A caracterização não é do articulista e sim minha: ele faz uma avaliação leniente do partido dos companheiros, censurando-o pelos malfeitos (que atribui a alguns dirigentes), reconhecendo seu papel no sistema político brasileiro, mas esquecendo o principal: o inevitável DNA totalitário dos companheiros e de seu partido, uma indisfarçavel inclinação pela ditadura, pelo controle dos corações e mentes dos cidadãos, pelo monopólio completo sobre o Estado e suas agências executivas. Sem reconhecer isso, fica difícil entender porque o partido derivou para o crime: justamente ele não derivou, essa inclinação é congenital ao espírito totalitário que preside a sua formação e atuação.
Paulo Roberto de Almeida
Aonde irá o PT?
Sergio Fausto*
O Estado de S.Paulo, 22 de dezembro de 2012
Nenhum outro partido tem raízes populares comparáveis às do
PT. Não há outro líder político brasileiro com a história de Lula. Essas duas
credenciais, no entanto, têm sido utilizadas para negar, encobrir e/ou
justificar práticas flagrantemente contrárias ao próprio ideário republicano de
que o partido e seu líder maior se diziam os mais legítimos defensores. Não se
trata de práticas episódicas, mas de ações sistemáticas pelas quais
instituições e recursos públicos são postos a serviço dos interesses do PT e de
seus membros.
É uma tragédia política, porque todo país civilizado precisa
de uma esquerda verdadeiramente republicana e democrática. E o PT, que poderia
representá-la, afasta-se cada vez mais dessa possibilidade. O partido adquire
semelhanças crescentes com o velho PRI mexicano - pela interpenetração de
partido, Estado e sindicatos - e com o peronismo argentino - pelas mesmas
razões, acrescidas da mística criada em torno de seu líder maior.
A possibilidade histórica de o PT representar uma esquerda democrática
e republicana se perdeu - resta saber se definitivamente - em meio à sua
transformação num partido pragmático e organizado. O velho PT sectário, fechado
dentro da esquerda, e consumido por uma vida interna tão vibrante quanto
entrópica, cedeu lugar a uma organização partidária orientada para acumular
recursos financeiros, ganhar eleições e governar com amplas alianças.
A experiência em governos estaduais e municipais de grandes
cidades tornou o partido mais realista e moderado. O acesso a fundos e empregos
públicos em cargos de confiança substituiu, em boa medida, para uma parte
importante da militância, os estímulos morais que a crença ingênua num difuso
ideal socialista oferecia ao petismo original. O horizonte político-teórico
convergiu para o projeto de colocar o "Lula lá". Toda discussão sobre
socialismo e democracia, ética e política foi posta à margem.
Quando o PT chegou ao governo federal, abriram-se portas
ainda mais largas para fortalecer a máquina partidária, organizações e
movimentos ligados ao partido. Além disso, criaram-se perspectivas de ascensão
social sem precedentes para quadros e militantes partidários. Por meios
formalmente legais (nomeação para cargos de confiança, transferência de parte
da contribuição obrigatória às centrais sindicais, etc.) ou inteiramente
ilícitos, o governo Lula atuou com desenvoltura, em todas as frentes, para
contemplar o conjunto dos apetites. O presidente foi pródigo, pelo menos na
complacência com o malfeito. Como houve maior redução da desigualdade e da
pobreza em seu governo, qualquer crítica passou a ser "udenismo
golpista".
O paradoxo desse processo é que a incorporação do PT ao
governo e às elites políticas - um elemento indispensável e positivo da
democratização do País -, ao invés de fortalecer, enfraqueceu as instituições e
a ética republicanas. Um conservador cínico diria que esse foi o custo
inevitável para domesticar o partido. Para quem não é uma coisa nem outra, cabe
fazer duas perguntas: era realmente inevitável? E, mais importante, devemo-nos
conformar com esse custo, mesmo sabendo que ele se pode perpetuar e crescer?
Há exemplos históricos recorrentes de que a ascensão de
novos grupos sociais à elite política vem acompanhada de aumento da corrupção.
Esta frequentemente ganha caráter sistemático quando a democratização da elite
se faz pela entrada de partidos de massa e corporações sindicais. Dessa
perspectiva, a Europa é a exceção no mundo ocidental. Nos Estados Unidos, essa
foi a regra, em particular nas grandes cidades industriais do norte, como Nova
York e Chicago. Na América Latina também, salvo no Chile e no Uruguai.
Essa constatação, porém, não isenta os atores políticos de
responsabilidade. No caso do PT, sobressaem dois movimentos concomitantes ao
longo de sua história: de um lado, seus líderes e sua militância, com honrosas
exceções, jamais assumiram como patrimônio coletivo da democracia brasileira a
construção institucional feita a partir da Constituição de 1988 (valeram-se
dessas instituições, isso sim, seletiva e instrumentalmente, como é notório na
relação esquizofrênica do partido com o Ministério Público e a imprensa); de
outro, curvaram-se à lógica da conquista e manutenção do poder quando esta se
chocou com princípios éticos em episódios cruciais da trajetória do partido.
Nunca será demais lembrar de Paulo de Tarso Venceslau,
militante histórico da esquerda e então secretário de Finanças de São José dos
Campos, que em 1995 levou ao conhecimento de Lula denúncias sobre um esquema de
corrupção orquestrado por Roberto Teixeira, empresário-compadre do líder maior
do partido, em prefeituras do PT. Para apurar as denúncias criou-se uma
comissão que recomendou punição a Teixeira. Nada foi feito. Três anos depois,
Venceslau seria expulso do partido. Dos membros daquela comissão, o único a se
insurgir foi Hélio Bicudo. E se outros tivessem tido a sua coragem? E se Lula
tivesse dado o exemplo, cortando na própria carne? A verdade é que não dá para
se esconder atrás da história e da sociologia para justificar tudo isso que
está aí.
Coragem cívica anda em falta. Não se espere isso dos
apparatchiks da máquina petista. O que mais constrange é o silêncio dos
intelectuais próximos ao partido. Uma exceção é Eugênio Bucci. Leia-se e
releia-se o seu O inferno astral da estrela branca" (29/11, A2). Diz ele
que o PT "precisa arcar com a responsabilidade de fortalecer a democracia
que ajudou a conquistar". O difícil é que isso implica enfrentar a herança
de Lula e José Dirceu, sem os quais, para o bem e para o mal, o PT não seria o
que é hoje.
Uma coisa é certa: o PT não mudará enquanto estiver no
Planalto. Caberá aos eleitores fazê-lo descer novamente à planície. Pois só a
derrota ensina.
Prezado professor, participas ou colaboras com o Instituto Millenium?
ResponderExcluirMoskinha,
ResponderExcluirNão sou membro de nenhum partido, nenhuma instituição, nenhum agrupamento formal, pois pretendo conservar meu livre arbítrio.
Colaboro com todas as iniciativas que me parecem coincidir com meus objetivos e valores, de defesa da liberdade, da democracia, dos direitos humanos, da total autonomia do indivíduo em face do Estado.
Paulo Roberto de Almeida