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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

A Casa de Rio Branco recebe Celso Lafer - Paulo Roberto de Almeida

A Casa de Rio Branco recebe Celso Lafer

Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI)
(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)
 [Objetivo: saudação em cerimônia; finalidade: digressões sobre sua obra]


No dia 19 de dezembro de 2018, num evento da série “Diálogos Internacionais” do IPRI, que provavelmente se constituiu em seu último evento do ano, do governo, e talvez do regime, o Instituto Rio Branco recebeu o ex-chanceler Celso Lafer, para o lançamento de seu livro em dois volumes: 
Celso Lafer, Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação (Brasília: Funag, 2018, 2 vols., 1437 p.; lo. vol., ISBN: 978-85-7631-787-6; 762 p.; 2o. vol., ISBN: 978-85-7631-788-3, 675 p.), 2o. vol., p. 1335-1347.
Presentes à cerimônia, o Secretário Geral das Relações Exteriores, embaixador Marcos Bezerra Abott Galvão, o diretor do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD-RJ), embaixador Gelson Fonseca Jr, o diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), a diretora do Instituto Rio Branco, Gisela Padovan, a vice-presidente do STJ, Dra. Maria Thereza de Assis Moura, o Procurador Geral, designado, da Fazenda Nacional, Prof. José Levi Mello Júnior, e o próprio homenageado, ex-chanceler Celso Lafer. O ministro de Estado tinha um compromisso no momento da abertura, mas passou mais tarde para cumprimentar. Para ocasião, alguns textos tinham sido preparados para leitura na cerimônia, mas não foram usados, para deixar mais tempo para o debate com o autor, ex-chanceler e um dos "founding fathers" das relações internacionais no Brasil.
Estão aqui reunidos, portanto, duas alocuções diferentes, mas que podem ser vistas como complementares, unidas pelo mesmo objetivo substantivo: apresentar a obra e homenagear seu autor. São transcritas para conhecimento dos interessados.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de dezembro de 2018


Esta é a terceira vez, nos últimos vinte meses, em que o ex-chanceler, por duas vezes, e ex-representante brasileiro na missão em Genebra, Celso Lafer, vem a este auditório para uma atividade organizada pelo IPRI. 
A primeira vez, no âmbito deste governo – e foi realmente a primeira depois de mais de treze anos afastado de qualquer convívio com a Casa que foi a sua em dois governos anteriores a 2003 –, foi em março do ano passado, quando o IPRI organizou, em cooperação com a Casa Stefan Zweig de Petrópolis, uma homenagem ao grande escritor austríaco da primeira metade do século XX, por ocasião dos 75 anos de sua morte em Petrópolis, no Carnaval de 1942. 
Naquela oportunidade, se estava lançando o livro, A Unidade Espiritual do Mundo, da Casa Stefan Zweig, uma edição primorosa, em cinco línguas, com textos de Alberto Dines e de Celso Lafer, sob os cuidados editoriais de Israel Beloch, e que trazia a conferência que, sob esse título, Zweig fez no Rio de Janeiro, na primeira vez em que aqui esteve, em 1936, a caminho de um congresso do Pen Club Internacional, em Buenos Aires. O grande debate realizado na capital argentina, como revelado no filme de Maria Schrader, “Stefan Zweig: Adeus Europa”, estava centrado na atitude que deveriam adotar os escritores e intelectuais em face da ascensão ameaçadora dos regimes autoritários, totalitários e antissemitas, quando Stefan Zweig já se tinha antecipado à incorporação da sua Áustria natal ao império nazista de Hitler, e buscado refúgio em países democráticos, primeiro na Inglaterra, depois nos Estados Unidos, para finalmente aportar no Brasil do Estado Novo. 
Essa conferência, “A unidade espiritual do mundo”, escrita em alemão, mas pronunciada em francês, na passagem de Zweig pelo Rio de Janeiro, foi objeto de uma belíssima introdução por Celso Lafer, por ele resumida neste mesmo auditório em 21 de março de 2017, na companhia da diretora da Casa Stefan Zweig, de Petrópolis, e tradutora de várias obras de Stefan Zweig, Kristina Michahelles, e do editor da obra multilínguas, Israel Beloch, que apresentou pela primeira vez a reprodução fac-similar desse libelo de Zweig contra as guerras e os conflitos entre povos, culturas e religiões. Pouco antes dessa magnífica edição da pungente mensagem pela paz de Stefan Zweig, a Editora Versal – a mesma que publicou a obra clássica do embaixador Rubens Ricupero sobre A Diplomacia na Construção do Brasil, 1750, 2016 – havia publicado um pequeno volume contendo as crônicas de Zweig quando de sua primeira visita ao Brasil, em 1936, quando foi recebido pelo então chanceler José Carlos de Macedo Soares, assim como um outro livro, contendo a troca de correspondência, durante vários anos, entre Zweig e sua primeira mulher, Friderike, uma intelectual como ele. Alguns anos antes, Alberto Dines havia tomada a iniciativa de reunir um grupo de intelectuais, no quadro do Forum Nacional do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, para discutir o único livro que Stefan Zweig havia escrito sobre o Brasil, uma espécie de homenagem ao país que o acolheu, e que ele considerava um “país de futuro”. Aparentemente, continuamos a ser um país de futuro, senão do futuro...

