O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Fenix diplomatica: retirando um texto (PRA) do limbo

De vez em quando, por puro acaso -- OK, OK, com uma pequena ajuda do Google Alert, um instrumento indispensável para quem, como eu, não quer perder nada, e que mantém uma obsessiva mania de se informar sobre tudo, o tempo todo -- eu "tropeço" com algum texto meu, perdido nos escaninhos sempre surpreendentes da internet e dos blogs informativos (e alguns opinativos, também).
Raramente meus inimigos -- e os tenho, muitos, eu sei -- transcrevem um texto meu, obviamente por estar em oposição completa ao que eles gostariam de ler, e não encontram, para maior frustração dos AAs. Esses só escrevem comentários maldosos em meus posts, geralmente de caráter puramente adjetivo, para corrigir alguma falha ortográfica minha, ou para dizer que os companheiros, pegos em alguma falcatrua material ou pilantragem subintelectual, também têm predecessores, e aí sempre vem uma denúncia barata contra o Ancien Régime tucanês...
Mas, os amigos e seguidores -- e acho que também os tenho -- acabam compensando esses pequenos desprazeres da vida cibernética, transcrevendo algum escrito meu.
O que vai abaixo está um pouco atrasado, pois é do último trimestre de 2010, logo depois das eleições presidenciais, e nele eu arriscava algumas previsões sobre nossa diplomacia pós-mito, pós-NuncaAntesNestePaís, pós várias coisas, enfim,
Surpreso pelo "atraso" da transcrição, ainda assim acho útil que ele venha publicado agora num blog -- RI, Relações Internacionais -- que até aqui eu desconhecia, pois isso me permite confrontar algumas de minhas "previsões imprevisíveis" com o que efetivamente se passou, Wie es Eigentlich gewesen, como diria Leopold Ranke (um historiador alemão do século XIX, para os que não sabem).
Agradeço, de toda forma, aos responsáveis, por lembrar-me de um texto do qual eu mesmo não mais me lembrava. Enfim, coisas da hiperprodutividade (um mal que não corre o risco de atingir o governo brasileiro, por exemplo...).
Enfim, divirtam-se, apontando vocês também o que se confirmou e o que não se confirmou nestas minhas previsões sobre a diplomacia pós-tudo...
Paulo Roberto de Almeida

A diplomacia brasileira numa nova conjuntura política

A crer nas declarações, após o 31 de outubro de 2010, do presidente Lula, responsável inquestionável pela vitória eleitoral da candidata oficial Dilma Rousseff, o novo governo será constituído e conduzido à imagem e semelhança da presidente eleita. Ele também negou que vá ter, pessoalmente, qualquer influência sobre as decisões de governo a partir de 2011.
A despeito dessas declarações, é provável que o novo governo conserve, grosso modo, as grandes linhas seguidas durante os dois mandatos do presidente Lula, o que foi aliás confirmado pela candidata eleita, que pautou sua campanha como estando marcada pela continuidade das mudanças empreendidas desde 2003. A rigor, a afirmação vale tanto para a economia e para as políticas sociais, que respondem por grande parte do sucesso do mandato que se encerra, quanto para a política internacional do Brasil e suas relações diplomáticas, de modo geral, terreno no qual as avaliações são mais circunspectas.
Crédito da imagem Lisa Henderling

