais,

Confesso que quando a Comissão de Formatura desta turma de relações internacionais da Universidade Católica me procurou, cerca de dois meses atrás, para formular este honroso convite de “patrono” de sua formatura, me senti verdadeiramente orgulhoso de tê-lo feito por merecer. Já lá se vai mais de um quarto de século que me exerço nas lides da diplomacia profissional, com uma dedicação paralela às “coisas internacionais”. Por “coisas”, vão aqui compreendidas a pesquisa, geralmente solitária, o ensino, sempre voluntário e irregular, ao sabor de uma vida nômade a serviço do Brasil, e a redação e publicação de textos de caráter didático em torno das questões das relações internacionais, da história diplomática e, sobretudo, da inserção internacional do Brasil. No entanto, ao longo desse tempo todo, não havia tido ainda a satisfação de receber um convite como este que vocês me fizeram, o que me desvaneceu, de verdade.
Minhas primeiras palavras, portanto, são de agradecimento sincero a todos vocês pela lembrança, pelo gesto simpático e pelo carinho demonstrados. Isso me incita a continuar retribuindo, nos anos que ainda tenho de exercício profissional e acadêmico, produzindo de forma ainda mais intensa no campo das relações internacionais, sempre com sentido didático. Isso nada mais representa, afinal de contas, do que uma modesta retribuição de minha parte à sociedade brasileira, por tudo que ela me deu em termos de formação educacional nos quadros do ensino público.

Vocês também me prestaram a homenagem de transcrever no convite, ainda que de forma abreviada e livremente adaptadas, mas muito bem resumidas, as dez novas regras de diplomacia que eu havia elaborado, em agosto de 2001, a partir da leitura de um velho livro do século XIX sobre quatro regras de diplomacia, para justamente ilustrar as reflexões contemporâneas de meus jovens colegas diplomatas e outros tantos candidatos à carreira. Esse gesto me incita a retomar algumas delas e tentar elaborar, nesta noite, alguns poucos conselhos que um velho contrarianista do século XX, como eu, poderia dar a jovens internacionalistas do século XXI, como vocês.
Digo “contrarianista” sem qualquer espírito opositor ou anarquista, ainda que estes sentimentos sejam igualmente legítimos em sociedades plenamente democráticas, como pretende ser a nossa. Meu espírito contrarianista deriva do fato de que eu nunca quis ou pretendi me submeter ao argumento da autoridade, mas sim aceito, com prazer e voluntariamente, a autoridade do argumento. Num cenário de diálogo socrático e de dedicação honesta à busca da verdade, como deve ser o ambiente acadêmico, desejo reformular algumas dessas regras, para melhor iluminar o que me parecem ser qualidades essenciais ao jovem internacionalista de nossos tempos.

Inicialmente, eu destacaria a última regra e, agora, a colocaria em primeiro lugar. Não se deve fazer da carreira profissional, seja no campo da diplomacia ou em outras atividades ligadas de perto ou de longe com as questões internacionais, o foco exclusivo de sua vida e, sobretudo, não se deve passar a carreira à frente da família, dos amigos e das pessoas com quem convivemos no ambiente familiar ou de trabalho.
A carreira profissional, qualquer que seja ela, é importante, mas as pessoas, sobretudo os indivíduos que nos são caros, são ainda mais importantes do que ela. Podemos, por certo, mudar de carreira, uma ou várias vezes na vida, podemos até mudar nossos relacionamentos individuais, mas os familiares e nossos amigos mais chegados estarão sempre lá para nos ajudar nas horas difíceis, para nos confortar em determinados momentos, para nos trazer alegrias em várias ocasiões.
Por isso, meus caros formandos, contrariem o carreirismo e sejam, antes de mais nada, profissionais que vêem nas pessoas, de fato, o centro da vida.