A segunda vez que tivemos o prazer de recepcionar o embaixador e professor emérito Celso Lafer neste mesmo auditório foi em abril deste ano, para a sua palestra no âmbito da série “Percursos Diplomáticos”, disponível em vídeo, como todas as demais palestras dessa série, no site do IPRI. Foi a partir daí, justamente, que começou a germinar a ideia de se reunir os mais importantes escritos “laferianos”, ao longo de mais de meio século de atividades contínuas e constantes em torno dos grandes temas da política internacional e da política externa do Brasil, textos até aqui dispersos nos mais diferentes veículos, para publicá-los numa coletânea a cargo da Funag. 
Esta é a publicação que estamos lançando hoje, depois de vários meses de um intenso trabalho de lapidação por parte do IPRI, mas que reúne apenas uma pequena parte da gigantesca produção intelectual já acumulada por Celso Lafer ao longo das últimas décadas, quando ele se desempenhou, não apenas como o mais importante especialista brasileiro nos temas que figuram no título desta obra, “Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira”, mas também como chanceler, duas vezes, a primeira em 1992, depois em 2001 e 2002, e também como representante do Brasil em Genebra na fase intermediária. 
Todos nós, diplomatas de carreira, servidores ocasionais da política externa do Brasil, ou simples estudiosos nesse amplo universo da interface externa do Brasil, somos devedores de Celso Lafer, que pode ser considerado uma espécie de “founding father” da disciplina de relações internacionais no Brasil. Todos nós, os nascidos nos últimos cinquenta anos, e mesmo os nascidos antes, tivemos a oportunidade, talvez até a obrigatoriedade, de ler, ou de reler, de estudar e refletir sobre alguns dos seus muitos escritos nas três áreas que compõem o título comum destes dois volumes. Celso Lafer é coetâneo e indissociável do processo de construção, de formação e de expansão da disciplina Relações Internacionais no Brasil. Mais do que isso: ele é indispensável e incontornável na floração e na consolidação da teoria e sobretudo da prática das relações internacionais do Brasil. 
O subtítulo da obra não é menos significativo dessa dupla associação de Celso Lafer ao edifício em permanente construção: pensamento e ação. É isso que cada ensaio acadêmico, cada palestra ou entrevista concedida, cada artigo de jornal aqui reproduzido oferece agora aos leitores numa coletânea parcial de um universo bem maior: uma janela de oportunidade para se adentrar na informação, na reflexão e nas lições que podem ser oferecidas por alguém que, mais do que apenas escrever sobre as três áreas contempladas na coletânea, foi parte integrante do processo decisório de política externa, guiou na prática a diplomacia brasileira em momentos relevantes de nossa história recente e teve a chance de oferecer a sua vis directiva para a ação concreta que um país como o Brasil necessita adotar e tomar no plano externo. Temos também pequenos retratos e homenagens a atores e autores nas mesmas áreas-chave em que trabalhou o professor Celso Lafer, entre eles o embaixador Gelson Fonseca, aqui presente, amigo e colaborador em alguns dos seus escritos.
Por todas estas razões, somos gratos ao professor Celso Lafer por ter dado à nossa editora de livros diplomáticos, a Fundação Alexandre de Gusmão, a chance de publicar uma pequena parte de sua imensa obra já consagrada na história teórica e prática das relações internacionais. Depois de muito tempo dispersos em uma multiplicidade de plataformas editoriais, seus escritos, agora reunidos graças ao empenho do IPRI, são colocados à disposição da grande comunidade de estudiosos e praticantes da ação internacional do Brasil. Que este livro, como a anterior coletânea de textos do chanceler Oswaldo Aranha, publicada no ano passado em esforço similar conduzido pelo IPRI, sirva como referência de estudo, de informação histórica e d guia para a ação de nossos diplomatas e pesquisadores nesse universo. 

Caro embaixador, professor e amigo Celso Lafer: as portas do Itamaraty e do Instituto Rio Branco estão e continuarão abertos a novas incursões suas na Casa de Rio Branco, assim como os serviços editoriais da Funag e do IPRI continuarão receptivos à publicação de seus outros escritos em todos esses temas nos que exibimos, para usar a famosa expressão de Goethe, reproduzida por Max Weber, “afinidades eletivas”. Aliás, podemos dizer que essas afinidades são mais do que simplesmente eletivas; elas são impositivas, até mesmo obrigatórias, uma vez que a vida intelectual, as atividades acadêmicas e profissionais, assim como o exercício ocasional de Celso Lafer, como servidor do Estado brasileiro em diversos momentos de sua rica trajetória, estão indelevelmente ligados à própria história do Itamaraty nas últimas décadas. Não dispensaremos essa interação, em qualquer formato que seja, no futuro previsível. 

José Mindlin, o grande bibliófilo brasileiro que legou sua imensa biblioteca para deleite de paulistanos, paulistas e demais visitantes da Brasiliana Guita e José Mindlin da USP, e a quem Celso Lafer conhecia muito bem, tinha um famoso ex-libris tomado de empréstimo a um outro amigo dos livros, Montaigne. Esse ex-libris reproduzia uma frase que o célebre ensaísta tinha usado no livro II dos Ensaios, e que o sábio recluso havia feito inscrever em sua torre-refúgio: “Je ne fais rien sans gayeté”. 
De Celso Lafer se poderia dizer: “Il ne fait rien sans finesse”. De fato, o que mais caracteriza nosso homenageado de hoje é sua extrema delicadeza, sua educação exemplar, mesmo em direção de seus detratores, como constatei mais de uma vez lendo ou relendo alguns de seus artigos que me foram dados alinhar nesta coletânea exemplar, que eu já chamei de Halb Gesamtwerke. Não que ele tenha, pessoalmente, inimigos, pois uma pessoa tão finamente educada quanto Celso Lafer seria incapaz de ter adversários pessoais. E mesmo que os tivesse, ele os trataria tão educadamente quanto sempre nos tratou a todos nós, diplomatas e não diplomatas, ao longo de uma carreira exemplar de servidor público, de ministro de Estado das Relações Exteriores, duas vezes, de embaixador em Genebra, de ministro da Indústria e do Desenvolvimento. 
Nos treze anos e meio em que durou essa coisa que eu designei de lulopetismo diplomático, esses adversários foram extremamente rudes com sua gestão e a própria pessoa de Celso Lafer, não poupando-o das invectivas mais ridículas, apenas para se jactarem de um soberanismo tão falso quanto sua suposta altivez. Pois Celso Lafer sempre examinou com extrema elegância as posições equivocadas que esses detratores defendiam na política externa, avaliando em termos firmes, mas sóbrios e educados, uma diplomacia que tinha muito mais de transpiração do que de inspiração, muito mais de pirotecnia ideológica que de fundamentação nos interesses concretos do Brasil. A cada ofensiva maldosa, Celso Lafer respondia com um artigo elegante, mostrando a inconsistência das posições defendidas pelos lulopetistas, sem jamais descambar para uma palavra grosseira, ou alguma resposta mais contundente, como eu mesmo fiz, aliás.
Celso Lafer ne fait rien sans finesse, e é isso que transparece em cada uma das 1.400 páginas desta obra de referência que eu tive o imenso prazer de ajudar a compor ao longo de muitas noites de leitura agradável, até a maratona final da composição do índice onomástico, através do qual eu pude avaliar a intensidade de trocas intelectuais que este grande intelectual manteve com alguns de seus grandes amigos em espírito, e vários deles em carne e osso. Se eu passei várias noites na companhia de Celso Lafer, relendo, revisando ortograficamente e ajustando as remissões bibliográficas de uma centena e uma dúzia de ensaios e artigos redigidos no decorrer de quase meio século de intenso trabalho intelectual, pude perceber, na montagem do índice onomástico, que ele também passou noite e noites na companhia de atores e autores dos mais respeitáveis. 
Em primeiro lugar, aparece a inefável Hannah Arendt, que vem contemplada com nada menos de que uma centena de citações e remissões, em seis linhas completas do índice que consta ao final do livro. Depois vem o circunspecto Raymond Aron, que tem direito a seis dezenas de citações, nas cinco linhas que ganhou no mesmo índice. Norberto Bobbio já é um caso notório de afinidade eletiva, que eu não hesitaria em classificar de obsessiva: são mais de noventa remissões, em oito linhas cheias. Não vamos esquecer os presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, a quem Celso Lafer serviu nas duas oportunidades em que ocupou a cadeira de Rio Branco, contemplados cada um com mais de uma dúzia e meia de remissões; vou deixar um outro presidente de lado. Tem também seu amigo e coautor Gelson Fonseca, com seu lote de citações apropriadas. Hobbes, maldosamente, deixa Hegel para trás, mas Kant supera a ambos, tranquilamente, mesmo incluindo Maquiavel nesse clube. Helio Jaguaribe ganha de Rui Barbosa, e Henry Kissinger perde de Juscelino Kubitschek, mas eles jogam em ligas diferentes. O incontornável Marx perde para o socialista Antonio Candido. Entre outros amigos, Miguel Reale ganha “por una cabeza” de Octavio Paz, mas cabe não esquecer os muitas vezes citados San Tiago Dantas, Rubens Ricupero e José Guilherme Merquior. Juca Paranhos, o barão, corre longe na dianteira do visconde, seu pai. Por fim, não podia faltar o grande Camões, citado em vários versos e estrofes, e desde a Introdução, quando Celso Lafer explica como foi feita esta obra: 

O livro é, assim, no seu conjunto, o resultado da interação entre pensamento e ação, o fruto, como diria Camões em Os Lusíadas, de “honesto estudo/com longa experiência misturado”.

A preparação editorial, a uniformização ortográfica, a complementação da informação bibliográfica com notas remissivas e outros requisitos próprios à finalização dos originais para impressão, tomaram algumas semanas de trabalho, e quero aqui registrar a importante ajuda do historiador Rogério de Souza Farias, assim como de diversos outros assistentes e estagiários do IPRI, cujos nomes comparecem na página de expediente. Devo dizer que tive especial prazer em passar essas proveitosas semanas, vários noites seguidas, na companhia de ensaios e artigos que estava relendo, ou lendo pela primeira vez, o que me permitiu refletir novamente sobre minha própria formação intelectual em temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, o que também foi o caso de muitos, senão todos os colegas de carreira, e de milhares de estudantes, em todo o Brasil que se beneficiaram, quando não fizeram copy and paste, destas dezenas de escritos de Celso Lafer. 
Dizem que Winston Churchill escreveu, ou ditou, seis milhões de palavras, ao longo de uma vida aventurosa como repórter militar, como parlamentar durante 55 anos ininterruptos, como ministro duas vezes, antes como Lorde do Almirantado, seguido de uma infeliz passagem pelo Tesouro, depois como chefe de um gabinete de coalizão e líder militar supremo na hora mais sombria da Grã-Bretanha, finalmente como grande estadista aposentado: seis milhões de palavras. Eu ainda não comecei a contar o volume de palavras já redigidas por Celso Lafer, ou decifradas por suas secretárias a partir de sua escrita de médico, mas se juntarmos tudo, em volumes alinhados um a um, o conjunto certamente ultrapassaria os 137 tomos das Obras Completas de Rui Barbosa, ou outros tantos dos Comentários à Constituição Brasileira de Pontes de Miranda. No que se refere apenas aos dois volumes que estamos publicando, eu contei 335.400 palavras, e ainda não estamos falando de uma verdadeira Gesamtwerke da produção laferiana acumulada ao longo de uma rica vida intelectual. 
Aposto como, contando tudo, chegaríamos a um Oceano Pacífico de palavras cuidadosamente redigidas no decorrer do último meio século, em face do qual estes dois volumes não representam senão um modesto Lago Tiberíades, para não ficarmos muito longe do Mar Morto, se essa aproximação pode ser feita sem problemas geopolíticos. Em todo caso, no campo das relações internacionais, da política externa do Brasil e da sua diplomacia ninguém chegou perto da quantidade e da qualidade da prolífica produção intelectual de Celso Lafer. Estes dois volumes constituem, portanto, uma pequena amostra, um aperitivo, de uma obra bem mais vasta, que ainda precisa ser compilada pelos muitos admiradores dos escritos laferianos, que agora se encontram à disposição de todos os estudantes, dos pesquisadores e dos profissionais diplomáticos, que somos nós, e dos milhares de candidatos à carreira pelo Brasil afora. Todos podem descarregar os volumes na Biblioteca Digital da Funag, ou adquirir a obra impressa, pela modesta e incômoda soma de R$ 31,00 o exemplar, mas só em dinheiro.
Montaigne ne faisait rien sans gayeté, como nos lembrou José Mindlin, por meio de seu ex-libris. Eu me permito aqui citar esta passagem do livro II, capítulo X, dos Essais, que trata justamente dos livros e das dificuldades em lê-los: 
Les difficultés, si j’en rencontre en lisant, je n’en ronge pas mes ongles : je les laisse là, après leur avoir fait une charge ou deux. Si je me plantais, je m’y perdrais, et le temps, car j’ai un esprit primesautier. Ce que je ne vois de la première charge, je le vois moins en m’y obstinant. Je ne fais rien sans gayeté.

Eu também tento fazer do IPRI a minha boutique de divertissement intellectuel, ou seja, sempre encontrar um motivo de divertimento intelectual no trabalho que faço, com todo o prazer permitido pela nossa burocracia lusitana, mas sem precisar ronger mes ongles. Quanto a Celso Lafer, eu posso afirmar novamente que ele ne fait rien sans finesse ou sans éducation. 
Parbleu,  je me plais d’être son ami !
Merci à tous!

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 8 e 14 de dezembro de 2018

Escravismo: medicos cubanos na Venezuela pedem indenização por exploração

Infobae, Buenos Aires – 18.12.2019
Un grupo de médicos cubanos demandó a Petróleos de Venezuela por esclavitud
Presentaron la querella por "explotación laboral" ante el Tribunal Supremo de Justicia de Venezuela en el exilio con el propósito de "parar" el programa e indemnizar a las víctimas

Un grupo de médicos cubanos interpuso una demanda civil contra Petróleos de Venezuela (PDVSA) por el programa "Misión Barrio Adentro" que desarrollan profesionales de la salud de Cuba en el país sudamericano, anunciaron sus abogados en Miami.
Los demandantes, a los que no se ha identificado, presentaron la querella por "explotación laboral" ante el Tribunal Supremo de Justicia de Venezuela en el exilio con el propósito de "parar" el programa e indemnizar a las víctimas.
El abogado venezolano Joaquín León, a cargo de la demanda, dijo que la explotación de estos trabajadores y "la privación de sus derechos fundamentales" representan un "sistema moderno de esclavitud".
León detalló que se trata de una demanda colectiva con un número "interesante" de demandantes que por "protección" se ha pedido el secreto de su identidad.
Los demandantes esperan se sumen al proceso legal más trabajadores de la salud que estén o hayan estado vinculados desde 2003 al programa en Venezuela.
Según el abogado, basado en documentos oficiales de Venezuela, desde 2003 el programa, "administrado por PDVSA", suma hasta la fecha 28.800 millones de dólares.
"PDVSA es la entidad que hace los pagos, cubre los compromisos para que este programa se mantenga", subrayó León, quien presentó la demanda hoy ante el Tribunal venezolano en el exilio, que se instaló en octubre de 2017 en la sede de la Organización de Estados Americanos (OEA), en Washington.
Detalló que además solicitó a esta corte, formada por 25 magistrados, una medida cautelar que busca garantizar, en principio, 3.600 millones de dólares en dinero o bienes de PDVSA para "proteger la demanda".
León señaló que los médicos además de ser explotados laboralmente, con horarios excesivos, no tienen acceso a sus familias, viven en condiciones precarias y son constantemente hostigados y sometidos a la vigilancia de "personas de la inteligencia de su país.
Por otro lado, señaló que el monto de la indemnización aún no se ha establecido debido a que esperan que se sumen más demandantes.
Cuestionó además que los montos de dinero del programa según los archivos oficiales "no corresponde a lo que realmente reciben los médicos".
En ese sentido, Roberto Hung, otro de los abogados, puso como ejemplo que un médico cubano podría costarle a Venezuela alrededor de 80.000 dólares al mes, pero este sólo recibía una remuneración mensual de 500 dólares.
En noviembre pasado, cuatro médicos cubanos demandaron en Miami a la Organización Panamericana de la Salud (OPS), a la que acusan de haber facilitado la "red de tráfico humano" y "esclavitud" que, a su juicio, había detrás del programa cubano "Mais médicos" en Brasil.
De acuerdo a los informes oficiales presentados en la demanda, los médicos cubanos recibieron menos del 10 % del dinero que Brasil pagaba a Cuba por estos servicios, mientras que la OPS, con sede en Washington, y el Gobierno de la isla se quedaron con el resto.

Editorial da FSP sobre a política externa

O QUE A FOLHA PENSA

Relações ideológicas

Sob inspiração trumpista na área externa, equipe de Bolsonaro se mete em entrevero pueril

Editorial FSP, 19/12/2018

Sob o argumento de que a política externa brasileira nos anos petistas foi flexionada pelo peso da ideologia, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), prometeu em sua campanha pôr fim ao que chamou de aparelhamento do Itamaraty.
É incontestável, em especial no período do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que o Brasil se aproveitou do momento econômico favorável para tentar aumentar sua relevância geopolítica, mas o fez assumindo posições de um surrado repertório antiamericanista e terceiro-mundista. 
Sem dúvida, uma correção de rumos se fazia necessária —e chegou, de certa forma, a se esboçar no primeiro mandato de Dilma Rousseff, mas logo foi diluída pelo desinteresse da mandatária nessa seara. 
Bolsonaro, infelizmente, não dá sinais de que pretenda buscar um equilíbrio. Ao assumir bandeiras de revanchismo contra uma esquerda que já deixou o poder há mais de dois anos, o presidente eleito padece, com sinal trocado, do mesmo mal que vê nos governos do PT. 
O ideário que vai se revelando por vezes parece uma paródia do adotado por Donald Trump, com a crucial diferença de que este lidera o país mais poderoso do planeta.
A face constrangedora dessa conduta subalterna já se manifestou antes de o governo ter início. Por exemplo, na viagem aos EUA do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente eleito, que aproveitou a ocasião para posar com um boné com a inscrição “Trump 2020”, em referência ao próximo pleito naquele país. 
Paralelamente, causou turbulência a intenção do próximo governo de mudar a embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, como fez seu modelo americano.
Agora, no que parece prenúncio de uma condução voluntariosa da política externa, o Brasil se meteu em um entrevero pueril ao convidar e desconvidar representantes de Cuba e da Venezuela para cerimônia da posse presidencial.
Desrespeita-se uma tradição de serenidade do Itamaraty com o intuito, mais uma vez sob inspiração do figurino trumpista, de criar fatos midiáticos e reviver os confrontos da campanha eleitoral.
Não resta dúvida de que os governos de Miguel Díaz-Canel e Nicolás Maduro são ditaduras hostis a Bolsonaro —e quase certamente não mandariam ninguém à posse. Os cubanos, ademais, já manifestaram seu repúdio ao futuro governo ao se retirarem do Mais Médicos.
Nem por isso, entretanto, convém à diplomacia brasileira se rebaixar a tais querelas.
Devem-se, sim, prestigiar valores fundamentais, como a democracia, os direitos humanos e a autodeterminação dos povos. É preciso defender tais convicções, todavia, nos canais e fóruns diplomáticos adequados, evitando-se atos espetaculosos e inconsequentes que coloquem em risco as relações pacíficas e os interesses comerciais. 
A busca desse equilíbrio complexo entre princípios universais e pragmatismo econômico deve nortear a política externa do governo.

A educacao de Celso Lafer: uma homenagem ao mestre - Paulo Roberto de Almeida


Neste dia 19/12/2018, vamos fazer uma homenagem aos grande mestre brasileiro das relações internacionais, por ocasião do lançamento desta obra que reune mais de uma centena de artigos, ensaios, entrevistas e outros materiais produzidos ao longo de mais de meio século de um trabalho de mestre, justamente.
Colaborei primeiro com um resumo-apresentação de seu volume, que acabou transformando-se num "Posfácio" – de acordo com as instruções do ex-ministro – e foi incorporada ao livro como abaixo transcrito. Foi um prazer poder colaborar com a preparação editorial destes dois volumes, e sobretudo compor o índice onomástico, pois por ele se pode aferir as "afinidades eletivas" do ex-ministro: Norberto Bobbio, Hannah Arendt, Raymond Aron, Kant, e muitos outros.

A educação de Celso Lafer: um reconhecimento ao mestre

Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag/MRE.
in: Celso Lafer, Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação(Brasília: Funag, 2018, 2 vols., 1437 p.; lo. vol., ISBN: 978-85-7631-787-6; 762 p.; 2o. vol., ISBN: 978-85-7631-788-3, 675 p.), 2o. vol., p. 1335-1347.



