O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Videos da Funag e do IPRI disponíveis no canal YouTube da Funag

 Talvez metade do que figura nessa base de dados tenha sido feito em minha gestão do IPRI, entre agosto de 2016 e dezembro de 2018, depois foi o dilúvio bolsolavista, que fez do Itamaraty uma terra arrasada.

Mas ainda faltam muitos vídeos: a razão é que eu não tinha nenhum recurso no IPRI, não tinha orçamento, não tinha meios.

Eis um relatório, puramente indicativo, de tudo o que eu fiz no IPRI no meu período:

3383. “Relatório de Atividades como Diretor do IPRI de 2016 a 2018”, Brasília, 24 dezembro 2018, 27 p. Organizado segundo um modelo próprio, usando dados do modelo adotado no IPRI, eliminando alguns eventos, incluindo outros. Total de eventos: 2016=38; 2017=74; 2018=102; total=214. Disponibilizado na plataforma Research Gate (DOI: 10.13140/RG.2.2.11298.89288; link:https://www.researchgate.net/publication/329905640_Relatorio_de_Atividades_Gestao_do_diretor_do_IPRI_Paulo_Roberto_de_Almeida) e em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/e66d6c1639/relatorio-do-ipri-diretor-paulo-roberto-de-almeida-2016-2018); anunciado no blog Diplomatizzando (25/12/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/12/ipri-meu-relatorio-de-atividades-2016.html).

Paulo Roberto de Almeida


IPRI - arquivo
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Diálogos Internacionais - Marcos Jank

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O Direito Internacional no Brasil

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segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Quem é Yang Wanming, tuiteiro, fotógrafo e midiático embaixador da China no Brasil - Gabriel de Arruda Castro (Gazeta do Povo)

 Uma matéria maldosa, com muita falsidade, por esse jornal de extrema-direita, que é a Gazeta do Povo. Fui entrevistado pelo reporter, rebati todos os argumentos em torno do filho 03 do presidente, que FOI UM DESASTRE para a política externa e para a diplomacia do Brasil, mas nada disso apareceu; o reporter acha que foi o embaixador que criou os atritos com o governo, quando foi o BANANINHA 03 que criou os maiores problemas para a nossa interface bilateral com a China. Considero a matéria DESONESTA.

Paulo Roberto de Almeida 

Quem é Yang Wanming, tuiteiro, fotógrafo e midiático embaixador da China no Brasil

Por Gabriel de Arruda Castro, especial para a Gazeta do Povo

12/12/2021 19:33

https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/quem-e-yang-wanming-tuiteiro-fotografo-e-midiatico-embaixador-da-china-no-brasil/?utm_source=whatsapp&utm_medium=midia-social&utm_campaign=gazeta-do-povo

 

As tropas do Exército Brasileiro se preparavam para o levante que derrubaria o presidente João Goulart quando, em Pequim, veio ao mundo Yang Wanming. O futuro embaixador da China no Brasil nasceu em 30 de março de 1964. Naquela época, a China ainda era governada por Mao-Tsé Tung, líder da sangrenta revolução que levou os comunistas ao poder 15 anos antes. O país não mantinha relações diplomáticas com a Europa Ocidental ou os Estados Unidos. Tampouco era parte da Organização das Nações Unidas (ONU).

 

Quando Wanming tinha seis meses de vida, Mao Tsé-Tung fez um célebre discurso celebrando o “Grande Salto Adiante”, uma espécie de cavalo-de-pau abrupto na economia chinesa. A ideia era empurrar o país rumo ao progresso industrial, deixando para trás a antiga China rural. No pronunciamento, o ditador afirmou que seu país havia vencido o feudalismo, o imperialismo e o capitalismo, e citou outro líder comunista: “No início deste século, o Dr. Sun Yat-sen, o grande revolucionário chinês e nosso precursor, disse que a China daria um grande passo adiante. Sua previsão certamente se tornará realidade nas próximas décadas. Esta é uma tendência inevitável que nenhuma força reacionária pode parar”, afirmou.

 

Na verdade, o “Grande Salto”, que incluiu o remanejamento de milhões de pessoas do campo para as cidades, teve início seis anos antes. O custo foi de 20 milhões de mortes (algumas fontes reportam ainda mais). Mas, de certa forma, a profecia se realizou: o regime chinês, hoje sob o comando de Xi Jinping, tem o segundo maior PIB do mundo e, após o colapso da União Soviética, passou a ser o maior rival dos Estados Unidos no cenário global. Yang Wanming é um de seus porta-vozes.

 

Quando o pequeno Wanming passou a frequentar a escola, o currículo já havia sido completamente remodelado pela Revolução Cultural (1966-1969), que erradicou, violentamente, os últimos resquícios de pensamento “ocidental”. Anos depois, o futuro embaixador ingressou em uma universidade estatal, em uma época na qual o acesso ao ensino superior ainda era um privilégio para pessoas com conexões políticas.

