O QUE A FOLHA PENSA
Relações ideológicas
Sob inspiração trumpista na área externa, equipe de Bolsonaro se mete em entrevero pueril
Editorial FSP, 19/12/2018
Sob o argumento de que a política externa brasileira nos anos petistas foi flexionada pelo peso da ideologia, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), prometeu em sua campanha pôr fim ao que chamou de aparelhamento do Itamaraty.
É incontestável, em especial no período do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que o Brasil se aproveitou do momento econômico favorável para tentar aumentar sua relevância geopolítica, mas o fez assumindo posições de um surrado repertório antiamericanista e terceiro-mundista.
Sem dúvida, uma correção de rumos se fazia necessária —e chegou, de certa forma, a se esboçar no primeiro mandato de Dilma Rousseff, mas logo foi diluída pelo desinteresse da mandatária nessa seara.
Bolsonaro, infelizmente, não dá sinais de que pretenda buscar um equilíbrio. Ao assumir bandeiras de revanchismo contra uma esquerda que já deixou o poder há mais de dois anos, o presidente eleito padece, com sinal trocado, do mesmo mal que vê nos governos do PT.
A face constrangedora dessa conduta subalterna já se manifestou antes de o governo ter início. Por exemplo, na viagem aos EUA do deputado federal
Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente eleito, que aproveitou a ocasião para posar com um
boné com a inscrição “Trump 2020”, em referência ao próximo pleito naquele país.
Agora, no que parece prenúncio de uma condução voluntariosa da política externa, o Brasil se meteu em um entrevero pueril ao convidar e
desconvidar representantes de Cuba e da Venezuela para
cerimônia da posse presidencial.
Desrespeita-se uma tradição de serenidade do Itamaraty com o intuito, mais uma vez sob inspiração do figurino trumpista, de criar fatos midiáticos e reviver os confrontos da campanha eleitoral.
Não resta dúvida de que os governos de Miguel Díaz-Canel e
Nicolás Maduro são ditaduras hostis a Bolsonaro —e quase certamente não mandariam ninguém à posse. Os cubanos, ademais, já manifestaram seu repúdio ao futuro governo ao
se retirarem do Mais Médicos.
Nem por isso, entretanto, convém à diplomacia brasileira se rebaixar a tais querelas.
Devem-se, sim, prestigiar valores fundamentais, como a democracia, os direitos humanos e a autodeterminação dos povos. É preciso defender tais convicções, todavia, nos canais e fóruns diplomáticos adequados, evitando-se atos espetaculosos e inconsequentes que coloquem em risco as relações pacíficas e os interesses comerciais.
A busca desse equilíbrio complexo entre princípios universais e pragmatismo econômico deve nortear a política externa do governo.
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