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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Venezuela: incertezas no pos-Chavez (entrevista PRA)

Um assistente do jornalista Sidney Rezende solicitou-me uma opinião sobre a Venezuela pós-Chávez. Como sempre, jornalistas reduzem tudo o que conseguem em poucas linhas, o que deveria valer para o jornal impresso (não para blogs e sites).
Em todo caso, transcrevo primeiro o que saiu publicado, e logo abaixo, a íntegra do que escrevi, para conferir o que faltou...
Eu não disse, exatamente, que o pós-Chávez seria traumático para a Venezuela. Acho, na verdade, que seria uma boa coisa, um alívio, para todos (menos para os que gostam de ditaduras, como os companheiros), mas que o processo, em si, seria traumático, pois ditadores fascistas costumam dividir o país, e contribuir para o aumento da violência, com brigadas de energúmenos armados. Acho que o potencial de termos mais sofrimento humano, além do desastre econômico é muito grande.  
Paulo Roberto de Almeida
Nesta semana, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, internado em Cuba devido a um câncer na região pélvica, foi vítima de uma infecção pulmonar que agravou seu estado de saúde. O quadro aumentou a possibilidade de Chávez não assumir seu novo mandato no próximo 10 de janeiro e acendeu o debate sobre as consequências de uma possível troca de presidente no país.
Para entender melhor o que pode acontecer não só na Venezuela mas em todo o continente americano caso o atual líder deixe o poder, o SRZD conversou com Paulo Roberto de Almeida, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas e professor do Instituto de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília.
Almeida não tem dúvidas de que uma troca no posto mais alto do executivo venezuelano provocaria grandes transformações no contexto político do continente. "As consequências seriam extremamente significativas para a Venezuela, para os países dependentes dos petrodólares e para os alinhados às suas teses políticas, como Bolívia e Equador", afirma.
O professor ressalta que Chávez representou uma mudança de impacto imensurável em sua nação. "Ele minou as bases do antigo sistema político e o substituiu por um baseado na oposição entre o próprio caudilho e todos os demais", comenta Almeida. "Apesar da linguagem de esquerda, seu governo teve traços fascistas como a exaltação de sua figura, a concentração de poderes do executivo, a transformação ideológica das forças armadas e a constituição de brigadas de milicianos".
Segundo o professor, a saída de Chávez do poder também provocaria uma
reviravolta econômica, já que o socialista intensificou a dependência do petróleo na economia "sem qualquer controle institucional sobre esses recursos, convertidos segundo as preferências pessoais do caudilho", nas palavras do especialista.
Se Hugo Chávez não vier a tomar posse em seu novo mandato, Almeida prevê
uma grande instabilidade no país. "É provável que o grau de anomia política, de desestruturação institucional e mesmo de violência política aumentem. Nenhum país consegue sair impune de um regime de exceção como foi o de Hugo Chávez", declara o professor.
Caso a doença impeça Chávez de se manter no poder, novas eleições seriam convocadas em 30 dias. O candidato da situação seria o atual vice-presidente, Nicolás Maduro. Segundo Paulo Roberto, "ele teria de construir seu comando sobre as forças chavistas e estabelecer sua própria legitimidade política, o que não se baseia apenas em resultados eleitorais, mas em apelo popular, o que não se sabe se ele terá".
Por fim, o professor compara a situação com a de países socialistas que passaram por trocas de comando. "Em outras nações, ou se adotou a solução 'dinástica' ou ocorreram rupturas traumáticas. A China, por exemplo, estabilizou temporariamente o regime cuidando da sucessão em bases colegiais, algo impossível na Venezuela. A ruptura ocorrerá mais cedo ou mais tarde. É só uma questão de tempo", conclui Almeida.
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A Venezuela de Chávez no pós-Chávez

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor de Economia Política
no Mestrado e Doutorado do Uniceub (Brasília)
Respostas a questões colocadas por
para site de informações de Sidney Rezende (SRZD)

1) Quais seriam as implicações políticas na Venezuela e no restante do continente americano caso Chávez não possa assumir a presidência no novo mandato?

PRA: Existe inclusive a hipótese de que Hugo Chávez não termine seu atual mandato. Em todo caso, se ele não conseguir tomar posse para um novo mandato presidencial, a partir de 10 de janeiro de 2013, as consequências para a Venezuela seriam extremamente significativas, talvez menos para o resto do continente, embora de grande importância para alguns países dependentes dos petrodólares chavistas, como Cuba, e outros alinhados com suas teses políticas (ditos “bolivarianos”), ou seja, a Bolívia, em primeiro lugar, e de modo bastante significativo, mas talvez o Equador, igualmente. Essas implicações não se resumem à convocação de novas eleições em 30 dias, conforme determina a Constituição por ele mesmo promulgada, mas levarão à completa transformação do panorama político venezuelano, como comentado a seguir.
Do ponto de vista da política e da sociedade venezuelanas, as implicações seriam bem mais relevantes do que a simples sucessão de uma liderança carismática, o que sem dúvida alguma o caudilho militar o foi, dotado de enorme receptividade entre os mais pobres e os militantes de esquerda. Mas o chavismo representou, sobretudo, um conjunto de mudanças de enorme impacto no país, bem mais inclusive do que ditaduras do passado (a de Perez Jimenez, por exemplo, de 1952 a 1958).
O caudilho – que se autodenominou, um pouco abusivamente e arbitrariamente, “bolivariano” – desmantelou completamente as bases do antigo sistema político e o substituiu por um novo, menos baseado na competição livre entre partidos de ideologias diferentes, e bem mais na oposição maniqueísta entre o próprio caudilho (e o seu movimento, depois partido) e todos os demais que não rezavam por sua cartilha, uma mistura de nacionalismo e de marxismo vulgar.  Ele também inaugurou um novo modo de governar, baseado na extrema centralização de decisões em sua própria pessoa (e num número reduzido de áulicos, seguidores e familiares), com impactos significativos sobre a distribuição da principal riqueza do país – os royalties e a venda do petróleo – e sobre o equilíbrio entre os poderes (que de fato cessou de existir). Todas essas mudanças também representaram uma transformação nas bases sociais do regime, uma vez que Chávez alijou completamente os velhos e corruptos oligarcas, mas também a classe média educada, e colocou no aparato do Estado seguidores fieis, que passaram a mobilizar as novas camadas de apoio, basicamente setores subalternos e o enorme contingente de pobres, num país que tinha uma das mais altas rendas per capita do continente (até a desestruturação da economia pelo “socialismo do século 21”).
Curiosamente, a esquerda, venezuelana, continental e mundial, não percebe que Chávez, a despeito de sua linguagem aparentemente de esquerda – feita de invectivas contra o capitalismo, a burguesa, o imperialismo e assemelhados –, criou um regime que pode ser basicamente assimilado ao fascismo mussoliniano e, sob certos aspectos, ao nazismo hitlerista. O fascismo do coronel também está construído com base na exaltação da figura do líder, da extrema concentração de poderes e decisões no executivo – na verdade, no próprio caudilho --, na transformação ideológica das forças armadas e na constituição de brigadas de milicianos devotados – que podem ser equiparados aos antigos camisas negras do fascismo europeu – e na mobilização permanente das massas deseducadas pela completa manipulação dos meios de comunicação e no alijamento destes dos partidos tradicionais, a começar pela oposição política. O fato de que o regime chavista seja bastante identificado com os ideais da revolução cubana – que derivou numa simples tirania personalista – e com alguns slogans aparentemente de esquerda, faz com que muitos observadores, e certamente a própria esquerda, considere o caudilho como um dos seus, quando ele tem, de fato, um DNA fascista claramente expresso no seu perfil mussoliniano. Esta constatação apenas confirma, aliás, que fascismo e socialismo, em lugar de serem opostos, possuem princípios e valores muito semelhantes, senão totalmente coincidentes. O caudilho é o mais próximo exemplo de fascismo latino-americano conhecido nos últimos cinquenta anos no continente, depois do encerramento da experiência peronista em 1955.
Existem, igualmente, enormes implicações econômicas, bem mais para a própria Venezuela do que para outros países, a despeito do fato de que o regime chavista construiu uma rede de “clientes” e dependentes de seus petrodólares. Hugo Chávez, além de desmantelar o antigo sistema político venezuelano, também atingiu profundamente as bases da economia nacional, já anteriormente muito dependente do petróleo, o que foi exacerbado durante o regime chavista, mas sem qualquer controle institucional sobre esses recursos, totalmente convertidos para uso do caudilho, segundo suas preferencias pessoais. Poucos economistas saberiam analisar o orçamento da Venezuela e a contabilidade da PDVSA com bases em critérios normais de contas nacionais ou de normas contábeis aplicadas a empresas, uma vez que o caudilho exerce manipulação sobre todos esses fluxos de recursos. Se em alguma coisa a economia da Venezuela se parece com um regime “socialista”, sem dúvida isso está refletido na enorme penúria de bens de todo gênero no comércio varejista, ademais, e bem mais importante, a estatização dos chamados setores estratégicos da economia, mas também por vezes de simples atividades do terciário que sempre foram privadas. Aqui também o desparecimento do caudilho provocará impacto significativo, pois já não haverá um líder cesarista a decidir sozinho sobre o uso de enormes recursos financeiros como são os da economia petrolífera (ela também bastante diminuída pelo completo descalabro administrativo e a incompetência manifesta que marcaram o regime chavista).

2) Sendo eleito, o atual vice-presidente Nicolas Maduro tenderia a manter a mesma forma de governar de Chávez?

PRA: Se o vice-presidente designado pelo caudilho for eleito, não é seguro que ele consiga manter a unidade das hostes chavistas, seja no PSUV, seja nas forças militares (tanto as das Forças Armadas quanto as da milícias bolivarianas). O que é seguro é que ele jamais conseguiria governar como Chávez, ou seja, manipular completamente todos os poderes e todos os meios de comunicação a seu serviço exclusivo; para isso se requer carisma, por certo, mas também uma vontade férrea para impor sua vontade, dividindo, cooptando e afastando parceiros e aliados, esmagando opositores, concentrando todos os recursos financeiros em suas mãos, e uma série de outras alavancas de poder que apenas o caudilho podia controlar.
Difícil dizer quais seriam as previsões, mas é provável que o grau de anomia política, de desestruturação institucional, e mesmo de violência política aumentem, até o ponto de ruptura e de uma futura “normalização” da qual os contornos exatos estão longe de serem definidos atualmente. Será, em todo caso, uma experiência traumática para a Venezuela, pois nenhum país consegue sair impune de um regime de exceção como foi o de Hugo Chávez, ainda que com aparências formalmente democráticas.
Nicolas Maduro teria de construir seu comando sobre as forças chavistas – o que talvez não seja fácil – e estabelecer sua própria legitimidade política, que não se baseia apenas em resultados eleitorais, mas em apelo popular que não se sabe se ele terá. Ou seja, o potencial de incertezas e de tensões é enorme.

3) E mesmo caso Chávez possa assumir a presidência, a situação no país fica instável devido à doença do presidente estar se agravando?

PRA: Ainda que ele consiga tomar posse em 10 de janeiro de 2013, sua sobrevida física e, sobretudo política, não está assegurada, o que apenas transfere para algumas semanas ou meses além o desenlace que poderia ocorrer atualmente. Talvez o caudilho consiga “institucionalizar o carisma”, o que sempre foi difícil em qualquer regime de tipo autoritário e personalista como o dele. Em alguns países socialistas, se adotou a solução “dinástica” ou familiar, ou ocorreram rupturas traumáticas; a liderança comunista chinesa conseguir estabilizar temporariamente o regime, cuidando da sucessão de líderes em bases colegiais, o que no entanto é impossível em regimes como o castrista ou o chavista. A ruptura ocorrerá, mais cedo ou um pouco mais tarde. É apenas uma questão de tempo...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de dezembro de 2012.

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