Se as Confissõesde Santo Agostinho – que ocupam um lugar central na cultura cristã do Ocidente latino, ao dar início à tradição intelectual da autobiografia consciente e deliberada – apresentam essa característica de, pela sua própria natureza confessional, terem influenciado fortemente, segundo Stéphane Gioanni (L’Histoire, junho de 2018), o subjetivismo moderno, A Educação de Henry Adams inaugura, por sua vez – como construção consciente e deliberada de uma trajetória de vida tão confessional quanto as memórias do bispo da velha Hipona –, a moderna autobiografia intelectual, combinando objetivismo político com algum subjetivismo filosófico. Mais do que uma história de vida, ou uma simples memória, o livro de Henry Adams representa, mais exatamente, um grande panorama de história intelectual dos Estados Unidos entre a Guerra Civil e a Grande Guerra, um empreendimento talvez sem paralelo, até o início do século XX, na tradição ocidental das biografias “confessionais”.
Setembro de 2018 marca o centenário da primeira publicação completa da obra do bisneto de John Adams e neto de John Quincy Adams, dois antecessores presidentes. Sua educação primorosa, objeto da autobiografia (escrita na terceira pessoa), aproxima-se, em certa medida, da sólida formação intelectual de um dos maiores representantes da vida acadêmica e diplomática do Brasil: Celso Lafer. Cem anos depois da publicação daquela autobiografia pioneira, parece inteiramente pertinente seguir a “educação” de Celso Lafer, três vezes ministro, sendo duas como chanceler, chefe de missão em Genebra, professor emérito da USP, articulista consagrado, mestre de várias gerações de estudiosos de relações internacionais e de direito. 
A melhor forma de fazê-lo é por meio de uma compilação de seus muitos escritos sobre as relações internacionais, a política externa e a diplomacia brasileira, textos até aqui dispersos em um grande número de veículos impressos e digitais. A trajetória intelectual de seu autor se confunde com a própria evolução dos estudos e da prática das relações exteriores do Brasil no último meio século, mas estes dois volumes reproduzem apenas uma pequena parte de sua gigantesca produção acadêmica, profissional ou jornalística, deixando de integrar, por especialização temática nas áreas do título, uma outra parte essencial de suas atividades intelectuais, que cobrem os terrenos literário, cultural e mesmo de política doméstica.
A colaboração que pude prestar na montagem e revisão da presente coleção de textos – artigos, palestras, discursos, conferências, capítulos de livros – de Celso Lafer constituiu, ao longo do ano de 2018, uma das maiores gratificações intelectuais de minha relativamente curta trajetória como diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, (IPRI), um modesto think tank, subordinado, como o Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) – seu contraparte do Rio de Janeiro –, à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), esta por sua vez vinculada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE). Digo uma das maiores gratificações porque, justamente, dois de meus critérios na organização de eventos e publicações no IPRI são justamente esses: tudo o que for intelectualmente gratificante e inovar sobre a agenda “normal”. 
Ainda antes de assumir formalmente a direção do IPRI, pude colaborar na montagem e realização de um seminário, de uma exposição e de um livro sobre o patrono da historiografia brasileira, o também diplomata, Francisco Adolfo Varnhagen: Varnhagen (1816-1878): diplomacia e pensamento estratégico(Brasília: Funag, 2016). Nesse primeiro empreendimento junto ao IPRI ofereci um estudo sobre o “pensamento estratégico de Varnhagen: contexto e atualidade”, no qual tive a oportunidade e o lazer de atualizar suas propostas de “reforma do Brasil”, apresentadas pela primeira vez em 1849, no Memorial Orgânico, documento magistralmente retirado das cinzas pelas mãos do presidente do IHGB, o historiador Arno Wehling, um especialista e também admirador da obra historiográfica de Varnhagen. 
Logo em seguida, dediquei-me a retirar das “cinzas” de um injusto ostracismo político um outro colega diplomata, o economista de formação Roberto Campos, por meio de uma obra coletiva feita inteiramente à base da admiração de amigos: O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos(Curitiba: Appris, 2017). O livro, entretanto, por razões de oportunidade e de cálculo político, não foi publicado pela Funag, tanto quanto um outro, sobre o historiador e diplomata Oliveira Lima. Em seguida, aproveitando o desafio da publicação da magistral Fotobiografiade Oswaldo Aranha por seu neto, Pedro Corrêa do Lago (Rio de Janeiro: Capivara, 2017), e ajudado pela perícia documentalista de seu outro neto, Luiz Aranha, decidi montar, com a preciosa e estratégica ajuda do historiador Rogério de Souza Farias, uma compilação praticamente completa dos escritos de relações internacionais e de diplomacia brasileira produzidos ao longo de trinta anos pelo grande estadista gaúcho, o segundo maior chanceler brasileiro do século XX depois de Rio Branco, segundo Rubens Ricupero: “Oswaldo Aranha dominou a política exterior dos meados do século XX como Rio Branco o fizera na sua primeira década. Depois do Barão, ninguém mais alcançou, dentro e fora do país, o prestígio e a influência de Aranha, nenhum outro dirigiu a diplomacia com tanto acerto em tempos perigosos e de escolhas difíceis.” (Apresentação de Rubens Ricupero a: Oswaldo Aranha: um estadista brasileiroBrasília: Funag, 2017, 1o. vol.). 
A coletânea Aranha preenche, sem dúvida alguma, uma lacuna na historiografia brasileira da diplomacia contemporânea, ao recolher discursos, entrevistas, cartas e escritos diversos do político rio-grandense convertido em estadista de estatura mundial. Ela cobre momentos cruciais das relações internacionais e bilaterais do Brasil em pleno século XX, quando a diplomacia esclarecida de Aranha influenciou decisivamente a política do governo Vargas ao adotar a opção correta na voragem da Segunda Guerra Mundial, aliás a única concebível para um discípulo de Rui Barbosa, no formidável embate que se travou entre as democracias do Ocidente, capitaneadas por Churchill e Roosevelt, e os totalitarismos liderados pelos fascistas da Alemanha, Itália e Japão.
Esse trabalho de garimpo documental e de lapidação redacional dos escritos dispersos de Oswaldo Aranha, esteve, provavelmente, na origem da idealização, organização e montagem da obra que agora se apresenta: uma compilação seletiva dentre os muitos, incontáveis escritos até aqui dispersos de Celso Lafer, primeiro reunidos e organizados por ele mesmo, com a ajuda de Carlos Eduardo Lins da Silva, depois revistos e padronizados por mim, ao longo de muitas noites de indescritível prazer intelectual. Não sei se por pura emulação historiográfica, se por alguma secreta indução bibliográfica e documental, ou se por um evidente paralelismo diplomático, Celso Lafer e eu mesmo cogitamos, quase simultaneamente, que depois da “compilação Oswaldo Aranha” estava mais do que na hora de também pensarmos numa “compilação Celso Lafer”. Material, aliás abundante, não faltava para esse novo empreendimento.
A decisão foi então tomada em vista da existência, dispersa até aqui, dos seus muitos escritos de relações internacionais, de política externa e de diplomacia do Brasil, que constituem, ao mesmo tempo, um grande panorama do cenário mundial, político e econômico, nas últimas cinco décadas. Esses textos reproduzem meio século de ideias, reflexões, pesquisas, andanças e um exercício direto de responsabilidades à frente da diplomacia brasileira, em duas ocasiões, e, através dela, de algumas funções relevantes na diplomacia mundial, como a presidência do Conselho da OMC, assim como em outras instâncias da política global. Celso Lafer esteve à frente de decisões relevantes em alguns foros decisivos para as relações exteriores do Brasil, na integração regional, no comércio mundial, nos novos temas do multilateralismo contemporâneo.
Esta obra, construída ao longo de alguns meses de garimpo documental e de lapidação formal, a partir de um aluvião torrencial de pepitas preciosas que vinham sendo carregadas pelo fluxo heteróclito de publicações no decorrer de várias décadas, apresenta, finalmente, o que se espera seja uma obra de referência e uma contribuição essencial ao conhecimento da diplomacia brasileira e da vida intelectual em nosso país, a partir dos anos 1960 até aqui. Suas qualidades intrínsecas, combinando sólida visão global e um conhecimento direto dos eventos e processos que o autor descreve e analisa, representam um aporte fundamental a todos os estudiosos de diplomacia e de relações internacionais do Brasil, uma vez que reúne os relevantes escritos do mais importante intelectual desse campo, com a vantagem dele ter tido a experiência prática de conduzir a diplomacia brasileira em momentos significativos da história recente. As “questões polêmicas” da quarta parte reúnem alguns de seus artigos de jornal, nos quais exerceu um olhar crítico sobre a “diplomacia” implementada a partir de 2003, rompendo pela primeira vez a tradição secular da política externa brasileira, no sentido de representar o consenso nacional em torno dos interesses do país, para adotar o sectarismo míope de um partido que tentou monopolizar de forma canhestra (e corrupta) o sistema político. 

