Meus Fantasmas Colaboradores
POR FÁBIO KOIFMAN
Historiador
Fabio Koifman - professor de história da Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro (UFRRJ) - fala sobre sua pesquisa a respeito dos
perseguidos do nazismo que imigraram para o Brasil e as coincidências
que encontrou longo de suas investigações.
Entre
1997 e 2000 investiguei a história do diplomata Luiz Martins de Souza
Dantas (1876-1954), em especial, o empenho dele em ajudar os perseguidos
do nazismo quando serviu em Vichy, como embaixador do Brasil na França
ocupada.
Uma
vez levantadas nos arquivos públicos todas as informações relativas à
biografia do diplomata, faltava o essencial: uma lista das pessoas que
haviam sido salvas. Gente que corria perigo sob o regime nazista, como
judeus, comunistas, homossexuais... Quais seriam os seus nomes? Como
atribuir ajuda humanitária sem indicar a quem essa ajuda se destinou?
Carteira de identificação de Adele Ots, a sra. Kowarzki, que recebeu visto do embaixador Souza Dantas
O
jeito foi estudar todas as listas de passageiros dos navios vindos dos
portos europeus no período de junho de 1940 a fevereiro de 1942. A
partir dessa fonte, elaborei uma lista com milhares de nomes e passei a
pesquisar um por um de modo a identificar o responsável pela concessão
do visto para o Brasil.
A
lista de portadores de vistos emitidos irregularmente pelo embaixador
chegou a 500 nomes. A partir daí busquei localizar os que ainda estavam
vivos e entrevistá-los. Meu intuito era instrumentalizar o processo que
acabou sendo formado no Museu do Holocausto em Jerusalém com depoimentos
dos beneficiados visando o reconhecimento do diplomata como um dos
"Justos entre as Nações".
Esses
depoimentos, somados a algumas centenas de documentos que remeti junto
com o livro que escrevi ("Quixote nas Trevas", Record), contribuíram
para que Souza Dantas fosse reconhecido nessa categoria junto àquela
instituição em 2003.
Além
do suor e da metodologia, outro fator contribuiu para a pesquisa: a
ação do que eu chamava de "fantasmas". Para amigos céticos, eram
"coincidências". Com a sucessão das "coincidências", passei a brincar
dizendo que os fantasmas estavam me ajudando.
Considerando
o complexo montar de quebra-cabeças que a pesquisa se constituiu, a
localização de pessoas, dados e documentos em um universo tão amplo de
possibilidades muitas vezes parecia ação do sobrenatural. Até que um dia
descobri a provável identidade dos meus fantasmas.
Homônimos
se constituíram em uma das maiores dificuldades para a identificação
dos estrangeiros salvos pelo embaixador. Um exemplo foi o nome Lazar
Kowarzki. Entre a Primeira e a Segunda Guerra, quatro estrangeiros
entraram no Brasil com esse mesmo nome.
Na
esperança de entrevistar o próprio ou os filhos, telefonei para duas
cidades brasileiras. Nada. Descobri uma viúva brasileira de um dos Lazar
Kowarzki vivendo em Miami. Ao telefone, informou também que se tratava
de homônimo. Restou um quarto e último, cuja documentação, naquele
momento, o Arquivo Nacional não estava disponibilizando.
Ainda
assim solicitei o processo que, por milagre, "desceu". Na época, eu
vivia em um antigo prédio no Flamengo construído no início dos anos
1940, em um apartamento no qual meus avós viveram por mais de 30 anos.
O
prédio possui 68 unidades e a minha era a de número 403. Conferindo os
dados do processo de Lazar Kowarzki confirmei o visto concedido pelo
embaixador e fui surpreendido pelo fato de Lazar ter chegado ao Brasil
acompanhado da esposa e dos pais idosos.
Os
quatro vieram com vistos irregulares emitidos por Souza Dantas. Fui
verificar o endereço residencial que constava no processo. Para minha
surpresa, o endereço era exatamente o meu, com uma diferença apenas:
viviam no apartamento 503, a unidade exatamente acima da minha.
Em
1998, localizei a filha do casal Kowarzki e por ela soube que todos já
haviam falecido. Ao telefone, disse que eu então habitava o 403. Alguns
segundos de silêncio se seguiram. A senhora então disse um pouco
assustada: "mas ali vivia dona Rebecca". Esclareci que essa era
exatamente a minha avó.
Os Kowarzki viveram dos anos 1940 até os anos 1960 ali e depois se mudaram. A filha passara a infância no prédio.
Anos
depois, fui morar em outro apartamento no mesmo bairro. Lendo a
escritura, descobri o nome dos primeiros proprietários do imóvel:
Zalamans e Frieda Snejers. Ambos já falecidos e antigos portadores de
vistos do Souza Dantas.
Deixei os meus quatro fantasmas no antigo apartamento e encontrei outros dois novos para companhia.
Outras
tantas "coincidências" ocorreram e seguem ocorrendo. Sorte deste rato
de arquivo que enfrenta muitos quilômetros lineares de papel para tentar
contribuir com a compreensão de outros tempos neste país. Para tal
empreitada, não dispensa a ajuda sempre bem-vinda dos seus fantasmas
colaboradores.
O texto foi gentilmente cedido ao Café História pela Folha de S.Paulo e pelo autor, Fabio Koifman.
Um comentário:
Ola tenho um amigo, que seu pai veio para o brasil 1941, falava 16 linguas e era um homem com ecesso de inteligencia, e meu amigo acha que ele era nazista, ele queria muito saber,, alguem poderia ajudar ?
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