Na série que apresenta os ministros do presidente eleito do Brasil, a VICE conta a história do futuro dono da pasta de relações exteriores.
Imagine um blogueiro que se define como alguém disposto a “ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista, pilotada pelo marxismo cultural”. Agora pense nesse blogueiro como chefe da diplomacia brasileira, ministro das Relações Exteriores, responsável pela relação do Brasil com os outros países. Pois é: na distopia a cores e de carne e osso que virou o Brasil de Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo
coloca no “about me” de seu blog que seu projeto, que batizou como “metapolítico”, “significa, essencialmente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história”.
Mas o fato é que Ernesto de louco não tem nada, apesar de replicar em seu discurso baboseiras dignas dos conspiracionistas mais rasteiros, daquelas repetidas à exaustão pelos comentaristas de portal. Esse diplomata de 51 anos, quase 30 deles a serviço do Itamaraty, é na verdade bastante esperto, e soube cavar o espaço para chegar a um governo que quase não tinha quadros para encher um ministério.
O próprio blog, em que Ernesto Araújo fez críticas severas ao PT (“partido terrorista”), teve seu primeiro texto publicado apenas em 22 de setembro deste ano, a menos de um mês do primeiro turno das eleições, já depois do atentado sofrido por Bolsonaro em Juiz de Fora (MG). No último domingo,
reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que até pessoas próximas ao futuro ministro se surpreenderam com seu posicionamento repentino de ultradireita.
Está lá: “Diplomatas que trabalharam com Araújo em diferentes momentos de sua trajetória falam bem dele como colega e profissional, mas, protegidos pelo anonimato, se dizem desconcertados diante das facetas de sua personalidade reveladas agora”.
Como bom diplomata, Ernesto passou em 1989 pela finíssima peneira do concurso do Instituto Rio Branco: foi o nono colocado entre 24 aprovados. Um de seus primeiros postos de trabalho foi na equipe que negociava o primeiro grande tratado comercial multilateral que envolveu o Brasil: o Mercosul, criado oficialmente em 1991. Passou depois pela missão do Brasil junto à União Europeia, com sede em Bruxelas, na Bélgica, e pela embaixada em Berlim, na Alemanha.
No governo do “partido terrorista”, Araújo não pareceu ter problemas. Ao contrário, seguiu subindo na carreira, chegando a chefe de divisão no Itamaraty. Em 2008,
escreveu uma tese para ser promovido em que defendia não apenas as relações multilaterais do Brasil como a postura do governo Lula nesse tipo de negociação. No mês passado, o
Nexo publicou um texto apontando as contradições entre as ideias atuais de Araújo e as de dez anos atrás.
A saída de Cuba do programa Mais Médicos nem chega a ser um problema direto para Ernesto Araújo – é muito mais uma bucha de canhão na mesa de Luiz Henrique Mandetta, futuro ministro da Saúde. Mas obviamente é uma crise que respinga nas relações internacionais, assim como as recorrentes trocas de farpas entre os Bolsonaro e o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.
O vizinho problema, aliás, já causou o primeiro ruído para o novo ministro: a atual gestão do Itamaraty chegou a convidar Maduro para a posse, mas retirou o convite a pedido da equipe de transição. Maduro obviamente recusou a cortesia e ainda sapateou em cima: “O governo socialista, revolucionário e livre da Venezuela jamais assistiria a posse de um presidente que é a expressão da intolerância, do fascismo e da entrega a interesses contrários aos da integração latino-americana e caribenha",
escreveram os venezuelanos em nota divulgada pelo chanceler Jorge Arreaza no Twitter.
Nada de grave ou que vá mudar a cotação do mercado, mas que serve como alerta para Ernesto Araújo: administrar as relações do Brasil num mundo globalizado (ou mesmo “globalista”, no seu linguajar tosco), é bem mais complexo do que encher um blog com textos oportunistas. Bem-vindo ao mundo real, chanceler.
Nome: Ernesto Henrique Fraga Araújo
Idade: 51
Ministério: Relações Exteriores
Formação: Licenciatura em Letras, pela Universidade de Brasília
Partidos: nenhum
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