Henry James, ao escrever em 1907 a sua autobiografia intelectual, admitia, indiretamente – segundo o prefácio de Henry Cabot Lodge à obra finalmente publicada em setembro de 1918 pela Massachusetts Historical Society –, que a grande ambição do neto e bisneto de presidentes era a de “completar as Confissõesde Santo Agostinho”. Mas, diferentemente do pai da Igreja Cristã, que, como grande intelectual, trabalhou a partir de uma multiplicidade para a unidade de ideias em torno da fé cristã, seu moderno êmulo americano reverteu a metodologia, passando a trabalhar a partir da unidade para a multiplicidade de ideias (The Education of Henry Adams: an autobiography, p. xxxiv, da edição de 1999 da Modern Library). Isso talvez porque, à diferença da angustiada defesa de uma rígida crença nos dogmas cristãos, exibida no quarto século da nossa era pelo pai intelectual da Igreja Católica, Henry Adams ostentava o agnosticismo científico típico dos primeiros darwinistas sociais do final do século XIX. 
Celso Lafer, herdeiro intelectual de grandes pensadores judeus do século XX, é, provavelmente também, um agnóstico pragmático, combinando destreza acadêmica e tino empresarial, como sempre foi a outra vertente de seus familiares e de um grande antecessor na diplomacia, seu tio Horácio Lafer, ministro da Fazenda e das Relações Exteriores na República de 1946. O modelo da autobiografia de Henry Adams, com suas três dezenas de capítulos seguindo a trajetória do ilustre herdeiro dos Adams nas grandes capitais do mundo ocidental – Washington, Londres (seu pai foi ministro na Corte vitoriana), Berlim, Paris (a Exposição Universal de 1900), Roma e muitas outras cidades dos Estados Unidos e da Europa–, poderia servir, eventualmente, para retraçar a carreira intelectual e diplomática de Celso Lafer, que também percorreu as grandes capitais da diplomacia mundial, como intelectual ou ministro das Relações Exteriores.
O jovem Adams, ao acompanhar como secretário o seu pai, designado em 1861 ministro plenipotenciário de Abraham Lincoln junto à corte da rainha Vitória, construiu uma educação “diplomática” no centro do que era então o maior império do planeta; ele pode encontrar-se com líderes britânicos da estatura de um Palmerston ou Gladstone, assim como, em suas andanças pela Europa, com “anarquistas” bizarros, ao estilo de um Garibaldi. Celso Lafer, por sua vez, construiu sua educação diplomática na observação direta do que foi feito por seu tio, Horácio Lafer, antes como ministro da Fazenda do Vargas dos anos 1950, depois à frente do Itamaraty, numa segunda fase do governo JK, dedicando a ambos trabalhos analíticos posteriores que figuram com realce em sua bibliografia. Da gestão do tio na política externa, destacou sobretudo sua ação no campo econômico: acordos comerciais, integração regional e aproximação à Argentina.
Essa educação continuou nos anos seguintes, de forma não surpreendente nos mesmos grandes temas focados anteriormente e, como Henry James, no contato direto com personalidades de realce na cena mundial; percorrendo as páginas dos dois volumes de Celso Lafer é possível registrar alguns dos grandes nomes do estadismo mundial, com quem Celso Lafer encontrou-se ou conviveu ao longo dessas décadas. Ele discorre, sempre de modo empático, mas penetrante, sem dispensar aqui e ali o bom humor, sobre líderes estrangeiros como Mandela, Shimon Peres, Koffi Annan, Antonio Guterres e, retrospectivamente, sobre o êmulo português do embaixador Souza Dantas, o cônsul Aristides de Souza Mendes, um justo entre os injustos do salazarismo. Dentre os diplomatas distinguidos do Brasil figuram os nomes deSaraiva Guerreiro e de Sérgio Vieira de Mello, para mencionar apenas dois nessa categoria.
Comparecem igualmente vários colegas e autores de renome, intelectuais da academia ou da diplomacia, como José Guilherme Merquior, Sergio Paulo Rouanet, Gelson Fonseca Jr., Synesio Sampaio Goes, Rubens Ricupero, Gilberto Dupas, Celso Furtado, Miguel Reale, Fernando Henrique Cardoso, entre os brasileiros. Estudiosos  estrangeiros, alguns conhecidos pessoalmente, aparecem sob os nomes de Karl Deutsch, Raymond Aron, Andrew Hurrell, Octavio Paz, Morgenthau, Kissinger e Prebisch. Suas resenhas e prefácios registram autores conhecidos na área, a exemplo de Sérgio Danese, Fernando Barreto, Gerson Moura e Eugenio Vargas Garcia, contemplados com extensas notas publicadas na revista Política Externa, da qual foi um dos responsáveis, junto com Gilberto Dupas e Carlos Eduardo Lins da Silva, durante vários anos.