Partindo, justamente, do pressuposto de que a base política do novo governo se manteve, e até se reforçou, como resultado das eleições de outubro de 2010, bem como da possibilidade de que o principal artífice pela vitória de Dilma nestas eleições pretenda, em função de projetos políticos futuros, manter-se ativo no “mercado de consultoria presidencial”, é possível, assim, vê-lo articulando contatos e iniciativas que compreendam a frente interna, mas que também alcancem, de algum modo, a esfera diplomática. Independentemente, porém, desse tipo de interface operacional, aparentemente inevitável nas circunstâncias que cercaram o mais recente escrutínio presidencial – a mais de um título inédito na história política nacional –, a força do cargo, quando assumido plenamente, e características pessoais ligadas a cada uma das personalidades citadas, fazem com que se venha a assistir, necessariamente, um cenário bastante diferente daquele registrado nos últimos oito anos.
Peculiaridades especiais na forma de conduzir os assuntos de Estado, seja na frente interna, seja no âmbito externo, assim como simbologias ligadas a histórias de vida diferentes, sustentam o diferencial que pronto se observará. Dificilmente se poderá reproduzir, por exemplo, o protagonismo de Lula nos foros internacionais e nas relações bilaterais (em especial na África), assim como não se deve assistir novamente às suas formas especiais de interlocução, mais baseadas no instinto e no gosto da improvisação, do que propriamente no seguimento dos cânones burocráticos tradicionalmente ligados à figura presidencial. Assim, mesmo deixando de lado escolhas funcionais quanto ao novo titular da chancelaria – se de carreira ou não, de um ou outro gênero, como especulado abundantemente na imprensa – o mais provável é que a nova presidente imprima suas preferências pessoais e suas prioridades políticas à diplomacia que lhe caberá comandar a partir de 1o. de janeiro de 2011. Nessa área, porém, o peso da continuidade costuma ser maior do que no campo das políticas internas, inclusive porque a agenda vem em grande parte “pronta” do exterior. Alguns temas encontram-se inclusive na ordem do dia, como é sempre o caso nesse tipo de atividade, a exemplo dos que serão examinados a seguir.
Das três grandes prioridades do governo Lula na frente diplomática, não se pode dizer que alguma tenha sido encaminhada a seu termo lógico ou a resultados exitosos do ponto de vista do Brasil: o ingresso do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas, por exemplo, encontra-se no terrenos das possibilidades difusas, e assim promete permanecer no futuro indefinido, ainda que ostatus do Brasil, como ator de relevo no cenário internacional, seja hoje amplamente reconhecido; as negociações comerciais multilaterais, por sua vez, devem se arrastar penosamente por pelo menos mais um ano inteiro, completando assim um ciclo frustrante de dez anos de tergiversações, mas sempre com o ativo envolvimento do Brasil em todas as fases e configurações negociadoras; a integração sul-americana, finalmente, caminha num ritmo ambíguo, com muitas iniciativas no plano político, mas resultados menos seguros nos terrenos econômico e comercial (que deveriam ser, aliás, a base da integração). Todos esses temas serão retomados pela nova administração, que talvez queira imprimir novas características às demandas e ofertas brasileiras nos diferentes capítulos e frentes de negociação. Vários dos itens na agenda, não dependem, a rigor, da postura brasileira, já que cada um deles, em seus contextos respectivos, carregam o peso de interesses muito diversificados por parte dos principais parceiros envolvidos.
No plano da governança global, os avanços continuam sendo muito lentos ou frustrantes: meio ambiente, coordenação econômica internacional, segurança e terrorismo, constituem, por sinal, temas que transcendem a tradicional postura Norte-Sul, que, segundo certas visões maniqueístas, dividiria o mundo em países desenvolvidos, de um lado, e em desenvolvimento, do outro. Não se pode dizer, assim, que a ênfase na diplomacia Sul-Sul que caracterizou o governo Lula tenha as respostas e o formato adequados ao encaminhamento de todos esses temas inscritos na ordem do dia das negociações internacionais, tanto porque alguns dos supostos aliados na causa do desenvolvimento podem perfeitamente exibir posturas protecionistas e subvencionistas que confrontam diretamente nossos interesses exportadores agrícolas, entre outros exemplos. Assim, algum pragmatismo na formação de coalizões negociadoras é sempre recomendável.
Em temas como o da integração regional, qualquer observador isento pode constatar a imensa distância que existe entre um modelo tradicional de liberalização comercial e de abertura econômica – que deveria situar-se, lógica e necessariamente, na base de qualquer processo “normal” de integração baseado em clássicas vantagens ricardianas – e um outro “modelo”, de caráter mercantilista, dirigista, estatizante e politizado, avesso ao capital estrangeiro e aos sistemas de mercados, como o que vem sendo impulsionado por alguns países na região. Assim, dificilmente se poderá dizer que o Mercosul sairá reforçado ou dotado de maior coerência intrínseca ao integrar novos membros que de fato perseguem um modelo situado nas antípodas do que se entende normalmente por integração econômica.
Em temas essencialmente políticos, talvez se tenha, igualmente, de proceder a uma revisão de conceitos, a partir de questionamentos que surgiram quanto à postura brasileira em matéria de direitos humanos, por exemplo. Observadores da área, em geral representantes de ONGs humanitárias, não deixaram de observar – e alguns interlocutores até  a questionar concretamente votos brasileiros nos foros pertinentes –  a mudança de postura do Brasil em diversas ocasiões que envolveram resoluções críticas em relação a países reconhecidamente violadores dos direitos humanos, a pretexto de “não politização” desses temas e de uma preferência pelo “diálogo direto”. Causou especial constrangimento, nessas áreas, visitas e palavras amigáveis dirigidas pelo presidente Lula a dirigentes desses países, que são os mais visados pela comunidade internacional envolvida na proteção dos direitos humanos e na defesa das liberdades democráticas de maneira geral.
Em qualquer hipótese, a presença do Brasil cresceu enormemente no cenário internacional nesses anos de intenso protagonismo político e de uma ativa diplomacia presidencial, a um ritmo que talvez seja difícil de manter para personalidades menos carismáticas ou menos suscetíveis de manter a credibilidade nacional em situações de ambiguidade em face dessas questões de direitos humanos ou de clara seletividade no tratamento do princípio de não-intervenção. Amizades ostensivas com personalidades autoritárias e relações políticas com países vistos com desconfiança pela comunidade internacional – geralmente pelas mesmas razões, acima apontadas, que preocupam entidades voltadas para os direitos humanos e as liberdades democráticas – podem até se inscrever na lógica política de partidos cujos instintos primários se situem nessa tradição filosófica antidemocrática, mas certamente não contribuem para elevar a reputação moral de um país ou de seus dirigentes.
Finalmente, a questão das parcerias seletivas certamente ganharia em ser vista menos do lado do antihegemonismo instintivo, com alguns laivos de anti-imperialismo démodé, e mais pelo lado pragmático dos benefícios que possa trazer uma cooperação bilateral fundada em critérios de excelência, independentemente de suas coordenadas geográficas. Para todos os efeitos práticos, fases de transição política são sempre carregadas de incerteza quanto ao itinerário futuro, mas nunca se pode excluir boas surpresas com base na renovação de quadros e de políticas.
Paulo Roberto de Almeida é Doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas (1984); diplomata de carreira do serviço exterior brasileiro desde 1977; professor de Economia Política Internacional no Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de Brasilia – Uniceub; autor de diversos livros de história diplomática e de relações internacionais (www.pralmeida.org – pralmeida@mac.com).

Nenhum comentário: