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segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Brasil: o que poderíamos ter feito melhor, como sociedade, e não fizemos? - Paulo Roberto de Almeida (Ordem Livre)

Brasil: o que poderíamos ter feito melhor, como sociedade, e não fizemos?

Bra
A pergunta do título deste ensaio é inerentemente subjetiva, pois ela expressa preferência por certas realizações nacionais, ou indica, justamente, uma frustração pela sua ausência; são “fatos da vida”, que nunca são de responsabilidade exclusiva de um grupo de pessoas, tampouco, apenas, de governantes do momento ou de “ocupantes” do atual governo (e até de governos passados). Perguntar o que uma nação poderia ter feito de melhor implica dispor de sua própria regra de referência, ou seja, um modelo ideal de sociedade que obviamente não é, nunca é, aquela em que estamos de fato vivendo e da qual participamos como trabalhadores, empresários, responsáveis políticos, artistas, representantes diplomáticos ou simples cidadãos.
Mas a questão pode também ser vista pelo lado objetivo, ou seja, examinar, no conjunto de possibilidades factíveis, comparativamente aferíveis com base nas experiências de outras sociedades, o que, exatamente, o Brasil poderia ter alcançado de melhor, como sociedade e como nação, e que não alcançamos por deficiências nossas, por obstáculos herdados de nossa formação histórica, por dificuldades da natureza ou do meio ambiente externo, enfim, tudo aquilo que poderíamos ter sido e que não conseguimos ser ou fazer. Isso não é difícil: basta coletar indicadores homogêneos e fiáveis de “felicidade” humana, ou seja, nível de renda, educação e disponibilidade de bens e serviços básicos (água potável, saneamento, transportes, comunicações, habitação salubre, segurança alimentar, segurança pessoal, emprego e seguro contra certas coisas desagradáveis – menos a morte e os impostos, claro).
Comparando a situação do Brasil com a de outros países, poderíamos, assim, constatar nosso ‘estado de felicidade relativa’, ou seja, quão mais próximos, ou mais distantes, estamos de países mais ‘felizes’, que são supostamente aqueles países que desfrutam desses serviços básicos em condições normais, onde a longevidade é maior e os riscos inerentes à existência humana foram diminuídos, ao máximo das possibilidades dadas pelo uso das tecnologias atuais (médicas, securitárias etc.). Ainda que se possa dizer, de modo até banal, que dinheiro não traz felicidade, é óbvio que sociedades de renda mais elevada conseguem, sim, satisfazer as necessidades elementares de seus cidadãos, e até provê-los de alguns “supérfluos necessários”.
Esse tipo de exercício comparativo é possível de ser feito, dada a abundância atual de dados. Mas não vou fazê-lo aqui, tanto por limitações de espaço como por ser aborrecidamente repetitivo com vários indicadores existentes no âmbito das Nações Unidas (IDH-PNUD, entre outros). O que eu poderia fazer seria uma exposição eminentemente pessoal sobre o que eu acredito que o Brasil poderia ser, e que ele ainda não é ou não consegue ser, por uma série de fatores “limitativos”. Mas eu sou relativamente otimista ao considerar que poderemos chegar nos objetivos fixados em uma ou duas gerações mais (dependendo do grau de dificuldade do objetivo em questão). O que segue, portanto, é a minha regra de "felicidade nacional", com todas as falhas que podem existir numa seleção subjetiva como a que agora faço.
Pois bem, poderíamos começar sendo um país, não de renda média, mas de alta renda, o que parece difícil no contexto latino-americano; mas já foi obtido no cenário asiático, pela Coreia do Sul, por exemplo, um país duas vezes mais pobre do que o Brasil em 1960, e que tinha sido colônia japonesa de 1905 a 1945 (considerada quase como nação escrava do então expansionismo militarista nipônico). O que os coreanos fizeram que não fizemos? Bem, antes deles, os próprios japoneses já tinham mostrado o caminho: educar a população, o que me parece básico, essencial mesmo. Este foi o nosso maior erro histórico, aliás um “pecado original”, posto que Portugal continuava a exibir muitos analfabetos até bem entrado o século XX.
Calculo que nosso atraso, do ponto de vista puramente quantitativo (ou seja, nossa taxa de escolarização) equivalia, vinte anos atrás, a algo como 150 anos em relação aos países precocemente educados (Alemanha e EUA, por exemplo). Concordo que ‘fechamos’ muito dessa lacuna quantitativa; mas se formos considerar a qualidade da educação, minhas conclusões teriam de ir do ruim ao catastrófico. Infelizmente, vai demorar uma ou duas gerações para consertar, mas apenas se corrigirmos os métodos, que continuam errados, o que está longe de ser garantido atualmente. Acredito, aliás, que continuaremos patinando nesse particular. Isso é complicado, pois da boa educação depende tanto uma distribuição de renda mais equânime, como o crescimento da produtividade do trabalho, base do desenvolvimento social. Ponto negativo neste quesito, portanto.
