Futuro chanceler joga para a torcida, mas faz gol contra
Coluna / Matias Spektor
Folha de S. Paulo – 21/12/2018
Antes de tomar posse, governo eleito acumula pontos opostos a seus próprios interesses
“Mais de 100 mil seguidores no Twitter e 47 mil curtidas de apoio no último tuíte”, celebrou o chanceler designado em referência a seu próprio perfil na rede social.
Interpretando os números como índice de sua própria força, o futuro ministro toca a sua agenda, embalado pela tese da qual tem certeza: a família Bolsonaro o escolheu como diplomata-chefe porque pretende fazer da diplomacia um sinalizador da ideologia e das convicções do próximo presidente da República.
O problema de jogar para a torcida é que o envaidecimento cega o próprio jogador, que termina fazendo gol contra.
E agora, antes mesmo de tomar posse, o governo eleito vai marcando pontos contra seus próprios interesses.
Todas as jogadas seguem o mesmo roteiro. O chanceler aferra-se a um argumento falso. Sem embasamento empírico, ele joga para assegurar o apoio da chefia e o aplauso fácil do torcedor fervoroso. No processo, ignora os custos que a estratégia tem para o país.
O exemplo mais recente é a retirada do Brasil do Pacto Global para Migração. Utilizou-se do argumento inverídico segundo o qual esse instrumento limitaria a soberania nacional logo quando as Forças Armadas brasileiras mostraram liderança global ao dar um show de profissionalismo e gestão na crise migratória com a Venezuela. O time estava ganhando em grande estilo, acumulando prestígio para o Brasil.
Outro exemplo é a postura do governo eleito sobre mudança do clima. O Brasil é uma grande potência ambiental, tendo voz e peso próprios num dos tabuleiros mais importantes das relações internacionais hoje.
Descartando aquilo que os cientistas dizem, espalhando inverdades e confundindo interesse partidário com interesse nacional, o governo eleito abre mão do exercício de influência numa das poucas áreas em que o Brasil tem poder de fato na política global.
O mesmo ocorre com o alinhamento a Washington. O governo poderia utilizar a promessa de aproximação aos Estados Unidos para demandar concessões pontuais e acumular recursos de poder. Mas não. Optou por entregar tudo a troco de nada no exato momento em que Trump perde força.
O governo também poderia tirar proveito da disputa entre Estados Unidos e China, batalha de nossa era. Aproveitaria o contexto global para arrumar as pendências com os americanos e, de quebra, fazer o necessário pivô para montar a estratégia de inserção do Brasil na Ásia.
Em vez disso, optou-se por alimentar a fantasia de uma Santa Aliança anti-China cujo único resultado concreto será fazer com que Pequim jogue seu peso diplomático contra Bolsonaro.
Não à toa, candidatos à sucessão do chanceler já deixaram o banco de reserva.
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