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sábado, 8 de dezembro de 2018
Otaviano Canuto analisa a guerra comercial Trump-China, sim, Trump-China...
Desculpem o título inusitado, mas se trata exatamente disso: Trump vs China, ou Trump vs o resto do mundo. Paulo Roberto de Almeida
Trégua entre EUA e China deve ser avaliada por 3 ângulos, diz Otaviano Canuto
A trégua comercial entre os Estados Unidos e a China, anunciada após o jantar dos presidentes dos dois países em Buenos Aires no sábado, depois da reunião do G20, deve ser avaliada a partir de três diferentes motivações que podem ser atribuídas ao Presidente Trump para iniciar a guerra.
Embora atenção especial tenha sido dada às implicações imediatas positivas da trégua para a conjuntura macroeconômica mundial e seus reflexos sobre mercados financeiros, cabe não perder de vista o que mais está em jogo.
Desde logo, a trégua e o confronto comercial bilateral EUA-China em que se inscreve representam um momento crucial da transição do multilateralismo para o bilateralismo nas relações externas dos EUA a partir da chegada de Presidente Trump ao poder.
O multilateralismo pleno enfrentou grandes dificuldades durante a rodada Doha de negociações comerciais, nas quais processos complexos de negociação necessitavam unanimidade para aprovação e ficavam vulneráveis a travas estabelecidas por alguns poucos países.
O governo Obama iniciou, com suporte de países envolvidos, sua substituição por um plurilateralismo, conforme proposto na Parceria Trans-Pacífico e num possível acordo posterior com países europeus. Presidente Trump enterrou tal iniciativa e vem argumentando haver vantagens para seu país negociar em bases bilaterais.
A segunda motivação declarada para os movimentos comerciais pelo governo Trump é deslocar produção do exterior para os EUA em alguns setores, ao mesmo tempo encolhendo o déficit comercial do país com o resto do mundo. Como na elevação de tarifas sobre importações de aço e alumínio –inclusive sobre parceiros do NAFTA–, células solares e outros.
O resultado provável da revisão do NAFTA –USMCA ou T-MEC– será uma transferência parcial da participação mexicana na cadeia de produção automobilística para os EUA –e um pouco para o Canadá– além de abertura do mercado de laticínios deste último.
Na mesma linha, conforme comunicado emitido pelo governo dos Estados Unidos, a suspensão do aumento de tarifas dos EUA sobre US$ 200 bilhões de importações da China de 10% para 25%, previsto para 1º de janeiro de 2019, teve como contrapartida uma promessa chinesa de aumento substancial de compras de produtos agrícolas, energéticos e manufatureiros dos EUA.
Em que medida presidente Trump poderá anunciar tais resultados como evidência de acerto de sua opção por bilateralismo, de seu estilo de combinação de tarifas e acenos de acordos em troca de concessões pelo outro lado? Afinal, sua campanha prometeu o retorno de empregos manufatureiros aos EUA a partir de tal reposicionamento da política comercial do país.
Os resultados imediatos em termos de exportações e importações dos Estados Unidos podem dar a impressão de sucesso. Contudo, a privilegiada posição negociadora do país no âmbito bilateral e a correspondente obtenção de concessões não garantem a consecução daquelas promessas.
A imediata elevação doméstica da produção e do emprego em atividades manufatureiras e outros beneficiários da proteção se dará com elevação de custos e preços locais dos correspondentes bens. Mesmo supondo-se que a perda de competitividade nesses setores seja compensada por outras medidas, inclusive as promessas de compras embutidas em acordos comerciais, há duas razões para questionar aquele sucesso.
Primeiro, a destruição relativa de empregos manufatureiros na história norte-americana recente é mais resultado de mudanças tecnológicas que de importações da China ou de outros países. Adicionalmente, os déficits em conta corrente do país refletem um descompasso entre poupança doméstica e investimentos.
Nesse caso, um sucesso do protecionismo na redução de déficits externos só ocorreria na hipótese de aumento da poupança no país como um todo, por conta de queda de poder de compra dos que dependem de salários como contrapartida da rentabilidade do capital nos setores protegidos. Esse não seria bem o resultado prometido em campanha.
Para além do bilateralismo mercantilista, há um terceiro componente na guerra comercial EUA-China. O re-balanceamento da economia chinesa em curso vem incluindo sua presença crescente em etapas de maior valor agregado em cadeias globais de valor, para o que tem recorrido a utilizar a baixo custo fontes tecnológicas externas.
Para tal tem recorrido a transferências de tecnologia forçadas sobre investidores estrangeiros interessados em seus mercados, não reconhecimento de propriedade intelectual, subsídios a empresas estatais, barreiras não-tarifárias e similares.
Em grande medida, forçar a China a mudar tais práticas havia sido uma motivação chave para os acordos plurilaterais com sua exclusão liderados por Obama, como forma de impor-lhe uma adaptação regulatória como requisito para integração com países signatários.
Na opção bilateral de Trump, não admira que a trégua de 90 dias para o aumento de tarifas concedida em Buenos Aires tenha como condição para sua extensão, segundo o comunicado do governo dos EUA, a obtenção de acordo sobre “mudanças estruturais” na China naquelas áreas.
Excluída como irrealista a hipótese de motivações simplórias tais como “deter o avanço da China”, a guerra comercial poderá arrefecer caso os chineses estejam preparados para oferecer algo significativo a respeito.
Um cálculo custo-benefício chinês favorável a buscar formas alternativas de suporte tecnológico local, permitindo-lhe focar em seus desafios domésticos de re-balanceamento sem o ônus adicional do confronto comercial, pode muito bem ser uma opção racional dos governantes daquele país.
Dos desdobramentos nesse terceiro componente dependerá a longevidade da trégua anunciada após o jantar de Buenos Aires. Pessoalmente, confesso ter ficado com água na boca pensando na combinação de filé argentino, vinho Malbec e ricota de cabra lá servida.
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