 

A jornada antes do Brasil

Wanming teve seu primeiro cargo na diplomacia chinesa em 1990, um ano depois da queda do Muro de Berlim. E, de certa forma, o muro ainda não caiu para os chineses. Em uma longa resolução aprovada em 16 de novembro deste ano, o Partido Comunista Chinês (o único partido permitido no país) não abriu mão da ortodoxia marxista: “Nossa fé no marxismo, no grande ideal do comunismo e no ideal comum do socialismo com características chinesas são nossa fonte de força e a âncora da nossa alma política como comunistas chineses”, afirma o texto.

 

O primeiro posto relevante ocupado por Wanming foi o de adido no Departamento de América Latina do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China. Depois de uma passagem pelo México, ele tomou uma rota pouco usual: entre 2003 e 2004, foi vice-prefeito de Kaili, cidade de aproximadamente 600 mil habitantes na província de Guizhou. Diferentemente do que ocorre no Brasil, a cidade tem mais de um vice-prefeito: atualmente, são seis. Os registros sobre sua incursão na política são inexistentes fora da internet chinesa, controlada pelo Partido Comunista. Nem mesmo o site oficial da cidade traz qualquer menção ao nome dele.

 

Em 2008, Wanming obteve seu doutorado em Direito pela Academia Chinesa de Ciências Sociais, em Pequim. A instituição foi fundada pelo líder comunista Deng Xiaoping. O foco do estudo foram as relações entre a China e a América Latina entre 1990 e 2006. O Brasil, ao lado do México, figura como um dos países analisados com mais atenção na tese de doutorado. Wanming foi orientado pelo professor Xu Shicheng, que, além de ter se formado pela Universidade de Pequim, também passou pela Universidade Nacional de Havana, em Cuba. Onze anos antes, Wanming completara um mestrado em Economia pela Universidade de Jilin, também na China. O tópico era "As bases legais do sistema empresarial moderno".

 

Entre 2007 e 2012, Wanming foi o diretor do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China para a América Latina. Então, recebeu seu primeiro convite para comandar uma embaixada. E sua estreia no cargo seria no Chile. Lá, ele ficou dois anos, e se empenhou pela expansão dos Institutos Confúcio, utilizados para expandir a influência cultural chinesa mundo afora. O número de alunos chilenos quadruplicou entre 2009 e 2012. Wanming também negociou um complemento ao tratado de livre comércio estabelecido entre os dois países ainda em 2006. A China buscava estreitar os laços com o Chile que, dentre outros atrativos, possui uma reserva mineral importante e, dos países sul-americanos, tem uma vantagem logística: sua ampla costa no Oceano Pacífico, que facilita o transporte marítimo com a China. Não por acaso, os chilenos foram o primeiro país da região a ter um tratado de livre comércio com os chineses.

 

Wanming assumiu o comando da embaixada na Argentina em 2014. Durante seu período no cargo, atuou para aumentar as oportunidades de negócio para empresas chinesas (quase sempre, sob a influência direta ou indireta do governo) no país. O consenso é de que, nos dois países, Wanming fortaleceu as trocas econômicas bilaterais e não entrou em controvérsias nas redes sociais. Mas houve momentos de tensão. Ele costurou um acordo de cooperação na área de ciência e tecnologia que, dentre outras coisas, abriu caminho para que os chineses construíssem uma grande base de lançamento de satélites na Patagônia. Problema: a presença de argentinos era vedada no espaço da construção. A situação, que só foi percebida pelo governo argentino quando não havia como voltar atrás, causou incômodo. Graças ao contrato minuciosamente redigido pelo lado chinês, os argentinos não podiam rever o acordo sem que também colocassem em risco outras parcerias com os chineses e, assim, a própria estabilidade da economia local.

 

Mesmo assim, no fim ele chegou a ganhar do governo argentino a Ordem do Libertador Geral San Martin, recebida das mãos do então chanceler Jorge Faurie. É a condecoração mais alta concedida pelo governo da Argentina a estrangeiros. O liberal Mauricio Macri, um adversário da esquerda argentina, era o presidente da ocasião.

 

O Twitter como arma diplomática

Wanming tem um português bom o suficiente para uma comunicação eficaz, mas tem traços óbvios de espanhol e um sotaque chinês forte. Quando conversa, inclui vários “nes” nos fins de frase - que, por acaso, tem um significado semelhante ao do “né” da língua portuguesa. Nas vezes em que deu entrevistas à imprensa, ele deu respostas-padrão, sem fugir do tom diplomático. Quem convive com ele afirma que o embaixador segue a cartilha dos altos oficiais do regime chinês: lealdade total à linha definida pelo Partido Comunista.

 

É no Twitter que o embaixador se expressa mais claramente. Mas isso não quer dizer que suas opiniões sejam frutos de suas espontaneidade. Como regra, um diplomata nunca fala por si mesmo. Um diplomata chinês, menos ainda. A postura agressiva de Wanming na internet é parte da estratégia chinesa. Ele não está sozinho.

