Recentemente, um aluno universitário que deve ter sido a vítima inocente de lições (lições??!!) mal dadas por algum professor universitário certamente convencido da perversidade do neoliberalismo e das benesses e bondades do dirigismo estatal e do protecionismo comercial, escreveu-me para criticar-me por algo que não fiz, mas que teria feito com prazer se colocado na mesma situação: uma resenha sobre um livro do economista coreano de Cambridge Ha-Joon Chang, um convertido tardio a outras más lições: as do cepalianismo prebischiano requentado dos anos 1950 e as do antineoliberalismo vulgar que começou a soterrar corações e mentes de milhares de universitários a partir dos anos 1990, quando se acreditava nessas más academias que o neoliberalismo e um suspeito complô dos autores do Consenso de Washington eram os responsáveis pelos fracassos, frustrações e pelo não desenvolvimento de nações em desenvolvimento, entre elas e principalmente as da América Latina, que nessa versão simplificadora e mistificadora teria sido impedida de se desenvolver pelos mesmos vorazes capitalistas centrais que a exploram há mais ou menos 500 anos.
Como ele me criticou pelo que não fiz, vou fazer o que ele não fez, e que pode ter escapado aos leitores dos muitos blogs que mantenho. Um deles é dedicado apenas a resenha de livros, e lá anda um pouco esquecido.
Portanto, vou postar aqui a resenha de Rodrigo Constantino de um dos livros desse mau economista que é Ha-Joon Chang, não sem antes esclarecer sobre um artigo meu, que desmantela suas pretendidas "lições" de história econômica:
Paulo Roberto de Almeida:
Falácias acadêmicas, 5: o mito do complô dos países ricos contra o desenvolvimento dos países pobres
Brasília, 21 janeiro 2009, 11 p. Continuação da série, tratando desta vez das teses do economista Ha-Joon Chang.
Espaço Acadêmico (n. 93, fevereiro 2009; arquivo em pdf);
Aqui vai a resenha de Rodrigo Constantino, já postada em outro blog meu:
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O Mito do Protecionismo Esclarecido
Rodrigo Constantino
Uma coletânea de falácias econômicas. Assim pode ser resumido “Maus Samaritanos”,
o novo livro do economista de Cambridge Ha-Joon Chang, que é também o autor de
“Chutando a Escada”. Ele tomou emprestada essa expressão de Friedrich List, o
economista do século XIX que defendia o nacionalismo mercantilista. O novo
livro de Chang ataca o livre comércio e defende o protecionismo estatal,
através tanto de subsidies como de tarifas alfandegárias. O prefácio da edição
brasileira foi escrito por Luiz Carlos Bresser-Pereira, que foi ministro das
Finanças durante o governo Sarney e adotou o congelamento de preços como meio para
combater a inflação galopante. Bresser denomina a estratégia pregada por Chang
de “novo desenvolvimentismo”. Na verdade, trata-se do velho mercantilismo de
List.
A principal tese do livro é que os países atualmente
desenvolvidos chegaram neste patamar de desenvolvimento graças ao protecionismo
estatal, e não ao livre comércio. Uma vez no topo, eles pretendem “chutar a
escada” e impedir o acesso aos demais países pobres. Contam com um grande e
poderoso aparato de economistas neoliberais – os “maus samaritanos” – para
defender essa estratégia. Assim, a privatização, a redução da burocracia, um
banco central menos politizado, a meta de inflação, a abertura comercial e o
equilíbrio orçamentário do governo seriam medidas prejudiciais aos países
pobres, defendidas pelos neoliberais por auto-interesse ou ignorância. A
“Trindade Profana”, representada pelo FMI, OMC e Banco Mundial, seria o
principal mecanismo para derrubar essa escada de acesso ao desenvolvimento.
O desenvolvimentismo de Chang é muito similar ao
nacionalismo de List, economista que representava o oposto daquilo que Adam
Smith defendia. Contra a “mão invisível” do mercado, seria necessária a “mão benevolente”
do governo. O protecionismo de Chang é o mercantilismo com um véu novo.
Retirando o eufemismo, resta o velho dirigismo estatal, a crença de que o
Estado deve assumir a locomotiva do desenvolvimento econômico. Friedrich List
já dizia que somente onde o interesse dos indivíduos estivesse subordinado ao
da nação, haveria desenvolvimento decente. A nação era vista como um ente
concreto, com desejos e interesses, que justificavam inclusive o sacrifício dos
indivíduos. Quem saberia dizer quais os verdadeiros interesses da nação? Com
certeza, os “sábios”, entre eles List. A glória futura da nação valeria mais
que tudo. Nesse aspecto ao menos, Hitler não foi muito criativo.