A educação de Celso Lafer se fez, primordialmente, em intensas leituras e eventuais contatos, com grandes nomes do pensamento histórico, filosófico e político da tradição ocidental, desde mestres do passado remoto – Tucídides, Aristóteles, Grócio, Vico, Hume, Bodin, Hobbes Montesquieu, Kant, Tocqueville, Charles de Visscher e outros – até mestres do passado recente, inclusive alguns deles encontrados em carne e osso: Hans Kelsen, Carl Schmitt, Isaiah Berlin, Hanna Arendt, Norberto Bobbio, Raymond Aron, Hedley Bull, Martin Wight, Albert Hirschman, Stanley Hoffmann e muitos outros. Um desses “grandes mestres” aparece apenas marginalmente, ou episodicamente nos textos aqui coletados: Karl Marx, objeto de várias referências indiretas no exame da literatura especializada. Henry James, de seu lado, faz, em sua autobiografia, diversas referências ao pai do “socialismo científico” e afirmou ter seriamente considerado, junto com as teses ousadas de Darwin, os argumentos defendidos em O Capital, embora não demonstrasse entusiasmo com os anúncios precursores quando à derrocada do capitalismo. 
James, na verdade, demonstra certo esnobismo em relação à maior parte dos teóricos que digeriu, em Harvard ou em suas leituras posteriores. Ao referir-se, por exemplo, à necessidade de conhecer os ensinamentos de Marx, continua dizendo que o confronto também devia ser feito em relação à “satânica majestade do livre comércio de John Stuart Mill” (p. 72). Mais adiante, ao fazer o balanço de sua visita à Exposição Universal de Paris, em 1990, que representava o triunfo do capitalismo da belle Époque, ele revela que “tinha estudado Karl Marx e suas doutrinas da história com profunda atenção, mas que não podia aplicá-las a Paris” (p. 379). No caso de Lafer, não há menção a algum estudo sério da doutrina marxista, mas as referências não faltam, seja por meio de Raymond Aron, seja através de obras de Hélio Jaguaribe.
Ambos, porém, Henry James e Celso Lafer, exibem o mesmo compromisso incontornável com os princípios do liberalismo político e dos governos democráticos. James, ao conviver mais longamente com o sistema parlamentar inglês, considerava que “o governo de classe média da Inglaterra constituía o ideal do progresso humano” (p. 33). Por classe média, ele queria dizer, obviamente, burguesia, em oposição à velha aristocracia de títulos, que não existia no seu país natal; ela estava surgindo, em sua própria época, mas apenas a partir do exibicionismo ostensivo dos “barões ladrões”, enobrecidos financeiramente a partir da idade dourada do capitalismo americano. Celso Lafer, do seu lado, sempre foi um liberal doutrinal e filosófico, não obstante seu alinhamento pragmático com a socialdemocracia na política brasileira, no que, aliás, ele combina com um de seus mestres, o jurista e intelectual italiano Norberto Bobbio. 

Mais de uma centena de textos comparecem nos dois volumes, organizados em cinco partes bem identificadas, embora algumas repetições sejam detectáveis aqui e ali. O conjunto dos escritos constitui, sem dúvida alguma, um completo curso acadêmico e um amplo repositório empírico em torno dos conceitos exatamente expressos no título da obra: Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação. Os artigos, ensaios, conferências e entrevistas podem servir, em primeiro lugar, a todos os estudantes desses campos, não restritos, obviamente, aos próprios cursos de Relações Internacionais, mas indo ao Direito, Ciência Política, Filosofia, Sociologia, História, além de outras vertentes das Humanidades. Mas, os diplomatas profissionais e os demais operadores consolidados trabalhando direta ou indiretamente nessas áreas também encontrarão aqui um rico manancial de ideias, argumentos e, mais importante, “recapitulações” em torno de conferências, negociações, encontros bilaterais, regionais ou multilaterais que figuraram na agenda internacional do Brasil nas últimas décadas. 
A diversidade de assuntos, inclusive em relação aos próprios personagens que aqui comparecem, em “diálogos”, homenagens, obituários ou relatos de encontros pessoais, possuem um inegável vínculo entre si, pois todos eles têm a ver, de perto ou de longe, com a interface externa do Brasil e com os voos internacionais do autor. Os textos não esgotam, obviamente, o amplo leque de interesses e de estudos do autor, que se estende ainda aos campos da literatura e dos assuntos culturais em geral, trabalhos que figuram em diversos outros livros publicados de Celso Lafer, vários monotemáticos e alguns na categoria de coletâneas, como por exemplo os três volumes publicados pela Atlas, em 2015, enfeixados sob o título comum de Um percurso no Direito do século XXI, mas voltados para direitos humanos, direito internacional e filosofia e teoria geral do direito. A sua produção variada, acumulada intensa e extensivamente em tão larga variedade de assuntos, permite o mesmo tipo de “assemblagem” ocasional efetuada na presente obra em dois volumes. Apresentando, por exemplo, seus escritos focados em Norberto Bobbio: trajetória e obra (São Paulo: Perspectiva, 2013), Celso Lafer começa por lembrar justamente essa prática do mestre italiano: 
Bobbio, ao fazer, em 1994, um balanço de sua trajetória, observou que a sua obra caracterizava-se por livros, artigos, discursos sobre temas diversos, ainda que ligados entre si [nota: a referência aqui é à obra de Bobbio, O Futuro da Democracia]. Parte muito significativa e relevante da sua obra é constituída por volumes que são coletâneas de ensaios, reunidos e organizados em função dos seus nexos temáticos. Esses volumes de ensaios cobre os diversos campos do conhecimento a que se dedicou: a teoria jurídica, a teoria política, a das relações internacionais, a dos direitos humanos e o vinculo entre política e cultura, rubrica que abrange a discussão do papel do intelectual na vida pública. Esses volumes são representativos do contínuo work in progressda trajetória intelectual de Bobbio, esclarecendo como, no correr dos anos, por aproximações sucessivas, foi aprofundando a análise dos temas recorrentes do seu percurso de estudioso. (p. 23)

A partir da transcrição desse introito se poderia perfeitamente dizer: Ecce homo(talvez menos na linhagem nietzscheiana, e mais na do original bíblico). A afirmação se aplica inteiramente à própria trajetória acadêmica e profissional de Celso, ao seu percurso intelectual, à sua visão do mundo, com uma vantagem adicional sobre o jurista italiano, devido ao fato de Lafer ter sido bem mais do que um “simples professor”, ao ter exercido por duas vezes (até aqui) o cargo de ministro das relações exteriores (e uma vez o de ministro do desenvolvimento e de comércio exterior), funções certamente mais relevantes, para o Brasil, do que o cargo largamente honorífico concedido a Norberto Bobbio, já quase ao final da sua vida, de senador da República italiana. 