 

Nos últimos anos, a diplomacia chinesa tem adotado uma postura mais incisiva. É a era “Wolf Warrior” (Lobo Guerreiro). O epíteto é baseado em um filme que retrata uma China forte e agressiva diante de inimigos ocidentais. “A diplomacia mudou desde a era Deng Xiaoping (que governou entre 1978 e 1992), quando se proclamava uma ascensão pacífica da China. Xi Jinping (atual líder) tem mais a postura de um imperador — ele busca a afirmação da soberania absoluta da China nas suas relações externas e é mais cioso dos interesses nacionais da China no seu entorno imediato”, afirma o embaixador Paulo Roberto de Almeida, que também é professor de Relações Internacionais.

 

A mudança de postura é mensurável. De acordo com o pesquisador Peter Martin, autor de um livro recém-lançado sobre a evolução da diplomacia chinesa, entre 2012 e 2017, o país quase dobrou seus gastos com relações exteriores. Além disso, em 2019, a China ultrapassou os Estados Unidos e se tornou a nação com mais representações ao redor do globo: 276 embaixadas e consulados.

 

Paulo Roberto de Almeida enfatiza, entretanto, que o Brasil não é visto como uma ameaça direta pelos chineses e que, no que diz respeito à relação com o Brasil, a estratégia do gigante asiático continua a mesma. “São relações econômico-comerciais, um pouco financeiras e de investimento, além da cooperação no terreno da construção e lançamento de satélites no campo científico e meteorológico, que já tem 30 anos”, afirma ele.

 

Neste aspecto, Wanming é um diplomata convencional, interessado em expandir negócios e em aumentar a área de influência de seus país. Por outro lado, ele não tem hesitado em subir o tom quando enxerga algum tipo de ameaça à reputação de seu país.

 

Os líderes comunistas têm notado que, apesar do seu poder econômico e militar, a China ainda carece de relevância cultural no debate do Ocidente. Uma das formas de amenizar o problema e de expandir o “soft power” chinês é a criação de unidades do Instituto Confúcio mundo afora, inclusive no Brasil. Sob o pretexto de ensinar a língua e a cultura chinesas em instituições de ensino, essas instituições servem como catalisadoras da influência chinesa no país.

 

Outra ferramenta, essa mais recente, é o uso do Twitter (que, ironicamente, é banido na China) por diplomatas do país. Principal porta-voz das Relações Exteriores da China desde agosto de 2019, Lijian Zhao subiu na carreira depois de chamar a atenção pelo seu uso frequente (e por vezes agressivo) do Twitter quando era embaixador no Paquistão.

 

E, depois de promovido, ele continuou na ofensiva. Em novembro de 2019, Zhao causou furor ao afirmar erroneamente que, em algumas áreas de Washington, os brancos não podem entrar. "Você é uma desgraça racista. E incrivelmente ignorante também. Em tempos normais, você seria declarado persona non grata", respondeu a embaixadora americana Susan Rice - também na rede social.

 

Um ano depois, Zhao provocou um incidente ainda mais grave quando tuitou uma imagem alterada digitalmente para atacar o governo da Austrália. A fotografia mostrava um soldado australiano, com um sorriso maligno no rosto, degolando uma criança afegã. Ao fundo, a bandeira da Austrália. As reações (não só do governo australiano) também foram intensas. Mas, do ponto de vista da comunicação com o público, a tática chinesa funcionou: a mensagem já havia sido difundida.

 

Entre março e outubro de 2020, o número de seguidores das contas mantidas pela diplomacia chinesa quase dobrou. Qualquer dúvida sobre o objetivo dessa expansão pode ser eliminada com uma constatação simples: esses diplomatas não escrevem em chinês. Eles não estão prestando contas aos cidadãos de seu país. Em vez disso, os embaixadores escrevem em inglês ou na língua local do país em que servem.

 

No ano passado, contas ligadas ao governo chinês atacaram os Estados Unidos utilizando os protestos contra o racismo como pretexto. Ao repercutir a aparente injustiça da sociedade americana, os chineses buscam enfraquecer a legitimidade dos Estados Unidos para contestar problemas muito mais sérios dos chineses, como a perseguição à minoria étnica uigur.

 

Em um estudo sobre a estratégia digital da diplomacia chinesa, o Brookings Institution, think tank centenário com sede em Washington, notou no ano passado que, repentinamente, mais de 170 autoridades diplomáticas da China passaram a utilizar o Twitter, numa tentativa de aumentar a influência chinesa. “Os diplomatas da China têm demonstrado uma compreensão de que o engajamento no Twitter é motivado pela provocação, não pela diplomacia”, afirmam os autores do levantamento.

 

A estratégia não é secreta. Em 2019, o próprio Zhao celebrou: “É uma tendência inevitável que os embaixadores chineses estejam no Twitter. Eles vão contar a vocês a China real, e fazer a voz da China ser ouvida”. A pandemia de Covid-19, originada na China, provocou uma reação ainda intensa da diplomacia chinesa para reverter os danos à imagem do país. Uma das estratégias foi atacar com informações inverídicas. O cônsul chinês em Calcutá, na Índia, tuitou uma informação falsa de que o Covid-19 teve origem nos Estados Unidos e chegou à China por meio de lagostas importadas do estado americano do Maine. O próprio Zhao havia feito algo semelhante ao acusar os Estados Unidos de terem originado a pandemia.

 

A expansão da presença da diplomacia chinesa no Twitter foi rápida e constante. Em agosto de 2019, a embaixada na França ganhou seu perfil. Em setembro de 2019, o embaixador da Áustria e a embaixada na Jordânia. Em outubro, Irã, Cuba e Hungria. Em novembro, Holanda, Reino Unido. Em dezembro, Egito e Alemanha. Em janeiro de 2020, Iraque. Em fevereiro, Líbano, Rússia e Irlanda. Em março, Gana. Em abril, República do Congo. Em julho, Grécia.

 

Curiosamente, Yang Wanming é uma exceção: ele se cadastrou na plataforma muito tempo antes, em 2015. Na época, ele era embaixador na Argentina e usava a página para postar imagens inócuas ou comunicados protocolares. Só no ano passado, já no Brasil, é que ele começou a tratar de política de uma forma mais constante.

 

A vinda ao Brasil

Em março de 2019, Wanming foi ao Palácio do Planalto para apresentar suas credenciais ao presidente Jair Bolsonaro, como determina o protocolo diplomático. Na ocasião, Bolsonaro (havia apenas dois meses no cargo) parecia estar otimista sobre a relação com a China.  “Vai melhorar com toda a certeza. Nós queremos nos aproximar com o mundo todo, ampliar nossos negócios e abrir nossas fronteiras”, disse o presidente.

 

Assim que assumiu o cargo, Wanming também articulou uma viagem de deputados do PSL à China, onde eles visitaram autoridades locais e tiveram contato com novas tecnologias. A ideia era construir pontes com o partido que, naquele momento, era o mais poderoso da República — com a segunda maior bancada na Câmara e a Presidência da República. No grupo estavam parlamentares bolsonaristas incondicionais, como Carla Zambelli (SP) e Daniel Silveira (RJ).

 

Meses depois, Wanming também esteve com o próprio Jair Bolsonaro na visita que o presidente fez à China em outubro de 2019, em uma comitiva que incluía os deputados Marcos Feliciano e Helio Negão. Parecia que as relações do embaixador com o novo governo iriam engrenar.

 

Em seus primeiros meses na capital federal, aliás, Wanming também se encontrou com Eduardo Bolsonaro, então presidente da Comissão de Relações Exteriores da Casa. Antes disso, havia sido recebido por Filipe G. Martins, na época assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais — e um crítico do regime chinês. A lista de autoridades do Executivo que já se reuniram com o embaixador, a propósito, é longa: inclui os ministros Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), Fernando Queiroga (Saúde), Paulo Guedes (Economia), Augusto Heleno (GSI), Ernesto Araújo (então no comando do Itamaraty) e o falecido Gustavo Bebbiano (Secretaria-Geral da Presidência).

 

Na maior parte dos casos, o tema dos encontros era a possibilidade de parcerias comerciais ou no campo da tecnologia. Hoje, entretanto, a figura do Executivo mais próxima do embaixador talvez seja a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que já se encontrou diversas vezes com o diplomata chinês. Faz sentido: aproximadamente um terço das exportações do agronegócio brasileiro têm a China como destino.

 

Wanming também tem um bom relacionamento com alguns governadores, como Ratinho Junior (PR), Helder Barbalho (PA), Ibaneis Rocha (DF) e João Doria (SP). Com Doria, a aproximação foi mais intensa em 2020, quando o Instituto Butantan passou a fabricar a vacina Coronavac em parceria com a companhia chinesa Sinovac.

 

Quem esteve com Wanming em uma dessas conversas não notou nenhum traço anormal de agressividade. Era mais provável que o interlocutor sentisse tédio do que raiva. Acima de tudo, o embaixador parecia mais interessado em abrir as portas para investimentos chineses no Brasil do que em opinar sobre política ou ideologia. Mas o tempo provaria que o relacionamento não era tão sólido assim. Durante a pandemia, a relação dele com o governo federal se desgastou.

 

A primeira briga de repercussão que Wanming arranjou no Twitter envolveu o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República. Foi em março do ano passado. Uma publicação Eduardo comparava a pandemia ao acidente de Chernobyl, e afirmava que os chineses estavam agindo como os soviéticos após o acidente nuclear: "Mais uma vez a ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria inúmeras vidas".

 

O comentário acendeu uma luz vermelha na representação chinesa em Brasília, que viu a publicação como um ataque à honra dos chineses. O português truncado de Wanming deu um certo tom cômico à resposta: “As suas palavras são um insulto maléfico contra a China e o povo chinês”, disse ele, pedindo uma retratação do parlamentar. Em seu perfil, a embaixada afirmou que o filho do presidente contraiu um "vírus mental".

 

Dali em diante, a postura mais incisiva do diplomata ficaria clara. Em 18 de julho deste ano, ele fez uma provocação que soou particularmente ofensiva aos cristãos: “Quem é Deus?  O Povo é Deus, é o povo que faz a história e determina a história”, escreveu ele.

 

Wanming também alfinetou o governo Bolsonaro ao replicar uma publicação do governo brasileiro que se referia a insumos chineses para a vacina meramente como "insumos do exterior". Ele sublinhou este trecho e acrescentou o seguinte comentário: ““Confúcio disse, feito para amigos, fiel à sua palavra”.

 

O embaixador também classificou Donald Trump — então um aliado importante do governo Bolsonaro — como "o grande humorista desavergonhado do mundo neste século". O ataque foi feito após o presidente americano se proclamar "o pai da vacina".

 

O embaixador também comemorou a prisão de Roberto Jefferson, aliado (agora, possível ex-aliado) de Jair Bolsonaro: “Lindo dia para todos!!!”, postou. Em pelo menos uma vez, ele mesmo recuou. Acabou desfazendo um retuíte que definia a família Bolsonaro como “o grande veneno desse país".

 

Outra postagem recente de Wanming foi vista como uma provocação por parte dos internautas: quando a seleção argentina venceu a Copa América contra o Brasil, em território brasileiro, o diplomata usou seu perfil no Twitter para comemorar o triunfo do time de Messi. A publicação irritou internautas brasileiros. Mas a verdade é que, fã de futebol, Wanming tem um apreço especial pela equipe alviceleste desde que morou na Argentina. A celebração até pode ser considerada legítima — embora, é claro, não deixe de ser provocativa.

 

Outro episódio prejudicou ainda mais a imagem do embaixador chinês. Em maio do ano passado, já depois que as relações com o governo esfriaram, Wanming enviou uma carta à Câmara pedindo que os deputados não parabenizassem Taiwan pela eleição de sua nova líder, já que o território faria parte da China como “um só país”. "Seria muito agradecido se a Câmara dos Deputados, no contexto do seu compromisso com o Princípio de Uma Só China, pudesse tomar as medidas necessárias e preventivas com vistas a conscientizar os deputados da sensibilidade de Taiwan, evitar gestos ou atitudes que possam ser prejudiciais ao Princípio de Uma Só China, como participar da posse referida, mandar mensagens de felicitação às autoridades de Taiwan, ou manter contatos oficiais com estas", pediu a embaixada, de forma nada delicada. O gesto foi recebido como um pedido descabido e uma descortesia.

 

A imagem de Wanming provavelmente não se beneficiou do fato de ele ter participado recentemente de um evento virtual promovido pelo PCdoB, o Partido Comunista do Brasil, para comemorar os 100 anos do Partido Comunista Chinês. "Aproveito para agradecer as mensagens e felicitações do PCdoB, do PT e outros partidos e organizações políticas do Brasil", disse ele, em mais uma mensagem entediante e burocrática. “Ao longo de 100 anos, o Partido Comunista da China tem conduzido o povo chinês à independência, à emancipação e ao progresso”, assegurou ele em sua participação.

 

No Instagram, o perfil de Wanming tem apenas duas publicações — ambas produzidas pela equipe da embaixada. Os comentários são, em sua grande maioria, de brasileiros inconformados com a postura do embaixador.

 

Casa em situação ilegal

Wanming despacha do prédio da embaixada em Brasília, em um prédio fortificado e cercado por muros altos com traços superficialmente orientais. Ele mora a seis quilômetros dali, em uma casa na beira do lago na QI (sigla para “Quadra Interna”) 12 do bairro Lago Sul, com ampla área verde, campo de futebol, piscinas (no plural) e um píer para pequenas embarcações. É a residência oficial do embaixador da China. O acesso se dá por uma rua pacata, sem saída e preenchida por mansões.

 

Problema: a residência do embaixador ocupa ilegalmente uma faixa de 30 metros à beira do lago que, por lei, deveria ser livre. Na residência oficial do embaixador, a área foi cercada por muros e abriga construções, como um espaço para orações. A área ocupada irregularmente é de cerca de 2.000 metros quadrados.

 

Há dez anos, uma sentença judicial determinou que as áreas ocupadas irregularmente fossem removidas. Com atraso, e gradativamente, o governo local vem aplicando a norma. Mas a residência do embaixador, considerada um território diplomático chinês, ficou de fora.

 

No começo de novembro, após contato da Gazeta do Povo, o Ministério Público do Distrito Federal informou que a decisão judicial continua em vigor, mas que o cumprimento da decisão no caso da embaixada depende do Ministério Público Federal. A Procuradoria da República no Distrito Federal, por sua vez, informou que o procurador responsável está com as informações em mãos para tomar uma decisão sobre o caso. O órgão não deu mais detalhes. A reportagem também procurou o governo do Distrito Federal para tratar do assunto, mas não obteve resposta. A embaixada tampouco respondeu os pedidos da reportagem.

 

Casado com Lu Yanliu e pai de um filho, Wanming passa a maior parte do tempo em casa, ao lado da esposa, quando não está em compromissos oficiais. Antes da pandemia, Lu era presença frequente em eventos sociais do círculo diplomático de Brasília. Ela também participava de projetos beneficentes, como a construção de espaços infantis em hospitais do Distrito Federal — financiados com recursos do governo chinês. Em alguns desses eventos, ela cruzou com a primeira-dama Michelle Bolsonaro. A interação foi cordial, mas superficial.

 

Quando pode, o embaixador da China no Brasil pratica um de seus hobbies favoritos: a fotografia. O próprio jardim de sua casa, decorado com duas esculturas representando veados, por vezes serve de estúdio ao ar livre. O local é frequentado por capivaras, garças e tartarugas — parte do pequeno ecossistema que sobrevive graças ao Lago Paranoá. É um hobby caro. Dentre as câmeras de Yang Wanming, está uma Canon 5D Mark III, com uma lente de 16-35 mm. Pacotes semelhantes não saem por menos de 25 mil reais. Quando o tempo permite, o recluso diplomata também sai pelas áreas abertas do Lago Sul, bairro nobre de Brasília onde vive, para caminhar e registrar cenas cotidianas - de preferência, da natureza.

 

Quem cruza com ele pelas ruas de Brasília custa a acreditar que aquele senhor de 57 anos, aparentemente inofensivo, não pensa duas vezes antes de provocar os poderes da República no Twitter. Sempre a serviço da cruel ditadura comunista chinesa.

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Adam Tooze strikes again: many, many books on the first globalization and the ascent of Germany

 

Chartbook #58: More reading on WWI 

some great suggestions 

Yesterday’s post about World War I has triggered a remarkable crop of suggestions from readers. They are so good I thought I would pass them on. 

It is holiday season after all. Perhaps there are one or two things here that folks might consider for xmas stockings etc. 

From Michael Pettis (with many thanks):

“I just read your excellent Urkatastrophe piece, Adam, and it occurred to me that you ought to read, if you haven’t, Charles Arthur Conant’s “The United States in the Orient: the nature of the economic problem” (1900). Conant was a well-known and highly influential (at the time) American economist, and along with Kemerrer the most famous of the “money doctors” of the late 19th and early 20th centuries. I often include him with JA Hobson as the leading proponent of the “excess savings”/imperialism thesis, except that while Hobson opposed imperialism, Conant embraced it. I mention his book because he discusses Russia and the Russian economy a great deal in the book, and his Russia isn’t a decrepit Russian on the edge of revolution but rather one of the most dynamic economies in the world and the only serious rival to US/UK dominance. There is a lot of other very interesting stuff in his book, but as I read your piece it was the comments on Russia that most made me think of Conant.” 

You can read it here, for free.

From Policy Tensor a typical hard-hitting riposte, which I in fact largely agree with. With more head space I would have expanded this point. 

The book this immediately brings to mind is this wonderful analysis of the global color line by Lake and Reynolds. 

A lovely reading list of World War I classic by J. Van Wyck

I agree with Erik Grimmer-Solem that I should have included his brilliant new book amongst the references of the blogpost. It really is highly recommended. 

It is part of a crop of relatively recent books about Germany and globalization that have finally shown the way out of the dead end that was the Sonderweg (special path) debate. 

Top of the list would be Dirk Bonker’s Militarism in a Global Age, a brilliant and eye-opening comparison of German and American navalism in the moment of high imperialism. 

From the economic side, Cornelius Torp’s work is crucial:

From the side of cultural and political history, Sebastian Conrad blazed a trail.

Andrew Zimmerman’s Alabama in Africa: Booker T. Washington, the German Empire, and the Globalization of the New South saw connections where no one had seen them.

Chris Manjapra connected imperial Germany to India

GREAT reading all of these. And there are no doubt many more one could add.

O estupro orçamentário agora é um processo "legal" e permanente - Editorial do Estadão

A constitucionalização da infâmia

A ideia de que a subversão da ordem jurídica e o abandono da âncora fiscal eram indispensáveis para ajudar os pobres é falsa, e os pobres pagarão por isso


Notas & Informações, O Estado de S.Paulo 

13 de dezembro de 2021 | 03h00 

O Congresso promulgou parte da PEC dos Precatórios. Convenientemente, foi deixada de fora a emenda aprovada pelo Senado que vincula os espaços fiscais adicionais exclusivamente a gastos sociais. O heterodoxo “fatiamento” coroa a manobra que nasceu antirrepublicana não só nos meios, como nos fins. 

Consolidou-se, não apenas no Planalto e no Congresso, mas em parte da opinião pública, a ideia de que o teto de gastos era um fetiche liberal insustentável. Ironicamente, posicionar-se contra a PEC do presidente que outrora vilanizava sistematicamente os programas de assistência social equivaleria a ser antipobre. Era preciso escolher o mal menor: ou o calote e a pedalada ou o abandono de milhões à miséria. Essa narrativa foi desmentida reiteradas vezes pelos especialistas em contas públicas. 

Não é apenas que o governo tenha negligenciado desde o princípio promessas obtusas da campanha que poderiam ter aliviado os pobres ou gerado espaço fiscal, como a implementação de uma tributação mais progressiva ou uma reforma administrativa que tornasse a máquina pública mais eficiente e menos onerosa. Nem que tenha ignorado propostas parlamentares projetadas para compatibilizar novos gastos sociais com a sustentação do arcabouço fiscal, como a PEC 182/19 ou o Projeto de Lei de Responsabilidade Social. 

O fato é que mesmo depois da pandemia, o governo ignorou pelo menos quatro alternativas sugeridas por sua própria equipe econômica para viabilizar o Auxílio Brasil sem furar o teto: revisar as despesas com abono salarial, com o seguro-defeso, com o seguro-desemprego ou com subsídios fiscais. 

A Instituição Fiscal Independente do Senado apontou que seria possível dobrar o valor dos auxílios fixados na proposta do Orçamento de 2022 com cortes nas despesas de custeio, a correção da contabilização dos precatórios do Fundef/Fundeb e o direcionamento de metade das emendas parlamentares para o social. 

Os senadores José Aníbal (PSDB-SP), Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentaram emendas que garantiriam R$ 99 bilhões ao social, podendo beneficiar 21 milhões de brasileiros com R$ 400 por mês. 

Há gente séria pensando no País. Todas essas propostas permitiram robustecer expressivamente os gastos sociais ao abrigo do teto. Mas justamente esse era o inconveniente. O teto foi projetado para forçar a arena política a debater e a avaliar sistematicamente os gastos públicos. Mas isso atenta contra os propósitos do governo e seus aliados fisiológicos: ampliar despesas sem economizar um centavo. 

Ao contrário, a pretexto de ajudar os pobres, o dinheiro dos cofres públicos e aquele “poupado” com o calote aos credores dos precatórios servirão para bancar, em ano eleitoral, mais emendas parlamentares (algumas tão escusas que chegaram a ser suspensas pelo STF), fundos partidários e eleitorais, benefícios corporativos (como bolsa-caminhoneiro) ou aumentos ao funcionalismo. Com o teto despedaçado, o céu é o limite. 

A PEC constitucionalizou não só o descumprimento de sentenças judiciais, mas, como disse o senador José Serra, o princípio do “orçamento-ficção”. Com a nova regra de cálculo da inflação (de janeiro a dezembro), o limite de gastos anual será determinado com base em estimativas. Os Orçamentos passarão a ser aprovados ao sabor de especulações. A cada ano, uma nova bomba fiscal. 

Ao constitucionalizar a subversão da ordem jurídica e consagrar a irresponsabilidade fiscal, a PEC impacta a credibilidade e a segurança jurídica do País, hipotecando seu futuro. A fatura não tardará a chegar e parte já está sendo paga. A bola de neve dos precatórios pode criar um passivo de R$ 850 bilhões até 2026. O custo para o Tesouro tomar empréstimos do mercado crescerá cada vez mais. Os juros previstos para os próximos 10 anos já estão em 12% ao ano. As chances de crescimento derretem a olhos vistos e uma crise social prolongada se desenha no horizonte. 

A amarga ironia é que justamente os pobres, que serviram de pretexto para toda essa patranha, serão os mais penalizados.


Após saída de Ernesto Araújo, Itamaraty busca controle de danos - Janaína Figueiredo (O Globo)

Mudou, sim, muita coisa na diplomacia, e o controle de danos começou dentre da Casa. Mas não se pode pedir que a diplomacia mude a política externa: esta é feita em outras esferas, com outras ferramentas, não apenas as do Itamaraty, que saberia conduzir uma boa diplomacia, ainda que pedestre e conservadora. Política externa é feita por líderes políticos e por decisores que detêm o poder real, o que não é o caso dos diplomatas, meros burocratas do Estado (não todos).

PRA


Após saída de Ernesto Araújo, Itamaraty busca controle de danos
Saída do chanceler em março enfraqueceu ala ideológica e abriu espaço para substituto, Carlos França, tentar recuperar credibilidade internacional do Brasil
Janaína Figueiredo
O Globo | Atualizado em 12/12/2021 - 13:06

Desde que Ernesto Araújo deixou o comando do Itamaraty, em março passado, os diplomatas brasileiros trabalham com a clara missão de fazer um controle de danos abrangente, que permita ao Brasil recuperar a credibilidade internacional. Como parte desse esforço, o Ministério das Relações Exteriores está mergulhado na preparação da presidência brasileira do G20, que começará em dezembro de 2023, no final do primeiro ano de mandato de quem for eleito em 2022. Será, afirmaram ao GLOBO fontes do governo, “uma oportunidade única para mostrar ao mundo que o Brasil está de volta”.

Ter a presidência do G20 — hoje com a Indonésia e posteriormente com a Índia — será, acrescentaram as fontes, “uma plataforma extraordinária para voltar a inserir o Brasil no cenário externo”. Numa agenda ainda preliminar de temas a serem defendidos pela presidência brasileira, à qual O GLOBO teve acesso, estão questões como meio ambiente, transformação digital, medidas anticorrupção, saúde, clima e energia.

Se governos passados tiveram eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 para exibir o Brasil, o futuro governo terá uma série de reuniões de ministros do G20 e, como momento culminante do ano de 2024, a cúpula de chefes de Estado e governo do grupo.

A saída de Ernesto e a entrada do ministro Carlos França no governo devolveram, em palavras de uma fonte diplomática, “a alma ao Itamaraty”. Desde a troca de ministros, os diplomatas brasileiros, acrescentou a fonte, “respiram melhor”. A diplomacia foi despolitizada, e membros da chamada ala ideológica do governo praticamente saíram de cena. O deputado Eduardo Bolsonaro, que deixou este ano a presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, está mais dedicado à campanha de reeleição do pai, o presidente Jair Bolsonaro. Com isso, o chanceler assumiu um controle quase total da política externa. França, que conhece e sabe lidar com os humores do Palácio do Planalto, comentaram as fontes consultadas, exerce uma “diplomacia serena e com visão de longo prazo”.

O esforço de reconstrução da imagem externa do Brasil foi evidente no envolvimento protagonístico do Itamaraty na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26). Muitos duvidam da capacidade do governo Bolsonaro de cumprir as metas e compromissos anunciados, mas é unânime o reconhecimento ao Ministério das Relações Exteriores por ter mostrado, de novo, uma diplomacia profissional, apegada às tradições do Itamaraty.

— É bom lembrar que nenhum representante do G20 veio à posse de Bolsonaro. A guinada da política externa é real, e veio depois da derrota de Donald Trump nos Estados Unidos e, também, de Benjamin Netanyahu, em Israel — afirma o professor de Relações Internacionais Mauricio Santoro, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Para Santoro, “a visão negativa sobre o Brasil se deve ao tratamento do meio ambiente, ao comportamento do governo na pandemia e ao declínio da democracia no país”. O embaixador Alfredo Graça Lima, vice-presidente do Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e árbitro do Mecanismo Provisório de Apelação da Organização Mundial de Comércio (OMC), lamenta que Ernesto “tenha sido escalado para desconstruir o Itamaraty”, e celebra que “França esteja procurando fazer, sem alarde, uma volta ao Itamaraty normal”.

Conselho de segurança
Em janeiro de 2022, o Brasil assume novamente uma vaga rotativa no Conselho de Segurança da ONU, de onde está ausente desde 2010, outra oportunidade que o Itamaraty de França aproveitará na cruzada pela reinserção do Brasil na comunidade internacional, ainda sob Bolsonaro.

— A ausência prolongada do país no conselho também está relacionada a erros dos governos do PT. O que França está fazendo vai facilitar a transição, porque o próximo presidente não terá de fazer ajustes que já estão sendo feitos — avalia o embaixador Rubens Barbosa, que chefiou as embaixadas de Londres (1994-1999) e Washington (1999-2004), e atualmente preside o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice).

A presença no conselho permitirá, assegura Barbosa, “fazer algumas correções e voltar a defender posições tradicionais do Brasil na ONU, entre elas a de não intervenção”.

Os novos ares que se respiram no Itamaraty permitiram a reaproximação do Brasil com países vizinhos e, em geral, a preservação da diplomacia em momentos de extrema polarização política, dentro e fora do Brasil. A escolha do país para presidir o G20 a partir de dezembro de 2023 (os mandatos são de um ano) ocorreu na reta final da gestão de Ernesto, mas fontes do governo confirmaram que o trabalho feito nos últimos meses, sem condicionamento políticos e ideológico algum, não teria sido possível sem a mudança de chanceler.

Sob coordenação do Itamaraty, vários ministérios do governo Bolsonaro estão elaborando uma agenda de prioridades para a presidência brasileira do G20 que já destaca, por exemplo, a reforma da OMC, redução de subsídios em todos os setores para fortalecer o comércio multilateral, desenvolvimento sustentável e a importância da bioenergia e de energias renováveis na transição energética dos países do grupo. No ministério, o homem do G20 é o embaixador Sarquis José Buainain Sarquis, secretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos e sherpa do Brasil (nome dado ao representante do chefe de Estado que prepara o país para cúpulas do bloco).

‘Refazer fontes de diálogo’
O controle de danos pós-Ernesto, enfatiza o embaixador Gelson Fonseca, diretor do Centro de História e Documentação Diplomática da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e conselheiro do Cebri, “deve ser feito em todos os foros multilaterais e para voltar a atuar é preciso refazer fontes de diálogo, mas, também, ter propostas”.

— Temos de ter capacidade de atuação e ideias. O que se espera nessa volta a sermos relevantes? Qual será nossa perspectiva de mundo? Como vamos nos encaixar na bipolaridade entre China e EUA? Controle de danos é se defender, mas o que vamos precisar, também, é propor uma agenda que nos faça novamente relevantes — frisa Fonseca.

Com Ernesto, o governo Bolsonaro escolheu um lado (os EUA de Trump) e praticamente se indispôs com grande parte do resto do mundo. O desafio é entrar novamente no jogo, com uma posição de peso, o que implicará a construção de uma nova agenda para a política externa brasileira.

A sensação no corpo diplomático estrangeiro em Brasília é de que o Itamaraty conseguiu começar a virar a página de pouco mais de dois anos nefastos para o país. As novas páginas, porém, ainda precisam ser escritas. Com França, um esboço está surgindo. Mas a real expectativa é o Brasil pós-eleição presidencial de 2022.

https://oglobo.globo.com/mundo/apos-saida-de-ernesto-araujo-itamaraty-busca-controle-de-danos-1-25315804