O nacionalismo de Chang parece um marxismo exportado para
nações. Os países ricos exploram os países pobres. Portanto, as regras do jogo não
podem ser iguais. Seria injusto, segundo o autor, tratar da mesma forma países
desiguais. Os países ricos deveriam aceitar o protecionismo dos mais pobres sem
reclamar, pois são mais ricos. Justiça, por esta ótica, é garantir um tratamento
diferencial com base na renda. Um dos problemas disso é que o protecionismo não
beneficia os países pobres, mas sim alguns grupos ricos desses países, à custa do
restante do povo. É análogo ao próprio marxismo dentro de cada nação: atacar os
mais ricos não favorece os mais pobres, e sim o contrário. Outro problema desse
raciocínio é que o protecionismo seria, então, desejável dentro da nação
também. Cada estado deveria proteger suas indústrias para garantir seu
desenvolvimento. A lógica poderia continuar: cada bairro deveria fazer o mesmo,
para estimular seu desenvolvimento. Afinal, o que há de tão especial no
conceito de nação? No extremo, acaba-se na conclusão de que a auto-subsistência
do indivíduo pode ser desejável.
Chang parece confundir correlação com causalidade. Ele cita
que fases protecionistas e com intervenção estatal forte apresentaram bons resultados,
enquanto reformas neoliberais geraram crises. A falácia desse raciocínio é que
o crescimento desenvolvimentista apenas hipotecou o futuro. O autor chega a
defender abertamente essa política, quando afirma que “faz sentido para um país
em desenvolvimento ‘emprestar das gerações futuras’, assumindo déficits orçamentários
para investir por seus próprios meios no presente e, portanto, acelerar o
crescimento econômico”. Após uma era de crescimento artificialmente criado pelos
gastos estatais sem lastro, um duro ajuste se faz necessário. Mas Chang prefere
condenar o termômetro pela febre. Ele ataca os sintomas expostos pelo livre mercado,
em vez das causas plantadas pelo desenvolvimentismo. Não obstante essa falácia
estatística, resta questionar qual país não está em desenvolvimento. O autor
trata os países mais desenvolvidos como países que chegaram ao patamar máximo
de desenvolvimento, e não mais tivessem que se desenvolver.
O autor defende até mesmo os programas de substituição das importações,
que nos remete ao caso brasileiro da “Lei da Informática”, que condenou o país
ao atraso tecnológico. Como pode ser bom para o desenvolvimento de uma economia
comprar verdadeiras carroças pelo preço de uma Ferrari? Chang defende ainda que
uma inflação de até 40% ao ano pode ser desejável. Ele afirma: “A inflação baixa
e a prudência do governo podem ser prejudiciais ao desenvolvimento econômico”.
Dificilmente um brasileiro poderá concordar com isso, se tem alguma memória.
O caso da Coréia, terra natal de Chang, é freqüentemente
citado no livro. Fica a impressão de que o protecionismo comercial seletivo e a
clarividência do governo foram responsáveis pelo sucesso relativo do país, e
não a maior abertura comercial e o investimento na educação, respeitando-se a
meritocracia. As falhas do modelo coreano acabam transformadas pelo autor nas
causas do sucesso. Nenhuma vez é citada no livro a palavra “chaebols”, por
exemplo. O autor fala da ajuda estatal à Samsung, mas esquece que os grandes
conglomerados ajudados pelo governo estiveram no epicentro da grande crise de
1997. O modelo da Coréia deu certo a despeito do protecionismo, não por causa
dele.
Outra falácia comum praticada pelo autor chama-se non
sequitur: de premissas verdadeiras, ele conclui coisas que não seguem delas. Se
há protecionismo nos países desenvolvidos, então ele é causa do sucesso, afirma
Chang. No livro, “aprendemos” que Taiwan, Cingapura, Irlanda, Estados Unidos,
Inglaterra e Suíça são exemplos de sucesso do protecionismo esclarecido, e que
Argentina, Brasil e Rússia são casos de fracassos do neoliberalismo. Quanta
inversão!
O autor afirma que o livre-comércio pode trazer benefícios
no curtoprazo, mas condena o país pobre no longo prazo. É justamente o contrário:
proteger empresas nacionais pode gerar algum ganho artificial no curto prazo,
mas sacrifica o desenvolvimento do país no futuro.
Como todo desenvolvimentista, o autor se coloca sempre do
lado do poder. Ele parece acreditar que um “déspota esclarecido” irá decidir qual
protecionismo é desejável, e tomar medidas sempre com o “bem-comum” em mente. O
governante será clarividente e honesto, uma espécie de “rei filósofo” platônico.
Chang chega a afirmar: “O desenvolvimento econômico requer pessoas como
Henrique VII, que constroem um futuro novo, em vez de pessoas como Robinson
Crusoé, que vivem o dia de hoje”. Em outras palavras, os indivíduos não
conseguem, através da sua liberdade, gerar desenvolvimento econômico por conta própria.