O percurso de Celso Lafer, no Brasil e no mundo, sua postura filosófica, de defensor constante dos direitos humanos e da democracia política, suas aulas na tradicional Faculdade de Direito (e em muitas outras conferências em universidades e várias instituições em incontáveis oportunidades), sua luta pela afirmação internacional do Brasil nos mais diversos foros abertos ao engenho e arte da diplomacia nacional, todos esses aspectos estão aqui refletidos em mais de uma centena de trabalhos carinhosamente reunidos sob a direção do próprio mestre e oferecidos agora ao público interessado. Não apenas o reflexo de uma vida dedicada a construir sua própria trajetória intelectual, esses textos são, antes de qualquer outra coisa, aulas magistrais, consolidadas numa obra unitária, enfeixada aqui sob a tripla dimensão do título do livro. 
Mais do que uma garrafa lançada ao mar, como podem ser outras coletâneas de escritos dispersos oferecidos a um público indiferenciado, a centena de “mensagens laferianas” aqui reunidas constituem um útil instrumento de trabalho oferecido aos profissionais da diplomacia, ademais de ser uma obra de referência aberta à leitura dos pesquisadores, dos professores e dos estudantes dessas grandes áreas de estudos e de trabalho acadêmico. Ao disponibilizar essa massa de escritos da mais alta qualidade intelectual ao grande público, esta obra faz mais do que reunir estudos dispersos numa nova coletânea de ensaios conectados entre si: ela representa, também e principalmente, um tributo de merecido reconhecimento ao grande mestre educador que sempre foi, e continuará sendo, Celso Lafer.
Vale! 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de julho de 2018



Retrato do futuro czar da economia: Paulo Guedes

Paulo Guedes, o oráculo do Estado minúsculo que acalmou Bolsonaro
Por Fernando Cesarotti; ilustrado por Cassio Tisseo
VICE Brasil, Nov 30 2018, 7:00am


Na série que apresenta os ministros do presidente eleito do Brasil, a VICE conta a história do futuro dono da pasta da Fazenda.

Reduzir a carga tributária. Reduzir o número de impostos. Reduzir o déficit fiscal. Reduzir a inflação. Reduzir o tamanho do Estado, privatizando o máximo de estatais possível – todas elas, se for o caso. Depois de décadas trabalhando no mercado financeiro, sempre pensando em aumentar lucros e ganhos de seus bancos e fundos de investimento, Paulo Guedes assume em janeiro o comando da economia no governo Jair Bolsonaro tendo “reduzir” como palavra de ordem.
Curiosamente, nem sempre foi assim. A formação em economia de Guedes o fez inicialmente um keynesiano, ou seja, um defensor das ideias de John Maynard Keynes, teórico britânico famoso por defender a importância da intervenção do Estado. Mas a viagem do jovem carioca para estudar nà Universidade de Chicago, com direito a bolsa no CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa) o colocou em contato com Milton Friedman, um dos criadores do pensamento ultraliberal que dominou o mundo nos anos 1970 e 1980, sob a liderança política da premiê britânica Margaret Thatcher e do presidente norte-americano Ronald Reagan. E Guedes se tornou então aquilo que ficaria conhecido, muitas vezes em tom de ofensa, como um “neoliberal”.
Depois de conseguir seu PhD nos Estados Unidos, Guedes voltou ao Brasil e virou professor em tempo parcial na FGV e na PUC-RJ, onde daria aula para futuros medalhões como Armínio Fraga, presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso. Mas, sem espaço no governo para implantar suas ideias, aceitou um convite para dar aulas na Universidad de Chile, então sob intervenção da ditadura de Augusto Pinochet.
O Chile ficou conhecido nesse tempo por ser uma espécie de laboratório do neoliberalismo, com a presença de outros “Chicago boys” além de Guedes. Entre outras medidas controversas, o grupo comandou uma reforma da Previdênciaque adotou, de forma pioneira no mundo, o sistema individual de capitalização, semelhante aos regimes privados em vigor no Brasil hoje. Funciona assim: cada trabalhador economiza para sua própria aposentadoria, sem contribuição obrigatória dos empregadores ou participação do Estado. O problema é que o sistema tem apresentado problemas e o presidente Sebastian Pinera, de centro-direita, estuda uma nova reforma, já que alterações feitas pela esquerdista Michele Bachelet não deram resultado e a renda média dos aposentados chilenos não chega a metade do salário mínimo local.
De volta da experiência chilena, Guedes entrou de cabeça no mercado financeiro. Foi um dos fundadores do banco Pactual e comandou diversos fundos de investimentos, também sob alguma polêmica – o Ministério Público Federal investiga a existência de fraude na gestão de recursos oriundos de fundos de pensão de empresas estatais, acusação negada pelo economista.
Há quem diga que Guedes se considera um incompreendido e que decidiu se juntar a Bolsonaro por enxergar uma chance, talvez a última, de aplicar sua cartilha ultraliberal no Brasil. Era uma tabelinha aparentemente complicada, afinal, Bolsonaro é um ex-militar, e os governos militares do Brasil ficaram famosos pelo apego ao desenvolvimentismo com ação direta do Estado, ilustrada pela construção de obras faraônicas e pela criação de dezenas de estatais. Além disso, muitos militares são extremamente nacionalistas, e a própria campanha de Bolsonaro pregou “o Brasil acima de tudo”, enquanto os liberais não são exatamente famosos pelo apego a fronteiras e nações.
Mas o fato é que a tabelinha deu certo. A presença de Guedes como “posto Ipiranga”, apelido dado pelo próprio Bolsonaro por ser a fonte de todas as respostas sobre economia, fez com que o outrora candidato visto como radical ganhasse ares de moderação e o aval do chamado “mercado”, aquela entidade quase mística que interpreta e respalda as decisões a respeito da economia e, no fim das contas, do dia a dia dos cidadãos.
O que se espera agora é como Guedes lidará com a questão política. Como gestor na iniciativa privada, ele sempre teve plena liberdade de ação, coisa que não acontece no setor público, onde há fiscalização de outros poderes e necessidade quase infinita de negociações. A primeira impressão junto ao Congresso, por exemplo, não foi nada boa: em reunião com o presidente do Senado Eunício Oliveira (MDB-CE) sobre a aprovação do Orçamento da União para 2019, Guedes deu algumas bolas fora, como tentar forçar a votação da reforma da Previdência para ainda este ano e dizer que votar o Orçamento “não era importante”. “Se vocês não aprovarem tudo aquilo que nós queremos esse ano, o PT volta. Se aprovar a reforma o Brasil vai crescer a 6%, se não aprovar o Brasil não vai crescer, eu vou culpar vocês”, disse Guedes a Eunício, segundo relato do senador.
Críticos e opositores também estão de olho num possível conflito de interesses, já que fundos ligados a Guedes têm participação, por exemplo, em grupos privados de ensino superior, num cenário em que a redução de verbas para as universidades federais já é um problema crônico. 
Para aplicar suas ideias, Guedes se cercou de gente ligada ao mercado, como Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central; Roberto Castello Branco, presidente da Petrobras; e Salim Mattar, secretário de desestatização. Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda da Dilma Rousseff numa desastrada tentativa de aceno do PT aos mercados, será o presidente do BNDES. A gestão de Guedes à frente da economia brasileira parece destinada a um ditado popular: a sorte está lançada. Dependendo do que acontecer, talvez seja preciso recorrer a outro: salve-se quem puder.

Nome: Paulo Roberto Nunes Guedes
Idade: 69 anos
Ministério: Fazenda
Formação: Bacharel em Economia pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com mestrado pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e doutorado na Universidade de Chicago 
Partido: não tem
Acompanhe os perfis de todos os ministros do Brasil na série A banca de Bolsonaro.
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A seguir: Ricardo Vélez-Rodríguez