Eu diria, em segundo lugar, que algo se ganha ao contrariar o próprio princípio da autoridade, desde que, é claro, vocês tenham absoluta certeza sobre a fundamentação da posição de vocês sobre um assunto qualquer. Regras hierárquicas e disciplina são boas de serem cumpridas na execução de tarefas que exigem uma linha de comando definida, inquestionável, em função da implementação de uma decisão maduramente refletida e alcançada graças a um processo decisório bem estruturado e solidamente bem estabelecido.
Mas, a hierarquia e a disciplina não podem entravar a liberdade de pensamento, em especial a defesa de posições de maior valor agregado, que conseguem realizar uma otimização “paretiana” dos recursos e meios disponíveis para a tomada de ação. A contestação, pelo simples prazer de contrariar, não me parece levar a resultados ótimos, mas sim pode-se e deve-se praticar o questionamento honesto, o ceticismo sadio, a desconfiança metodológica em relação às verdades reveladas, por mais que elas tenham sido formuladas por alguma autoridade imbuída do seu poder autocrático.
Por isso, não tenham medo de expor e de defender com firmeza suas opiniões, se elas refletem, efetivamente, um conhecimento fundamentado do problema em pauta, e isso mesmo que uma “autoridade superior” ostente uma opinião diversa da de vocês.

Por esse motivo, e aqui vai minha terceira regra, contrariem o desejo, ainda que compreensível, de aposentar os livros e deixar os estudos de lado, agora que vocês têm um canudo na mão e algumas idéias na cabeça. Ao contrário, sejam opositores sistemáticos da aposentadoria precoce nos estudos, e voltem imediatamente às leituras, às bibliotecas, às livrarias, às pesquisas de internet.
Não parem de estudar, em nenhum momento da vida. Aliás, comecem a fazê-lo imediatamente, assim que saírem daqui. Afinal de contas, até agora, vocês fizeram, em grande medida, aquilo que os professores determinaram que vocês fizessem, com uma série de leituras chatas e outras tantas obrigações impostas.
Neste momento, cabe a vocês mesmos imporem a si mesmos um programa sistemático de estudos e de leituras que melhor se conformar às habilidades, gostos e orientações particulares de cada um. Sejam, portanto, contrários ao estudo dirigido e estabeleçam, vocês mesmos, um plano regular de dedicação à formação metódica da especialidade que vocês pretendem ter na vida.
A universidade é uma grande fonte de generalidades e mesmo de algumas banalidades repassadas ao longo dos anos, numa repetição por vezes aborrecida do saber acumulado. O que vocês devem fazer agora é construir o seu próprio saber e para isso vão precisar continuar estudando. Apenas com base num saber específico, que dê a cada um de vocês o melhor desempenho possível numa determinada vertente profissional, vocês terão sucesso na vida e no trabalho. Por isso, mãos à obra: coloquem o canudo de lado e comecem a estudar de novo.

Dessa característica de estudo constante, e totalmente dedicado à expansão contínua do saber em todos os ramos do conhecimento humano, derivam duas outras regras que eu havia inscrito em meu decálogo de quatro anos atrás: possuir o domínio total de cada assunto do qual nos vamos ocupar profissionalmente, o que significa aprofundar o conhecimento daquele tema em pesquisas paralelas e correlatas, adotando, ao mesmo tempo ou paralelamente, uma perspectiva histórica e estrutural de cada tema, situando-o no seu contexto próprio.
Apenas com base nesse conhecimento suplementar, vocês saberão se opor, se for o caso, ao princípio primário da autoridade e ter condições de manter independência de julgamento em relação às idéias recebidas e às “verdades reveladas”. A autoridade do argumento só se sustenta com um saber superior, solidamente embasado nos dados da realidade e apoiado em pesquisas comparativas ou no conhecimento de outras experiências que podem ser relevantes para um caso porventura similar.
O “ser contrário” significa, em princípio, possuir um argumento dotado de autoridade superior, embasado em dados mais amplos e um domínio mais seguro da realidade. Claro, podemos ser vencidos pela força bruta, pela imposição da hierarquia ou do poder simplesmente incontestável e incontrastável. Mas aí não estamos falando de métodos socráticos de busca da verdade ou de formação de um consenso no processo decisório, e sim da vontade unilateral, o que não deveria valer no ambiente sadio da pesquisa acadêmica ou mesmo da organização burocrática racionalmente estruturada.
A regra é esta: para vocês serem contrários ao lugar comum, ao déjà vu, ao habitual costumeiro, vocês precisarão construir um saber superior e expô-lo com clareza. E isso nos faz voltar à necessidade já referida do estudo constante, do esforço feito sob a forma da pesquisa individual e de leituras contínuas. A geração de vocês leva uma enorme vantagem em relação àquelas que a precederam: hoje em dia, com os recursos existentes on-line, praticamente 90% do estoque acumulado de conhecimento produzido pela humanidade, até aqui, está livremente disponível na internet, bastando um pouco de destreza lingüística para desfrutar desse imenso saber.

Vocês também podem ser contrários aos interesses político-partidários, às ideologias do momento e às conjunturas políticas de uma dada maioria governamental, mas isto não é uma regra absoluta. Digo isto porque várias carreiras, sobretudo aquelas fortemente dependentes de uma determinada estruturação hierárquica que tem no seu pináculo uma autoridade política qualquer, podem ser levadas ao fenômeno bem conhecido do “adesismo”, ou seja, aquela aderência momentânea aos senhores da hora, às idéias temporariamente dominantes, às situações de adequação oportunista às novas condições do exercício do poder, que sempre vem associado às benesses e favores distribuídos em direção daqueles que partilham, ou fingem fazê-lo, as mesmas opiniões daqueles que justamente ocupam o poder naquele dado momento.
Não estou excluindo, por certo, que algum partido ou agrupamento político consiga encarnar, num determinado momento da vida da Nação, os anseios ou as aspirações da maioria, conseguindo traduzir de modo prático aquilo que normalmente se chama de “vontade nacional”. Este é um fato, aliás corriqueiro nas democracias. O que estou dizendo é que vocês precisam ter absolutamente claros, para vocês e no exercício de alguma atividade profissional, quais são os grandes princípios de atuação do país a serviço do qual se colocam, isto é, quais são, se é que possível saber de verdade, os chamados “interesses nacionais permanentes”.

É com base numa compreensão desse tipo que eu formulei minha primeira regra e uma outra que dela também deriva: servir a pátria, mais do que aos governos, e afastar ideologias ou interesses político-partidários das considerações relativas à política externa do país, que precisa assumir um caráter nacional abrangente, e não meramente setorial ou corporativo.
Para que isso se faça, é preciso, repito ainda uma vez, conhecer profundamente os interesses permanentes da nação e do povo aos quais se serve, e por isso volto ao tema do estudo contínuo.
É preciso, da mesma forma, não aderir a modismos em matéria de “explicações definitivas” das causas das nossas mazelas e iniqüidades: elas são certamente muitas e provavelmente têm causas mais complexas do que certas “racionalizações inovadoras” que pretendem deter a chave milagrosa para a solução de todos os problemas brasileiros. O ser contrário à subserviência ao poder político do momento é também uma atitude de coragem moral e de honestidade intelectual, já que a razão do poder nem sempre se coaduna com o poder da razão, mas esta é, como disse, uma regra não absoluta.

Em resumo ‑ e terminando por aqui este meu exercício de contrarianismo bem intencionado ‑, não pretendo que minhas regras subjetivas, certamente derivadas de um espírito inquieto e ainda rebelde, mas sempre aberto à causa do conhecimento, sirvam de guia absoluto na determinação do itinerário profissional que vocês empreenderão a partir daqui. Cada um definirá com base em sua própria experiência de vida, com o apoio e os conselhos dos familiares, dos professores e dos amigos, qual o melhor curso a seguir no plano profissional ou ainda da continuação dos estudos, agora em nível de pós-graduação, o que recomendo vivamente.
O que eu pretendi inculcar em vocês é a idéia da mente aberta, dotada de ceticismo sadio, contestadora das verdades reveladas e orientada para a busca honesta do saber e da maior eficiência possível no desempenho das atividades profissionais ou dos estudos futuros no terreno da especialização. Vocês agora vão deixar para trás uma etapa da vida e começar outra, mas devem sempre encarar os próximos desafios com toda a modéstia que requer o enfrentamento de cada nova situação de vida: deixar a suficiência de lado e buscar a excelência, em tudo e de todas as maneiras, sabendo que só a dedicação plena ao estudo continuado lhes poderá abrir o caminho para algumas rotas de sucesso profissional e pessoal.
Eu aprendi dessa maneira: vindo de uma família modesta, como é a maioria daquelas dos que aqui se formam hoje, consegui, à custa de muito estudo e dedicação pessoal, distinguir-me na carreira profissional e nas atividades acadêmicas, a ponto de me fazer merecedor da homenagem que vocês tão gentilmente quiseram me prestar nesta data, ao me fazer patrono desta turma de relações internacionais.
Vocês podem, em primeiro lugar, agradecer e retribuir à família e a todos aqueles que os ajudaram a conseguir o diploma que a partir de hoje passam a ostentar. Vocês devem ter, em segundo lugar, consciência de que o maior motivo de orgulho, não é necessariamente o canudo certificador do mérito alcançado, mas mais precisamente o fato de que vocês adquiram nesta escola algumas técnicas de aprendizado que devem ser internalizadas e aproveitadas em todo e qualquer momento da vida futura. Vocês aqui aprenderam tão simplesmente a aprender: comecem agora a estudar de verdade, e tenham sucesso na vida profissional e pessoal. Mãos à obra, de volta aos livros, e sejam felizes na vida.
Meus sinceros parabéns e, por esta oportunidade que me foi dada de me dirigir a alguns dos meus, até aqui, desconhecidos leitores, meu muito obrigado a todos vocês.

Paulo Roberto de Almeida
6-8 de março de 2005 

domingo, 20 de agosto de 2017

Conselhos de um contrarianista a jovens internacionalistas (2005) - Paulo Roberto de Almeida


Conselhos de um contrarianista a jovens internacionalistas

Paulo Roberto de Almeida
Alocução de patrono na XI turma (2º semestre de 2004) de
Relações internacionais da Universidade Católica de Brasília
(10 de março de 2005, 20hs, Auditório S. João Batista de La Salle)

Senhora representante da Magnífica Reitora da Universidade Católica,
Senhor Paraninfo, Geraldo Magela,
Senhores professores homenageados,
Senhoras e senhores demais membros da mesa e autoridades presentes,
Meus caríssimos alunos e agora formandos em relações internacionais,

Confesso que quando a Comissão de Formatura desta turma de relações internacionais da Universidade Católica me procurou, cerca de dois meses atrás, para formular este honroso convite de “patrono” de sua formatura, me senti verdadeiramente orgulhoso de tê-lo feito por merecer. Já lá se vai mais de um quarto de século que me exerço nas lides da diplomacia profissional, com uma dedicação paralela às “coisas internacionais”. Por “coisas”, vão aqui compreendidas a pesquisa, geralmente solitária, o ensino, sempre voluntário e irregular, ao sabor de uma vida nômade a serviço do Brasil, e a redação e publicação de textos de caráter didático em torno das questões das relações internacionais, da história diplomática e, sobretudo, da inserção internacional do Brasil. No entanto, ao longo desse tempo todo, não havia tido ainda a satisfação de receber um convite como este que vocês me fizeram, o que me desvaneceu, de verdade.
Minhas primeiras palavras, portanto, são de agradecimento sincero a todos vocês pela lembrança, pelo gesto simpático e pelo carinho demonstrados. Isso me incita a continuar retribuindo, nos anos que ainda tenho de exercício profissional e acadêmico, produzindo de forma ainda mais intensa no campo das relações internacionais, sempre com sentido didático. Isso nada mais representa, afinal de contas, do que uma modesta retribuição de minha parte à sociedade brasileira, por tudo que ela me deu em termos de formação educacional nos quadros do ensino público.

Vocês também me prestaram a homenagem de transcrever no convite, ainda que de forma abreviada e livremente adaptadas, mas muito bem resumidas, as dez novas regras de diplomacia que eu havia elaborado, em agosto de 2001, a partir da leitura de um velho livro do século XIX sobre quatro regras de diplomacia, para justamente ilustrar as reflexões contemporâneas de meus jovens colegas diplomatas e outros tantos candidatos à carreira. Esse gesto me incita a retomar algumas delas e tentar elaborar, nesta noite, alguns poucos conselhos que um velho contrarianista do século XX, como eu, poderia dar a jovens internacionalistas do século XXI, como vocês.
Digo “contrarianista” sem qualquer espírito opositor ou anarquista, ainda que estes sentimentos sejam igualmente legítimos em sociedades plenamente democráticas, como pretende ser a nossa. Meu espírito contrarianista deriva do fato de que eu nunca quis ou pretendi me submeter ao argumento da autoridade, mas sim aceito, com prazer e voluntariamente, a autoridade do argumento. Num cenário de diálogo socrático e de dedicação honesta à busca da verdade, como deve ser o ambiente acadêmico, desejo reformular algumas dessas regras, para melhor iluminar o que me parecem ser qualidades essenciais ao jovem internacionalista de nossos tempos.

Inicialmente, eu destacaria a última regra e, agora, a colocaria em primeiro lugar. Não se deve fazer da carreira profissional, seja no campo da diplomacia ou em outras atividades ligadas de perto ou de longe com as questões internacionais, o foco exclusivo de sua vida e, sobretudo, não se deve passar a carreira à frente da família, dos amigos e das pessoas com quem convivemos no ambiente familiar ou de trabalho.
A carreira profissional, qualquer que seja ela, é importante, mas as pessoas, sobretudo os indivíduos que nos são caros, são ainda mais importantes do que ela. Podemos, por certo, mudar de carreira, uma ou várias vezes na vida, podemos até mudar nossos relacionamentos individuais, mas os familiares e nossos amigos mais chegados estarão sempre lá para nos ajudar nas horas difíceis, para nos confortar em determinados momentos, para nos trazer alegrias em várias ocasiões.
Por isso, meus caros formandos, contrariem o carreirismo e sejam, antes de mais nada, profissionais que vêem nas pessoas, de fato, o centro da vida.

Eu diria, em segundo lugar, que algo se ganha ao contrariar o próprio princípio da autoridade, desde que, é claro, vocês tenham absoluta certeza sobre a fundamentação da posição de vocês sobre um assunto qualquer. Regras hierárquicas e disciplina são boas de serem cumpridas na execução de tarefas que exigem uma linha de comando definida, inquestionável, em função da implementação de uma decisão maduramente refletida e alcançada graças a um processo decisório bem estruturado e solidamente bem estabelecido.
Mas, a hierarquia e a disciplina não podem entravar a liberdade de pensamento, em especial a defesa de posições de maior valor agregado, que conseguem realizar uma otimização “paretiana” dos recursos e meios disponíveis para a tomada de ação. A contestação, pelo simples prazer de contrariar, não me parece levar a resultados ótimos, mas sim pode-se e deve-se praticar o questionamento honesto, o ceticismo sadio, a desconfiança metodológica em relação às verdades reveladas, por mais que elas tenham sido formuladas por alguma autoridade imbuída do seu poder autocrático.
Por isso, não tenham medo de expor e de defender com firmeza suas opiniões, se elas refletem, efetivamente, um conhecimento fundamentado do problema em pauta, e isso mesmo que uma “autoridade superior” ostente uma opinião diversa da de vocês.

Por esse motivo, e aqui vai minha terceira regra, contrariem o desejo, ainda que compreensível, de aposentar os livros e deixar os estudos de lado, agora que vocês têm um canudo na mão e algumas idéias na cabeça. Ao contrário, sejam opositores sistemáticos da aposentadoria precoce nos estudos, e voltem imediatamente às leituras, às bibliotecas, às livrarias, às pesquisas de internet.
Não parem de estudar, em nenhum momento da vida. Aliás, comecem a fazê-lo imediatamente, assim que saírem daqui. Afinal de contas, até agora, vocês fizeram, em grande medida, aquilo que os professores determinaram que vocês fizessem, com uma série de leituras chatas e outras tantas obrigações impostas.
Neste momento, cabe a vocês mesmos imporem a si mesmos um programa sistemático de estudos e de leituras que melhor se conformar às habilidades, gostos e orientações particulares de cada um. Sejam, portanto, contrários ao estudo dirigido e estabeleçam, vocês mesmos, um plano regular de dedicação à formação metódica da especialidade que vocês pretendem ter na vida.
A universidade é uma grande fonte de generalidades e mesmo de algumas banalidades repassadas ao longo dos anos, numa repetição por vezes aborrecida do saber acumulado. O que vocês devem fazer agora é construir o seu próprio saber e para isso vão precisar continuar estudando. Apenas com base num saber específico, que dê a cada um de vocês o melhor desempenho possível numa determinada vertente profissional, vocês terão sucesso na vida e no trabalho. Por isso, mãos à obra: coloquem o canudo de lado e comecem a estudar de novo.

Dessa característica de estudo constante, e totalmente dedicado à expansão contínua do saber em todos os ramos do conhecimento humano, derivam duas outras regras que eu havia inscrito em meu decálogo de quatro anos atrás: possuir o domínio total de cada assunto do qual nos vamos ocupar profissionalmente, o que significa aprofundar o conhecimento daquele tema em pesquisas paralelas e correlatas, adotando, ao mesmo tempo ou paralelamente, uma perspectiva histórica e estrutural de cada tema, situando-o no seu contexto próprio.
Apenas com base nesse conhecimento suplementar, vocês saberão se opor, se for o caso, ao princípio primário da autoridade e ter condições de manter independência de julgamento em relação às idéias recebidas e às “verdades reveladas”. A autoridade do argumento só se sustenta com um saber superior, solidamente embasado nos dados da realidade e apoiado em pesquisas comparativas ou no conhecimento de outras experiências que podem ser relevantes para um caso porventura similar.
O “ser contrário” significa, em princípio, possuir um argumento dotado de autoridade superior, embasado em dados mais amplos e um domínio mais seguro da realidade. Claro, podemos ser vencidos pela força bruta, pela imposição da hierarquia ou do poder simplesmente incontestável e incontrastável. Mas aí não estamos falando de métodos socráticos de busca da verdade ou de formação de um consenso no processo decisório, e sim da vontade unilateral, o que não deveria valer no ambiente sadio da pesquisa acadêmica ou mesmo da organização burocrática racionalmente estruturada.
A regra é esta: para vocês serem contrários ao lugar comum, ao déjà vu, ao habitual costumeiro, vocês precisarão construir um saber superior e expô-lo com clareza. E isso nos faz voltar à necessidade já referida do estudo constante, do esforço feito sob a forma da pesquisa individual e de leituras contínuas. A geração de vocês leva uma enorme vantagem em relação àquelas que a precederam: hoje em dia, com os recursos existentes on-line, praticamente 90% do estoque acumulado de conhecimento produzido pela humanidade, até aqui, está livremente disponível na internet, bastando um pouco de destreza lingüística para desfrutar desse imenso saber.