Se a despeito disso tudo conseguirmos, ainda assim, aumentar a renda nacional (e distribuí-la, vale lembrar), teríamos ipso facto resolvido várias das necessidades básicas apontadas acima, o que envolve, mais do que dinheiro, organização (pois recursos sempre existem, no Brasil ou no exterior). Aumentar a renda implica em crescer mais rapidamente, o que já fizemos no passado (com base em investimentos nacionais e estrangeiros e em uma razoável organização estatal); não conseguimos fazer isso agora, justamente pela ausência de investimentos e pela má organização do estado (que está exatamente na origem da falta de recursos para investimentos produtivos: o estado gasta demais, e consigo mesmo). Outro ponto negativo, infelizmente.
Poderíamos, talvez, ter um estado menos gastador e mais investidor. Isso depende, basicamente, das lideranças políticas e das organizações partidárias. Nesse aspecto, tenho de ser novamente pessimista, pois não acredito que consigamos ter, em prazos razoáveis, uma melhor qualidade da administração, conhecendo-se a atual composição da classe política e seus reflexos no Congresso e no Executivo (mas o Judiciário não se apresenta de modo muito melhor). Melhorar a classe política depende basicamente de educação da população, que acredito continuará rudimentar no futuro previsível (basta assistir, por exemplo, aos canais abertos de televisão).
Esse problema está associado à corrupção na máquina pública, e fora dela, posto que a sociedade procura se defender das disfuncionalidades do setor público (em matéria "extrativa", por exemplo), criando um "universo paralelo", qual seja, a economia informal e a cultura do "jeitinho". Essas duas “peculiaridades” brasileiras tornam especialmente difícil alcançar aquele requisito da boa governança que os economistas reputam importante para fins de redução de custos de transação e para permitir uma maior taxa de crescimento. Não gostaria de ser novamente pessimista, mas tenho de consignar mais esse ponto negativo.
Finalmente, poderíamos ter feito melhor em direitos humanos e em cidadania, dois aspectos cruciais de um quadro social notoriamente lamentável no Brasil. Não vamos dourar a pílula: conseguimos fazer (quase) tudo errado, desde o início. José Bonifácio, por exemplo, foi derrotado em seu projeto constituinte de extinguir o tráfico imediatamente e a escravidão em médio prazo, substituindo-os pela imigração em massa de camponeses europeus; Joaquim Nabuco foi outro derrotado, em seu projeto de abolição imediata, e sem indenização, seguida de ampla reforma agrária e da educação dos libertos (elementar e técnica). Os reformadores educacionais dos anos 1930 não conseguiram, de fato, universalizar o ensino como seria desejável, aliás necessário, para o Brasil tornar-se uma república digna do nome; registre-se, por pertinente, que até hoje a educação padece de um excesso de pedagogas “freireanas” e de sindicalistas “isonômicos”, e de carência de administradores sensatos e racionais, buscando resultados pelo mérito, não pela ideologia. Não um, mas vários pontos negativos aqui...
Tivemos, também, outras derrotas monumentais, em outras áreas: Mauá não conseguiu mobilizar para o empreendedorismo e a meritocracia uma sociedade renitentemente escravocrata, prebendalista e cartorial; Monteiro Lobato lutou, mas falhou em implantar aqui o tipo de industrialismo fordista, que ele reputava ser a chave do sucesso americano; os empresários urbanos se acostumaram (mal) aos favores e finanças do estado (ou seja, o seu próprio dinheiro), concordando com um dirigismo persistente que cobra o seu preço na extorsão tributária generalizada; os atuais capitalistas do campo têm a maior dificuldade em expandir o agronegócio, num ambiente político dominado pela hostilidade ao setor, feito de invasões não reprimidas pelo estado, que aliás, se mostra propenso a gastar os recursos da sociedade numa “reforma agrária” tão inútil quanto regressista.
Não é preciso lembrar, ademais, que construímos a inviabilidade matemática da Previdência pública, ao praticar uma generosidade com certas categorias de aposentados – todas no setor público – que é desconhecida em qualquer pais razoável. Também teimamos em satisfazer necessidades privadas – a tal de “inclusão digital”, por exemplo – por meio de programas públicos, que desviam recursos da própria sociedade, que saberia dar melhor destino ao seu dinheiro (inclusive comprando computadores e assinando provedores de internet, se eles fossem justamente mais baratos, sem a carga impositiva que o governo impõe) se ele não fosse canalizado compulsoriamente para um estado famélico e ineficiente. Enfim, temos vários, inúmeros problemas nacionais e, curiosamente, nenhum deles se relaciona com a exploração estrangeira e a dominação "imperialista", como gostam de apregoar certos espíritos ingênuos ou mal informados. Todos eles, sem exceção, são problemas made in Brazil, e é aqui que teremos de resolvê-los, se quisermos, justamente, responder à questão colocada no título deste ensaio. Acredito que conseguiremos, no médio prazo; apenas não me perguntem o que considero médio prazo...

* Publicado originalmente em 04/10/2010.

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