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quarta-feira, 8 de abril de 2009

1060) O Brasil e o G20 financeiro, Cristiano Romero (Valor)

O Brasil e o G-20
Cristiano Romero
Valor Econômico, 08/04/2009, p. A2

A principal vitória do Brasil e dos outros países emergentes na reunião de cúpula do G-20 foi a consolidação do grupo como o foro central de deliberação sobre temas econômicos e financeiros internacionais. O G-20, ao contrário do que ocorreu no passado, tomou decisões concretas, demarcando sua importância para o mundo num momento de crise aguda. Trata-se de um foro muito diferente daquele criado há dez anos, sob a inspiração e a liderança do então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton.

O G-20 original foi criado na esteira das crises asiática, russa e brasileira, com o propósito de dar lições aos países emergentes para que eles não entrassem novamente em enrascadas financeiras. Realizadas no nível dos ministros das Finanças, as reuniões eram sonolentas e improdutivas. Os países ricos fingiam que ensinavam alguma coisa e os emergentes fingiam que aprendiam. O resultado prático era algo próximo de zero.

Nos anos seguintes ao de criação do G-20, nações emergentes adotaram suas próprias estratégias para enfrentar possíveis crises. Puseram em prática políticas de austeridade fiscal, controlaram a inflação, estimularam exportações e acumularam reservas cambiais. Na prática, procuraram se ver livres das vulnerabilidades que fizeram suas economias irem a pique nos anos 90. No ano passado, com a falência do banco americano Lehman Brothers, o jogo mudou radicalmente. Dessa vez, não foram os países emergentes que se enroscaram numa crise financeira, mas as economias centrais do capitalismo.

Antes mesmo do início da fase mais aguda da crise atual, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, percebeu que o foro foi posto em situação marginal no processo decisório internacional. O ministro, e esse mérito deve ser creditado a ele, iniciou um esforço pessoal para mudar a natureza do G-20. Sua primeira tentativa fracassou - Mantega propôs a seus colegas, em meados do ano passado, que o G-20 realizasse uma reunião extraordinária para debater a crise dos preços dos alimentos e de energia.

O mundo precisou sentir o abalo do setembro negro de 2008 para que os líderes dos países mais ricos se sensibilizassem. Eles perceberam que, sem coordenação com os países emergentes, seria muito mais difícil sair desta crise. Em outubro, Mantega presidiu a reunião à qual o então presidente dos Estados Unidos George W. Bush decidiu comparecer, em Washington, mostrando à opinião pública internacional que, dali em diante, o G-20 passaria a ser um foro relevante.

Naquele encontro, Mantega criticou a falta de flexibilidade da organização, propôs a realização de mais encontros ministeriais e, o mais importante, defendeu que o foro passasse a ter reuniões de cúpula para, assim, exercer plenamente seu papel. A proposição foi aceita e, no mês seguinte, realizou-se, novamente em Washington, o primeiro foro de líderes do G-20, que, por sua vez, agendou o encontro de Londres, ocorrido semana passada. O esforço do ministro deu certo - só se consolida um grupo dessa natureza se ele se estabelece como parte do calendário das lideranças mundiais.

Na cúpula de Londres, a delegação brasileira trabalhou para que a próxima reunião de líderes constasse do comunicado, o que efetivamente aconteceu, embora sem a fixação de uma data - acertou-se apenas que ocorrerá antes do fim do ano. A questão agora é decidir o local. Como a primeira cúpula se deu nas Américas e a segunda na Europa, há um clamor para que a próxima seja realizada na Ásia (possivelmente, no Japão) ou na Oceania (Austrália).

Esta não é, definitivamente, uma luta vencida. Há no G-8, o grupo dos sete mais ricos acrescido da Rússia, países que se sentem mais confortáveis com o formato mais restrito. Daí, o interesse do Brasil em institucionalizar o G-20 no curto prazo. Reuniões bem-sucedidas como a de Londres cumprem esse papel, mas há desafios.

Houve avanços nos quatro principais temas da reunião do G-20 em Londres - incentivos econômicos para enfrentar a crise; fluxos financeiros para países emergentes e em desenvolvimento; regulação e supervisão do sistema financeiro; e reforma da governança mundial. Foi no quarto tema, no entanto, onde o ceticismo deu lugar a decisões concretas.

Consolidou-se, por exemplo, a data de abril de 2010 para a conclusão da reforma de voz e representação dos países no Banco Mundial, um objetivo pelo qual o Brasil sempre se bateu. Definiu-se janeiro de 2011 como o prazo limite para a conclusão da revisão de cotas, capital e voz no Fundo Monetário Internacional (FMI), outro objetivo perseguido desde sempre pelos brasileiros. Ampliou-se o "Financial Stability Forum", agora rebatizado para "board" (diretoria), com a inclusão de todos os integrantes do G-20, além da Espanha. O FSB, sua nova sigla, vai monitorar a economia mundial e recomendar medidas para enfrentar desequilíbrios.

Foram ampliados também o Comitê de Basiléia de Supervisão Bancária, do qual o Brasil passou a fazer parte, e o Comitê Técnico da Iosco, entidade que reúne os reguladores dos mercados de ações e títulos. Isto, sem falar no fortalecimento financeiro do FMI, uma medida importantíssima neste momento de crise de liquidez em vários países e mercados. Todas essas mudanças ocorreram tendo como referência temporal a reunião de cúpula do G-20, que, com isso, tende a se institucionalizar.

O dia em que o Brasil disse não ao FMI
Na véspera da decisão do governo mexicano de recorrer ao FMI, o governo brasileiro foi procurado por autoridades americanas, do Fundo e do México. Elas tentaram persuadir o presidente Lula a também recorrer à nova linha de financiamento do FMI, mais flexível e sem as inúmeras condicionalidades do passado. A ideia era mostrar que o país que buscasse a nova modalidade de crédito não seria ser malvisto pelo mercado. Lula rejeitou a "oferta". No passado, quem se fez de rogado à sedução (para usar a CCL, linha de crédito contingente) foi o México...

Cristiano Romero é repórter especial em Brasília e escreve às quartas-feiras

Um comentário:

Gustavo Tenório Trancoso Viana disse...

Ao meu ver fica claro a proposta dos EUA em querer exportar sua crise para regiões em desenvolvimento. Será que este crédito vem para ajudar ou para estagnar de vez economias em desenvolvimento a longo prazo?