Vocês também podem ser contrários aos interesses político-partidários, às ideologias do momento e às conjunturas políticas de uma dada maioria governamental, mas isto não é uma regra absoluta. Digo isto porque várias carreiras, sobretudo aquelas fortemente dependentes de uma determinada estruturação hierárquica que tem no seu pináculo uma autoridade política qualquer, podem ser levadas ao fenômeno bem conhecido do “adesismo”, ou seja, aquela aderência momentânea aos senhores da hora, às idéias temporariamente dominantes, às situações de adequação oportunista às novas condições do exercício do poder, que sempre vem associado às benesses e favores distribuídos em direção daqueles que partilham, ou fingem fazê-lo, as mesmas opiniões daqueles que justamente ocupam o poder naquele dado momento.
Não estou excluindo, por certo, que algum partido ou agrupamento político consiga encarnar, num determinado momento da vida da Nação, os anseios ou as aspirações da maioria, conseguindo traduzir de modo prático aquilo que normalmente se chama de “vontade nacional”. Este é um fato, aliás corriqueiro nas democracias. O que estou dizendo é que vocês precisam ter absolutamente claros, para vocês e no exercício de alguma atividade profissional, quais são os grandes princípios de atuação do país a serviço do qual se colocam, isto é, quais são, se é que possível saber de verdade, os chamados “interesses nacionais permanentes”.

É com base numa compreensão desse tipo que eu formulei minha primeira regra e uma outra que dela também deriva: servir a pátria, mais do que aos governos, e afastar ideologias ou interesses político-partidários das considerações relativas à política externa do país, que precisa assumir um caráter nacional abrangente, e não meramente setorial ou corporativo.
Para que isso se faça, é preciso, repito ainda uma vez, conhecer profundamente os interesses permanentes da nação e do povo aos quais se serve, e por isso volto ao tema do estudo contínuo.
É preciso, da mesma forma, não aderir a modismos em matéria de “explicações definitivas” das causas das nossas mazelas e iniqüidades: elas são certamente muitas e provavelmente têm causas mais complexas do que certas “racionalizações inovadoras” que pretendem deter a chave milagrosa para a solução de todos os problemas brasileiros. O ser contrário à subserviência ao poder político do momento é também uma atitude de coragem moral e de honestidade intelectual, já que a razão do poder nem sempre se coaduna com o poder da razão, mas esta é, como disse, uma regra não absoluta.

Em resumo ‑ e terminando por aqui este meu exercício de contrarianismo bem intencionado ‑, não pretendo que minhas regras subjetivas, certamente derivadas de um espírito inquieto e ainda rebelde, mas sempre aberto à causa do conhecimento, sirvam de guia absoluto na determinação do itinerário profissional que vocês empreenderão a partir daqui. Cada um definirá com base em sua própria experiência de vida, com o apoio e os conselhos dos familiares, dos professores e dos amigos, qual o melhor curso a seguir no plano profissional ou ainda da continuação dos estudos, agora em nível de pós-graduação, o que recomendo vivamente.
O que eu pretendi inculcar em vocês é a idéia da mente aberta, dotada de ceticismo sadio, contestadora das verdades reveladas e orientada para a busca honesta do saber e da maior eficiência possível no desempenho das atividades profissionais ou dos estudos futuros no terreno da especialização. Vocês agora vão deixar para trás uma etapa da vida e começar outra, mas devem sempre encarar os próximos desafios com toda a modéstia que requer o enfrentamento de cada nova situação de vida: deixar a suficiência de lado e buscar a excelência, em tudo e de todas as maneiras, sabendo que só a dedicação plena ao estudo continuado lhes poderá abrir o caminho para algumas rotas de sucesso profissional e pessoal.
Eu aprendi dessa maneira: vindo de uma família modesta, como é a maioria daquelas dos que aqui se formam hoje, consegui, à custa de muito estudo e dedicação pessoal, distinguir-me na carreira profissional e nas atividades acadêmicas, a ponto de me fazer merecedor da homenagem que vocês tão gentilmente quiseram me prestar nesta data, ao me fazer patrono desta turma de relações internacionais.
Vocês podem, em primeiro lugar, agradecer e retribuir à família e a todos aqueles que os ajudaram a conseguir o diploma que a partir de hoje passam a ostentar. Vocês devem ter, em segundo lugar, consciência de que o maior motivo de orgulho, não é necessariamente o canudo certificador do mérito alcançado, mas mais precisamente o fato de que vocês adquiram nesta escola algumas técnicas de aprendizado que devem ser internalizadas e aproveitadas em todo e qualquer momento da vida futura. Vocês aqui aprenderam tão simplesmente a aprender: comecem agora a estudar de verdade, e tenham sucesso na vida profissional e pessoal. Mãos à obra, de volta aos livros, e sejam felizes na vida.
Meus sinceros parabéns e, por esta oportunidade que me foi dada de me dirigir a alguns dos meus, até aqui, desconhecidos leitores, meu muito obrigado a todos vocês.

Paulo Roberto de Almeida
6-8 de março de 2005

terça-feira, 28 de maio de 2013

Grandezas e tragedias da educacao superior nos EUA: discurso de formatura - Richard Cohen


Richard Cohen
Richard Cohen
Opinion Writer

The richness of learning



President Jones, members of the faculty, assorted notables, proud parents and financially indebted graduates. I come before you on this auspicious day to say something about the degree you have just been awarded. You have been told it is not worth the papyrus it is printed on. I am here to tell you it is worth a fortune.
In preparing for this commencement speech, I assembled a file of newspaper stories about the cost of college, the burden of student debt and how much you can expect to earn in your first year after graduation — assuming, of course, that you can even find a job. The numbers are daunting. Unless you are graduating from one of those name-brand elite institutions — Harvard, Yale, etc. — you’re probably not going to make much your first year out. In fact, we now have many examples ofcommunity college graduates earning more than those with bachelor’s degrees. In Virginia, the difference can be $20,000 a year.


What’s more, people often come out of school burdened with debt — about $24,810 on average, but an astounding $41,230 in Washington, D.C., where many residents have advanced degrees. This is hardly small change, of course, but aside from Washington, we are talking the price of a new car — without the premium package. This is a debt your average young person gladly takes on without whining to Congress. I add that just to provide some perspective and get you riled up.
The figures concerning salaries and debt are not to be dismissed. But they, too, need some perspective. College, after all, is not solely about earning power — although you are forgiven for not knowing this. College, believe it or not, is about education — and that, boys and girls, is not something you can put a number on. Let me give you a word: anthropology.
This is a word I’m not sure I ever heard in high school. But when I got to college, I had to take a year of it to satisfy a science requirement. I did one semester of physical anthropology and one of cultural — and about 40 years of both ever since. I became enthralled with the study of evolution, with paleontology, with my pal Australopithecus africanus and with the “sexing” and “racing” of skulls. Give me a good skull and to this day I can give you the sex and the race of the dearly deceased. I was CSI Cohen before there was CSI anything.
I still keep up with anthropology. I try to stay somewhat current in sociology and psychology, my major and minor before I lost my way and took up journalism — and I do these things not for credit but for fun. College taught me how to have fun with knowledge. It enriched my life in ways that cannot be quantified. I came out of college with a debt, but my real debt was to my professors.
When I wanted to become a writer, I found teachers who showed me how. One of them, John Tebbel, a former newspaperman turned author, took me aside. He praised. He criticized. This is how it’s done, kid. The man changed my life.
See, this is the part of college no one talks about anymore. It’s all about numbers — what it costs and what you can earn. It’s all about a financial investment — how much in and how much out, as if value is always about money. But there’s value in the discovery of fine art or cinema or literature or. . . anthropology. And — very important — you will get an overview of the world, not just your little area but all the rest. This will make you a better citizen, which is nice, and will give you greater control of your life, which is also nice.
About a month ago, a hostess at a dinner party asked the table what college had done for them. Absolutely nothing, one person instantly responded. I braced for a cascade of negativity, but to my surprise it never came. Guest after guest praised their education and how it had made them a richer, happier person. I was gratified.
I know what you’re thinking: It’s fine for you to say, Cohen. You’ve got yours. You’re not poor and scratching for a job. True enough. But you will find truth in the cliche that money cannot buy happiness. This has been the case for thousands of years — or, as I like to put it, since Australopithecus africanus.
You can Google that.
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