Eles precisam da sabedoria dos governantes, sob o auxílio dos conselheiros,
Chang incluído. A arrogância vem à tona quando o autor diz: “O comércio é
simplesmente muito importante para o desenvolvimento econômico para ser deixado
por conta dos economistas do livre-comércio”. Ou seja, o comércio não deve ser
livre, mas sim controlado pelos economistas “esclarecidos”, os
desenvolvimentistas, como o próprio Chang. Apenas eles sabem quais são os
“interesses da nação”, e estão dispostos a sacrificar seus próprios interesses
por este fim.
O paternalismo está presente na mentalidade
desenvolvimentista também. O governo é o pai que ama seu filho – o povo, e que
irá cuidar dele. De fato, Chang usa a analogia para defender o protecionismo
das “empresas nascentes”, alegando que cuida de seu filho de seis anos, protegendo-o
da concorrência até sua maturidade. Getúlio Vargas, o “pai dos pobres”, não
faria uso de uma metáfora diferente. De fato, esses paternalistas são mesmo os
“pais dos pobres”, já que suas políticas costumam parir muita pobreza.
Em um abuso da linguagem orwelliana, Chang chega a afirmar
que, “paradoxalmente, a política de livre-comércio reduz a liberdade dos países
em desenvolvimento que a praticam”. Bota paradoxo nisso! Como um povo pode
perder liberdade ao receber mais liberdade para escolher de quem comprar os
bens e serviços demandados, independente da nacionalidade do vendedor? Eis um
mistério que somente o “duplipensar” pode explicar.
Chang entende os problemas da gestão estatal, como o uso do
dinheiro da “viúva”, o orçamento ilimitado e a falta de incentivos adequados. Mas
ele acha que o mesmo se dá no setor privado, na mesma escala. Para defender
esta estranha premissa, ele cita exemplos de fracassos no setor privado, como a
WorldCom, e supostos casos de sucesso de empresas estatais, como a Petrobrás e Embraer
no Brasil, e a POSCO na Coréia. Ele apela para a falácia de usar alguns casos
isolados para concluir algo generalizado. Além disso, ele ignora o custo de oportunidade,
ou seja, como teriam sido utilizados os recursos drenados pelo governo para
sustentar por tanto tempo essas estatais. Como já alertava Bastiat, existe
aquilo que se vê e aquilo que não se vê. Para a Petrobrás atingir uma
tecnologia de ponta em águas profundas, quanto custou ao país suas décadas de
monopólio garantido pelo governo? Como estaria o setor atualmente se o governo
tivesse permitido a livre concorrência desde cedo, incluindo empresas estrangeiras?
O caso da Embraer é ainda mais enganoso: o governo sustentou a empresa deficitária
por anos, e apenas com sua privatização ela realmente deslanchou. A POSCO foi
privatizada como um conglomerado bastante ineficiente, que investia em diversos
setores sem ligação alguma.
A inversão que Chang faz em relação ao foco no longo prazo é
total. Para ele, apenas o governo tem esse foco, enquanto o capitalista quer somente
o lucro imediato. É justamente o contrário. O político foca nas próximas eleições,
pois precisa ser eleito para sobreviver como político; enquanto o capitalista
foca na maximização do valor presente dos fluxos de caixa, muitas vezes
distantes no tempo.
Para Chang, entre as principais causas da corrupção estão a
baixa receita tributária do governo e os salários baixos dos funcionários públicos
(que no Brasil ganham, na média, o triplo do que ganha o setor privado).
Reduzir as regulamentações, a burocracia e a quantidade de recursos que
transita pelo governo levaria a um aumento da corrupção! Ele diz com todas as letras:
“A corrupção normalmente existe porque há muitas forças de mercado, não
poucas”. A Rússia que o diga! Ou o Brasil também, um país com problema crônico
de corrupção e um governo totalmente inchado. Chang parece defender o uso de sanguessugas para
curar a leucemia.
Chang se coloca como o “bom samaritano” em defesa dos países
pobres, mas, na verdade, ele é apenas o defensor dos ricos dos países pobres. Seu
discurso nacionalista e protecionista seria abraçado com empolgação pelos
grandes empresários da FIESP, por exemplo, interessados em barrar a livre concorrência
que vem de fora. Nenhum “lobista” dos grandes grupos de interesse dos países
pobres poderia contar com um apoio mais sintonizado que aquele oferecido por
Chang. Após expor tantas falácias, pode-se concluir apenas uma coisa: com “bons
samaritanos” como o senhor Chang, os pobres dos países subdesenvolvidos não
precisam de inimigos!
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